Pena criminal. Redução, na terceira etapa (art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006), no grau máximo (2/3).
Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC.
Apelação Criminal (Réu Preso) n. 2009.059993-7, de Araranguá
Relator: Des. Irineu João da Silva
PENA CRIMINAL. REDUÇÃO, NA TERCEIRA ETAPA (ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006), NO GRAU MÁXIMO (2/3). CRITÉRIO EM DESACORDO COM O ORDENAMENTO JURÍDICO. INSURGÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA O DECRÉSCIMO NO PATAMAR MÍNIMO DE 1/6 (UM SEXTO), COMO MEDIDA NECESSÁRIA À REPROVAÇÃO E PREVENÇÃO DO CRIME. RECURSO MINISTERIAL PROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2009.059993-7, da comarca de Araranguá (Vara Criminal), em que é apelante a Justiça Pública, por seu promotor, e apelado Jardel da Silva Valhate:
ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, para adequar a reprimenda, nos termos deste acórdão. Custas legais.
RELATÓRIO
O representante do Ministério Público oficiante na Comarca de Araranguá (Vara Criminal) ofereceu denúncia contra Jardel da Silva Valhate, como incurso nas sanções do art. 33, "caput", da Lei n. 11.343/2006, pelos seguintes fatos descritos na proemial acusatória (fls. II/III):
De acordo com o apurado no auto de prisão em flagrante que instrui a presente incoativa, no dia 12 de dezembro de 2008, por volta das 17h, o denunciado Jardel da Silva Valhate foi surpreendido por agentes da polícia militar, na residência localizada na Rua Dona Izabel, s/n, Bairro Área Verde, próximo ao estabelecimento comercial Pesque e Pague, em Araranguá/SC, no momento em que tinha em depósito, guardava e trazia consigo, consciente e voluntariamente, um total de 39 (trinta e nove) pedras de droga que, periciada (laudos de constatação provisória de fls. 12 e 30), revelou ser cocaína em sua forma básica, vulgarmente conhecida como "crack", substância entorpecente capaz de determinar dependência física e psíquica, sem autorização legal ou regulamentar.
Registre-se, por oportuno, que, no momento da abordagem policial, o denunciado Jardel da Silva Valhate correu para os fundos da casa onde se encontravam diversos usuários de tóxicos, retirou um pacote do bolso e jogou 28 (vinte e oito) pedras de "crack" (fl. 13) no terreno situado nos fundos daquela residência.
Ato contínuo, em procedimento de busca realizado pelos agentes policiais, constatou-se que o réu Jardel da Silva Valhate guardava e tinha em depósito, consciente e voluntariamente, no interior de um pote plástico, no pátio localizado nos fundos do imóvel, mais 11 (onze) pedras de "crack" (fl. 20).
Por fim, foram apreendidos no local, em poder do denunciado Jardel da Silva Valhate, sem qualquer justificativa idônea, a quantia de R$ 100,00 (cem reais) em espécie, em cédulas de diversos valores, guardadas dentro de um isopor, vários materiais plásticos que são usados para acondicionar droga e 10 (dez) maricas, espécie de cachimbo utilizado para consumir "crack", cujos bens são indicativos da comercialização de entorpecente (termo de apreensão de fls. 15/16).
Concluída a instrução criminal, a denúncia foi julgada procedente, para condenar Jardel da Silva Valhate ao cumprimento da pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e pagamento de 170 (cento e setenta) dias-multa, cada qual no seu valor mínimo legal, pela prática do crime previsto no art. 33, "caput", da Lei n. 11.343/2006 (fls. 145/149).
Inconformado com a prestação jurisdicional, o representante do Ministério Público apelou, requerendo a aplicação da causa de especial diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei de Tóxicos, em 1/6 (um sexto), pela natureza e quantidade da droga apreendida (fls. 155/161).
Nas contra-razões, o réu pugnou pelo reconhecimento de nulidade da sentença, por falta de fundamentação, e, no mérito, pelo não provimento do recurso (fls. 168/175).
Com vista dos autos, a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Jobél Braga de Araújo, manifestou-se pelo conhecimento e provimento do apelo (fls. 180/184).
VOTO
Com razão o representante do Ministério Público, pois a aplicação do redutor em seu patamar máximo não responde, de maneira satisfatória, ao intuito de prevenção e repressão em face da conduta criminosa do recorrente, visado pela Nova Lei de Drogas.
Extrai-se dos autos que, na terceira fase, o sentenciante reconheceu a causa especial de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, em razão de o acusado não ser detentor de maus antecedentes, primário e não integrante de organização criminosa, reduzindo a pena em 2/3 (dois terços).
Sobre o tema, recorre-se a elucidativo acórdão da lavra do eminente Des. Tulio José Moura Pinheiro, na Ap. Crim. n. 2008.033444-8, de Navegantes, j. 29.7.2008:
Destarte, deve o aplicador da lei, necessariamente, analisar a natureza da droga comercializada, bem como os efeitos causados em seus usuários, já que o comércio de entorpecentes, de conseqüências estarrecedoras e de grau de dependência química alarmoso, tais como o "crack", hipótese dos autos, deve ser suficientemente reprovado e censurado, como forma de punir o indivíduo pela alta nocividade de sua conduta à sociedade e à saúde pública.
Acerca dos malefícios do indigitado psicotrópico, esclarece João Gaspar Rodrigues:
O "crack" é a cocaína fumada na forma de base livre, obtido por aquecimento do cloridrato de cocaína, água e um agente de caráter básico (álcali) que no geral é o bicarbonato de sódio, como pode ser também a soda cáustica ou amônia. Ele também pode ser preparado a partir da pasta de cocaína. É cinco vezes mais potente que a própria cocaína e produz dependência com muita facilidade e quase que imediatamente após seu primeiro ou segundo uso. Ao ser usado, o crack produz vapores que atingem a corrente sangüínea, após cruzarem os pulmões, rapidamente e de forma concentrada. [...]. O "crack", por ser fumado, alcança o pulmão, que é um órgão intensamente vascularizado e com grande superfície, levando a uma absorção instantânea. Através do pulmão, cai quase imediatamente na circulação cerebral, chegando rapidamente ao cérebro. Com isto, pela via pulmonar, o "crack" "encurta" o caminho para chegar no cérebro, surgindo os efeitos da cocaína muito mais rápido do que por outras vias. Em 10 (dez) a 15 (quinze) segundos os primeiros efeitos já ocorrem, enquanto que os desdobramentos após cheirar o 'pó' de cocaína acontecem após 10 (dez) a 15 (quinze) minutos e após a injeção, em 3 (três) a 5 (cinco) minutos. Essa característica faz do "crack" uma droga '"poderosa" do ponto de vista do usuário, já que o prazer acontece quase que instantaneamente após uma "pipada". Os efeitos produzidos no usuário são basicamente iguais ao da cocaína, porém muito mais intensos. Provocam um estado de excitação, hiperatividade, insônia, perda de sensação do cansaço, falta de apetite. Este último efeito é muito característico do usuário de crack e merla. Em menos de um mês ele perde muito peso (8 a 10 kg) e num tempo um pouco maior de uso ele perde todas as noções básicas de higiene, ficando com um aspecto deplorável. Por essas características, os usuários de "crack" (craqueros) são facilmente identificados. O curioso é que em função dessa meteórica degradação física, ao contrário do que acontece com outras drogas, o usuário de "crack" tem plena consciência que a sua transformação é devida ao próprio "crack". Estudos realizados demonstram que apenas 25% dos alcoólatras admitem que o álcool é a causa de seus problemas; na cocaína, esse percentual é de 73% e no "crack" é de 100%. [...]. A meia vida dos efeitos do "crack" é muito rápida, em média duram em torno de 5 (cinco) minutos, enquanto que após injetar ou cheirar, em torno de 20 (vinte) e 45 (quarenta e cinco) minutos, respectivamente, razão pela qual a compulsão (fissura) pelo seu uso é muito mais poderosa que a desenvolvida pela cocaína (aspirada ou injetada). Com o "crack", praticamente, não há intervalo entre a experimentação e a dependência; enquanto o álcool leva em média 1 (um) ano para desenvolver a dependência e a cocaína 4 (quatro) meses, o "crack" em menos de um mês torna o usuário dependente" (in Tóxicos, Bookseller, 2001, p. 62/66).
A propósito, esta Corte já se pronunciou:
NARCOTRÁFICO - RECURSO MINISTERIAL - JUÍZO "A QUO" QUE REDUZ A REPRIMENDA COM ESPEQUE NO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/06 - PARÂMETRO ABSTRATO DE DIMINUIÇÃO ESTABELECIDO PELO DISPOSITIVO LEGAL ENTRE 1/6 (UM SEXTO) A 2/3 (DOIS TERÇOS) - REPRIMENDAS MINORADAS EM PRIMEIRA INSTÂNCIA PELA METADE - PLEITO VISANDO O DECRÉSCIMO NO PATAMAR MÍNIMO - PROCEDÊNCIA - QUANTIDADE NÃO DIMINUTA E NATUREZA DO ENTORPECENTE APREENDIDO QUE REVELAM SIGNIFICATIVA POTENCIALIDADE LESIVA. [...]. (Ap. Crim n. 2006.048710-7, rel. Des. José Carlos Carstens Köhler, j. 15.5.2007).
Discorrendo sobre a influência da nocividade da droga, na concessão do redutor aportado com a Nova Lei, em delito em que o réu havia sido flagrado na posse de 34 pedras de "crack", recolhe-se de julgado do eminente Desembargador AMARAL E SILVA:
O "crack" constitui droga pesada e, é cediço, gera graves e irreversíveis danos ao corpo humano, causando dependência já na primeira vez que é utilizado, oferecendo grandes danos à saúde pública e grandes riscos sociais.
Tais circunstâncias não permitem conceder a diminuição, ainda que na fração mínima, em face da perniciosidade e da quantidade da droga, longe de ser inexpressiva (Ap. Crim. n. 2007.032504-4, de Itajaí , j. 22.8.2007).
Nesse sentido, atendendo-se às peculiaridades do caso em concreto, considerando a natureza da substância apreendida, 39 pedras de "crack", quantidade razoável, de elevado grau de capilaridade e multiplicação de usuários, como pela própria danosidade à saúde, diante da dependência química que causa, bem assim, pelas seqüelas provocadas pelo seu uso (vide Rec. Agr. n. 2007.017220-9, de Blumenau, rel. Des. Amaral e Silva, j. 26.9.2007), opera-se a redução em 1/6 (um sexto), perfazendo o total de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de reclusão, o mesmo ocorrendo com a pena de multa, a qual fica dosada em 425 (quatrocentos e vinte e cinco) dias, no valor fixado na sentença, mantidas as demais cominações do "decisum" de primeiro grau.
Por outro lado, o pedido da defesa, formulado na resposta ao recurso do Ministério Público, relativo ao reconhecimento de nulidade da sentença, não deve ser conhecido, porquanto ausente a necessária interposição de apelação pelo réu.
Sabe-se que "as alegações apresentadas pela defesa em contra-razões de apelação não podem ser apreciadas pelo tribunal, sob pena de ferir-se o princípio de igualdade entre as partes, sendo certo, ainda, que em processo penal inexiste o chamado recurso adesivo previsto no art. 500 do CPC (TACRIM-SP - AP. 730.103-1 - Rel. Wilson Barreira - RJD 23/7)" (FRANCO, Alberto Silva. Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial, v. 2, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 2956).
Nesse diapasão:
Em contrarrazões, não cabe ao apelado formular pedido, mas, somente, rebater os argumentos expostos pelo apelante, pena de não conhecimento (Ap. Crim n. 2008.032404-5, de Chapecó, rel. Des. Amaral e Silva, j. 25.8.2009).
DECISÃO
Diante do exposto, decidiu a Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, para adequar a reprimenda, nos termos deste acórdão.
O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Sérgio Paladino, sem voto, e dele participaram os Exmos. Srs. Des. Salete Silva Sommariva e Túlio José Moura Pinheiro, lavrando parecer, pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. Jobél Braga de Araújo.
Florianópolis, 17 de novembro de 2009.
Irineu João da Silva
Relator
Gabinete Des. Irineu João da Silva
Publicado em 15/12/09
JURID - Pena criminal. Redução, na terceira etapa (art. 33, § 4º). [18/12/09] - Jurisprudência
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