Apelação. Homicídio culposo. Delito de trânsito. Culpa do réu.
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - TJRS.
APELAÇÃO CRIME
TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL
Nº 70029748464
COMARCA DE ALVORADA
APELANTE: VILMAR DE VARGAS COIMBRA
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO
APELAÇÃO - HOMICÍDIO CULPOSO - DELITO DE TRÂNSITO - CULPA DO RÉU - IMPRUDÊNCIA E NEGLIGÊNCIA COMPROVADAS - EXCLUDENTE DE ILICITUDE - IMPOSSIBILIDADE - CONDENAÇÃO MANTIDA - APENAMENTO - SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR.
1. Age com culpa, na modalidade imprudência e negligência, quem adentra em via preferencial desatento, sem as cautelas necessárias, causado a colisão com outro que vinha na via preferencial.
2. Eventual culpa concorrente da vítima que conduzia seu veículo com excesso de velocidade, não afasta a culpa do acusado, vez que, em sede criminal, culpas não se compensam.
3. É inconciliável a excludente prevista no art. 23, inciso III, do Código Penal com os delitos de natureza culposa.
NEGADO PROVIMENTO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo defensivo, nos termos do voto da Relatora.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores DES. NEWTON BRASIL DE LEÃO (PRESIDENTE) E DES. ODONE SANGUINÉ.
Porto Alegre, 10 de dezembro de 2009.
DES.ª ELBA APARECIDA NICOLLI BASTOS,
Relatora.
RELATÓRIO
DES.ª ELBA APARECIDA NICOLLI BASTOS (RELATORA):
VILMAR DE VARGAS COIMBRA foi denunciado como incurso nas sanções do art. 302, caput, da Lei 9.503/97, pela prática do seguinte fato delituoso:
"Em 16 de junho de 2004, por volta das 12h, na Rua Tenente Eugênio Duarte, Bairro Jardim Algarve, em Alvorada/RS, na via pública, o denunciado VILMAR DE VARGAS COIMBRA praticou homicídio culposo, na direção da viatura, marca VW/Santana, placa IPC-1298 de Porto Alegre, chassi 9BWAC03X21P017000, pertencente à Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul (auto de apreensão fl. 07), ao colidir contra o veículo VW/Fusca 1500, verde, placas IAZ-0159, pertencente à vítima Lindomar Antônio da Cunha (fl. 29), causando-lhe as lesões descritas na certidão de óbito de fl. 17, que anota como causa da morte "(...) politraumatismo (morte violenta) (...)".
Na ocasião, o denunciado conduzia a viatura policial quando adentrou, de forma imprudente, no cruzamento das Ruas Eugênio Duarte com Elmira Pereira Silveira e invadiu a preferência do veículo da vítima, causando-lhe o sinistro e a morte dessa.
O local possui placas de sinalização, no sentido em que se deslocava o denunciado, alertando sobre a periculosidade do cruzamento (fls. 39/40)."
A denúncia foi recebida em 17 de junho de 2005. (fl. 77v).
Citado (fl. 87v) e interrogado (fls. 89/90) o acusado apresentou defesa prévia (fls. 162/165).
Na instrução foram ouvidas seis testemunhas (fls. 114, 158, 176/178 e 189/191).
Encerrada a instrução (fl. 192), trouxeram as partes seus memoriais.
O Ministério Público requereu a condenação do acusado nos termos da denúncia (fls. 195/202), ao passo que defesa técnica pugnou por absolvição (fls. 207/216).
Em 25 de abril de 2008, sobreveio sentença, da lavra da Pretora, Drª. Melba Elisabeth Reginato Zardo, julgando procedente a ação penal para condenar Vilmar de Vargas Coimbra à pena de 02 anos de detenção, a cumprir em regime inicial aberto, cumulada com suspensão da habilitação pelo prazo de 02 meses, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito consistente na prestação de serviços à comunidade pelo período da pena infligida e prestação pecuniária de 01 salário mínimo, por incurso nas sanções do art. 302, caput, da Lei 9.503/97 (fls. 217/226).
O acusado opôs embargos de declaração (fls. 230/232), os quais foram parcialmente acolhidos para afastar a tese defensiva de ter o acusado atuado sob o pálio de uma causa excludente de ilicitude, qual seja, o estrito cumprimento do dever legal (fls. 233/234)
Inconformado, o acusado apelou (fl. 236). Nas razões, a defesa requereu a absolvição do acusado atribuindo culpa exclusiva à vítima e sustentando a incidência de causa excludente da ilicitude, qual seja, estrito cumprimento do dever legal (fls. 264/274).
O Ministério Público apresentou contra-razões (fls. 279/285).
Em parecer escrito, o Procurador de Justiça, Dr. Ricardo Vaz Seelig, opinou pelo improvimento do apelo defensivo (fls. 286/288v).
Vieram os autos conclusos para julgamento.
É o relatório.
VOTOS
DES.ª ELBA APARECIDA NICOLLI BASTOS (RELATORA):
VILMAR DE VARGAS COIMBRA inconformado com a condenação de 02 anos de detenção cumulada com a suspensão da habilitação por 02 meses por incurso nas sanções do art. 302, caput, da Lei 9.503/97 apelou, nos termos relatados.
Registro de início que a sentença foi proferida em 25 de abril de 2008, porém foram opostos embargos de declaração em 13 de maio, os quais foram julgados em 27 de maio pela MMª Pretora e publicados em 03 de junho. O recurso foi interposto em 03 de junho de 2008, porém as razões somente foram apresentadas em 27 de julho de 2009, razão pela qual a demora do presente recurso.
A materialidade e a autoria são inquestionáveis no feito, restringido-se as controvérsias acerca da culpa do acusado.
Alega a defesa técnica, a inexistência de conduta culposa do acusado, atribuindo culpa exclusiva à vítima que conduzia seu veículo em velocidade excessiva para o local, bem como sustenta estar presente causa excludente de ilicitude do estrito cumprimento do dever legal, uma vez que sua atenção foi desviada por um grito, um socorro.
O acusado tanto na fase policial (fl. 61/62) como na fase judicial (89/90) narrou que, ao se aproximar do cruzamento entre as ruas Eugênio Duarte e Elmira Pereira Silveira, teve sua atenção desviada por uma pessoa que lhe acenava de um ponto de ônibus próximo a esquina. Pensou que a pessoa estava pedindo-lhe socorro e olhou para averiguar, momento em que o veículo da vítima - que vinha em velocidade incompatível com o local - e do acusado colidiram.
A versão oferecida não restou apurada nos autos.
Hamilton Pedro Cardoso (fl. 114), pedestre, referiu que iria atravessar a Avenida C, tendo olhado para o lado e avistado um veículo depois constatado era o do denunciado, vindo em velocidade incompatível com o local. Após ter verificado o trânsito no lado inverso da Avenida, voltou a olhar para o lado que é o da Cidade de Porto Alegre (direção em que vinha o veículo da vítima), ocasião em que viu os carros se chocarem. Assentou que não ouviu gritos ou chamados antes do choque dos automóveis.
Silvio Luis Flores de Henrique (fl. 158) disse não ter presenciado o acidente, pois estava na Delegacia de Polícia em Plantão. No entanto, referiu que no local é comum ter acidentes, ante a falta de sinalização.
Gerson Linck de Andrade (fl. 176) não presenciou o choque entre os veículos, mas ouviu comentários que a vítima vinha em alta velocidade. Referiu que "já ocorreram diversos acidentes, ali, inclusive já presenciou. Que em certa ocasião teve um acidente em que um caminhão entrou dentro de uma casa."
Rodrigo Furlani, testemunha ocular do acidente prestou depoimento em Juízo (fls. 189/191) bastante conclusivo. Narrou a testemunha que trabalhava no Supermercado e viu a colisão, in verbis:
"(...)
Juiz: O que aconteceu Rodrigo? Testemunha: Tinha a viatura vinha nessa ali Rua Tenente Eugenio Duarte e a preferencial era a avenida Elmira Pereira Silveira e ele invadiu a preferencial. Juiz: Ele não parou na esquina? Testemunha: Não. Juiz: Ia atravessar? Testemunha: Isso. Juiz: E acabou provocando então o acidente? Testemunha: Correto. Juiz: E bateu num fusca? Testemunha: Num fusca. Juiz: Tu chegaste ir até o local prestar socorro ou alguma coisa? Testemunha: Não. Juiz: Só acompanhou a distancia? Testemunha: Acompanhei a distancia, e os que trabalhavam comigo foram até o local . Juiz: A que distancia tu presenciaste o acidente? Estava o que a uns vinte trinta metros? Testemunha: Vinte metros no máximo. Juiz: Como foi o acidente a viatura bateu na porta do fusca, o fusca bateu na viatura como foi isso? Testemunha: A viatura cortou a frente do fusca, ai o fusca bateu na viatura. Juiz: O fusca bateu na viatura, bateu na lateral da viatura? Testemunha: Isso. (...) Juiz: Então o condutor da viatura o Vilmar devia ter parado na esquina antes de adentrar na pista, não havia sinaleira nada, nada naquele local? Testemunha: Não. Juiz: Nenhum policial sinalizando o transito nada? Testemunha: Também não. Juiz: Então literalmente ele atravessou na frente e cortou a preferencial e provocou o acidente? Testemunha: Isso. Juiz: Tens mais alguma informação a prestar a respeito disso? Acho que foi isso mais ou menos. Juiz: Essa viatura estava com o sinal luminoso sonoro acionado? Testemunha: Não. Juiz: Tu chegaste a ver se a viatura parou na esquina ou simplesmente entrou direto? Testemunha: Não parou. Juiz: Não parou? Recorda se havia alguém na esquina e se alguém deu algum grito no momento? Testemunha: Tinha algumas pessoas na esquina. Juiz: E tu sabes se ele deu algum grito fez algum gesto, algum ruído que tu tenha percebido? Testemunha: Acho que ele deve ter feito um gesto porque ele viu o outro carro descendo e ele tentou avisar o policial, eu não sei pode ter tirado a atenção. Juiz: Tu recordas se ele deu algum grito, se ele gritou? Juiz: Mas tu chegaste a ver alguma coisa? Testemunha: Sim um gesto. Juiz: Apontando que estava vindo um veiculo? Testemunha: Isso. Juiz: A que velocidade vinha o fusca era alta velocidade ou não? Testemunha: Era alta velocidade. Juiz: tem placas limitando a velocidade naquele local? Testemunha: Quando eu estava lá não tinha nada. (...)." (grifei)
As testemunhas Paulo César Soares de Brito e Gerson Luiz da Silva, nada referiram a respeito do fato, tendo ambas apenas abonado a conduta social do imputado (fls. 177/178).
Veja-se que a testemunha Rodrigo Furlani acima mencionada, relatou que o automóvel (Santana) dirigido pelo denunciado invadiu a pista em que trafegava o veículo Fusca, ocasionando a colisão. Óbvio, o automóvel Santana cortou a frente do Fusca, momento em que este bateu na lateral da viatura.
O Laudo Pericial E 9724/2004 (fls. 35/39), é cristalino ao demonstrar através do levantamento fotográfico que o veículo Santana (dirigido pelo apelante), colidiu no automóvel Fusca, que era conduzido pela vítima. As fotos de fls. 45 demonstram claramente que a viatura teve a sua parte dianteira totalmente destruída em razão do choque, enquanto que o automóvel conduzido pela vítima teve a parte lateral esquerda aniquilada em função do acidente.
Do conjunto probatório, portanto, resta manifesto que o aplelante tentou atravessar o cruzamento das Ruas Eugênio Duarte com Rua Elmira Pereira Silveira, sem os mínimos cuidados necessários, pois não adotou a atenção necessária para tanto.
É regra incipiente de trânsito que, ao aproximar-se de cruzamento deve o condutor, primeiramente reduzir a velocidade imprimida de forma que possa ter controle do veículo, para poder conduzi-lo com segurança viária exigível no trânsito (artigo 28 da Lei 9503/97(1)).
No tocante a tese defensiva de que a atenção do sentenciado foi desviada por pessoas que estavam próximas ao local do fato, tenho que não merece guarida. A testemunha Rodrigo Furlani (fls. 189/191), disse que na esquina haviam pessoas que fizeram um gesto, mas acredita que para avisar o acusado do veículo e não para pedir socorro.
Portanto, restou evidenciada, pelas provas colhidas nos autos, a culpa do apelante, nas modalidades de negligência e imprudência.
No tocante à tese defensiva de que o acusado atuou sob a égide de causa excludente da ilicitude, qual seja, o estrito cumprimento do dever legal, não prospera, porquanto a excludente prevista no art. 23, inciso III, do Código Penal é inconciliável com os delitos de natureza culposa.
A culpa tem como elemento a previsibilidade e era previsível que ao invadir o cruzamento por, supostamente, ter sua atenção voltada para uma pessoa que levantava a mão, não agiu no estrito cumprimento do dever legal, mas sim deixou de fixar sua atenção no fluxo da preferencial e colidiu com outro causando sua morte. Presentes os elementos da culpa descabida a tese defensiva.
O funcionário policial (no caso) tem o dever de manter a ordem pública e, para tanto, lhe é facultado o uso da violência para preservar o princípio da autoridade, restabelecer a paz e a tranquilidade. Se, no entretanto, exceder aos limites será responsabilidade pelo excesso.
Ora, no caso, não indicou o acusado qual o dever legal, pelo qual sacrificou a vida do outro com quem colidiu, que deveria cumprir, motivo pelo qual não tem aplicação a escusativa.
Outrossim, eventual agir imprudente da vítima por conduzir seu veículo em velocidade excessiva, em local inapropriado sem as cautelas necessárias não afasta a responsabilidade criminal do recorrente, porque em sede criminal culpas não se compensam, já que manifesta a negligência do acusado.
Afastadas as teses de culpa exclusiva da vítima e de incidência de causa excludente da ilicitude (estrito cumprimento do dever legal), impositiva a manutenção da condenação do recorrente nos termos postos na sentença atacada.
Assim, mantém-se a condenação de Vilmar de Vargas Coimbra por infração ao artigo 302, caput, da Lei 9.503/97.
Pena
Fixada a pena-base em 02 anos de detenção, considerando a ausência de circunstâncias judiciais desfavoráveis ao apelante. Ausentes agravantes ou atenuantes, bem como inexistente causa legal de aumento ou de diminuição penal, restou definitivizada em 02 anos de detenção.
A fixação da suspensão da habilitação para dirigir veículo em 02 meses foi fixada no mínimo.
Adequada a substituição da pena imposta por PSC e pecuniária.
A fixação de 01 salário mínimo, a título de pena pecuniária mostrou-se adequada, ante as condições econômicas do acusado.
Assim, em face do exposto, nega-se provimento ao apelo defensivo.
DES. ODONE SANGUINÉ (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. NEWTON BRASIL DE LEÃO (PRESIDENTE) - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. NEWTON BRASIL DE LEÃO - Presidente - Apelação Crime nº 70029748464, Comarca de Alvorada: "À UNANIMIDADE NEGARAM PROVIMENTO AO APELO DEFENSIVO, NOS TERMO DO VOTO DA RELATORA."
Julgador(a) de 1º Grau: MELBA ELIZABETH REGINATO ZARDO
Publicado em 15/12/09
Notas:
1 - Art. 28. O condutor deverá, a todo momento, ter domínio de seu veículo, dirigindo-o com atenção e cuidados indispensáveis à segurança do trânsito. d) a prioridade de passagem na via e no cruzamento deverá se dar com velocidade reduzida e com os devidos cuidados de segurança, obedecidas as demais normas deste Código; [Voltar]
JURID - Apelação. Homicídio culposo. Delito de trânsito. [17/12/09] - Jurisprudência
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