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quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

JURID - Empresa deve pagar R$ 586. [02/12/09] - Jurisprudência


Empresa deve pagar R$ 586 mil por dano ambiental
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AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 2002.72.00.001602-3/SC

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

ASSISTENTE: UNIÃO FEDERAL

ADVOGADO: DEBORA BEAL THAIS DE CORDOVA

ASSISTENTE: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA

ADVOGADO: GIORGIA SENA MARTINS

RÉU: HANTEI CONSTRUCOES E INCORPORACOES LTDA/

ADVOGADO: MARCELO BUZAGLO DANTAS

: MARCOS ANDRE BRUXEL SAES

RÉU: MUNICIPIO DE FLORIANOPOLIS

: FATMA FUNDACAO DE AMPARO AO MEIO AMBIENTE

SENTENÇA

1. RELATÓRIO.

Trata-se de ação civil pública em que o Ministério Público Federal objetiva impedir a construção de um edifício - "Residencial Mandágua" em área de patrimônio público federal e de preservação permanente formada por vegetação de restinga, como fixadora de dunas frontais, na Praia dos Ingleses. Afirma que o empreendimento encontra-se completamente à beira-mar, integralmente em área de preservação permanente, dentro da faixa costeira. Relata que o empreendimento foi licenciado pela FATMA "sem nenhum estudo prévio de impactos ambientais". Relata que a Licença Ambiental Prévia foi expedida com dispensa da Licença Ambiental de Instalação. Afirma que a aprovação do projeto de construção pelo Município ocorreu ao arrepio da Lei 6.766/79, que proíbe o parcelamento de solo em área de preservação ecológica. Alerta que uma vez confirmada, em perícia, a caracterização da área como terreno de marinha, não poderá ocorrer a inscrição de sua ocupação, tornando-se imprescindível sua demolição.

Requereu, em liminar, a paralisação imediata das obras do Residencial Mandágua pela ré HANTEI; que o Município de Florianópolis e a FATMA interrompam a concessão de licenças nas áreas de preservação permanente, em especial na Praia dos Ingleses, devendo apresentar em Juízo a relação de alvarás/licenças expedidos nos últimos 12 meses, procedendo-se a revisão destes, e ainda, para providenciar a colocação de placas no local da obra informando acerca desta ação.

Ao final, requer: a declaração de nulidade de todas as licenças expedidas em favor da ré HANTEI; a condenação solidária dos réus á recuperação da área degradada, com a demolição da obra, mediante a apresentação de PRAD; a condenação dos réus ao pagamento de indenização pelos danos causados aos interesses difusos, bem como à desocupação e devolução da área degradada pertencente à União; a transformação em definitiva da obrigação do Município e da FATMA em interromper a concessão de alvarás e licenças em área de preservação permanente na Praia dos Ingleses.

O pedido de liminar foi deferido em parte, determinando-se a imediata paralisação da obra por parte da ré Hantei Construções e Incorporações Ltda. até decisão final (fls. 175/183).

A ré HANTEI interpôs agravo de instrumento nº 20020401010666-0 (fls. 193/216), o qual, embora não concedido efeito suspensivo, ao final determinou a cassação da liminar (fl. 759).

O Ministério Público Federal solicitou a fixação dos dias para fim de aplicação da multa diária pelo descumprimento da decisão liminar que determinou à ré HANTEI a colocação de placas sobre a paralisação da obra (fls. 217/218), tendo sido determinado pelo Juízo a expedição de mandado de constatação no local, o qual se encontra acostado às fls. 229 e vº.

O IBAMA requereu sua admissão no feito na qualidade de assistente litisconsorcial (fls. 219) e a União como assistente simples (fls. 220/221), cujo pedido restou deferido à fl. 222.

Às fls. 223/225 dos autos foi acostada decisão rejeitando a exceção de incompetência oposta pela ré HANTEI.

Em contestação (fls. 230/250), a HANTEI afirma que a obra embargada localiza-se exclusivamente em terreno alodial e que, desde a década de 70 a área está murada e gramada. Aduz que a área de marinha existente à frente da parte alodial está sendo totalmente preservada, sem qualquer edificação. Assevera que efetuou consulta de viabilidade junto ao Município que declarou ser adequada a construção de edifício residencial na parte alodial. Também houve manifestação da FLORAM que não se opôs à edificação; e da FATMA que expediu a licença ambiental prévia (LAP), com dispensa da licença ambiental de instalação (LAI). Esclarece que o alvará de construção foi expedido antes da obtenção da LAP e que não haveria necessidade de confecção do RIMA. Afirma que as licenças ambientais de que é portadora gozam de presunção de legitimidade. Juntou documentos às fls. 251/288.

A FATMA, em sua contestação (fls. 289/294), afirma que, após parecer técnico interno, expediu a Licença Ambiental Prévia (LAP 205/01) com prazo de vinte e quatro meses. Aduz que a firmatária do parecer técnico é Técnica de Controle Ambiental, sendo, portanto, capacitada para elaborá-lo. Assevera que a área prevista para a implantação do "Residencial Mandágua" não continha vegetação de restinga e dunas frontais; que "o fato de estar a área em zona costeira, por si só, não obriga o licenciamento a prévia realização de estudo de impacto ambiental". Afirma que a edificação de um edifício de quatro pavimentos, com área construída de 2.700, 24 m2, em zona litorânea, não implica, necessariamente, em significativo impacto ambiental que justifique a exigência de realização do EIA/RIMA. Juntou documentos às fls. 295/321.

Em sua defesa (fls. 322/332), o Município de Florianópolis, alega, preliminarmente, que não foi intimado para se manifestar a respeito da liminar, o que conduziria à sua cassação. Afirma que a aprovação do edifício foi efetivada com base na legislação municipal vigente, ou seja, o Plano Diretor dos Balneários. Respeitou-se a faixa de 33 metros a partir do início da vegetação, ante a inexistência da demarcação da linha do preamar médio. Requer a inclusão da FLORAM no feito.

A HANTEI requer seja reconsiderado o despacho liminar (fls. 333/338 com documentos anexados às fls. 339/377).

O Ministério Público Federal apresentou réplica à contestação (fls. 379/398, com documentos às fls. 399/592).

Às fls. 593/594 foi indeferido o pedido de reconsideração da liminar e deferida a produção de prova pericial.

O Ministério Público Federal interpôs Ação Cautelar Incidental (fls. 598/604) com pedido liminar para que, em publicidade relativa ao "Residencial Mandágua", fosse informado ao consumidor sobre a existência desta ação civil pública.

Na decisão de fls. 608/610 restou deferido parcialmente o pedido liminar para fazer constar a existência de ação civil pública em qualquer anúncio publicitário da construção "sub judice", bem como determinar a averbação à margem da matrícula do imóvel junto ao 2º Cartório de Registro de Imóveis de Florianópolis/SC.

Indicação de assistentes técnicos e apresentação de quesitos pelas partes às fls. 617 (FATMA), 618/620 (MPF), 621/623 (UNIÃO), 624/625 (MUNICÍPIO) e 626/628 (HANTEI).

A HANTEI apresentou contestação à ação cautelar incidental (fls. 653/662) alegando, em preliminar, a carência de ação por impossibilidade jurídica do pedido e ilegitimidade de parte ativa. No mérito, afirma que não efetuou propaganda enganosa.

O Ministério Público Federal apresentou réplica à contestação na ação cautelar (fls. 673/675).

Em agravo de instrumento interposto pela ré HANTEI (nº 20020401053220-9) contra a decisão liminar deferida na ação cautelar incidental (fls. 676/691), foi concedido o efeito suspensivo (fls. 693/694), dando-se provimento ao final (fls. 739/741).

Foi deferido o ingresso da União Federal na qualidade de assistente simples do autor (fls. 695).

Após apresentação dos valores relativos à perícia judicial (fl. 697), manifestou-se a HANTEI para que seja imputado ao Ministério Público Federal o pagamento dos honorários.

Pelo Juízo foi determinado que o adiantamento dos honorários fosse feito pelo Ministério Público Federal (fl. 703). Contra a decisão ocorreu a interposição de agravo de instrumento (fls. 708/722), ao qual foi deferido o efeito suspensivo pleiteado (fls. 724/726).

Em razão da decisão proferida, foi intimada a empresa ré para depositar os honorários periciais (fl. 737).

Em audiência de conciliação realizada em 16 de agosto de 2004 (fls. 757/758), foi convencionado, após contato telefônico com o perito, que os honorários seriam pagos ao final. Juntou-se decisão proferida em agravo de instrumento interposto contra medida liminar (fls. 759 e 771/772), o qual foi provido.

O laudo pericial foi juntado às fls. 775/801.

O Ministério Público Federal e a União manifestaram-se sobre o laudo pericial e pediram esclarecimentos (fls. 868/877 e 878/879).

O IBAMA requereu a juntada das informações técnicas (fls. 882/885) e a HANTEI manifestou-se sobre o laudo pericial (fls. 896/905).

O Município de Florianópolis também se manifestou sobre o laudo pericial (fls. 1010/1015). O perito judicial se manifestou sobre as impugnações (fls. 1019/1023).

A União (fls. 1042/1045) informa que o processo de demarcação da LPM 1831 em Florianópolis já iniciou.

Manifestação do IBAMA de que a área é caracterizada como de preservação permanente (fls. 1047/1049).

Manifestação da HANTEI às fls. 1053/1070.

Designada nova audiência (fls. 1080/1081), o perito não compareceu, restando frustada a conciliação entre as partes.

À fls. 1095, determinou-se à parte ré para promover o depósito dos honorários periciais.

Laudo de avaliação do imóvel às fls. 1091/1092.

O perito judicial respondeu às impugnações (fls. 1104/1114). O Ministério Público Federal, a União e o IBAMA concordaram com os termos da perícia (fls. 1116/1127, 1129 e 1131).

Manifestação da HANTEI às fls. 1137/1147 e 1190/1192.

Juntada aos autos de decisão do Agravo de instrumento nº 2002.04.01.010666-0 provido; Agravo Regimental em AI desprovido; Embargos de Declaração providos em parte; Recurso Especial provido para anular o acórdão recorrido; Recurso Extraordinário não admitido e, por fim, decisão do Agravo de Instrumento, ao qual foi negado seguimento por perda do objeto, tendo em vista que a obra do Residencial Mandágua já está concluída (fls. 1154/1175).

À fl. 1193 foi determinada a designação de audiência de conciliação, a qual restou inexitosa, tendo sido deferido prazo comum para apresentação de alegações finais pelas partes, conforme termo às fls. 1200 e vº.

Alegações finais apresentadas pela ré HANTEI, pela UNIÃO e pelo MPF às fls. 1201/1239, 1240/vº e 1241/1242, respectivamente.

O IBAMA, a FATMA e o MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS deixaram transcorrer in albis o prazo para alegações finais.

É o relatório. Decido.

2. FUNDAMENTAÇÃO.

2.1. DA AÇÃO CAUTELAR INCIDENTAL.


2.1.1. Impossibilidade Jurídica do Pedido.


Deixo de analisar a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, arguida pela ré HANTEI, pois se confunde com o mérito da presente ação cautelar.

2.1.2. Ilegitimidade de parte ativa.

O pedido, objeto da ação cautelar incidental, diz respeito a direito do consumidor individual homogêneo que, dotado de relevância social, pode e deve ser protegido pelo Ministério Público Federal. Esse é o entendimento corrente:

PROCESSO CIVIL. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. SEGURO OBRIGATÓRIO DE DANOS PESSOAIS - DPVAT. DIREITO INDIVIDUAL HOMOGÊNEO. LEGITIMIDADE E INTERESSE PROCESSUAIS CONFIGURADOS. - A Lei 7.347/85 se aplica a quaisquer interesses difusos e coletivos, tal como definidos nos arts. 81 e 82, CDC, mesmo que tais interesses não digam respeito a relações de consumo. - O Ministério Público tem legitimidade processual extraordinária para, em substituição às vítimas de acidentes, pleitear o ressarcimento de indenizações devidas pelo sistema do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais - DPVAT, mas pagas a menor. - A alegada origem comum a violar direitos pertencentes a um número determinado de pessoas, ligadas por esta circunstância de fato, revela o caráter homogêneo dos interesses individuais em jogo.

Inteligência do art. 81, CDC. - Os interesses individuais homogêneos são considerados relevantes por si mesmos, sendo desnecessária a comprovação desta relevância. Precedentes. - Pedido, ademais, cumulado com o de ressarcimento de danos morais coletivos, figura que, em cognição sumária não exauriente, revela a pretensão a tutela de direito difuso em relação à qual o Ministério Público tem notório interesse e legitimidade processual. - Não sendo o Seguro Obrigatório de Danos Pessoais - DPVAT assemelhado ao FGTS, sua tutela, por meio de Ação Civil Pública, não está vedada por força do parágrafo único do art. 1o da Lei 7.347/85. Recurso Especial não conhecido. (STJ, REsp 855.165/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 07.02.2008, DJ 13.03.2008 p. 1)

Assim, rejeito a preliminar.

2.1.3. Mérito.

Consoante salienta Luiz Rodrigues Wambier (in "Curso Avançado de Processo Civil", v. 3, p. 33/34, "o processo cautelar é aquele por meio do qual se obtêm meios de garantir a eficácia plena - tomada esta expressão no sentido de produção efetiva de efeitos no mundo empírico - do provimento jurisdicional, a ser obtido por meio de futuro (ou concomitante) processo de conhecimento, ou da própria execução (seja esta desenvolvida em processo autônomo ou não)".

Analisando-se a ação cautelar incidental depreende-se que seu objetivo maior é preservar os adquirentes de boa-fé, determinando-se a divulgação da informação de que o imóvel "Residencial Mandágua" está sendo objeto de ação civil pública.

Não se vislumbra, assim, consonância do fim colimado pela ação cautelar com o resultado buscado na ação principal, qual seja, o de assegurar a demolição da construção e consequente reparação do meio ambiente. O prejuízo a terceiros de boa-fé, adquirentes do imóvel em questão, traduz-se tão somente em consequência do julgado.

Ademais, a liminar de suspensão da construção foi revogada pelo TRF da 4ª Região, o que, em tese, não impediu a divulgação da venda.

Desse modo, há que se julgar improcedente o pedido veiculado em ação cautelar incidentalmente proposta à presente ação civil pública.

2.2. DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

2.2.1. Da Oitiva prévia do Município-réu.


Alega o MUNICÍPIO que não lhe foi oportunizada manifestação anterior ao deferimento da medida liminar, conforme o que prevê o art. 2º da Lei 8.437/92. Tal dispositivo dispõe que:

Art. 2º No mandado de segurança coletivo e na ação civil pública, a liminar será concedida, quando cabível, após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de setenta e duas horas.

Por sua vez, na lei que rege a ação civil pública (art. 12 Lei 7.347/85), ficou consignado que o juiz poderá conceder medida liminar, com ou sem justificação prévia, demonstrando-se o caráter de urgência de que pode se revestir no caso concreto, verbis:

Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.

§ 1º A requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, poderá o Presidente do Tribunal a que competir o conhecimento do respectivo recurso suspender a execução da liminar, em decisão fundamentada, da qual caberá agravo para uma das turmas julgadoras, no prazo de 5 (cinco) dias a partir da publicação do ato

Tal urgência faz-se notar, ainda com maior intensidade, nas ações ambientais, haja vista o bem jurídico a ser protegido. No caso dos autos, para se evitar a ocorrência de um dano ambiental, a liminar foi deferida, sem que, de fato, tenha-se determinado a oitiva prévia do representante do Município de Florianópolis. Contudo, o objeto da decisão liminar - de suspensão da obra em construção - circunscreveu-se apenas à Construtora HANTEI, já que somente a ela seriam afetos os eventuais prejuízos advindos da decisão judicial.

Nesse sentido decidiu o e. TRF4 nos autos do Agravo de Instrumento nº 20020401010666-0 por ocasião do indeferimento do efeito suspensivo, verbis:

"Quanto à alegada necessidade de realização de audiência preliminar, observo que a medida liminar concedida não foi dirigida a qualquer dos entes públicos que figuram no pólo passivo da ação, inexistindo qualquer nulidade na dispensa da audiência, até mesmo em razão da urgência no provimento." (fls. 1154/1156).

Desse modo, não há qualquer nulidade quanto à ausência de oitiva do MUNICÍPIO.

2.2.2. Do pedido de condenação do MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS e da FATMA em obrigação de não fazer.

Requer o MPF a condenação do MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS e da FATMA em obrigação de não fazer, consistente em que se abstenham de conceder licenciamento e alvarás para construção em áreas de preservação permanente, em especial na Praia dos Ingleses, sem a observância das determinações legais, a fim de impedir a ampliação dos danos que vêm sendo causados na região.

Todavia, tal requerimento já constava do pedido de liminar, tendo sido analisado na decisão de fls. 175/183.

No caso, a instrução processual não trouxe alteração na situação fática/jurídica que havia quando proferida a decisão liminar. Diante disso, mantenho o posicionamento lá externado pelo magistrado Ricardo Teixeira do Valle Pereira.

Outrossim, em razão do princípio da legalidade, inserto na Constituição da República - art. 37 -, as autoridades administrativas devem obedecer ao disposto em lei na prática de qualquer ato administrativo. Inócua, assim, determinação judicial em abstrato para o cumprimento da lei ambiental.

Assim, indefiro o pedido de condenação do Município de Florianópolis e da FATMA em obrigação de não fazer.

2.2.3. Do Estudo de Impacto Ambiental - EIA.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 225, dispõe que:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

O art. 6º da Lei 7.661/88 também prevê que o licenciamento para desmembramento de solo e construções realizadas na zona costeira deveria ser precedido pela elaboração desse Estudo de Impacto Ambiental, verbis:

Art. 6º. O licenciamento para parcelamento e remembramento do solo, construção, instalação, funcionamento e ampliação de atividades, com alterações das características naturais da Zona Costeira, deverá observar, além do disposto nesta Lei, as demais normas específicas federais, estaduais e municipais, respeitando as diretrizes dos Planos de Gerenciamento Costeiro.

§ 1º. A falta ou o descumprimento, mesmo parcial, das condições do licenciamento previsto neste artigo serão sancionados com interdição, embargo ou demolição, sem prejuízo da cominação de outras penalidades previstas em lei.


§ 2º Para o licenciamento, o órgão competente solicitará ao responsável pela atividade a elaboração do estudo de impacto ambiental e a apresentação do respectivo Relatório de Impacto Ambiental - RIMA, devidamente aprovado, na forma da lei.

Antes mesmo dessa lei, a Resolução 01/86 do CONAMA (art. 2º, inciso X) já previa a possibilidade de exigência do estudo de impacto ambiental para "projetos urbanísticos, acima de 100 ha ou em áreas consideradas de relevante interesse ambiental a critério do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA e dos órgãos municipais e estaduais competentes".

Tal hipótese, que figura entre outras elencadas na norma infralegal, deveria ter sido levada em conta à época do licenciamento, já que a área é notadamente de preservação permanente e situa-se em zona costeira.

De outro lado, a Resolução 237/97 dispôs que:

Art. 3º- A licença ambiental para empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de significativa degradação do meio dependerá de prévio estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/RIMA), ao qual dar-se-á publicidade, garantida a realização de audiências públicas, quando couber, de acordo com a regulamentação.

Parágrafo único. O órgão ambiental competente, verificando que a atividade ou empreendimento não é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente, definirá os estudos ambientais pertinentes ao respectivo processo de licenciamento.

No caso dos autos, em face da natureza da área, terreno de marinha e de preservação permanente, como se verá adiante, cumpria ao órgão fiscalizador ambiental exigir o referido estudo, não obstante se tratar de área prevista como turística residencial (ATR-3) pelo Plano Diretor (Lei Municipal 2.193/85, modificada pela Lei 3.069/88). Nesse sentido:

EMENTA: EMBARGOS INFRINGENTES. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTRUÇÃO DE HOTEL. PROMONTÓRIO. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL. IMPRESCINDIBILIDADE. DEMOLIÇÃO DA OBRA. LICENÇAS INDEVIDAS. BOA-FÉ. - A necessidade do estudo de impacto ambiental não é dispensável, ao revés, sua imprescindibilidade é marcante. Na hipótese, evidente a precariedade das licenças concedidas, diante da necessidade do estudo prévio de impacto ambiental na área em questão. - O fato de que dispensado tal estudo em razão de que implantada grama na área aplainada de solo argilo-arenoso, descaracterizada a vegetação remanescente por ocupações anteriores, bem como porque na frente do terreno foi construído aterro hidráulico por obra do Poder Público, além da estrada que liga Porto Belo a Bombinhas, não afastam a necessidade de tal estudo e nem tampouco motivam a dispensa efetivada pela FATMA. - O ora embargante procedeu ao início das obras amparado em licenças fornecidas por órgão estadual e municipal, firme e convicto na legalidade e na veracidade de tais documentos públicos; dispendeu recursos financeiros e esforços no sentido de concretizar empreendimento hoteleiro de sua titularidade, agindo de boa-fé, descabido, pois, que, julgada indevida a licença, arque com custos inerentes à demolição daquilo que construído, repito, após a obtenção das autorizações havidas à época pertinentes e suficientes. - Embargos parcialmente providos. (TRF4, EIAC 1998.04.01.009684-2, Segunda Seção, Relator Luiz Carlos de Castro Lugon, DJ 16/06/2004)

Com efeito, embora a ré HANTEI tenha logrado receber alvará de licença da Prefeitura de Florianópolis (fl. 297), autorização da FLORAM (fl. 346) e licença ambiental prévia da FATMA (fl. 305), não houve observância das particularidades da área.

Conforme se verifica nos autos, limitou-se o órgão estadual, ao expedir a Licença Ambiental Prévia (n. 205/01), a impor condições à sua validade. Determinou-se, assim, a observância da faixa "non aedificandi" de 33 metros, do cordão dunar e construção de controles ambientais (digestor de lodos; caixa de sedimentação; tanque de aeração e tanque de contato), nada mencionando, entretanto, acerca da presença da vegetação de restinga.

Houve, assim, deficiência na outorga da licença ambiental prévia.

2.2.4. Terreno de Marinha.

Estabelecida a necessidade de prévio estudo de impacto ambiental, cumpre-nos observar se o terreno está ou não situado em terreno de marinha.

De fato, consoante se depreende de legislação específica (Decreto-Lei n. 9760/46), terrenos de marinha são aqueles que se encontram

"em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831: a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés (art. 2º)."

Necessário, então, estabelecer-se a linha do preamar-médio para que se averigue a existência de terreno de marinha.

Preliminarmente, o expert do juízo afirmou que não podia precisar se o terreno era de marinha (fl. 811), por não existir definição da linha de preamar média (LPM/1831) para a região onde localizado o imóvel.

Contudo, após manifestação da União e adotando a linha de vegetação para situar a LPM presumida, afirmou que o terreno é de marinha porque entre essa linha de preamar, onde se inicia a vegetação de restinga e o muro que cerca o imóvel situado de frente para o mar mediu-se 26,50 metros, ou seja, distância inferior aos 33 metros contemplados no Decreto-lei n. 9.760/46. Esclarece que o imóvel ocupa aproximadamente 202,15 m² de terras de marinha, cerca de 15% da área total do terreno (de 1.306 m²).

Em relação à realização da perícia com base na linha presumida, esclareço se tratar de método usualmente adotado pela SPU.

Conforme art. 9º do Decreto-Lei n. 9.760/46, "é da competência do Serviço do Patrimônio da União (SPU) a determinação da posição das linhas de preamar médio do ano de 1831 e da média das enchentes ordinárias", mostrando-se cabível a demarcação feita com base no método utilizado pela SPU, já que esta é, efetivamente, o órgão competente para tanto. Não há, ademais, comprovação da existência de máculas na realização do procedimento de demarcação da LPM presumida pelo perito judicial, de modo a invalidá-la.

Ressalto que nas áreas em que a LPM não foi medida ou homologada é possível sua determinação contada a partir da linha de vegetação, que é a marca do limite de influência das marés. Desta forma é fixada a linha preamar média presumida, procedimento utilizado pela SPU.

Nesse sentido:

EMENTA: DIREITO AMBIENTAL. EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. IMPOSSIBILIDADE. PARQUE MUNICIPAL DA LAGOA DO PERI. LEGITIMIDADE PASSIVA DO MUNICÍPIO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. CARACTERIZAÇÃO DO TERRENO DE MARINHA PELA LPM PRESUMIDA. - Improvimento das apelações e da remessa oficial e parcial conhecimento do recurso adesivo da União, dando-lhe parcial provimento. (TRF4, AC 2003.04.01.040312-8, Terceira Turma, Relator Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, DJ 23/06/2004)

USUCAPIÃO - TERRENO DE MARINHA E SEUS ACRESCIDOS - LINHA DO PREAMAR MÉDIO DE 1831 - DECRETO-LEI N.º 9.760/46 - APELAÇÃO IMPROVIDA


1. O laudo pericial, elaborado com base na delineação da DSPU, foi categórico em enquadrar o terreno usucapiendo entre os acrescidos de marinha, sendo bem da União, toma-se impossível sua aquisição pelo usucapião, art. 1º, alínea a, do Decreto-Lei n.º 9.760/46 e art. 20, inciso VII, da CF/88. 2. Apelação improvida.

(TRF 4º R. - AC 97.04.47836-4 - RS - 4ª T. - Rel. Juiz Sérgio Renato Tejada Garcia - DJU 13.03.2002 - p. 993)

(grifei)

Assim, não há mais o que se discutir a respeito. Efetivamente, parte do terreno é, de fato, de marinha e, portanto, bem da União, conforme o que dispõe o art. 20, inciso IV, da Constituição Federal.

2.2.5. Da Área de Preservação Permanente (Restingas).

Inicialmente cumpre-nos observar se o terreno objeto da presente demanda está ou não situado em área de restinga.

No tocante à proteção das Restingas, visualizo a existência de dois regimes jurídicos distintos no tempo cujo divisor foi a promulgação da Lei 11.428/2006, que dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica.

Antes da lei da Mata Atlântica, a única restrição legal era a prevista no Código Florestal (Lei 4.771/1965), que expressamente qualificava como zona de proteção a área de preservação permanente constituída por restingas enquanto fixadoras de dunas, nos seguintes termos:

Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

[...]

f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;

Art. 3º Consideram-se, ainda, de preservação permanente, quando assim declaradas por ato do Poder Público, as florestas e demais formas de vegetação natural destinadas:

a) a atenuar a erosão das terras

b) a fixar as dunas

Havia, também, a previsão legal contida na Lei 7.661/1988, que, por sua vez, remetia tal proteção à realização do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (art. 3º, I), cuja regulamentação só se deu pelo Decreto 5.300/2004.

A partir da lei 11.428/2006, as Restingas, por si só, passaram a ser consideradas Mata Atlântica para efeitos de proteção, subsumindo-se ao novo regime legal, que possui diversas hipóteses de restrições e exceções, conforme o tipo de zona (urbana ou não) e estágio da mata.

Veja-se:

Art. 2º Para os efeitos desta Lei, consideram-se integrantes do Bioma Mata Atlântica as seguintes formações florestais nativas e ecossistemas associados, com as respectivas delimitações estabelecidas em mapa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, conforme regulamento: Floresta Ombrófila Densa; Floresta Ombrófila Mista, também denominada de Mata de Araucárias; Floresta Ombrófila Aberta; Floresta Estacional Semidecidual; e Floresta Estacional Decidual, bem como os manguezais, as vegetações de restingas, campos de altitude, brejos interioranos e encraves florestais do Nordeste. (GRIFEI)

No caso concreto, a existência de área de preservação permanente no local deve ser analisada à luz do Código Florestal.

Consta dos autos que em 04/07/2000, foi apresentado à SUSP, em nome da antiga proprietária do imóvel, uma consulta de viabilidade para construção de um edifício residencial no terreno objeto do presente feito (fl. 255), o qual foi aprovado em 01/08/2000, com a seguinte observação: "Adequado edifício residencial desde que obedeça a legislação pertinente. Deverá afastar 2,00 metros para a passagem de pedestre." (fl. 256).

Em 18/08/2000 o imóvel foi vendido por Maria Helena de Oliveira May para Heitor Francisco Machado Steiner e outros, e posteriormente, em 18/04/2001, para a ré HANTEI CONSTRUÇÕES E INCORPORAÇÕES LTDA., conforme matrícula do imóvel acostada às fls. 670/672.

Em 22/06/2001 a FLORAM manifestou-se favorável à implantação da edificação desde que seguidas as orientações do projeto aprovado (fls. 67/69).

Em 17/07/2001 o Município de Florianópolis emitiu Alvará de Licença nº 666/2001 para a construção do empreendimento Residencial Mandágua (fl. 66). A ré apresentou laudo técnico elaborada pela bióloga Denize Alves Machado, no qual recomenda a implantação do residencial, no entanto ressalta a importância de manter a recuperação vegetal da área de restinga contígua à propriedade (fls. 41/52).

Em 05/10/2001, a empresa HANTEI encaminhou à FATMA documentos para obtenção do licenciamento ambiental do Residencial Mandágua (fl. 60).

Em 15/10/2001 foi emitido parecer técnico interno pela servidora da FATMA, Carmem Lucia Capela dos Reis, indicando que "em vistoria realizada na área, constatou-se o seguinte: (...) possui vegetação de pastagem.", bem como que a referida LAP dispensa a LAI (fls. 61 e vº). No mesmo dia foi emitida a LAP nº 205/01, com dispensa de LAI (fls. 63 e vº).

Importante ressaltar, neste ponto, que a FATMA instaurou processo disciplinar para apuração de inúmeras e graves irregularidades ocorridas em processos administrativos de licenciamentos ambientais, relacionados à servidora Carmem Lucia Capela dos Reis, dentre os quais o processo administrativo nº URB 1149/CRF, para construção do Residencial Mandágua, conforme fls. 455/592.

Na manifestação apresentada pela servidora do MPF, bióloga Cláudia Regina dos Santos, em 23/01/2002, acerca do laudo apresentado pela ré, consta que: "O fato de a vegatação de Restinga já ter sido descaracterizada, não serve de argumento para a implantação de um edifício. (...) A área de dunas frontais, caracterizada como área de preservação permanente pelo Código Florestal, ao longo da Rua das Gaivotas, é a única faixa da Praia dos Ingleses que ainda encontra-se com poucas ocupações. (...)" (fls. 53/57).

No início do ano 2002 o IBAMA, através do servidor Alberto de Paula Martins, realizou vistoria no local da obra, tendo constatado: "Em que pese aquele local no passado ter sido, provavelmente ocupado por vegetação de restinga, somos de parecer que não seria a preservação daquela propriedade e a consequente recuperação da vegetação originariamente existente que traria de volta a condição encontrada anteriormente, (...)" (fls. 352/353).

O MPF comprovou à fl. 399 que o imóvel contíguo ao imóvel da HANTEI foi embargado pelo IBAMA em 02/2001 devido à construção em área de preservação permanente. Na vistoria realizada pelo IBAMA no referido imóvel foi constatado que: "Pelas características do solo e da vegetação ainda remanescentes no local a ocupação se deu sobre o cordão de duna onde originalmente era recoberto por vegetação de restinga, portanto, em área considerada de preservação permanente (...)" (fl. 402).

Portanto, no mínimo estranho o parecer emitido pelo servidor do IBAMA, Alberto de Paula Martins, de que de nada adiantaria a preservação da vegetação de restinga na propriedade da HANTEI, quando o imóvel contíguo também se encontrava embargado em razão de se caracterizar como APP. Ademais, comungo do entendimento exarado pelo Des. Federal Valdemar Capeletti na Apelação Cível nº 1998.04.01.009684-2, de que é "inconcebível que, atualmente, após o alto grau de conscientização de preservação ambiental, pregar-se que "por já estar degradado", não há necessidade de preservação futura.".

Cumpre observar que, por ocasião da perícia judicial (09/09/2004), o edifício Residencial Mandágua já estava totalmente finalizado, com alguns apartamentos já ocupados, conforme item 3.2. do laudo pericial (fls. 788/790).

Por esse motivo, o perito destaca que "a área onde o prédio está inserido está descaracterizada, a maior parte impermeabilizada e uma pequena parcela de grama plantada" (fl. 808). Mas adverte que a vegetação visualizada no entorno era composta, predominantemente, "por espécies herbáceas e subarbustivas características de restingas" (fl. 809). Frisa que no entorno da área em questão "há remanescentes arbustivos de restinga" (fl. 811).

Segundo afirma o perito, em seu laudo, "independentemente da presença ou não de vegetação, a área onde se encontra o edifício Residencial Mandágua, pelas características geomorfológicas que apresenta é considerada área de restinga" (fl. 810). Informa que "se o terreno onde se insere o edifício Residencial Mandágua não estivesse sendo ocupado, provavelmente apresentaria as mesmas características da área citada", referindo-se à área de restinga. (fl. 834).

Relata, ainda, a presença de antedunas, verbis: "pode-se afirmar que existe restinga e anteduna nas áreas frontal e nas laterais do edifício Mandágua" (fl. 811). À fl. 832, ressalta que "a área em questão é mais influenciada pela ação das marés do que pela ação eólica, podendo ser classificada como antedunas, (...)".

As fotos acostadas aos autos demonstram a ocupação do terreno onde está localizado o empreendimento Residencial Mandágua, o qual era coberto por vegetação de restinga (fls. 115 e 802/805), sendo que a partir do ano 2002 observa-se a intervenção de canteiro de obra para a instalação do empreendimento (fls. 806/807), conforme relatório do perito no item 5.3 Registro Fotográfico (fl. 801).

Trata-se, então, de área de preservação permanente, em razão da vegetação e geologia do local, conforme o que prevê o Código Florestal:

"Art. 1° As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem.

§ 1o As ações ou omissões contrárias às disposições deste Código na utilização e exploração das florestas e demais formas de vegetação são consideradas uso nocivo da propriedade, aplicando-se, para o caso, o procedimento sumário previsto no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil.

§ 2o Para os efeitos deste Código, entende-se por


II - área de preservação permanente: área protegida nos termos dos arts. 2o e 3o desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;

Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:(...) f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;"

Desse modo, conclui-se que a ré HANTEI, na construção do Residencial "Mandágua", desobedeceu as normas ambientais cogentes, já que edificou em terreno de marinha e em área de preservação permanente, com supressão de vegetação de restinga sem autorização da autoridade competente.

A aprovação indevida do empreendimento Residencial Mandágua pela FATMA e pelo MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS quanto à localização em APP, torna a licença/alvará viciada de forma absoluta. Nesse sentido:

EMENTA: ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROMOVIDA PELA UNIÃO. CONSTRUÇÃO DE HOTEL. MUNICÍPIO DE PORTO BELO. ZONA DE PROMONTÓRIO. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. NON AEDIFICANDI. LICENÇA NULA. DESCUMPRIMENTO DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL. INEXISTÊNCIA DE AVALIAÇÃO AMBIENTAL. PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO. DESFAZIMENTO DA OBRA. 1. O empreendimento está localizado em área de promontório, considerada de preservação permanente pela legislação estadual (Lei nº 5.793/80 e Decreto nº 14.250/81) e pela legislação municipal (Lei Municipal nº 426/84), e, por conseqüência, área non aedificandi, razão pela qual a licença concedida pela FATMA é nula, visto que não respeitou critério fundamental, a localização do empreendimento. 2. A FATMA não possuía competência para autorizar construção situada em terreno de marinha, Zona Costeira, esta considerada como patrimônio nacional pela Carta Magna, visto tratar-se de bem da União, configurando interesse nacional, ultrapassando a competência do órgão estadual. 3. Ante ao princípio da prevenção, torna-se imperiosa a adoção de alguma espécie de avaliação prévia ambiental. 4. Os interesses econômicos de uma determinada região devem estar alinhados ao respeito à natureza e aos ecossistemas, pois o que se busca é um desenvolvimento econômico vinculado ao equilíbrio ecológico. 5. Um meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado representa um bem e interesse transindividual, garantido constitucionalmente a todos, estando acima de interesses privados. 6. Apelos providos. (TRF4, AC 1998.04.01.009684-2, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Valdemar Capeletti, DJ 16/04/2003)

Sendo assim, resta clara a ilegalidade da licença ambiental prévia e do alvará emitidos pela FATMA e pelo MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS para a construção do Residencial Mandágua, eis que possuem vício originário na sua concessão em razão do desrespeito à localização do empreendimento em APP, tornando-os nulos.

2.2.6. Danos Ambientais e Conclusões da Perícia.

A Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, não conceitua dano ambiental, limitando-se a definir degradação ambiental e poluição, da forma que segue:

Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

(...)


II - degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente;

III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;

c) afetem desfavoravelmente a biota;

d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;

A doutrina, todavia, tem proposto conceitos para o dano ambiental ou ecológico. Transcrevo o conceito formulado por José Afonso da Silva (in Direito Ambiental Constitucional. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000; p. 265): "Dano ecológico é qualquer lesão ao meio ambiente causada por condutas ou atividades de pessoa física ou jurídica de direito público ou privado".

Assim, ao menos para a solução da controvérsia sob exame, o dano ambiental pode ser compreendido, a partir da combinação de elementos extraídos da legislação e da doutrina, como a lesão causada ao meio ambiente por ação ou omissão de pessoa física ou jurídica, representada por prejuízo à saúde, à segurança e ao bem-estar da população, pela criação de condições adversas às atividades sociais e econômicas, e pelo desfavorecimento à biota e às condições do meio ambiente.

Para ensejar a responsabilização civil do causador do dano ambiental não se exige prova cabal da lesão ao meio ambiente, mas apenas de sua probabilidade ou da simples ameaça ao bem ambiental, máxime porque, nos termos do art. 5º, XXXV, da Constituição da República, "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

In casu, do exposto nos itens anteriores verifica-se que o MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS e a FATMA, órgãos que tem o poder-dever de proteção do meio ambiente, deixaram de cumprir a obrigação legal disposta no art. 23 da CRFB, ao emitirem alvarás e licenças em desacordo com a legislação ambiental vigente.

Outrossim, a proteção ao meio ambiente está assegurada constitucionalmente no art. 225 da Carta Magna, onde expressamente consta a incumbência do Poder Público na defesa e preservação do meio ambiente, verbis:

"Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;


IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;


VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

§ 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.


§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

(...)."

Superada a questão atinente à impropriedade dos alvarás e licenças emitidas pelos réus MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS e FATMA, passo à análise dos danos ambientais propriamente ditos, na área objeto da presente demanda.

Segundo o laudo pericial, "os danos ambientais causados na área para a implantação do empreendimento abrangem a supressão da vegetação, a construção do prédio inviabilizando a regeneração natural da vegetação ali antes presente, a qual exercia papel fundamental para a estabilização dos sedimentos, para a manutenção da drenagem natural e para a preservação da fauna." (fl. 815).

Revela, ainda, que a construção ocasionará "maior produção de resíduos líquidos e sólidos e maior fluxo de veículos na localidade. Os principais efeitos causados além da supressão de vegetação, abrangem ainda uma possível contaminação do lençol freático, risco na deterioração das condições de balneabilidade local e a poluição visual da área." (fl. 837).

Refere que "no caso da inexistência de um sistema efetivo de esgotos prevendo a desinfecção, a ocupação dos apartamentos poderá comprometer a balneabilidade da praia nas proximidades do edifício e a qualidade da água subterrânea." (fl. 816).

Em relação às condições impostas na Licença Ambiental Prévia, afirma o perito: "constatou-se no local que o sistema de tratamento de esgoto implantado difere daquele submetido à obtenção da LAP" (fl. 840).

O perito relata, ainda, que "o projeto hidrosanitário modificado foi aprovado pela Secretaria de Vigilância Sanitária da Prefeitura Municipal de Florianópolis e implantado. É composto por caixas de gordura, fosse séptica e valas de infiltração. Bem operado e mantido, poderá ser eficiente na remoção da matéria orgânica presente no esgoto. No entanto, nenhum método para desinfecção foi previsto em projeto e o sistema a ser adotado não é eficiente para a remoção de organismos patogênicos." (fl. 811).

Pontua que para melhor remoção dos fatores biológicos, seria necessária a manutenção, nas valas de infiltração, de uma condição aeróbia que é estabelecida pela presença de tubos de exaustão e do uso alternado.

Conclui-se, assim, que além de construir em área de preservação permanente e de terreno de marinha, não foram obedecidas as condições impostas na licença ambiental prévia - LAP, a qual determina sistema de esgoto diverso do que foi efetivamente implantado na obra do Residencial Mandágua.

Assim, destaca o expert, a necessidade de implantação de algumas medidas mitigadoras para a minimização dos impactos ambientais, em caso de permanência da edificação, quais sejam:

"a) sistema de coleta e tratamento de esgotos sanitários adequados objetivando a remoção da matéria orgânica, e a desinfecção para eliminação de microrganismos patogênicos. Preferencialmente o afastamento dos esgotos, implantando-se a rede coletora pública, evitando-se a infiltração dos efluentes no subsolo;

b) sistema de gestão de resíduos sólidos (redução na produção, coleta, reciclagem e destinação adequadas)".
(fl. 842)

Ressaltou o perito, ainda, como medida a ser tomada, "A não permissão de novas edificações com o mesmo porte do edifício Residencial Mandágua nas faixas de restinga a fim de preservar a área natural e manter a harmonia visual do ambiente." (fl. 842).

Assim, tratando-se de área de preservação permanente, os réus têm o dever constitucional de recuperá-la, independentemente inclusive de terem sido os causadores do dano.

Dessa forma, ainda que inicialmente tenham sido expedidas licenças e alvarás pela FATMA e pelo MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS, não há como afastar a conclusão de que a irregularidade da ocupação, do ponto de vista ambiental, por se tratar de área de preservação permanente e parcialmente terreno de marinha, constitui fundamento suficiente para a condenação dos réus na recomposição da área degradada.

Nesse sentido, transcrevo os seguintes julgados:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PEDIDO DE DEMOLIÇÃO DE CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE E A SUA RECUPERAÇÃO, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA.

- A área em questão é definida como de preservação permanente, tendo sido demonstrado nestes autos que houve degradação de recursos naturais. O laudo pericial constatou que o réu edificou sobre restinga fixadora de dunas uma casa de alvenaria, de modo que foi retirada a vegetação nativa para a construção da casa. Assim, ficou claramente evidenciada a degradação ao meio ambiente.

- De outro lado, o direito de propriedade não possui caráter absoluto. Prestigiar, em casos como o presente, o direito de propriedade é comprometer à preservação do meio ambiente.

- Ademais, a área em questão constitui-se em terreno de marinha, consoante esclareceu o laudo pericial, sendo necessária autorização para sua utilização, autorização que, na hipótese, seria inviável em face da caracterização da área como de preservação permanente.

(TRF4, AC 2002.04.01.025208-0, Terceira Turma, Relator Vânia Hack de Almeida, publicado em 13/09/2006).

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. ÁREA DE PRAIAS E DUNAS. ESTABELECIMENTO COMERCIAL. PARALISAÇÃO DE ATIVIDADES. POSSIBILIDADE.

I - É cabível a antecipação dos efeitos da tutela, em ação civil pública que visa à remoção de estabelecimento comercial construído em área de praias e dunas, zona de proteção permanente, propriedade da União e bem de uso comum do povo, para que as suas atividades sejam paralisadas. Impede-se, dessa forma, que as operações usuais continuem a causar danos ao meio ambiente, maiores do que os já constatados.

II - Em sendo a remoção do estabelecimento indevidamente construído o objeto da lide, não se mostra razoável, em agravo de instrumento, determinar-se a imediata demolição do estabelecimento, sob pena de tornar irreversível a medida antecipatória.

(TRF4, AG 2002.04.01.056361-9, Quarta Turma, Relator do Acórdão Valdemar Capeletti, publicado em 02/07/2003).

A reparação do dano ambiental deve se dar, a princípio, por meio da recomposição do bem ambiental lesado, sendo aplicáveis, subsidiariamente, eventuais medidas compensatórias (substituição do bem ambiental lesado por outro funcionalmente equivalente ou pagamento de indenização em dinheiro). Isso se dá porque a conservação do equilíbrio ecológico (preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações) é, por excelência, o objetivo da ordem jurídica (art. 225, caput, da Constituição da República), e também em face das dificuldades existentes para mensurar a extensão do dano ambiental, parâmetro pelo qual deve se pautar a quantificação da indenização em dinheiro (art. 944, caput, do Código Civil).

A concepção de dano moral ambiental decorre da idéia de que se a lesão à honra de uma única pessoa é passível de reparação, como admite a ordem jurídica pátria (art. 5º, V, X, da Constituição da República e arts. 12, caput, 186 e 927, caput, todos do Código Civil), a lesão à honra da coletividade, composta por pessoas indeterminadas que titularizam, de modo indivisível, o bem ambiental violado (art. 81, parágrafo único, I, do Código de Defesa do Consumidor), também deve sê-lo, máxime à vista de sua relevância social.

In casu, entendo que eventual demolição do empreendimento Residencial Mandágua não traria qualquer ganho ao meio ambiente, tendo em vista que o prédio já se encontra, inclusive, habitado, devendo se proceder a substituição do bem ambiental lesado por pagamento de indenização em dinheiro.

Outrossim, a demolição da obra contendo 15 unidades habitacionais acarretará prejuízos financeiros de grande monta não só à construtora HANTEI, como também aos terceiros economicamente interessados na obra - adquirentes.

A ausência de garantia da possibilidade de reconstituição integral da área e restauração da vegetação de restinga antes existente, em face da permanência do imóvel, justifica a reparação em pecúnia.

Sobre a possibilidade de indenização, entende Américo Luís Martins da Silva (in Direito do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais, vol. 1, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 740):

"nas hipóteses em que a reconstituição é parcial ou totalmente impossível de ser realizada, principalmente em virtude da indisponibilidade de tecnologia para tanto, o dano ambiental material deve ser reparado por meio da indenização pecuniária (total ou parcialmente, conforme a dimensão da irreversibilidade do dano ambiental)".

A previsão dessa indenização é estabelecida no art. 14 da Lei 6.938/81:

Art 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:

§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

Também é prevista na Lei da Ação Civil Pública (7.347/85), in verbis:

Art. 3º A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

Nesse sentido o entendimento do TRF4 nos seguintes acórdãos:

EMENTA: ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EDIFICAÇÃO MULTIFAMILIAR. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DEMOLIÇÃO. INVIABILIDADE. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. DANO E DESEQUILÍBRIO ECOLÓGICO. SENTENÇA EXTRA PETITA. REDUÇÃO AOS TERMOS DO PEDIDO. 1. É regra a supremacia do meio ambiente, mesmo nas situações em que haja efetiva configuração do fato consumado. Contudo, esta diretriz pode ser relativizada, como no caso concreto, quando verificado que a paralisação e demolição da obra não surtirá benefício algum ao meio ambiente e, ainda, que o dano ambiental é bastante reduzido (supressão de restinga em imóvel com medidas perimetrais de 30,00m de frente a leste e 60,00m nas laterais). 2. Várias circunstâncias inibem seja determinada a demolição da edificação como medida reparatória do meio ambiente, mesmo considerando haver sido ela construída em área de preservação permanente (300 metros a partir da linha preamar média), a saber: a) está ela situada em loteamento de há muito urbanizado e ocupado; b) o histórico de ocupação da área revela que a implantação do loteamento ocorreu no ano de 1991, atendendo, presumivelmente, as regras urbanísticas e ambientais vigentes à época, dentre as quais, importante que se registre, não se inscrevia a Resolução n. 303 do CONAMA, que empresta sustentação jurídica à tese da associação autora, e que foi editada somente em 13/05/2002; c) o pleito desatende o princípio da proporcionalidade, porquanto grandes seriam os prejuízos financeiros para a construtora, sem qualquer garantia da possibilidade de recuperação efetiva da área, mediante a reconstituição da cobertura vegetal primitiva - restingas, e, ainda que assim não fosse, não há um dimensionamento do impacto ambiental em face da ausência da flora originária naquela porção de terra em que edificado o empreendimento; d) não há evidências de ameaça ao equilíbrio ecológico, fim último das regras de direito ambiental, pois é pouca e imprecisa a repercussão ambiental da supressão de cobertura vegetal realizada pela recorrida; e, ainda, há notícia nos autos de que, em frente ao empreendimento, remanesce importante e significativa área de preservação devidamente delimitada e identificada com placas alertando para a sua condição jurídico-ambiental, o que minimiza qualquer temor de descompensação ambiental na região. 3. O empreendimento foi licenciado pelos órgãos competentes, tendo, inclusive, a FATMA expedido Licença Ambiental Prévia. A procura da aquiescência dos órgãos públicos, até mesmo daquele de controle ambiental estadual, evidencia a boa-fé da empresa construtora e desengana a possibilidade da sua responsabilização. 4. (...). (TRF4, AC 2003.72.00.004185-0, Terceira Turma, Relator Luiz Carlos de Castro Lugon, DJ 04/10/2006)

EMENTA: ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EDIFICAÇÃO UNIFAMILIAR. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. MATA ATLÂNTICA. VEGETAÇÃO DE RESTINGA. SUPRESSÃO. DANO. TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA (TAC). BOA-FÉ OBJETIVA. 1. O art. 2°, parágrafo único, do Código Florestal determina que, no caso de áreas urbanas, assim entendidas, as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, observando-se o disposto nos respectivos planos diretores e nas leis de uso do solo e, em sua parte final, destaca que deverão, igualmente, ser respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo, o qual, em seu caput e alíneas, define as áreas de preservação permanente, entre as quais a ora sob análise, seja por sua proximidade dos cursos d"água, por sua condição de vegetação de restinga ou pela declividade existente no terreno. 2. A área onde foi edificada residência unifamiliar, sob o ponto de vista geográfico, caracteriza-se como vegetação de restinga, a qual correspondente a faixa litorânea subparalela à costa marinha. Ademais, a condição de restrição edáfica e a influência marinha propicia a ocorrência de espécies de restinga, fazendo com que a vegetação que ocorre na área seja considerada como Vegetação de Restinga pela Resolução CONAMA nº 261/1999, e a proximidade da orla que, no condão da jurisprudência do STJ, por si só bastaria à preservação da área, no condão do inciso XV, do art. 3° da Resolução CONAMA nº 303/2002. 3. E uma análise combinada da legislação pertinente à matéria, vê-se que não apenas a restinga per si, mas também aquilo que se convencionou denominar de "vegetação de restinga" é considerado área de preservação, consoante exsurge da expressa redação do Decreto n.º 750/93, cristalino ao impedir o corte, a exploração e a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica. 4. No interregno da formalização do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e a sua não-homologação, o apelante estava amparado pela boa-fé objetiva, adotando as providências para legitimar e assegurar a construção pretendida. 5. A edificação excedeu os parâmetros autorizados e a retirada da vegetação deu-se para a construção propriamente dita, sendo que a fundação da residência foi feita a 12 metros do costão, contrariando o TAC. 6. Não se trata de um empreendimento hoteleiro ou pousada e não há alegação ou suspeitas de fraude na obtenção das licenças. A realização do ajustamento de conduta com o Ministério Público Federal e a obtenção do Alvará Municipal colocam o apelante em posição que deve ser prestigiada, pois é a confiança e a fé de que estava agindo conforme o direito. Assim, no contexto fático, os postulados normativos da razoabilidade e da proporcionalidade estão a recomendar ao prestígio do acordo inicialmente firmado entre as partes, que se descumprindo, e parece que em parte foi descumprido, seja a situação acertada com a aplicação das multas e compensações ambientais no local. 7. Afastada a obrigação de fazer, consistente na demolição da obra, reconhecida a boa-fé amparada no TAC, constatando-se o descumprimento parcial dos seus termos. (TRF4, AC 2005.72.08.002256-3, Quarta Turma, Relatora Marga Inge Barth Tessler, D.E. 28/01/2008)

- grifei -

Assim, concluindo que a remoção da obra é sanção desproporcional ao fato realizado e que a sanção pecuniária é a que melhor se amolda ao ilícito, e tendo em conta os parâmetros da proporcionalidade em relação ao dano e ao valor da obra, deve a ré HANTEI CONSTRUÇÕES E INCORPORAÇÕES LTDA. ser condenada ao pagamento de indenização pelo dano ambiental em valor equivalente a 10 % do valor da avaliação total do imóvel (R$5.862.047,00 - em 10/2006), obtido através de simples cálculo aritmético da média do valor de avaliação (terreno + 15 apartamentos + 19 garagens), conforme fls. 1091/1092, cujo valor deve ser devidamente atualizado por ocasião da liquidação.

Outrossim, deverá a ré HANTEI CONSTRUÇÕES E INCORPORAÇÕES LTDA. proceder, no Residencial Mandágua, a implantação das medidas mitigadoras indicadas pelo perito judicial para a minimização dos impactos ambientais, quais sejam:

a) sistema de coleta e tratamento de esgotos sanitários adequados objetivando a remoção da matéria orgânica, e a desinfecção para eliminação de microrganismos patogênicos. Preferencialmente o afastamento dos esgotos, implantando-se a rede coletora pública, evitando-se a infiltração dos efluentes no subsolo;

b) sistema de gestão de resíduos sólidos (redução na produção, coleta, reciclagem e destinação adequadas).


A imputação da responsabilidade pela indenização dos danos se dá tanto ao empreendedor quanto aos órgãos públicos, por seus atos e omissões na concessão de alvarás e licenças em relação à construção em área de preservação permanente.

Com efeito, diz a Lei 6938/1981:

Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

[...]

IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;

(GRIFEI)


Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:[...]

§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

Portanto, devem os réus MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS e FATMA, ser condenados solidariamente ao pagamento de indenização pelos danos causados ao meio ambiente, no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais).

Por fim, o pedido de condenação dos réus a custearem a publicação integral da sentença em jornais de circulação estadual deve ser deferido, porque a medida tem o condão de promover a conscientização pública para a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, §1º, VI, segunda parte, da Constituição da República).

2.2.7. Dos honorários advocatícios.

A questão relativa à fixação de honorários advocatícios em sede de ação civil pública é deveras complexa e encontra-se fulcrada, fundamentalmente, nos arts. 17 e 18 da Lei 7.347/85, in verbis:

Art. 17. Em caso de litigância de má-fé, a associação autora e os diretores responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente condenados em honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos. (Renumerado do Parágrafo Único com nova redação pela Lei nº 8.078, de 1990)

Art. 18. Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais. (Redação dada pela Lei nº 8.078, de 1990)

Da leitura de tal diploma legal pode-se extrair que o autor da ação civil pública somente poderá ser condenado ao pagamento de honorários advocatícios em favor da parte adversa nos casos de comprovada má-fé no manejo da actio.

Já em relação ao réu inexiste previsão legal, prevalecendo, portanto, a regra geral da lei instrumental.

Contudo, o Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região proferiu decisão recentemente no sentido de que tendo a ação civil pública sido ajuizada pelo Ministério Público Federal, não há espaço para condenação em honorários advocatícios, in verbis:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TRANSPORTE TERRESTRE. CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. SUPRESSÃO DE VIAGENS EM ÔNIBUS CONVENCIONAL. - Em razão da competência da ANTT - que lhe foi legalmente atribuída, para autorizar e regulamentar o serviço de transporte interestadual e internacional de passageiros, já que o art. 175 da Constituição atribui à legislação infraconstitucional competência para delimitar a matéria - é reconhecida a ilegitimidade passiva ad causam da União. - A legitimidade ativa do Ministério Público Federal e a adequação da via eleita exsurgem da pretensão de tutela a direito individual homogêneo veiculada na ação. Nesse particular, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, atualmente, tem explicitado que os direitos individuais homogêneos são, por si só, dotados de relevância social. - Mantida sentença quanto a eficácia erga omnes em todo território nacional face as peculiaridades da demanda - Em razão do princípio da continuidade dos serviços públicos, é reconhecida como indevida a supressão de viagens em ônibus convencional, por inobservância da freqüência mínima determinada pela normativa própria, sem qualquer comunicação à agência reguladora. - Reconhecida a responsabilidade da ANTT por omissão na fiscalização do serviço concedido. - A rescisão eventual da permissão por descumprimento da sentença é medida que exorbita a separação dos Poderes - art. 2º da CRFB. - Evidenciado que no curso da lide houve ajustamento de conduta para se coarctar situação fática violado da obrigação legal de prestação de serviço adequado, descabida a condenação a título de indenização coletiva como consectário dos arts. 3º e 13 da Lei n.º 7.347/85.. - A publicação da sentença é medida calcada no princípio da informação, insculpido no art. 6º, III, do CDC - e, no caso dos autos, é justificada pela amplitude dos danos e pela necessidade de fiscalização efetiva das empresas rés no que diz respeito ao cumprimento da obrigação principal. - Afastada a possibilidade de eventual perícia para liquidação do julgado ser suportada pela ANTT. - Tendo a ação civil pública sido ajuizada pelo Ministério Público Federal, não há espaço para condenação em honorários advocatícios, não encontrando guarida no ordenamento jurídico a previsão, encontrada na sentença, de que a verba honorária reverta ao fundo de que trata o art. 13 da Lei da Ação Civil Pública. (TRF4, APELREEX 2005.72.00.003181-5, Quarta Turma, Relator Edgard Antônio Lippmann Júnior, D.E. 02/03/2009).

(grifei)

Também não são devidos honorários advocatícios em favor da UNIÃO e do IBAMA, os quais atuaram no presente feito como assistentes litisconsorciais. Nesse sentido:

EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM ED EM APELAÇÃO CÍVEL. ART. 535 DO CPC. OMISSÃO. CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS DEVIDOS À ONG VENTO SUL AFASTADA. 1. Parcial provimento dos embargos de declaração no tocante à condenação aos honorários advocatícios devidos à ONG Vento Sul. Com razão a embargante no ponto, eis que a ONG Vento Sul atuou no processo na condição de assistente simples e, consoante estabelece o art. 32 do CPC, hão há condenação do assistente simples em honorários advocatícios - razão pela qual, da mesma forma, não deve o réu ser condenado ao pagamento da verba honorária em relação àquela. 2. (...).

(TRF4, EDEAC 2000.72.00.008458-5, Terceira Turma, Relator Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 14/11/2007)

(grifei)

Dentro deste contexto, deixo de condenar os réus ao pagamento de honorários advocatícios.

3. DISPOSITIVO

Ante o exposto, em relação à Ação Cautelar Incidental, rejeito as preliminares e JULGO IMPROCEDENTE o pedido, extinguindo o processo nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil. Sem honorários advocatícios e custas.

No mais, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos constantes da inicial da Ação Civil Pública, extinguindo o processo com fulcro no art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil, para o fim de reconhecer a nulidade do alvará de construção e licença ambiental emitidos pelo MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS e FATMA para o empreendimento Residencial Mandágua, em vista da não observância/contrariedade à legislação ambiental, em especial, por se referir à área de preservação permanente e terreno de marinha; bem como para condenar:

a) a ré HANTEI CONSTRUÇÕES E INCORPORAÇÕES LTDA. ao pagamento de indenização equivalente a 10 (dez) % do valor da avaliação total do imóvel (R$5.862.047,00 - em 10/2006), acostado às fls. 1091/1092, cujo valor deve ser devidamente atualizado por ocasião da liquidação; bem como o MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS e a FATMA, solidariamente, ao pagamento de indenização no valor de R$100.000,00 (cem mil reais), em razão dos danos ambientais causados, cujas indenizações deverão ser recolhidas conforme art. 13, da Lei 7.347/85, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa diária de R$10.000,00 (dez mil reais), a cada réu.

b) a ré HANTEI CONSTRUÇÕES E INCORPORAÇÕES LTDA. na implantação das medidas mitigadoras indicadas pelo perito judicial para a minimização dos impactos ambientais, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa diária de R$10.000,00 (dez mil reais), quais sejam:

b1) sistema de coleta e tratamento de esgotos sanitários adequados objetivando a remoção da matéria orgânica, e a desinfecção para eliminação de microrganismos patogênicos. Preferencialmente o afastamento dos esgotos, implantando-se a rede coletora pública, evitando-se a infiltração dos efluentes no subsolo;

b2) sistema de gestão de resíduos sólidos (redução na produção, coleta, reciclagem e destinação adequadas).


c) os réus HANTEI CONSTRUÇÕES E INCORPORAÇÕES LTDA., MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS e a FATMA, solidariamente, na ampla divulgação desta sentença de mérito em dois jornais de circulação estadual, visando dar a esta ação ambiental um caráter educativo mais amplo.

Sem condenação em honorários, nos termos da fundamentação.

Condeno os réus ao pagamento das custas e despesas processuais, pro-rata.

Eventual recurso interposto será recebido apenas no efeito devolutivo (art. 14, da Lei 7347/1985), valendo o presente como recebimento do mesmo em caso de preenchimento dos pressupostos de admissibilidade. Preenchidos estes, dê-se vista à parte contrária para apresentação de contra-razões, com posterior remessa ao TRF da 4ª Região.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos com as baixas necessárias.

Florianópolis, 20 de novembro de 2009.

GUY VANDERLEY MARCUZZO
Juiz Federal



JURID - Empresa deve pagar R$ 586. [02/12/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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