Apelação. Ação discriminatória. Terras devolutas. Preliminares afastadas.
Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP.
VOTO Nº: 10371
APEL.Nº: 991.04.007975-9
COMARCA: PRESIDENTE VENCESLAU
APTE.: ALICE AZENHA MILANI E OUTROS
APDO.: FAZENDA DO ESTADO
Apelação - Ação discriminatória - Terras devolutas - Preliminares afastadas - Ausência de provas que as terras reclamadas são devolutas - Entendimento pacífico de que o ônus da prova é do Estado - Posse de longa data com ânimo de dono, anterior à vigência do CC/16 - Possibilidade de usucapião - Dá-se provimento ao recurso.
A r. sentença proferida à fl. 774/792, cujo relatório é adotado, julgou procedente a ação discriminatória ajuizada para declarar devolutas e do domínio público a área descrita na inicial, matriculada sob o nº 7.632, junto ao Registro de Imóveis da Comarca de Presidente Venceslau.
Preliminarmente, alegam a ocorrência de litispendência, desrespeito à coisa julgada e necessidade de litisconsórcio. No mérito, aduzem que houve a usucapião das terras reclamadas e que inexiste prova que estas são devolutas.
Recebido, processado e com contra-razões, subiram os autos.
Parecer da d. Procuradoria Geral de Justiça (fl. 1005/1007) pelo provimento do presente recurso.
É a suma do necessário.
Assiste razão aos apelantes.
Não procedem as preliminares invocadas.
No tocante à litispendência relativa ao 16º Perímetro de Presidente Venceslau, cabe esclarecer que, conforme foi dito pelos próprios apelantes, a ação discriminatória ajuizada anteriormente pela autora, em 1958, com relação ao 16° Perímetro de Presidente Venceslau, veio a ser julgada extinta, nos termos do artigo 267, IV, do Código de Processo Civil, por r. sentença proferida aos 23.11.83 e contra a qual houve a interposição de recurso de apelação pela Fazenda do Estado de São Paulo. Ocorre, porém, que em virtude de incêndio que atingiu o Fórum local, houve o extravio de alguns volumes desse processo e instada a apelante a esclarecer se pretendia a restauração dos autos desaparecidos, manifestou-se ela requerendo a desistência da ação, o que foi homologado pelo douto Magistrado, tendo ocorrido o trânsito em julgado da r. sentença homologatória desse pedido aos 05.10.1988.
Ora, colocada a questão nestes termos, é de se verificar, então, que foram proferidas duas sentenças em mencionada ação, a primeira decretando a extinção do processo nos termos do artigo 267, IV, do Código de Processo Civil, a qual não transitou em julgado por ter sido objeto de interposição de recurso de apelação pela autora, e a segunda que homologou o pedido de desistência da ação feito pela demandante, a qual veio a transitar em julgado.
Ainda que se entenda que esta segunda sentença seria descabida, é certo, porém, que tendo ela transitado em julgado e não tendo sido desconstituída por força de outra decisão judicial decorrente de interposição de recurso ou de ação rescisória, é referida sentença que deve prevalecer sobre a primeira, por ser posterior a esta e ser a única que foi atingida pelo manto da coisa julgada, produzindo, assim, efeitos legais.
Assim, não há como acolher-se a preliminar de litispendência, uma vez que a ocorrência desse fenômeno processual pressupõe a existência de ação em curso, o que não ocorre na hipótese em tela.
De igual sorte, não procede a alegação de litispendência relativa ao 12º Perímetro de Presidente Venceslau.
É fato incontroverso que os autos da ação discriminatória ajuizada em 1942, que supostamente abrangeria todo o mencionado 12° perímetro, se perderam irremediavelmente diante do incêndio que destruiu o cartório local em julho de 1986.
Seria inadmissível julgar pendente um feito que materialmente já não existe e cujo objeto preciso não está sequer comprovado, diante da absoluta inexistência de dados oficiais precisos e aceitáveis a seu respeito.
Deste modo, não havendo qualquer demonstração segura de que a nova demanda reproduziu efetivamente uma demanda anterior em andamento, é descabida a alegada litispendência.
No tocante à coisa julgada, inviável considerar que a decisão datada em 11 de novembro de 1927, proferida pelo Juiz de Direito da Comarca de Presidente Prudente, Dr João Elias Cruz Martina, em que houve reconhecimento de domínio particular, produziu os efeitos negativos a afastar o cabimento da presente demanda. É que a invocada decisão tem caráter meramente administrativo, na medida em que o Decreto 3501/1922, ressalvou aos particulares discutirem, mediante reivindicação, no juízo comum, seu eventual direito.
A matéria, inclusive, já foi objeto de apreciação em segundo grau de jurisdição, no Agravo de Instrumento 397.335-9, sendo relator o eminente juiz Castilho Barbosa: "Quanto à coisa julgada, então, a questão é mais simples, pois é induvidoso que anterior atuação de um magistrado nos idos de 1927, neste particular não ultrapassou os limites da decisão meramente administrativa, e o que, por si só, exclui completamente a possibilidade de argüição pertinente".
Por fim, inexiste na espécie examinada a existência de litisconsórcio necessário de todos aqueles que teriam participado das alienações dos imóveis questionados. Com efeito, somente os que efetivamente constam nas respectivas matrículas como titulares devem compor a relação jurídico-processual, pois serão apenas eles, em tese, os atingidos diretamente pelos efeitos da sentença.
Ademais, a citação editalícia veio a suprir a tese de necessidade de ciência de interessados outros, que, em tese, poderiam vir a pleitear sua intervenção processual.
No mérito, respeitado o entendimento do douto magistrado "a quo", a r. sentença não merece prosperar.
A Fazenda Pública do Estado de São Paulo, sob o fundamento de que é írrita a origem da cadeia dominial da Fazenda "Ribeirão Grande e Antas", objeto de inventário dos bens de Pedro Custódio de Alcântara, que remonta 1.860, ajuizou a presente ação discriminatória.
Todavia, todo argumento trazido pela Fazenda Pública não passa de conjecturas ou vagas suposições, como a existência de lavouras de café e laranjas, impróprias para aquela época, assim como pelo fato de não ter sido registrada a transferência da área de Firmino Custódio para Francisco Antônio da Prata, contrariando assim a legislação então vigente.
Inexistem provas incontestes de que os imóveis reclamados sejam efetivamente terras devolutas. A jurisprudência consolidada, inclusive do E. Supremo Tribunal Federal, é no sentido de que cumpre ao Estado comprovar a natureza devoluta das terras litigiosas, nos termos do artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil.
Com efeito, se as terras nunca foram do Poder Público, não há que dizer que elas são devolutas, pois, na verdade, ou constituem "res nullius" ou são propriedades privadas.
O artigo 3º, da Lei nº 601/1850, não identifica como terra devoluta aquela que não possui dono e sim aquelas terras públicas, às quais o Estado pode dar algum destino. Ora, terra que não é pública não é necessariamente devoluta, mas sim terra sem dono. A lei definiu por exclusão as terras públicas que, por lei, seriam devolutas, o que é diferente de declarar que toda aquela que não é de propriedade de particular, pública será.
Ademais, resta salientar que o Estado, ao longo da evolução legislativa do tema, foi progressivamente renunciando ao seu direito sobre essas terras em benefício dos particulares e da própria coletividade atribuindo pelas próprias leis que promulgou a força constitutiva de domínio às simples posses, bem como àqueles títulos considerados não legítimos.
Por força da Lei nº 1844/21, o Estado renunciou a eventual domínio sobre as terras devolutas ocupadas, autorizando a expedição de titulo de domínio para esses ocupantes, nos termos do artigo 4º: "a) aos possuidores de terras devolutas, se as posses forem justas e tiverem começado um ano, pelo menos, antes da publicação desta lei; b) a todo possuidor de terras devolutas que as tiver obtido por título não legítimo, anterior a esta lei; c) a todo aquele que estiver na posse de terras por decisão judicial", lei cuja regulamentação proveio do Decreto nº 3501/22.
Há que considerar, ademais, que, em se tratando de inequívoca posse de longa data, anterior à vigência do antigo Código Civil, em legítimo encadeamento e com fartas demonstrações do ânimo de dono, é possível falar-se em usucapião, pois, àquela época remota, era possível a prescrição aquisitiva de terras devolutas (Súmula nº 340, do E. Supremo Tribunal Federal).
Ante o exposto, dá-se procedência ao apelo para reformar o julgado, dando-se por improcedente a ação discriminatória, com a inversão do ônus da sucumbência.
MAURO CONTI MACHADO
Relator
JURID - Apelação. Ação discriminatória. Terras devolutas. [11/12/09] - Jurisprudência
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