Professor conquista direito de retorno ao cargo após demissão.
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
FÓRUM "DESEMBARGADOR MIGUEL SEABRA FAGUNDES"
JUÍZO DE DIREITO DA 3ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE NATAL
AÇÃO ORDINÁRIA - PROCESSO Nº 001.08.006143-6
AUTOR: MARCELO OLIVEIRA DOS SANTOS
ADVOGADOS: MARCEL JOSÉ NAZARO NOBRE E OUTRO
RÉU: ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
EMENTA: AÇÃO ORDINÁRIA. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. AFASTAMENTO DAS ATRIBUIÇÕES. FATO CARACTERIZADO, EM TESE, COMO ABANDONO DE CARGO. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR QUANDO JÁ DECORRIDOS MAIS DE 05 (CINCO) ANOS DA PRÁTICA DA PRETENSA FALTA FUNCIONAL. IMPOSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 153 DA LEI COMPLEMENTAR N. 122/1994 . PRESCRIÇÃO CARACTERIZADA. REINTEGRAÇÃO AO CARGO ANTERIORMENTE OCUPADO. RECONSTITUIÇÃO DA CARREIRA E RESSARCIMENTO DE VANTAGENS. PROCEDÊNCIA, EM PARTE, DO PEDIDO INICIAL.
I - RELATÓRIO
MARCELO OLIVEIRA DOS SANTOS, qualificado, representado por advogado, ajuizou AÇÃO ORDINÁRIA em face de ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, igualmente qualificado, aduzindo, em síntese, que: na condição de servidor público estadual, ocupante do cargo de professor, teria solicitado, em dezembro de 1999, a concessão de licença, não remunerada, pelo prazo de 03 (três) anos, para tratar de assuntos pessoais; por desconhecer os trâmites daquele requerimento, não recebendo as informações necessárias, afastou-se do serviço imediatamente, acreditando que a autoridade competente adotaria as diligências cabíveis para a formalização do seu pleito; como os seus vencimentos foram suspensos dois meses depois, estaria confirmado, a seu ver, a concessão do benefício; em 02 de janeiro de 2003, transcorrido o período de 03 (três) anos, procurou a Secretaria Estadual de Educação e Cultura para reassumir as suas funções; na ocasião, foi informado de que o processo instaurado para a concessão da licença não teria sido localizado, inexistindo, ainda, qualquer publicação autorizando o seu afastamento do serviço público; ainda assim, recebeu a informação de que a sua matrícula encontrava-se ativa, de modo que poderia retornar as suas funções; materializou requerimento nesse sentido, pelo que foi convocado a prestar informações a Comissão Permanente de Sindicância e Inquérito, que, ao final dos trabalhos, concluiu pela configuração de abandono de cargo, sendo-lhe, por consequência, aplicada a pena de demissão; além de injusta, a cominação originou-se de procedimento nulo, por vício de forma, porque instaurado após o transcurso do prazo prescricional, não obedecendo, ainda, o período máximo para o seu término, ambos, inclusive, previstos em lei. Com estes argumentos, requereu a imediata reintegração ao cargo de professor e o restabelecimento de sua remuneração, com o pagamento das parcelas vencidas, àquele título, desde janeiro de 2003.
Com a inicial, foram juntados os documentos de fls. 14/67.
Devidamente citado, o Estado do Rio Grande do Norte contestou o pedido inicial, às fls. 75/79, pleiteando a sua improcedência, sob o argumento de que a exoneração da parte autora decorreu de apuração criteriosa, dotada de contraditório e ampla defesa, que findou por concluir pela materialidade de abandono de cargo, incompatível com a atividade de servidor público.
Em promoção de fls. 81/84, o Órgão do Ministério Público declinou de sua intervenção no feito, ante a ausência de interesse público primário.
Relatado, decido.
II - FUNDAMENTOS
A parte autora busca a reintegração ao cargo de professor da rede estadual de ensino, com o correspondente pagamento da sua remuneração, sob o argumento de que a penalidade que lhe foi aplicada (demissão), por abandono de cargo, afigura-se injusta e ilegítima, além de ter sido decretada em procedimento administrativo eivado de nulidade, alcançado, inclusive, pela prescrição.
Constituindo, pois, matéria exclusivamente de direito, o mérito da demanda não exige produção de provas em audiência, circunstância que autoriza, necessariamente, o julgamento antecipado da lide, nos moldes do artigo 330, I, do Código de Processo Civil.
Nesse mesmo sentido:
"Presentes as condições que ensejam o julgamento antecipado da causa, é dever do juiz, e não mera faculdade, assim proceder"(1).
Pois bem, pelo que consta dos autos, precisamente dos documentos de fls. 24/26, desde setembro/outubro de 1999 o Estado do Rio Grande do Norte tem ciência do afastamento do demandante de suas atribuições habituais, suspendendo, inclusive, os seus vencimentos a partir de novembro daquele ano.
Desde aquele primeiro período, portanto, o ente público poderia e deveria ter adotado as providências necessárias para a apuração do fato, caracterizado, em tese, como abandono de cargo, e aplicação da respectiva sanção disciplinar - demissão.
Permaneceu inerte, porém, durante longo período, movimentando-se, naquele sentido, somente em dezembro de 2005, quando protocolou o processo administrativo n. 128/2005.
Nesse momento, porém, e em consonância ao que reza o artigo 153, I, da Lei Complementar n. 122/1994 - Estatuto dos Servidores Públicos do Estado do Rio Grande do Norte, o prazo prescricional para o ajuizamento da ação disciplinar, qual seja, 5 - cinco - anos, já teria sido ultrapassado, precisamente em outubro/novembro de 2004.
Logo, a pena de demissão, aplicada em face da parte autora, por suposto abandono de cargo, afigura-se, sem qualquer óbice, ilegítima e ilegal, não podendo, subsistir, portanto.
Sobre o assunto, confiram-se os seguintes julgados:
"EMENTA: ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. PENA DE DEMISSÃO POR ABANDONO DE CARGO. PRAZO PRESCRICIONAL. LEI ESTADUAL N.º 10.261/68. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO. OCORRÊNCIA.
1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça se firmou no sentido de que somente se aplica o prazo prescricional previsto na legislação penal quando os fatos também forem apurados na esfera criminal. No presente caso, não houve apuração na esfera criminal, devendo, portanto, ser aplicado o prazo prescricional previsto na legislação administrativa estadual.
2. Instaurado o processo administrativo disciplinar e aplicada a pena de demissão após o prazo de 05 (cinco) anos, previsto na Lei Estadual nº 10.261/68, contados do conhecimento de existência de falta pela autoridade, deve ser reconhecida a prescrição da pretensão punitiva do Estado.
3. Recurso ordinário conhecido e provido." (STJ; RMS nº 19087/SP; Órgão Julgador: 5ª Turma; Relatora: Min. Laurita Vaz; data do julgamento: 19.06.2008).
"EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. DEMISSÃO POR ABANDONO DE CARGO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO. OCORRÊNCIA.
1. "Havendo cometimento por servidor público de infração disciplinar também tipificada como crime, somente se aplica o prazo prescricional previsto na legislação penal quando os fatos também forem apurados na esfera criminal" (RMS 19.887/SP, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, DJ 11/12/2006).
2. Aplicada a pena de demissão após o prazo legal de 18 (dezoito) meses, previsto na Lei Complementar Estadual nº 10.098/94, contados do conhecimento do abandono do cargo pelo superior hierárquico da impetrante, deve ser reconhecida a prescrição da pretensão punitiva do Estado.
3. Recurso ordinário provido." (STJ; RMS nº 11335/RS; Órgão Julgador: 6ª Turma; Relatora: Min. Maria Thereza de Assis Moura; data do julgamento: 15.03.2007).
"EMENTA: CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. SERVIDORA PÚBLICA. REINTEGRAÇÃO. ALEGADO ABANDONO DE CARGO. NÃO COMPROVAÇÃO. FOLHAS DE FREQÜÊNCIA CONTRADITÓRIAS. DEMISSÃO EM PLENO GOZO DE LICENÇA PARA TRATAR DE INTERESSE PARTICULAR. OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. PEDIDO DE REVISÃO. NOVA PENA DE DEMISSÃO. PRESCRIÇÃO DA PRETENÇÃO PUNITIVA ADMINISTRATIVA. INDENIZAÇÃO CORRESPONDENTE AOS SALÁRIOS NÃO AUFERIDOS A PARTIR DA DEMISSÃO. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. PRECEDENTES.
O servidor público estável não pode ser desligado senão em virtude de sentença judicial transitada em julgado, ou através de processo administrativo em que lhe seja assegurado ampla defesa." (TJ/RN; Apelação Cível nº 2008.000559-2; Órgão Julgador: 3ª Câmara Cível; Rel.: Juiz Convocado Virgílio Fernandes de Macêdo; data do julgamento: 03.04.2008).
Por óbvio, o servidor público, ora demandante, deve ser reintegrado ao cargo, com a reconstituição da respectiva carreira e o ressarcimento de todas as vantagens, conforme determina o artigo 28 da Lei Complementar Estadual n. 122/1994.
Ainda assim, não lhes são devidas as parcelas vencidas, a título de remuneração, desde janeiro de 2003, como pretende.
Isto porque não existe prova de que a licença para tratar de assuntos pessoais teria sido realmente pleiteada em 1999, tampouco deferida pelo prazo de 03 - três - anos.
Nesse contexto, também inexiste aos autos qualquer prova que demonstre a intenção do autor em retornar ao serviço naquele período (janeiro de 2003). Ao contrário, o requerimento materializado pelo mesmo, naquele sentido, data de maio de 2004 (fls. 20).
Diante disso, entendo que o ressarcimento das vantagens, em benefício do demandante, deverá ter, como marco, o término do prazo prescricional, qual seja, setembro de 2004, porque, a partir de então, nenhuma medida poderia ter sido tomado pelo Poder Público em razão do suposto abandono de cargo.
Logo, a remuneração pelo cargo, bem assim todas as vantagens, deverão ser pagas, como efeitos retroativos a outubro de 2004, acrescidas, por óbvio, de correção e juros de mora.
Do que foi dito, impõe-se a procedência, em parte, do pedido inicial.
III - DISPOSITIVO
Ante ao exposto, julgo procedente, em parte, o pedido inicial, para que o Estado do Rio Grande do Norte promova a reintegração de MARCELO OLIVEIRA DOS SANTOS ao cargo público do qual foi demitido por intermédio do processo administrativo n. 128/2005, em razão do reconhecimento da prescrição para o ajuizamento de ação disciplinar que aplicou-lhe a pena de demissão, com a reconstituição da respectiva carreira e o ressarcimento de todas as vantagens desde outubro de 2004, acrescida de juros de mora e correção monetária, na forma da lei.
Condeno, ainda, o Estado do Rio Grande do Norte no pagamento de honorários advocatícios, que arbitro em R$ 300,00 (trezentos reais), considerados que foram, principalmente, o grau de zelo do profissional, bem assim a complexidade da causa.
Transitada em julgado, arquive-se, com a respectiva baixa na distribuição.
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
Natal, 07 de dezembro de 2009.
Ana Claudia Secundo da Luz e Lemos
Juíza de Direito
Notas:
1 - STJ, 4ª Turma, Resp 2.832-RJ, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j. 14.08.90, negaram provimento, v. u., DJU 17.09.90. [Voltar]
JURID - Professor retornará ao cargo. [10/12/09] - Jurisprudência
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