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quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

JURID - Habeas corpus. Violência doméstica. Crime de ameaça. [09/12/09] - Jurisprudência


Habeas corpus. Violência doméstica. Crime de ameaça praticada contra mulher no âmbito doméstico.


Superior Tribunal de Justiça - STJ.

HABEAS CORPUS Nº 109.547 - ES (2008/0139036-5)

RELATORA: MINISTRA JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG)

IMPETRANTE: ELVIO HERMÍNIO VAZZOLER

ADVOGADO: BERNADETE DALL' ARMELLINA

IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

PACIENTE: ELVIO HERMÍNIO VAZZOLER

EMENTA

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. CRIME DE AMEAÇA PRATICADA CONTRA MULHER NO ÂMBITO DOMÉSTICO. PROTEÇÃO DA FAMÍLIA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. MEDIDA DESPENALIZADORA. PROIBIÇÃO DE APLICAÇÃO DA LEI 9.099/1995. ORDEM DENEGADA.

1. A família é a base da sociedade e tem a especial proteção do Estado; a assistência à família será feita na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. (Inteligência do artigo 226 da Constituição da República).

2. As famílias que se erigem em meio à violência não possuem condições de ser base de apoio e desenvolvimento para os seus membros, os filhos daí advindos dificilmente terão condições de conviver sadiamente em sociedade, daí a preocupação do Estado em proteger especialmente essa instituição, criando mecanismos, como a Lei Maria da Penha, para tal desiderato.

3. Não se aplica aos crimes praticados contra a mulher, no âmbito doméstico e familiar, a Lei 9.099/1995. (Artigo 41 da Lei 11.340/2006).

4. A suspensão condicional do processo é medida de caráter despenalizador criado pela Lei 9.099/1995 e vai de encontro aos escopos criados pela Lei Maria da Penha para a proteção do gênero feminino.

5. Ordem denegada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo no julgamento após o voto-vista do Sr. Ministro Nilson Naves denegando a ordem de habeas corpus, e os votos da Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura e do Sr. Ministro Og Fernandes no mesmo sentido, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, denegar a ordem de habeas corpus, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Os Srs. Ministros Nilson Naves, Maria Thereza de Assis Moura e Og Fernandes votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP) e Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ/CE).

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves.

Brasília, 10 de novembro de 2009(Data do Julgamento)

MINISTRA JANE SILVA
(DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG)
Relatora

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG) (Relatora):

Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário impetrado por meio de procurador legalmente habilitado, em benefício de ELVIO HERMÍNIO VAZZOLER - denunciado por crime de ameaça no âmbito doméstico - no qual alegou que o paciente suporta ilegal coação exercida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo em virtude da decisão que manteve intacta a ação penal contra ele ajuizada, não obstante sua nulidade. Disse que, denunciado por suposta ameaça contra sua ex-esposa, em situação caracterizadora, em tese, de violência doméstica, faz jus à suspensão condicional do processo. Disse que, apesar de ser vedada a aplicação da Lei 9.099/1995 à espécie, dito benefício possui aplicação em qualquer procedimento, e não apenas naqueles previstos no referido diploma legal, motivo pelo qual, não pode ser tido como vedado pela Lei Maria da Penha.

O pedido de liminar foi indeferido, f. 66/67.

As informações foram devidamente prestadas pela autoridade apontada coatora, f. 71.

A Subprocuradoria-Geral da República opinou pela denegação da ordem, f. 145/149.

É o relatório.

Em mesa para julgamento.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG) (Relatora):

Analisei atentamente as razões da impetração, as informações prestadas, a documentação acostada, o parecer do Ministério Público Federal e entendo que a ordem deve ser denegada pelos motivos que passo a expor:

Consta dos autos que o paciente ameaçou sua ex-esposa de morte fazendo uso de uma faca, quando já não coabitavam por um ano.

O Ministério Público ofertou denúncia por crime de ameaça sem oferecer a suspensão condicional do processo ao paciente.

O Juízo de Direito enviou o feito à Procuradoria de Justiça, por analogia ao artigo 28 do Código de Processo Penal, oportunidade em que o Procurador de Justiça entendeu pela impossibilidade de oferecimento da suspensão condicional do processo em crimes praticados no âmbito doméstico contra a mulher, remetendo os autos ao Juízo, que recebeu a denúncia.

A Defesa, inconformada, impetrou habeas corpus no Tribunal de Justiça do Espírito Santo, o qual denegou a ordem sob a seguinte ementa, f. 131:

HABEAS CORPUS - AMEAÇA - LEI MARIA DA PENHA - PRISÃO PROVISÓRIA - DELITO PUNIDO COM DETENÇÃO - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA FAMILIAR CONTRA MULHER - POSSIBILIDADE DA PRISÃO PROVISÓRIA - SUSPENSÃO CONDICONAL DO PROCESSO - PROPOSITURA DO MINISTÉRIO PÚBLICO - OFERECIMENTO DO BENEFÍCIO DA SUSPENSÃO CONDICONAL DO PROCESSO - VEDAÇAÕ EXPRESSA DO ART. 41 DA LEI 11.340/06 - CONSTITUCIONALIDADE - ISONOMIA - ORDEM DENEGADA.

1. Já está pacificado nos Tribunais Superiores que a prisão provisória é admitida nos crimes punidos com detenção, quando o delito em apuração envolver violência doméstica familiar contra a mulher, como forma de garantir a execução das medidas protetivas de urgência.

2. A proposta de suspensão condicional do processo é prerrogativa do Ministério Público, sendo vedado ao magistrado oferecê-la de ofício. Por conter requisitos de natureza axiológica a suspensão condicional do processo não é direito subjetivo do réu.

3. A Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) através de seu art. 41 é cristalina quanto à proibição de aplicação dos institutos previstos na Lei 9.099/95, dentre eles a almejada suspensão condicional do processo, nos casos de crimes praticados com violência doméstica contra a mulher, o qual ocorre no caso em tela.

4. Distante de ofender preceitos constitucionais, tal dispositivo de lei, ao contrário, realiza a confirmação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, ao passo que confere tratamento diferenciado a indivíduos que se encontram em situação de desigualdade.

5. Ordem denegada.

Daí o presente writ, em que a impetrante pretende a concessão ao paciente do benefício da suspensão condicional do processo, devido ao quantitativo de pena mínima cominada ao crime de ameaça e porque esse benefício processual não se restringe ao crime de menor potencial ofensivo.

Em 07 de agosto de 2006 foi publicada a esperada Lei 11.340, intitulada "Lei Maria da Penha", referido diploma legal procurou criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do artigo 226 da Constituição da República, procurando coibir de todas as formas a discriminação, prevenir e punir mais severamente a violência contra a mulher.

Com o intuito de dar cumprimento às finalidades a que se propôs, o artigo 41 da Lei 11.340/2006 disciplina que:

Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Frisamos que o artigo 41 da Lei 11.340 diz claramente que não se aplica aos crimes praticados com violência doméstica, a Lei 9.099/1995.

Não disse a novel legislação que não se aplicam aos crimes praticados com violência doméstica apenas alguns mecanismos despenalizadores da lei dos juizados. Acaso o quisesse, o legislador assim teria procedido. Não. Na "Lei Maria da Penha" resta claro que a Lei 9.099/1995 não se aplica por inteiro, isso porque, o escopo de uma e de outra legislação são totalmente opostos. Enquanto a Lei dos Juizados procura evitar o início do processo penal, que poderá culminar com a imposição de uma sanção ao agente do crime, a "Lei Maria da Penha" procura punir com maior rigor o agressor que age às escondidas nos lares, pondo em risco a saúde de sua própria família.

Se a Lei 9.099/1995 não pode ser aplicada, significa que seu artigo 89, que prevê o mecanismo despenalizador da suspensão condicional do processo, também não pode, por corolário, ser aplicado a essas espécies delitivas quando estiverem relacionadas à violência doméstica contra o gênero feminino.

Assim entendo porque a família é a instituição mais importante do Estado, é ela que lhe dá base e sustentáculo. Uma família desestruturada conduz, fatalmente, a um Estado desarticulado e frágil, tornando-o incapaz de resguardar a esfera pública e de assegurar aos indivíduos seus direitos constitucionalizados.

A Constituição da República em seu artigo 226 estabelece que a família é a base da sociedade e tem a especial proteção do Estado; o parágrafo 8º desse dispositivo assegura que a assistência à família será feita na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. Também não descuida a Constituição, artigo 227, de atribuir à família, à sociedade e ao Estado a responsabilidade pelas crianças e adolescentes, com absoluta prioridade, assegurando-lhes:

o direito á vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los à salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Por tais razões, não se pode cogitar de um mecanismo despenalizador como a suspensão condicional do processo quando a prática delitiva atinge a mulher, em casos de violência doméstica, familiar ou íntima.

O interesse maior é da sociedade; é a proteção de mulheres que ficam subjugadas pelo "poder" econômico do parceiro, de idosas e, sobretudo, das menores que, via de regra, são vítimas, ainda que de violência mental, desse tipo de situação. Por tal razão, praticado o ilícito, o procedimento penal deve ter início, deixando de lado mecanismos despenalizadores utilizados no passado que se mostraram inócuos em casos de violência doméstica, servindo apenas para estimular o agressor que atua no lar.

Têm esse posicionamento os seguintes juristas:

Crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher não são de menor potencial ofensivo, pouco importando o quantum da pena, motivo pelo qual não se submetem ao disposto na Lei 9.099/95, afastando, inclusive, o benefício da suspensão condicional do processo, previsto no art. 89 da referida Lei do JECRIM. Embora severa, a disposição do art. 41, em comento, é constitucional. (NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 1147). (Grifamos).

Não se aplicam, portanto, os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95 em caso de violência doméstica e familiar contra a mulher. Deste modo, em se configurando a violência doméstica e familiar contra a mulher, qualquer que seja o crime e sua pena, não cabe transação penal nem suspensão condicional do processo nem composição civil dos danos extintiva de punibilidade, não se lavra termo circunstanciado (em caso de prisão em flagrante, deve ser lavrado auto de prisão em flagrante e, se for o caso, arbitrada fiança), deve ser instaurado inquérito policial (com a medida paralela prevista no art. 12, III, e §§ 1º e 2º da Lei nº 11.340/06), a denúncia deverá vir por escrito, o procedimento será o previsto no Código de Processo Penal. (BASTOS, Marcelo Lessa. Artigo publicado no sítio eletrônico www.jusnavigandi.com.br). (Grifamos).

Não se sabe, exatamente, se o maior endurecimento da legislação trará os efeitos desejados. Mas o certo é que, a favor do legislador trabalha a estatística a revelar que algo precisava ser feito (Cf. SANCHES, Rogério. A lei Maria da Penha e a não aplicação dos institutos despenalizadores dos juizados especiais criminais. Jus Navigandi). Um dado, colhido no sítio da Fundação Perseu Abramo (www. fpabramo.gov.br), é bastante ilustrativo:

A projeção da taxa de espancamento (11%) para o universo investigado (61,5 milhões) indica que pelo menos 6,8 milhões, dentre as brasileiras vivas, já foram espancadas ao menos uma vez. Considerando-se que entre as que admitiram ter sido espancadas, 31% declararam que a última vez em que isso ocorreu foi no período dos 12 meses anteriores, projeta-se cerca de, no mínimo, 2,1 milhões de mulheres espancadas por ano no país (ou em 2001, pois não se sabe se estariam aumentando ou diminuindo), 175 mil/mês, 5,8 mil/dia, 243/hora ou 4/minuto - uma a cada 15 segundos.

Dessa forma, entendo que em nome da proteção à família, preconizada como essencial pela Constituição da República e, frente ao dispositivo da Lei 11.340/2006 que afasta expressamente a Lei 9.099/1995, os institutos despenalizadores e as medidas mais benéficas dessa última, não se aplicam à violência doméstica.

A doutrina tem criticado a ingerência legislativa indevida de alguns ao criarem meios de burlar o dispositivo expresso da Lei Maria da Penha, artigo 41, para que os benefícios da Lei 9.00/1995 continuem a ser aplicados em casos de violência doméstica praticada contra a mulher, vejamos:

Revela-se, desse modo, incompreensível a resistência de alguns que, investidos na condição de legisladores, insistem no entendimento de que a Lei nº 9.099/95 deva continuar sendo aplicada às hipóteses de violência contra a mulher.

Exemplo dessa constatação pode ser visto em algumas das conclusões extraídas do "Encontro de Juizes dos Juizados Especiais Criminais e de Turmas Recursais do Estado do Rio de Janeiro", realizado em Búzios:

"É inconstitucional o art. 41 da Lei nº 11.340/2006 ao afastar os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95 para crimes que se enquadram na definição de menor potencial ofensivo, na forma do art. 98, I e 5º, I, da Constituição Federal";

"São aplicáveis os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95 aos crimes abrangidos pela Lei nº 11.340/2006 quando o limite máximo da pena privativa de liberdade cominada em abstrato se confinar com os limites previstos no art. 61 da Lei nº 9.099/95, com a redação que lhe deu a Lei nº 11.313/2006";

"É cabível, em tese, a suspensão condicional do processo para o crime previsto no art. 129, § 9º, do Código Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.340/2006";

"É cabível a audiência prévia de conciliação aos crimes abrangidos pela Lei nº 11.340/2006 quando o limite máximo de pena privativa de liberdade cominada em abstrato se confinar com os limites previstos no art. 61 da Lei nº 9.099/95, com a redação que lhe deu a Lei nº 11.313/2006";

"É cabível a audiência prévia de conciliação para o crime previsto no art. 129, § 9º, do Código Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.340/2006".

Tal entendimento, com a devida vênia, incorre em uma série de equívocos, dentre eles:

a) torna letra morta o dispositivo em estudo, que é claro ao afastar o JECrim dos crimes perpetrados contra a mulher;

b) transforma o juiz em legislador. Não que se pretenda reduzir a figura do juiz a um mero e frio espectador, verdadeiro autômato na aplicação da lei. Fosse assim, mais prático seria sua substituição por um computador. Mas também não se admite que confira ao texto legal, fugindo mesmo de sua análise gramatical, uma interpretação tão apartada da vontade do legislador. Seria quase que um Direito alternativoàs avessas, pois opta por uma interpretação da lei totalmente contrária a seu espírito, em franco detrimento da mulher.

c) ignora uma dos métodos de interpretação da norma que é, exatamente, o método lógico-sistemático, a reclamar do intérprete que leve em conta o sistema em que se insere o texto e procure estabelecer uma concatenação entre ele (o texto) e os demais elementos da lei. Afinal, é através de uma norma se conhece o sentido de outra. Nenhuma análise deve ser feita com base apenas em uma parte da lei, mas tomando-a como um todo.

d) esquece dos fins sociais da lei que devem ser considerados em sua interpretação, conforme anotamos nos comentários ao art. 4º da lei.

(PINTO, Ronaldo Batista; CUNHA, Rogério Sanches. A Lei Maria da Penha e a não-aplicação dos institutos despenalizadores dos juizados especiais criminais. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1517, 27 ago. 2007. Disponível em: . Acesso em: 12 dez. 2008.

No sentido de ser indevida a suspensão condicional do processo para crimes praticados com violência doméstica contra o gênero feminino, já se manifestou, por unanimidade, a 5ª Turma desse Superior Tribunal de Justiça no julgamento do HC 84831/RJ sob a relatoria do Ministro Felix Fischer, vejamos o voto na íntegra:

EMENTA

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ART. 129, § 9º, DO CÓDIGO PENAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. LEI MARIA DA PENHA. LEI Nº 9.099/95. INAPLICABILIDADE.

A Lei nº 11.340/06 é clara quanto a não-aplicabilidade dos institutos da Lei dos Juizados Especiais aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher.

Ordem denegada.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO FELIX FISCHER: No presente mandamus, sustenta o impetrante que, a despeito da natureza do delito e sua vinculação com a Lei nº 11.340/06, segundo o Enunciado nº 89 do III Encontro de Juizados Especiais Criminais e Turmas Recursais do Estado do Rio de Janeiro "é cabível a audiência prévia de conciliação para o crime previsto no art. 129, § 9º, do Código Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.340/06" (fl. 5). Requer, dessa forma, que sejam concedidos os benefícios da prévia conciliação, prevista no art. 72 da Lei nº 9.099/95, e da suspensão condicional do processo, de acordo com o art. 89 da Lei nº 9.099/95.

A ordem não merece ser concedida.

A Lei nº 11.340/06 é bastante clara quanto a não-aplicabilidade dos institutos da Lei dos Juizados Especiais aos crimes praticados com violência doméstica, senão vejamos:

"Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995."

Percebe-se do texto legal acima transcrito que a intenção do legislador foi afastar dos casos de violência doméstica contra a mulher as medidas despenalizadoras da Lei dos Juizados Especiais Criminais, como a transação penal e a suspensão condicional do processo.

Sobre o assunto preleciona Pedro Rui da Fontoura Porto:

"Desde a entrada em vigor da Lei 9.099/95, que, mormente no relativo ao regramento dos Juizados Especiais Criminais, estabeleceu os princípios norteadores da informalidade, celeridade, oralidade e economia processual (art. 62 da Lei 9.99/95), sempre houve uma preocupação do movimento feminista acerca de, até que ponto, a nova tendência para um direito penal conciliador e mais flexível, baseado na vontade do ofendido, não colocava em risco as fragilizadas vítimas da violência doméstica.

Com efeito, embora não crie novos tipos penais, a Lei 11.340/06 certamente opera como complemento de tipos penais precedentes, sendo conveniente uma reflexão acerca dos limites desta influência, isto porque, ao se configurar qualquer crime como praticado em situação de violência doméstica ou familiar contra a mulher nos termos da lei em questão, uma conseqüência importante se sobressai: a regra do art. 41 que determina a não aplicação da Lei 9.099/95." ("Violência doméstica e familiar contra a mulher, Lei 11.340/06 - análise crítica e sistêmica", 2007, Livraria do Advogado Editora, págs. 38/39).

Transcrevo parte do parecer da douta Subprocuradoria-Geral da República, que elucida bem a questão discutida nos autos:

"A Constituição Federal prevê, em seu art. 98, a criação de Juizados Especiais Criminais competentes para o julgamento de infrações penais de menor potencial ofensivo, deferindo à norma infraconstitucional a definição dessas infrações. A Lei n.° 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da justiça comum estadual e distrital, considera, em seu art. 61, alterado pela Lei n.° 11.313/2006, infrações de menor potencial ofensivo os crimes e as contravenções penais com pena máxima inferior a 2 (dois) anos.

Com o advento da Lei n.° 11.340/2006, que cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, foram alteradas algumas disposições do Código Penal, havendo agravamento de algumas de suas penas. O legislador procurou tratar de forma mais severa aquele que pratica infrações no âmbito familiar, em especial contra a mulher, justamente pelo fato de os institutos despenalizadores previstos na Lei n.° 9.099/95 não terem se mostrado eficazes o suficiente no combate aos crimes desta natureza. Desde então, a lesão corporal praticada no âmbito doméstico, crime atribuído ao paciente na denúncia, passou a ter pena máxima de 3 (três) anos. Portanto, o quantum máximo da pena em abstrato previsto para o delito em questão já é suficientemente alto para afastá-lo do âmbito das infrações penais de menor potencial ofensivo. Não bastasse isso, a chamada Lei Maria da Penha, em seu art. 41,³ vedou, de forma expressa, a incidência da Lei n.° 9.099/95, independentemente da pena cominada. Logo, por essas razões, não devem ser empregados os institutos despenalizadores previstos na Lei dos Juizados Especiais ao presente caso.

É incabível, ainda, a concessão da suspensão condicional do processo nos termos do art. 89 da Lei n.° 9.099/95, pelo motivo acima já exposto, qual seja, inaplicabilidade dos institutos previstos na Lei n.° 9.099/95 aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher.

Tampouco há falar em inconstitucionalidade do art. 41 da Lei n.° 11.340/06, haja vista o fato de que a Constituição deferiu ao legislador ordinário definir as infrações de menor potencial ofensivo. Portanto, se na Lei Maria da Penha se optou por afastar a aplicação da Lei n.° 9.099/95, é porque se entendeu que tais infrações penais não podem ser consideradas como de menor potencial ofensivo, o que atende ao disposto no art. 98, 1 da Carta da República.

Improcedente é, no mais, a alegação do paciente de que estaria a sofrer constrangimento ilegal por não ter sido designada audiência prévia de conciliação. O art. 16 da Lei Maria da Penha prevê a possibilidade de realização dessa audiência apenas para os crimes de ação pública condicionada. Até o advento da Lei n.° 9.099/95, na persecução criminal de lesão corporal leve, se procedia mediante ação pública incondicionada. A Lei dos Juizados Especiais, em seu art. 88, passou, entretanto, a dispor que a ação penal, para esse crime, dependeria de representação para ser iniciada. Ocorre que, como visto, o art. 41 da Lei 11.340/06 afastou, de modo categórico, a incidência da Lei n.° 9.099/95. Por isso, há de se considerar nos casos de lesão corporal, com violência doméstica, que a ação penal será pública incondicionada, consoante previsto no próprio Código Penal. É, portanto, incompatível com o procedimento adotado para a persecução do crime atribuído ao paciente, a realização de sobredita audiência.

Ante o exposto, opina o Mistério Público Federal por que seja denegada a ordem". (fls. 58/59).

Ante o exposto, denego a ordem.

É o voto. (Grifo nosso).

Presentes, pois, as condições de procedibilidade da ação, ela deve ter seu curso regular.

Posto isto, denego a ordem.

É como voto.

ERTIDÃO DE JULGAMENTO

SEXTA TURMA

Número Registro: 2008/0139036-5 HC 109547 / ES

MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 100080006750 49070005407

EM MESA JULGADO: 06/02/2009

Relatora
Exma. Sra. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG)

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro NILSON NAVES

Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. MARIA ELIANE MENEZES DE FARIA

Secretário
Bel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA

AUTUAÇÃO

IMPETRANTE: ELVIO HERMÍNIO VAZZOLER

ADVOGADO: BERNADETE DALL' ARMELLINA

IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

PACIENTE: ELVIO HERMÍNIO VAZZOLER

ASSUNTO: Penal - Crimes contra a Pessoa (art.121 a 154) - Crimes contra a Liberdade Individual - Ameaça (art.147)

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"Após o voto da Sra. Ministra Relatora denegando a ordem, pediu vista o Sr. Ministro Nilson Naves. Aguardam os Srs. Ministros Paulo Gallotti, Maria Thereza de Assis Moura e Og Fernandes."

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves.

Brasília, 06 de fevereiro de 2009

ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA
Secretário

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES: Foi para refletir acerca da constitucionalidade ou não do art. 41 da Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha) que pedi vista destes autos. No momento, porém, estou acompanhando a Relatora, de sorte que também eu denego a ordem.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

SEXTA TURMA

Número Registro: 2008/0139036-5 HC 109547 / ES

MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 100080006750 49070005407

EM MESA JULGADO: 10/11/2009

Relatora
Exma. Sra. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG)

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro NILSON NAVES

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. EDUARDO ANTÔNIO DANTAS NOBRE

Secretário
Bel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA

AUTUAÇÃO

IMPETRANTE: ELVIO HERMÍNIO VAZZOLER

ADVOGADO: BERNADETE DALL' ARMELLINA

IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

PACIENTE: ELVIO HERMÍNIO VAZZOLER

ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes contra a liberdade pessoal - Ameaça

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"Prosseguindo no julgamento após o voto-vista do Sr. Ministro Nilson Naves denegando a ordem de habeas corpus, e os votos da Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura e do Sr. Ministro Og Fernandes no mesmo sentido, a Turma, por unanimidade, denegou a ordem de habeas corpus, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora."

Os Srs. Ministros Nilson Naves, Maria Thereza de Assis Moura e Og Fernandes votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP) e Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ/CE).

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves.

Brasília, 10 de novembro de 2009

ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA
Secretário

Documento: 854448

Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 07/12/2009




JURID - Habeas corpus. Violência doméstica. Crime de ameaça. [09/12/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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