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segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

JURID - Crime de racismo. [07/12/09] - Jurisprudência


Professor é condenado por crime de racismo.
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Processo nº 2002.2.017896-3

Data: 01/12/2009

SENTENCA TIPO A COM MERITO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, em 30/09/2002, denunciou PAULO HENRIQUE DIAS MESQUITA como incurso nas penas do art.20 da Lei 7.716/89. A denúncia foi recebida em 04/10/2002. O réu recusou a proposta de suspensão do processo, conforme termo de fl. 62. As partes e o Assistente de acusação apresentaram alegações finais. É o breve relatório. DECISÃO. Preliminarmente cabe resolver a questão colocada pelo Assistente de Acusação, decidindo se o crime descrito na denúncia se trata de prática do racismo, previsto na Lei 7.716/89, ou de injúria racial, previsto no art. 140, §3º, do CPB. Tal definição revela importância para que se possa averiguar sobre a legitimidade ativa da ação penal, pois, caso se trate de prática do racismo, a ação penal é pública incondicionada e, caso se trate de injúria racial, a ação penal é pública, mas condicionada à representação. Bem como é importante para se averiguar sobre a prescrição e a possibilidade de concessão de fiança. O crime de racismo recebe um tratamento rigoroso do ordenamento jurídico brasileiro. Inclusive, é exatamente por esse motivo que cumpre distinguir entre dois delitos semelhantes, mas que apresentam diferenças sensíveis. São eles o crime de racismo, mais especificamente aquele previsto no art. 20 da Lei n° 7.716/89, e o delito de injúria qualificada. Os crimes resultantes de discriminação de raça ou de cor foram definidos pela Lei n° 7.716/89. São várias as condutas definidas como crime pela Lei. O cidadão que impede o acesso de um negro a um restaurante, por exemplo, poderá ser punido com até 3 (três) anos de reclusão. Se uma escola recusar a matrícula de um aluno em virtude de preconceito de cor as penas podem chegar a até 5 (cinco) anos de reclusão. Todas essas condutas se encaixam no conceito de crime de racismo. Interessa-nos em particular o art. 20 do referido diploma legal.

De acordo com esse dispositivo, pode ser punido com até 3 (três) anos de reclusão o agente que pratica, induz ou incita a discriminação ou preconceito por motivo de cor, raça, etnia, religião ou procedência nacional. Note-se que a ofensa, nesse caso, tem por objetivo atingir a uma raça como um todo, como a comunidade negra, ou aos adeptos de uma religião em geral, como os judeus ou os católicos.

Exemplificando o exposto: ter-se-ia o crime de injúria qualificada se um determinado jogador, ao final de um jogo de futebol, ao ser entrevistado pela imprensa, dissesse que todo negro é macaco? Não. Nesse caso, o bem jurídico ofendido seria a igualdade e o respeito entre as etnias, pelo que o crime seria de racismo.

A jurisprudência também nos fornece um interessante caso concreto que ilustra o crime de racismo do artigo 20. Vejamos alguns trechos de expressões proferidas por um agente que foram interpretadas como racismo pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina: Que, o depoente mandou que devolvesse as garrafas e saísse para fora do pátio, no que Marcos começou a discutir e chamou o depoente de 'picareta', no que o depoente disse que quem mandava dentro do pátio era ele, o depoente, dizendo a Marcos, 'vai para fora do pátio, negrada. (...) Que o depoente declara ter dito 'isso é serviço de preto'. 'aqui quem manda somos nós, gente da tua cor se compra em dúzia. (TJSC. Apelação Criminal 2004.031024-0. Relator: Des. Amaral e Silva. Data da Decisão: 15/02/2005)

O crime de injúria qualificada, por sua vez, está previsto no art. 140, §3°, do Código Penal. Fala-se em injúria qualificada quando o agente ofende a honra subjetiva de outra pessoa, utilizando-se, para tanto, de elementos de cunho racista. Ou seja, se o objetivo do agente ao proferir as ofensas é exclusivamente ferir a honra subjetiva da vítima, o crime é de injúria qualificada. Se, ao contrário, o agente visa ultrajar uma determinada raça ou etnia como um todo, o crime praticado será o de racismo.

Assim, se, por exemplo, o agente ofende sua vítima com expressões como preto, ou negro fedido, o delito em questão é o de injúria qualificada. Isso porque o objetivo do agente ao proferir seus impropérios é macular a honra subjetiva do ofendido, e não a comunidade negra em geral.

Esse vem sendo entendimento adotado pelos Tribunais pátrios: RACISMO - Não caracterização - Ofensa consistente em chamar alguém de "negro sujo" - Ato discriminatório inocorrente - Oposição indistinta à raça negra não evidenciada - Ataque verbal exclusivo contra a vítima - Eventual crime de injúria qualificada cogitado no artigo 140, § 3º, do Código Penal - Denúncia rejeitada. (TJSP. JTJ 223/191)

Em suma, a solução da questão reside no bem jurídico protegido pela norma. O artigo 20 da Lei de Racismo e o art. 140, §3° do Código Penal protegem bens jurídicos diferentes. O primeiro tutela a igualdade e o respeito étnico; o segundo, a honra subjetiva do cidadão. Esse também é o critério utilizado pela doutrina como forma de diferenciar os dois delitos:

Acresce-se ao conceito supra que praticar também vem a significar qualquer conduta capaz de exteriorizar o preconceito ou revelar a discriminação, englobando-se, por exemplo, os gestos, sinais, expressões, palavras faladas ou escritas ou atos físicos. (...) Quando a ofensa limita-se estritamente a uma pessoa, como a referência a um negro que se envolve num acidente banal de trânsito, como ''preto safado'' por exemplo, estaremos diante de injúria qualificada do art. 140, § 3º, do Código Penal, em princípio, por somente estarmos a verificar ofensa à honra subjetiva da vítima. Se, contudo, no mesmo contexto fático, diz-se: 'Só podia ser coisa de preto, mesmo!', estaria caracterizada a figura típica do art. 20, caput, da Lei nº 7.716/89, porque, embora a frase seja dirigida a uma única pessoa, mesmo que seja num momentâneo desentendimento, está revelando inequivocamente um preconceito em relação à raça negra, ou aos que possuam a 'cor preta', pois a expressão utilizada contém o raciocínio de que todo negro ou preto faz coisas erradas" (Crimes de Preconceito e de Discriminação. Análise Jurídico Penal da Lei n. 7.716/89 e Aspectos Correlatos, São Paulo: Max Limonad, 2001, p.121/126).

A injúria real prevê penas que também variam de 1 (um) a 3 (três) anos. Daí muitas pessoas acharem que a diferenciação entre os crimes não tem qualquer conseqüência prática. Ledo engano. Apesar da pena prevista para o delito ser a mesma em ambos os casos, a Constituição Federal estabeleceu restrições severas para o crime de racismo, quais sejam a imprescritibilidade e a inafiançabilidade. Logo, o agente que responde pelo delito de injúria qualificada pode se valer de ambos os institutos, ao passo que o mesmo não ocorre com aquele contra o qual é imputada a prática de racismo. Portanto, caso esteja configurado o crime de pratica do racismo, antecipamos que não poderá ser reconhecida a prescrição e nem concedida fiança nos termos exatos da Constituição Federal, art. 5º, inc. XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.

Ao estudarmos a distinção entre os dois crimes, é fácil concluir que a denúncia descreve o crime de prática do racismo, previsto no art. 20 da Lei 7.716/89, pois, nos termos da denúncia, teria o réu, por ocasião da prisão da vítima, apontado esta como autora de um roubo e pronunciado as seguintes palavras: PARA ELE, PROFESSOR, TODO PRETO É LADRÃO, bem como, durante a lavratura do flagrante, teria, novamente, o réu proferido palavras discriminatórias contra a raça negra, dizendo, por duas vezes, que: TODO PRETO É LADRÃO.

Vemos que a denúncia descreve conduta que fere o respeito étnico e a dignidade da raça negra e não apenas a honra subjetiva da vítima. Portanto, descreve a prática de racismo e não apenas uma injúria racial. Passemos então a analisar se comprovada a materialidade e autoria do crime descrito na denúncia. Conforme alegação da Defesa, em alegações finais, todas as testemunhas que confirmaram a prática da conduta racista seriam parentes da vítima e, portanto, jamais iriam falar algo divergente da acusação.

Entretanto, como bem sublinhou o Assistente de Acusação, a testemunha Izolina Silva da Silva não é parente do réu, tendo informado (fl. 71) que seu conhecimento com a vítima é porque ele tem amizade com a filha da testemunha, sendo que afirmou ter ouvido o réu dizer que todo preto é ladrão e aduziu, ainda, que chegou a se dirigir ao acusado e dizer que teria que provar a sua afirmação ofensiva. Sobre a validade da prova testemunhal a doutrina já discute não é de hoje. Testemunha, em sentido próprio, é uma pessoa diversa dos sujeitos principais do processo (podemos dizer, um terceiro desinteressado) que é chamado em juízo para declarar, positiva ou negativamente, e sob juramento, a respeito de fatos que digam respeito ao julgamento do mérito da ação penal, a partir da percepção sensorial que sobre eles obteve no passado.

Mittermaier define a testemunha como sendo "o indivíduo chamado a depor segundo sua experiência pessoal, sobre a existência e a natureza de um fato". (C. J. A. Mittermaier, Tratado da Prova em Matéria Criminal, 3ª. ed., Campinas: Bookseller, 1996, p. 231, tradução de Herbert Wüntzel Heinrich).

Para Malatesta, o fundamento da prova testemunhal reside "na presunção de que os homens percebam e narrem a verdade, presunção fundada, por sua vez, na experiência geral da humanidade, a qual mostra como na realidade, e no maior número de casos, o homem é verídico". (Nicola Framarino dei Malatesta, A Lógica das Provas em Matéria Criminal, São Paulo: Saraiva, vol. II, 1960, p. 16, tradução de Alexandre Augusto Correia).

O testemunho é um meio de prova disciplinado pelos arts. 202 a 225 do CPP. O Juiz, tendo em vista o sistema de apreciação de provas do livre convencimento, pode valorá-lo livremente à luz das demais provas produzidas. No antigo sistema da certeza legal ou da prova legal prevalecia o brocardo testis unus, testis nullus (voix d'un, voix de nul, para os franceses), onde uma só testemunha não valia como prova. Hoje se admite até uma condenação com base em um único testemunho, desde que corroborado com os demais meios probatórios colacionados aos autos. Não se pode olvidar que o depoimento da referida testemunha condiz com o depoimento do informante, Erasmo Souza do Amparo, tio da vítima, que também afirma (fl. 71) ter ouvido o réu dizer que todo preto é ladrão.

Se fosse absoluta a tese da Defesa de que os depoimentos dos informantes deveriam ser desconsiderados então não haveria porque gastar-se tempo ouvindo-os no processo penal. Por outro lado, deve ser deixado claro que não se está julgando o roubo supostamente cometido pela vítima e sim o crime de prática do racismo. E por mais que a vítima fosse ladrão não poderia ser ofendido da forma que foi, especialmente, porque a ofensa extrapolou a sua pessoa direcionando-se contra a dignidade da raça negra.

Ante o exposto, CONDENO O RÉU, PAULO HENRIQUE DIAS MESQUITA, nas penas do art. 20 da Lei n° 7.716/89.

Passo à dosagem da pena.

A culpabilidade (grau de reprovação da conduta) do réu está em grau superior ao mínimo, considerando que o réu, sendo professor, teria obrigação de ter conduta e ideologia condizente com a função de educador. Não possui o réu antecedentes criminais. Nada que lhe prejudique na sua conduta social ou personalidade. As circunstâncias do crime lhe prejudicam, já que no réu se encontrava preso no momento do delito, sem condições, sequer, de defender-se. A vítima não pode ser responsabilizada, pois não há prova de que tenha contribuído com seu comportamento para o crime. Considerando a culpabilidade e as circunstâncias do crime, fixo a pena base em 02 (dois) anos de reclusão e multa no valor de 90 dias multa, fixados em 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do fato o valor de cada dia multa, que torno em pena definitiva na falta de outras circunstâncias atenuantes ou agravantes ou causa de aumento ou de diminuição de pena. O réu, por ser condenado não reincidente, com pena inferior a 04 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto (art. 33, §2º, c). Repetimos que não poderá ser reconhecida a prescrição e nem concedida fiança nos termos exatos da Constituição Federal, art. 5º, inc. XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei. Substituo a pena privativa de liberdade do réu por uma pena restritiva de direitos e multa, conforme o §2º, do art. 44 do CPB. A pena restritiva de direitos consistirá na prestação de serviços à comunidade devendo ser cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho, conforme o art. 46, §3º, do CPB, sendo facultado ao condenado cumprir a pena substitutiva em menor tempo (art. 55), nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada, conforme o art. 46, §4º, do CPB. A pena restritiva de direitos substituta converter-se-á em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta (art. 44, §4º, do CPB). As penas de multa impostas deverão ser pagas dentro de 10 (dez) dias depois de transitada em julgado a sentença, sob pena de serem remetidas as certidões necessárias à inscrição e execução da dívida pela Fazenda Pública. A requerimento do condenado e conforme as circunstâncias, poder-se-á permitir que o pagamento se realize em parcelas mensais (art. 50 do Código Penal). Após o trânsito em julgado, expeça-se para a Vara de Execução das Medidas Alternativas a guia de execução da pena. Após o trânsito em julgado, lance-se o nome do réu no rol dos culpados (art. 393, III, CPP e 5º, LVII, CF).

P.R.I.C.

Belém-PA, 01 de dezembro de 2009.

FLÁVIO SÁNCHEZ LEÃO
Juiz de Direito



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