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segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

JURID - Indenização é rejeitada. [07/12/09] - Jurisprudência


Sentença rejeita indenização de R$ 680 milhões por área grilada.


Autos nº 2006.39.03.000434-9

Classe: 1400 (Ação Ordinária Imóveis).

Referência: Indenização - Desapropriação Indireta.

Autor: Tasso Assunção Costa e Outros

Ré: União

Litisconsorte passivo: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA

Juiz Federal: Antonio Carlos Almeida Campelo.

Sentença Tipo A (Res. 535/06, do CJF)

SENTENÇA

I - RELATÓRIO

TASSO ASSUNÇÃO COSTA, VERA LÚCIA DE ARAÚJO ASUNÇÃO COSTA, CLÁUDIO ARAÚJO ASSUNÇÃO COSTA, PATRÍCIA ARAÚJO ASSUNÇÃO MENDES, EUGÊNIO JOSÉ BOCHES MENDES E ANA PAULA DE ARAÚJO ASSUNÇÃO COSTA
moveram AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO em desfavor da UNIÃO, mediante petição protocolizada na 2ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal/DF em 13 de dezembro de 1993, com posterior distribuição na Vara Única desta Subseção Judiciária em 17 de fevereiro de 2006.

O motivo do oferecimento seria suposta caracterização de desapropriação indireta por parte do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, originando indenização e perdas e danos aos autores.

De acordo com a inicial (fls. 07/21), os autores são proprietários de 6 (seis) imóveis rurais, todos situados no Município de Pacajá, Comarca de Portel/PA, os quais perfazem uma área de 22.769,65 ha (vinte e dois mil, setecentos e sessenta e nove hectares e sessenta e cinco ares).

Alegaram que referida área foi titulada primitivamente pelo Estado do Pará, com base na Lei nº 601/1850, cuja cadeia dominial remonta há mais de 100 (cem) anos, registrada em Livros do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Portel/PA, e que toda ela fora objeto de adjudicação por Carlos Medeiros, nos autos do inventário dos primitivos proprietários (Manoel Joaquim Pereira e Manoel Fernandes de Souza), processado perante o Juízo de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Belém/PA.

Informaram que a sentença nos autos de tal inventário foi prolatada em 28 de novembro de 1975 e transcorreu em julgado sem qualquer oposição, sendo oportunamente averbada aos respectivos registros, no Cartório de Registro de Breves/PA, posteriormente desmembrado com a criação da Comarca de Portel/PA.

Relataram que tais propriedades estão cadastradas perante o Sistema Nacional de Cadastro de Propriedades Rurais sob o nº 0647759, encontrando-se em dia com as obrigações tributárias.

Aduziram, não obstante a situação de direito descrita, que garante a plena dominialidade dos autores sobre os imóveis rurais, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA incorporou ao patrimônio público, sem o devido processo legal, todas as áreas mencionadas, sem o pagamento de justa indenização.

Narraram que a incorporação de tais imóveis ao Patrimônio Público deu-se com base na Portaria nº 382/1983, sem observância à forma prescrita na Lei de Desapropriação por Interesse Social, afinal as terras encontravam-se, àquela época, sob o domínio privado.

Segundo os autores, ainda na exordial, estima-se o justo valor da indenização, a ser pago pelas propriedades arroladas, o montante correspondente a US$ 392.497.046,00 (trezentos e noventa e dois milhões, quatrocentos e noventa e sete mil e quarenta e seis dólares americanos).

Ao final, o pedido foi assim formulado: "Diante do exposto, face a perfeita caracterização da desapropriação indireta e considerando a impossibilidade da reivindicação prevista na lei, situação que deu origem ao correspondente direito dos Autores de pleitearem a justa indenização com as perdas e danos ocasionadas, cuja verba deve ser a mais completa possível, requer se digne V. Exa. determinar seja a ré citada, na pessoa do Procurador Geral da União, conforme dispõe o art. 9º, § 4º, da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, para contestar a presente ação, no prazo legal, sob pena de preclusão e conseqüente revelia, e , a final, seja a mesma julgada procedente para declarar incorporados, definitivamente ao Patrimônio Público, todos os imóveis acima descritos, inclusive a área remanescente, caso se verifique, condenando-se a ré ao pagamento da justa indenização com reparação de perdas e danos, incluindo, aí, correção monetária exata, juros moratórios e compensatórios à taxa legal, a contar do esbulho, custas, emolumentos, despesas processuais, honorários advocatícios à base de 20% (vinte por cento) do valor da causa, nos termos do art. 20, § 3º, letra c, do Código de Processo Civil, e demais ônus da sucumbência."

Juntaram documentos de fls. 22/49 e protestaram provar as alegações por todos os meios de direito permitidos, estabelecendo como valor da causa o quantum de CR$ 56.470.398.660,00.

Emenda à inicial apresentada às fls. 51/53. Juntada de novos documentos pela parte autora às fls. 54/57.

A União, conforme se infere das fls. 64/73, apresentou contestação, argumentando, em síntese que:

a) apresentam irregularidades os instrumentos de mandatos trazidos pelos autores, uma vez que não possuem firma dos outorgantes;

b) o direito de ação dos autores encontra-se prescrito, nos termos do art. 177 do CC/1916, bem como nos Decretos n° 20.910/32 e nº 4.597/42;

c) que os autores não trouxeram com a inicial o principal documento da ação, qual seja a Certidão do Cartório de Registros de Imóveis da Comarca de Portel, que comprova que a área era primitivamente titulada pelo Estado do Pará, com base na Lei nº 601/1850, devendo a petição inicial ser indeferida de plano;

d) que estão ausentes os documentos dominiais que comprovam o destaque dos imóveis do patrimônio público, sendo os autores possuidores a non domino;

e) que estão ausentes os comprovantes de que a área estivesse contida dentro do perímetro da União, e mesmo que lá estivesse, não foi feita prova de que os autores a possuíssem antes da arrecadação pelo INCRA, não podendo substituir os documentos dominiais pelos memoriais sem procedência constantes da inicial, uma vez que, em 1850, não havia Cartório de Registro de Imóveis;

f) que os documentos juntados pelos autores demonstram que os registros foram feitos em 18.09.1992, e, portanto, muito após a arrecadação feita pelo INCRA, a qual ocorreu em 12/12/1983, configurando-se esbulho possessório, sendo nulos tais registros;

g) que o processo de inventário, em que foi proferida a sentença de fls. 33 (fls. 39), encontra-se extraviado, sabendo-se que tramita na Justiça Estadual da Comarca de Belém o processo de "restauração" dos autos do referido inventário, cuja área grilada foi aumentada em grau de Apelação;

h) que referido inventário não foi dos primitivos proprietários, mas sim promovido pelo "fantasma" Carlos Medeiros, que grilou as terras da União e está até hoje negociando;

g) que, de referida sentença proferida nos autos do inventário mencionado ,houve apelação do ITERPA, na qualidade de terceiro interessado, o que até hoje não foi julgado

h) que o INCRA incorporou ao patrimônio da União, em 1983, uma área de 438.200,0 ha, com a denominação de "Gleba Engenho", situada nos Municípios de José Porfírio e Portel, no Estado do Pará, na Circunscrição Judiciária de Altamira e Breves, levadas a registro, conforme fls. 34/39 ( fls. 40/45);

i) que o procedimento administrativo de arrecadação foi realizado sob a égide da Lei n° 6.383/76, não havendo nenhuma ilegalidade;

j) que o preço levantado pelos autores referentes à indenização é exorbitante, sendo desrespeito ao Poder Judiciário os autores "grilarem" terras e ainda irem a Juízo para extorquir fábula em dinheiro dos cofres públicos;

k) impugnou o valor da causa, bem como os valores referentes aos honorários advocatícios;

l) requereu o chamamento ao feito do INCRA, na qualidade de litisconsorte passivo necessário.

Juntou documentos de fls. 74/86.

Foi apresentada réplica às fls. 88/100, juntando-se os documentos de fls. 101/105, bem como fls. 109/164.

O INCRA apresentou informações às fls. 179/180, requerendo seu ingresso na lide como litisconsorte passivo necessário, afirmando, em síntese, que arrecadou a área seguindo a legislação, e que, no presente processo, os autores deixaram claro tratar-se de área arrecadada pelo INCRA e levada a registro em nome da União Federal, a fim de que a própria Autarquia lhe desse a destinação.

Em fls. 183/195, o INCRA apresentou contestação, reiterando, em síntese o alegado pela União, bem como juntou documentos de fls. 196/290.

Em fls. 292/293, a parte autora apresentou réplica à contestação do INCRA, juntando os documentos de fls. 306/310.

Em fls. 320/323, foi apresentada nova petição do INCRA, informando que a Apelação interposta pelo ITERPA, referente ao Processo de Restauração dos Autos de Inventário já mencionados, foi julgada, declarando-se nulo o processo de Restauração, juntando-se documentos de fl. 326, o qual ordenou "o cancelamento dos registros das áreas que o postulante Sr. Carlos Medeiros diz serem suas".

Já na fase de provas, a parte autora, em fls. 329/334, requereu a juntada dos documentos de fls. 335/370, bem como o deferimento de exame pericial técnico para determinação exata da localização dos imóveis de propriedades dos autores.

A União informou que não tem outras provas a produzir (fl. 372)

A parte autora, conforme fls. 374/380 requereu " o julgamento antecipado da lide, nos termos contido na inicial e que reiteramos nesta oportunidade, haja vista o fato da pretensão se encontra respaldada por sólida documentação que atesta a dominialidade esbulhada, fazendo necessário que se proceda à devida reparação perquirida pelos Autores" e juntou documentos de fls. 381/410.

Em manifestação de fls. 422/424, o INCRA informou que as terras rurais arrecadadas e levadas a registro em nome da UNIÃO são destinadas à Reforma Agrária e juntou documentos de fls. 425/440, em que consta relatório do IP nº 024/95 - DOA/DIOE, o qual apurou fatos relacionados à prática criminosa da "grilagem" na região.

A parte autora, manifestando-se em fls. 445/448, informou que o aludido IP "foi trancado por determinação da DD. Juíza de Direito Titular da 5ª Vara da Capital do Pará", e juntou cópia da sentença de trancamento (fls. 448/450).

Em cumprimento ao despacho de fls. 351-v, o INCRA manifestou-se, às fls. 457/461, informando que as terras arrecadadas pertencem ao domínio da União, e juntando cópia da "cessão e transferência de direitos hereditários" relativa a Manoel Fernandes de Souza e cópia da Lei nº 2.375/87 (fls. 462/467).

Em fls. 469/474, a parte autora reiterou manifestações já aduzidas, reportando-se a documentos já juntados aos autos, e requereu o pagamento de indenização nos termos do pedido inicial. Juntou documento de fl. 475.

Juntou-se, em fls. 479/484, cópia da decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, nos autos do Agravo de Instrumento nº 95.01.27286-9, interposto pelo INCRA contra decisão que, na impugnação ao valor da causa, nos autos em análise, manteve a estimativa constante da inicial. Foi negado provimento ao Agravo.

Em despacho de fls. 485, foi determinada a intervenção do Ministério Público Federal.

Protocolou-se, às fls. 487/490, pela parte autora, Agravo Retido, ante o inconformismo com a intervenção do Ministério Público Federal.

O Ministério Público Federal, em fl. 492, manifestou-se lembrando que não há qualquer prova que a área do imóvel, cuja propriedade é afirmada pelos autores, está sobreposta total ou parcialmente na área objeto de registro imobiliário pelo INCRA, por força da Portaria nº 382/83.

Em nova manifestação às fls. 494/497, os autores afirmaram que os títulos de domínio que respaldam a sua pretensão possuem cadeia sucessória centenária, tendo sido inicialmente legitimada com apoio no art. 22, do Regulamento da Lei nº 601/1854. Aduziram que esta legitimação e regulamentação das posses foram feitas com base em sentença judicial, prolatada em 1920, pelo então Juiz de Direito da Comarca de Altamira, nos autos da Ação Cível de verificação, comprovação e legitimação de terras requeridas pelos Coronéis Manoel Joaquim Pereira e Manoel Fernandes de Souza.

Ainda afirmaram em mesma manifestação: "Portanto, foi esta Sentença quem legitimou e regularizou as propriedades transmitidas sucessivamente até os Autores, e não a Sentença que adjudicou os bens em favor de Carlos Medeiros, simples integrante da cadeia sucessória e sobre quem buscam, sem qualquer materialidade, demonstrar se tratar de pessoa inexistente".

Juntaram documentos de fls. 498/506. E posteriormente outros documentos às fls. 508/515.

Nova manifestação dos autores em fls. 517/523, requerendo a juntada de matérias publicadas em jornais (fls.524/528).

Em despacho de fls. 529, foi mantida a decisão de intervenção do MPF no feito.

Juntou-se, às fls. 540/545, cópia da decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, nos autos do Agravo de Instrumento nº 95.01.27298-2 - DF, interposto pelos autores contra despacho que deferiu pedido de litisconsórcio, em vez de assistência do INCRA, nos autos em análise. Foi negado provimento ao Agravo.

Em fls. 549/573, foi apresentada nova manifestação da parte autora, informando e explanando sobre o que considerou serem os "principais pontos de dúvida para dirimir o presente litígio". Juntou, entre outros documentos, cópia dos Autos de Pedido de Registro de Carta de Adjudicação, feita por Carlos Medeiros (fls. 574/706).

Em fls. 708/710, foi prolatada decisão de declínio de competência em favor de uma das Varas da Seção Judiciária do Pará.

Em despacho de fls. 716, os autos foram remetidos à 5ª Vara Federal da Seção Judiciária do Pará.

Em despacho de fls. 745, o processo teve seu curso suspenso até o julgamento definitivo pelo TRF 1ª Região sobre a questão incidental relativa à validade do inventário no qual são embasados os títulos dos autores expropriados (Apelação Cível nº 2000.39.00.009726-1).

Em despacho de fls. 752, os autos foram redistribuídos a esta Subseção Judiciária.

O MPF apresentou parecer às fls. 780/786, pugnando pela improcedência dos pedidos da parte autora, uma vez que os imóveis objetos da presente ação pertencem à União.

É o relatório do essencial. SENTENCIO.

II - FUNDAMENTAÇÃO

Este processo judicial, que tramita desde 1993, primeiro na Seção Judiciária do Distrito Federal-DF e depois nesta Subseção Judiciária, envolve um dos maiores casos de "grilagem" de terras públicas de nosso País.

O termo "grilagem" - que é empregado para definir a apropriação indevida de terras públicas - decorre de uma antiga prática utilizada para transformar a aparência de documentos novos em papéis desgastados pelo tempo.

Os fraudadores colocavam, em uma caixa de madeira, os documentos falsos, recentemente elaborados, com grande quantidade de grilos, fechando-a por completo. Em algumas semanas, os documentos apresentavam-se com coloração amarelada, em função dos dejetos dos grilos, e ainda com bordas corroídas e com vários furos, como se tivessem envelhecidos pelo tempo e uso.

Esta demanda versa acerca de pedido de indenização, a ser paga pela União aos Autores, no estratosférico valor de US$ 392.497.046,00 (trezentos e noventa e dois milhões, quatrocentos e noventa e sete mil e quarenta e seis dólares), o que equivale ao câmbio de hoje a R$ 680.589.877,00 (seiscentos e oitenta milhões, quinhentos e oitenta e nove mil e oitocentos e oitenta e sete reais), correspondendo ainda a 1.463.634 (um milhão, quatrocentos e sessenta e três mil e seiscentos e trinta e quatro) salários mínimos vigentes no País.

Os Autores alegam que são proprietários de 6 (seis) imóveis rurais, no município de Pacajá-PA, que totalizariam uma área de 22.769,65ha (vinte e dois mil, setecentos e sessenta e nove hectares e sessenta e cinco ares) e que referidos imóveis teriam sido arrecadados, sem o devido processo legal e sem justa indenização, pelo INCRA.

Sustentam os Autores que a propriedade foi adquirida por meio de adjudicação em favor de um personagem denominado Carlos Medeiros, em autos de inventário dos primitivos proprietários portugueses Manoel Joaquim Pereira e Manoel Fernandes de Souza.

Ocorre que, na verdade, Carlos Medeiros, que possui RG e CPG, é uma pessoa inexistente. Ele é, na essência da palavra, um fantasma. Há, nos autos, completa qualificação, procuração particular, mas essa pessoa, segundo diversos inquéritos policiais, ações judiciais e procedimentos administrativos, foi obra de ficção de uma quadrilha de fraudadores, que objetivava grilar extensa área no Pará.

Os grileiros forjaram inventários em nome dos dois portugueses, já falecidos há 150 anos, e transformaram uma gleba de cerca de nove mil hectares em trinta milhões de hectares, o que representa 30% do estado do Pará, o segundo maior do Brasil, segundo a CPI da Grilagem na Amazônia, estabelecida pela Câmara dos Deputados, concluída em 2002.

O problema de grilagem de terras públicas no Brasil tem razões históricas. Ainda no Brasil Colônia, no reinado de D. Fernando I, surgiu a Lei das Sesmarias que foi aplicada no Brasil e vigorou até a entrada em vigor da Resolução de 1822. A finalidade da resolução era a distribuição das terras para fins de povoamento.

No período que vai da Resolução de 1822, ano da independência do Brasil, até a Lei n.º 601/1850, a posse foi utilizada como meio legítimo para aquisição de propriedade.

Referida forma de ocupação tornou-se costume entre os colonos e "apoderar-se de terras devolutas e cultivá-las tornou-se coisa corrente entre os colonizadores...e pode, com o correr dos anos, vir a ser meio legítimo de aquisição de domínio..." (Ruy Cirne Lima).

Com a Lei n.º 601/1850, passou-se das fases das sesmarias e das posses para fase da lei das terras. Esta lei reconhecia também, para legitimação, as posses manifestadas pela cultura e morada habitual.

Com o fim do Império, a Constituição Federal de 1891 determinou que as terras devolutas rurais e urbanas passassem ao domínio dos Estados-membros. Assim, os Estados passaram a legislar a respeito da distribuição dessas terras.

Essa transferência tornou ainda mais difícil o controle da propriedade e ocupação da terra, tendo em vista que os Estados não tinham estrutura para verificar a legitimidade dos registros de terra, resultando em transferência de milhares de hectares do poder público para particulares.

Portanto, sempre houve dificuldade do Poder Público brasileiro em controlar o registro de suas propriedades e das propriedades privadas.

No caso em comento, houve registro de arrecadação de terras públicas, em procedimento próprio instaurada pela União, nos Cartórios de Registro de Imóveis da Comarca de Altamira, em 19.12.83, e de Breves, em 12.12.83, que eram os únicos existentes na região para registros notariais. Os documentos apresentados pelos Autores somente foram levados a registro em 18.09.1992, ou seja, nove anos após os registros efetuados pela União.

Os Autores não provaram nos autos que houve irregularidade no procedimento discriminatório realizado pela União, que, por ser de ordem pública, deve ser presumivelmente legal, tendo sido realizado à égide da Lei n.º 4.504/64, do Decreto-Lei n.º 1.164/71 e da Lei n.º 6.383/76.

Os Autores alegam que a cadeia dominial dos imóveis teria origem na Carta de Sentença e Adjudicação de Legitimação de Posse que favoreceu Carlos Medeiros. Referida Carta de Sentença teria sido extraída dos autos de Inventário de Bens deixados por Manoel Joaquim Pereira e Manoel Fernandes de Sousa.

Porém, referidos autos, concernentes ao Inventário de Bens, foram extraviados. A Restauração de Autos foi julgada procedente pelo Juízo de 1.º Grau, mas, nada obstante, foi declarada sua nulidade pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará (proc. n.º 19953003941-6).

Portanto, a sentença que embasou o suposto documento de propriedade juntado pelos Autores reveste-se de plena nulidade e não produz nenhum efeito.

Destarte, a escritura pública dos imóveis, registrada em nome de Carlos Medeiros, reveste-se de absoluta nulidade, tendo em vista que não se tratavam de registros de domínio e foram extraídos de atos judiciais anulados em superior instância.

A fraude existente nestes autos vem sendo desmontada por várias decisões contrárias da Justiça Federal em processos aventureiros semelhantes, como o de nº 2006.39.03.000887-0, sentenciado em 2006 nesta Subseção Judiciária, e também em outros existentes na Justiça Estadual do Pará.

Cabe assim um importante papel ao Poder Judiciário, auxiliado pelo Ministério Público, destacando-se a atuação do Ministério Público Federal nesse particular, para desmontar as quadrilhas de grileiros de terras, que menosprezam o poder investigativo do Ministério Público e a inteligência e perspicácia dos magistrados, tão grande a audácia com que agiram, falsificando documentos e manipulando provas para obtenção de objetivos espúrios de apropriação ilícita de terras públicas.

Além da improcedência do pedido constante da exordial, deve ser analisado o aspecto criminal das partes autoras e seus advogados, para análise acerca de suas eventuais responsabilidades.

III - DISPOSITIVO

Por todo o exposto, e o que mais consta dos autos, JULGO IMPROCEDENTES, EM SUA TOTALIDADE, OS PEDIDOS CONSTANTES DA EXORDIAL.

Em acréscimo, por ser matéria de ordem pública, DECLARO A NULIDADE E DETERMINO O IMEDIATO CANCELAMENTO DOS REGISTROS IMOBILIÁRIOS REGISTRADOS NA INICIAL E NO SISTEMA NACIONAL DE CADASTRO DE PROPRIEDADES RURAIS SOB O N.º 0647759.

DETERMINO que seja oficiado ao Cartório da Comarca de Portel/PA com cópia desta decisão para cumprimento no prazo improrrogável de 10 (dez) dias, sob pena de multa diária de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) em caso de descumprimento, além de imediata prisão em flagrante e abertura de inquérito policial para apurar a responsabilidade criminal do recalcitrante.

CONDENO as Partes Autores, em função da sucumbência, no pagamento das custas judiciais e em honorários advocatícios que arbitro em R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), com amparo no art. 20, § 4.º, do CPP, pro rata, sendo R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais) para a União e R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) para o INCRA.

DETERMINO a remessa de cópia dos atos principais (inicial e manifestação das partes) ao Ministério Público Federal para as providências cabíveis na seara criminal em face dos autores e dos advogados atuantes em seus nomes.

PUBLIQUE-SE. REGISTRE-SE. INTIMEM-SE.

Altamira-PA, 24 de novembro de 2009.

ANTONIO CARLOS ALMEIDA CAMPELO
Juiz Federal



JURID - Indenização é rejeitada. [07/12/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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