Estelionatos. Ausência de prova do dolo. Absolvição mantida.
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - TJRS.
APELAÇÃO CRIME
SÉTIMA CÂMARA CRIMINAL
Nº 70032895450
COMARCA DE PLANALTO
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO
APELADO: LOIRI DE CEZARO
ESTELIONATOS. AUSÊNCIA DE PROVA DO DOLO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA.
Como ressaltou o Magistrado, analisando a prova do processo e absolvendo o recorrido face à ausência de prova do dolo de fraudar: "Com efeito, da análise do contexto probatório, não verifico ter o réu agido com dolo de fraude, de modo praticar conduta penalmente relevante. Ao revés, está-se diante de possível ilícito civil, cuja inadimplência deve ser reclamada perante a esfera cível mediante ação que entenderem cabível os prejudicados. Ora, as pretensas vítimas foram uníssonas em asseverar que assinaram contrato de prestação de serviços com o réu, fotocópias dos contratos às fls., sendo, inclusive, que Loiri entregou recibo do dinheiro que recebeu delas. O denunciado, também, ministrou, por aproximadamente três meses, aulas relativas à profissão de modelo (depoimento de Valkiria às fls.). Levou outras candidatas à carreira de modelo para a capital paulista (Raquel, Andressa, Jéssica, Denise, Luana, Herick, Natália, Gabi), na agência "Táxi Model", onde elas realizaram ensaio fotográfico, algumas delas, inclusive, recebendo o material contratado... Por certo, o réu deveria ter ressarcido Eduardo e Valmor dos valores por eles alcançados em vista da impossibilidade de cumprir com o avençado. Porém, a ilicitude perpetrada não o foi mediante meio fraudulento, modo pelo qual não atinge a esfera criminal. Não é crível que o réu tenha realizado outras viagens durante a sua estadia nesta cidade, levando pessoas até São Paulo/SP, e apenas com as filhas de Valmor e Eduardo teria aplicaria um "golpe" para lucrar um total de apenas R$ 2.000,00 (dois mil reais), considerando-se, para tanto, os valores que efetivamente gastou com viagens e estadia."
DECISÃO: Apelo ministerial desprovido. Unânime.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Sétima Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores DES.ª NAELE OCHOA PIAZZETA E DES. JOÃO BATISTA MARQUES TOVO.
Porto Alegre, 03 de dezembro de 2009.
DES. SYLVIO BAPTISTA NETO,
Relator.
RELATÓRIO
DES. SYLVIO BAPTISTA NETO (RELATOR)
1. Loiri de Cezaro foi denunciado como incurso nas sanções do art. 171, c/c o art. 71, ambos do Código Penal, (denúncia recebida em 14 de setembro de 2004), e, após o trâmite do procedimento, absolvido na forma do art. 386, II, do Código de Processo Penal. Descreveu a peça acusatória que, em datas não esclarecidas do ano de 2003, na cidade de Planalto, o denunciado, em comum acordo com co-réu, induziu em erro as pessoas de Valmor Zanatta, Eduardo Oroski, Maria Otília Vila Real Nunes da Silva e Germano Eugênio Andreolla, consistente em promessa de emprego e dinheiro fácil como modelos suas filhas ou neto. Como era necessária a feitura de um "book" em São Paulo, convenceram as vítimas a lhes pagar as quantias de R$ 1.000,00, R$ 1.000,00, R$ 1.634,00 e R$ 5.300,00, respectivamente.
Inconformada com a decisão, a Acusação apelou. Em suas razões, o Promotor de Justiça pediu a condenação do recorrido, porque a prova apurada mostrou que ele cometeu os estelionatos citados na denúncia. Em contra-razões, o Defensor se manifestou pela manutenção da sentença absolutória.
Nesta instância, em parecer escrito, a Procuradora de Justiça opinou por diligência.
VOTOS
DES. SYLVIO BAPTISTA NETO (RELATOR)
2. Não acolho a promoção ministerial de diligência. O Defensor do apelado é constituído, não existindo nenhum prejuízo ao acusado com a sua não intimação.
Aliás, a situação dos autos, intimação do defensor constituído quando o réu está solto, é prevista na legislação processual:
"Art. 392. A intimação da sentença será feita: I ...; II - ao réu, pessoalmente, ou ao defensor por ele constituído, quando se livrar solto, ou, sendo afiançável a infração, tiver prestado fiança; ..."
3. O apelo não procede. A prova, conforme salientou o ilustre Julgador, Dr. Cleber Fernando Cardoso Pires, mostrou-se que não houve o dolo de fraudar as pretensas vítimas nas ações do recorrido e, portanto, não existiram os crimes de estelionato.
Tendo em vista que os argumentos do recurso já foram examinados, e rebatidos, na decisão de primeiro grau, permito-me transcrever a fundamentação da sentença. Em primeiro lugar, porque com ela concordo. Depois, fazendo-o, homenageio o trabalho do colega e evito a tautologia. Disse o Magistrado:
"A materialidade... Pela análise do conjunto probatório, não verifico a presença do dolo previsto no tipo penal exigido pelo art. 171 do Código Penal, consistente na vontade livre e consciente de "fraudar" na ação do réu, tratando a sua conduta de possível ilícito civil e não penal.
O réu Loiri, em seu interrogatório (fls. 142/144), asseverou que efetivamente recebeu os valores declinados na denúncia, juntamente com o correu Lori. Contudo, atuando como "olheiro" da empresa "Táxi Model", prestou o serviço a que se comprometera, ministrando cursos de modelos e abordando temas atinentes à profissão. Referiu que levaria os candidatos para a cidade de São Paulo/SP, onde fariam um "book" fotográfico com a finalidade de ingressar os postulantes a modelo no mercado de trabalho. Sustentou que tal escolha não cabia à sua pessoa, sendo da esfera de responsabilidade da agência "Táxi Model". Em relação às vítimas Valmor e Eduardo, bem como às suas filhas, disse que não pôde cumprir com o acordado porque, na ocasião da primeira viagem marcada para São Paulo/SP, Valmor e Eduardo estavam envolvidos com a safra de figo e não poderiam acompanhar suas filhas na viagem. Sustentou que tentou "encaixá-los" numa próxima viagem, não o fazendo, contudo, pelo fato de a empresa "Táxi Model" ter falido. Referiu que o contrato assinado entre as partes não previa a devolução do dinheiro alcançado em caso de desistência dos contratantes. No que toca às vítimas Maria e Germano, referiu que levou o neto de Maria, Heryck, bem como as filhas de Germano, Luana e Denise, até São Paulo/SP, como pactuado, onde realizaram sessão fotográfica, não fazendo a entrega do material em decorrência da ter ocorrido da falência da empresa "Táxi Model". Disse, ainda, que procurou a proprietária da referida empresa na tentativa de obter o material fotográfico, não logrando êxito, contudo, no seu desiderato.
A vítima Valmor aduziu que fora procurado pelo réu e outra pessoa, que não soube declinar o nome, sob o argumento de que sua filha, Valkiria, teria potencial para ser modelo. Aduziu que foram "iludidos" pelo réu "(...) a menina só chorava que queria ir e eles me iludiram que era negócio garantido, demos mil reais adiantado e depois eles falharam em vim, nas viagens eles não vieram mais" (sic). Referiu que o dinheiro pago ao réu era referente à viagem até São Paulo/SP, sendo que teria que pagar uma quantia maior, após, para a mantença da filha na capital paulista. Disse que foram em uma reunião organizada pelo réu, no "grupo escolar", onde tinha outras pessoas interessadas, e que o réu lhe deu recibo do pagamento efetuado. Referiu que sua filha participou de um curso para modelos, nessa cidade (fls. 175/178).
Valkiria, às fls. 179/183, aduziu que conheceu o réu "(...) e o outro, não lembro como é que era o nome" em um baile e que estes lhe convidaram para fazer um curso de modelo que ministravam, referindo que várias outras "gurias" estavam fazendo o curso. Disse que seu pai, Valmor, pagou R$ 1.000,00 (um mil reais) ao denunciado, valor este referente a uma viagem até São Paulo/SP, bem como ao curso de modelos. Disse que o valor seria maior após chegar em São Paulo/SP. Aduziu que o curso teve duração aproximada de três meses, sendo ministradas duas aulas por semana. Referiu que a viagem não se realizou porque o réu foi adiando a data sob o pretexto, na primeira vez, que não tinha lugar no ônibus, e que o dinheiro não foi devolvido para seu pai. Sustentou que conhece outras meninas que começaram a fazer o curso com o réu antes da depoente e que foram até São Paulo/SP, declinando o nome de Raquel, Jéssica e Andressa.
A vítima Eduardo disse ter pago R$ 1.000,00 (um mil reais) ao réu "(...) e mais um companheiro dele (...)", para sua filha, Fernanda, fazer "(...) foto e book e depois mais mil no dia nós ia embarcar para passagem e os dias que ela ia ficar" (sic), sustentando, contudo, que a viagem não se realizou. Referiu ter procurado o réu dizendo que sua filha desistiria do curso e da viagem e postulando a devolução da quantia paga, acordando com Loiri que lhe devolveria R$ 700,00 (setecentos reais), restando R$ 300,00 (trezentos reais) como pagamento pelos dias que sua filha foi no curso. Asseverou não ter desistido da viagem devido à suposta colheita de figo, como relatado pelo réu. Disse que assinou contrato com o denunciado e que este lhe entregou recibo da quantia paga pela vítima (fls. 184/187).
Fernanda confirmou o relato de seu genitor, Eduardo, dizendo que a viagem foi marcada para ocorrer "(...) dia dois de novembro de 2003 para nós ir para lá, só que daí eles transferiram, iam transferindo, transferindo até hoje, nós nem vimos ônibus" (sic). Declinou o nome de três outras meninas que realizaram a viagem por intermédio do acusado e de outra pessoa que não declinou o nome (fls. 188/190).
A vítima Maria Otilia, às fls. 191/193, sustentou ter ido até São Paulo/SP acompanhando seu neto, Heryck, para fotografar na agência "Táxi Model", por intermédio do réu, que estava presente. Disse ter recebido o "book" fotográfico e um "filme" de Heryck. Referiu ter pago R$ 1.000,00 (um mil reais) relativos ao contrato com a agência "Táxi Model", sendo que tiveram que pagar valores outros, que não especificou, relativos a passagem, hotel, comida. Disse ter assinado contrato com o réu. Por fim, relatou que "A filha da Isabel Basso, a filha da Suzi Nhoatto, a Natália e a Gabi, a filha da Lurdes, a Denise Andreola e a Luana Andreola" também realizaram a viagem até a capital paulista por intermédio do denunciado.
O ofendido Germano sustentou ter pago aproximadamente R$ 4.750,00 (quatro mil setecentos e cinquenta reais) para suas duas filhas, Denise e Luana, fazerem a viagem com o objetivo de produção de um "book" fotográfico em São Paulo/SP. Disse que em uma oportunidade suas filhas foram até a agência e fizeram o "book" fotográfico. Sustentou conhecer outras pessoas que também realizaram a viagem, e que não recebeu o material fotográfico das suas filhas (fls. 194/196).
Luana, fl. 253 disse que seu pai pagou R$ 4.000,00 (quatro mil reais) ao réu para que ela e sua irmã, Denise, fossem até São Paulo/SP realizar um ensaio fotográfico na agência "Táxi Model". Referiu conhecer outras pessoas que já haviam utilizado dos serviços da agência de modelos Táxi Model", fotografando e recebendo o material, pensando que seria algo seguro. Que o réu tinha selecionado várias garotas em toda a região. Disse que realizou a viagem e o ensaio fotográfico e entendeu que a agência parecia ser séria, com várias pessoas lá trabalhando. Asseverou não ter recebido o material fotográfico porque ficou sabendo que a agência "pegou fogo" ou foi "assaltada". Sustentou, também, que Lori estava sempre junto com o réu e dizia que trabalhava na mesma agência de modelos.
Denise, fl. 254, confirmou a versão apresentada por sua irmã, Luana, dizendo que foi até São Paulo/SP e realizou o ensaio fotográfico, porém não receberam o material. Em contato com o réu, este lhe informou que a agência estava falindo porque tinha sido "assaltada" ou "incendiada", não sabendo precisar com clareza. Referiu ter levado até a agência sua carteira de trabalho, que também não foi devolvida. Sustentou conhecer pessoas que foram até o local e que receberam o "book" fotográfico. Por fim, disse que Lori era amigo do réu, mas quem entabulou toda a negociação foi o denunciado.
A testemunha Inês, às fls. 197/200, sustentou:
"Juíza de Direito: A senhora foi nessas viagens por que motivo? Testemunha: Nós levamos a, no caso eu acompanhei a Jéssica para fazer o book lá em São Paulo. Juíza de Direito: E quem que entrou em contato com a senhora para fazer com que a Jéssica fosse fazer essas fotos? Testemunha: Eu procurei, eles estavam dando um curso no salão, ali no ginasião de Planalto, daí eu procurei eles junto com a Jéssica. Juíza de Direito: Foi a senhora que procurou? Testemunha: Sim. Juíza de Direito: E qual foi a resposta que a senhora obteve deles. Testemunha: Eu assim, nós fomos à São Paulo perfeitamente, fizemos o book, deu tudo certo e depois voltamos e assim o Willian deixou claro assim que se a gente queria prosseguir a gente teria que morar em São Paulo e daí a Jéssica assim em dezembro ela não queria mais ir daí foi a segunda viagem e eu já não fui mais com ela porque ela não quis mais ir. Juíza de Direito: E qual o valor que a senhor entregou para pagamento para eles? Testemunha: Eu não me recordo exatamente, tem no contrato eu acho, eu sei lá se eu perdi ou tenho guardado até hoje. Juíza de Direito: E esse pagamento que a senhora fez era para quê, referente a quê? Testemunha: Era para viagem, para hotel, para o book. Acho que era para isso. Juíza de Direito: Alguma vez eles induziram a senhora em erro prometendo alguma coisa que não foi cumprida depois? Testemunha: Não, eles tinham deixado claro para nós que a gente faria o book e tudo mais, só que daí teríamos que ficar esperando a chamada para São Paulo, só que depois eles disseram também, para melhor assim, para ter mais facilidades para que elas fossem além, teriam que morar em São Paulo, só isso. Juíza de Direito: E por essa razão que a sua filha não foi mais? Testemunha: É, porque eu tenho outra filha daí eu não deixaria uma filha aqui e ficar com outra lá. Juíza de Direito: Eles negociavam assim em nome próprio ou representando alguma empresa? Testemunha: Representando a empresa Táxi Model. (...) Juíza de Direito: Quando foram à São Paulo, até na empresa Táxi Model, foi falado alguma coisa sobre dinheiro ou não? Sobre o que vocês teriam pago, se teriam que pagar mais alguma coisa? Testemunha: Sim, teriam aquelas taxas, a gente pagou também uma taxa lá na empresa mesmo. Juíza de Direito: Qual o valor da taxa? Testemunha: mas eu não me recordo mais, tanto tempo. (...). Juíza de Direito: A senhora quando foi ouvida na delegacia a senhora disse que ficou sabendo que a Táxi Model estava falindo? Testemunha: Sim. Juíza de Direito: É verdade isso? Testemunha: Sim."
A testemunha Neromar disse que sua filha, Angélica foi até a São Paulo/SP, por intermédio do réu, na agência "Táxi Model", e realizou o ensaio fotográfico, bem como recebeu o "book" da agência. Sustentou que o réu não prometeu que sua filha seria modelo, mas asseverou que a mesma tinha potencial (fls. 201/203):
"(...). Testemunha: Não, é que assim, ele falou que tudo dependeria delas, elas chegassem lá, que nem a minha foi lá na agência gostaram muito dela, até era para ela seguir, até foi feito tipo assim, um, feito não, ficou falado, a agência, até eu liguei para a própria agência depois, que a menina tinham escrito até para Itália para ela fazer trabalho, só que a gente é pobre não tem condições, ela fez aquela viagem, conheceu, tudo beleza, bonito, e parou por aí, nós não fomos mais atrás. Juíza de Direito: Quem que convidou ela para ir para a Itália? Testemunha: Ah, isso foi a agência lá, não tem nada que ver com o... Juíza de Direito: Não, mas o quê que a agência disse para ela? Que ela teria sido... Testemunha: Não, que se ela tinha que ir até São Paulo, tinha que eu, o pai ou a mãe, uns de nós ir lá arrumar lugar, se hospedar para lá para ela fazer ais trabalhos ali depois ela (...).Só que a gente não tem condições para isso, mal apenas a gente conseguiu arrumar o dinheiro, depois aquela viagem que até acho eu que foi uma escola para a menina, aprendeu bastante, ao menos saiu de casa, viajou, conheceu outro lugar né. (...). Juíza de Direito: Em algum momento o senhor soube se essa empresa de modelos estava falindo ou faliu? Testemunha: A gente nem sabia como que ia... Juíza de Direito: Não depois que ela fez as fotos. Testemunha: Sim, teve um, que até eu liguei para lá, teve um rapaz deles, que trabalhava lá ele comunicou que a agência estava meia... mas para nós já era um caso passado, nós não ia mais atrás. (...). Pela Defesa : Se ele sabe dizer se outras meninas também foram e fizeram o book, fizeram o curso de modelo? Testemunha: Sim, teve as que viajaram junto comigo, com a minha filha inclusive, todas elas, acho que nenhuma pode se queixar."
As testemunhas Lurdes (fls. 204/206) e Isabel (fls. 207/210) asseveraram que acompanharam suas filhas, por duas oportunidades, até a agência "Táxi Model", em São Paulo/SP, onde realizaram sessão fotográfica, recebendo o material fotográfico após, por intermédio do réu. Aduziram que o réu cumpriu com o prometido. Por fim, sustentaram ser sabedoras de que a referida empresa faliu.
Valnir, taxista que efetuou diversas "corridas" para o réu, às fls. 240/241, referiu "Que durante 6 ou 8 meses fez corridas para o réu. Nunca ouviu o réu dizer para o pai das meninas interessadas em ser modelo que as mesmas iriam ganhar dinheiro, mas dizia que iria fazer um teste." Sustentou que o denunciado ficou lhe devendo mais de 1.000 Km relativos à corridas de táxi. Disse que em novembro de 2003 o réu queria pagar a despesa relativa ao transporte, mas que o depoente pediu que o pagamento fosse efetuado em janeiro do ano próximo vindouro porque possuía dívida com vencimento nesta data. Contudo, não recebeu o valor devido.
Por fim, a testemunha Mauro, fl. 235, sustentou já ter feito vários trabalhos fotográficos para o réu, sendo que o mesmo é "gente boa". Nada soube acerca dos fatos denunciados.
Com efeito, da análise do contexto probatório, não verifico ter o réu agido com dolo de fraude, de modo praticar conduta penalmente relevante. Ao revés, está-se diante de possível ilícito civil, cuja inadimplência deve ser reclamada perante a esfera cível mediante ação que entenderem cabível os prejudicados.
Ora, as pretensas vítimas foram uníssonas em asseverar que assinaram contrato de prestação de serviços com o réu, fotocópias dos contratos às fls. 19/21, sendo, inclusive, que Loiri entregou recibo do dinheiro que recebeu delas.
O denunciado, também, ministrou, por aproximadamente três meses, aulas relativas à profissão de modelo (depoimento de Valkiria às fls. 179/183).
Levou outras candidatas à carreira de modelo para a capital paulista (Raquel, Andressa, Jéssica, Denise, Luana, Herick, Natália, Gabi), na agência "Táxi Model", onde elas realizaram ensaio fotográfico, algumas delas, inclusive, recebendo o material contratado.
As pretensas vítimas Valmor e Eduardo, genitores de Valkiria e Fernanda, respectivamente, pelo que se tem nos autos, entabularam a contratação do serviço oferecido pelo réu no final do ano de 2003, data em que a agência "Táxi Model" faliu, inexistindo, portanto, possibilidades de o réu honrar com o compromisso assumido quando da assinatura do contrato com tais vítimas.
Por certo, o réu deveria ter ressarcido Eduardo e Valmor dos valores por eles alcançados em vista da impossibilidade de cumprir com o avençado. Porém, a ilicitude perpetrada não o foi mediante meio fraudulento, modo pelo qual não atinge a esfera criminal.
Não é crível que o réu tenha realizado outras viagens durante a sua estadia nesta cidade, levando pessoas até São Paulo/SP, e apenas com as filhas de Valmor e Eduardo teria aplicaria um "golpe" para lucrar um total de apenas R$ 2.000,00 (dois mil reais), considerando-se, para tanto, os valores que efetivamente gastou com viagens e estadia.
Cito apenas as ditas vítimas Valmor e Eduardo, uma vez que o réu efetivamente levou Herick, neto de Maria Otília, e Luana e Denise, filhas de Germano, para a agência "Táxi Model", onde realizaram o pactuado ensaio fotográfico. Não receberam o "book", contudo, devido a citada empresa ter falido.
Portanto, percebe-se, claramente, que as vítimas Valmor e Eduardo, pelo conhecimento de que outras pessoas já haviam se utilizado dos serviços do réu, viajando até São Paulo/SP e lá realizando a sessão fotográfica, assim também agiram, ou seja, o fator decisivo para a entabulação do contrato de prestação de serviços foi a conduta anterior do réu de cumprir aquilo que acordara.
Acerca do tema em julgamento, Julio Fabbrini Mirabete, in "Manual de Direito Penal. Parte Especial", vol. II, 22ª ed. Atlas. São Paulo: 2004, pág. 304, assim preleciona: "..."
Nesse viés, eventual prejuízo das vítimas com a prestação dos serviços deve ser questionado na esfera cível, jamais na seara criminal.
Como se vê, trata-se de um típico caso em que se torna necessária a aplicação do princípio da subsidiariedade. Com efeito, em face deste princípio, implícito à Constituição Federal, o direito penal somente deve ser usado quando os meios - administrativos e civis - se tornarem inapropriados e/ou insuficientes para a resolução do problema.
Ora, não ficou demonstrado nos autos o animus do réu em induzir em erro as vítimas, ficando nítida a subsidiariedade do direito penal no presente caso, restrito a um ilícito civil - esfera onde deverá ser resolvida -, não enquadrável no tipo penal do art. 171 do CP, que exige o dolus malus, ou seja, o dolo antecedente na conduta, isto é, desde o início o agente já possui a intenção de fraude.
Corroborando a presente fundamentação, cito os seguintes julgados de nosso Tribunal de Justiça:
"... A ausência de pagamento de obrigação contratual configura mero ilícito civil, situação que deve ser resolvida na esfera cível. Inviável a formação de um juízo criminal condenatório, uma vez evidente a ausência de dolo por parte do acusado em induzir a vítima em erro, elemento indispensável à subsunção da conduta ao tipo penal incriminador previsto no art. 171 do Código Penal. Absolvição mantida." (Apelação 70023174618, Sétima Câmara Criminal do TJRS, Relatora: Naele Ochoa Piazzeta...).
"... Estelionato. Inadimplemento de obrigação. Ilícito civil. Obtenção de vantagem indevida sem emprego de artifício ou ardil. Absolvição..." (Apelação 70023683709, Sexta Câmara Criminal do TJRS, Relator: Aymoré Roque Pottes de Mello...).
Destarte, não logrando êxito a acusação em comprovar o dolo de fraude do réu, não há que se falar na existência material do delito de estelionato. Logo, a absolvição do agente é medida que se impõe no presente procedimento criminal em face da ausência de prova da tipicidade da conduta, eis que ausente certeza sobre a presença do elemento subjetivo."
4. Assim, nos termos supra, nego provimento ao apelo.
DES.ª NAELE OCHOA PIAZZETA (REVISORA) - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. JOÃO BATISTA MARQUES TOVO - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. SYLVIO BAPTISTA NETO - Presidente - Apelação Crime nº 70032895450, Comarca de Planalto: "À UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO APELO."
Julgador(a) de 1º Grau: CLEBER FERNANDO CARDOSO PIRES
Publicado em 14/12/09
JURID - Estelionatos. Ausência de prova do dolo. Absolvição mantida. [17/12/09] - Jurisprudência
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