Jurisprudência Tributária
Direito tributário e processual civil. Execução fiscal.
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte - TJRN.
Apelação Cível n° 2009.002494-2
Origem: 1ª Vara de Execução Fiscal Estadual e Tributária da Comarca de Natal/RN.
Apelante: Jânio Mendonça e outros
Advogado: José Américo da C. Júnior e outro
Apelado: Estado do Rio Grande do Norte.
Advogado: Sílvia Ferraz Sobreira Fonseca.
Relator: Desembargador Osvaldo Cruz.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. PRELIMINARMENTE: ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA INDEFERIDA SEM PROVA NOS AUTOS QUE ELIDISSE A DECLARAÇÃO DE POBREZA. REFORMA DO JULGADO. MÉRITO: RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS EM RAZÃO DE DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE. PRECEDENTES DO STJ. AUSÊNCIA DE NULIDADE DA CDA QUE PREENCHE TODOS OS REQUISITOS DA LEF SEM PREJUDICAR A DEFESA DO CONTRIBUINTE. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. CITAÇÃO VÁLIDA DA EMPRESA PELA VIA POSTAL. APLICAÇÃO DA TEORIA DA APARÊNCIA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARCIALMENTE.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e distribuídos estes autos em que são partes as acima identificadas:
Acordam os Desembargadores que integram a 2ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, à unanimidade de votos, em conhecer do apelo para dar-lhe parcial provimento.
RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Cível interposta por Jânio Mendonça, Maria de Fátima Mendonça e PROQUIL INDÚSTRIA DE COMÉRCIO E MATERIAIS DE LIMPEZA LTDA contra sentença prolatada, às fls. 93/101 pelo Juízo da 1ª Vara de Execução Fiscal Estadual e Tributária da Comarca de Natal/RN, que julgou improcedentes os embargos à execução fiscal propostos em face do Estado do Rio Grande do Norte.
Em suas razões, os apelantes requerem, preliminarmente, que lhes seja concedido o benefício da assistência judiciária gratuita que foi negada em primeira instância.
No mérito, pugnam pela reforma da sentença para que seja excluída a responsabilidade dos sócios na execução fiscal que deu origem aos presentes embargos, uma vez que não restou comprovada a prática de atos ilegais pelos sócios na condução da empresa executada; reafirmam a necessidade de ser decretada a nulidade da Certidão da Dívida Ativa que embasa a execução fiscal embargada e defendem a prescrição do direito de cobrar o débito fiscal em análise, sob o argumento que a citação da empresa foi nula e a citação dos sócios por edital foi inválida, haja vista que não foram esgotados os meios para localização dos apelantes, antes da expedição do edital de citação.
Pedem, ao final, o conhecimento do recurso, com a reforma da decisão atacada para deferir, em seu favor, os benefícios da assistência judiciária gratuita e, em seguida, que seja dado provimento ao recurso para desconstituir o crédito tributário que embasa a execução fiscal embargada em face da nulidade da CDA e da prescrição, bem como pela ilegitimidade passiva ad causam dos co-responsáveis.
Intimado, o Estado do Rio Grande do Norte apresentou suas contrarrazões, defendendo a sentença recorrida, sob o argumento que: não há qualquer nulidade na CDA emitida; não ocorreu a prescrição; a responsabilidade dos sócios deriva da dissolução irregular da sociedade.
Por fim, o apelado prequestiona os arts. 135 e 174 do Código Tributário Nacional, bem como do art. 3º, caput, da Lei nº 6.380/80.
O Ministério Público, por sua Segunda Procuradoria de Justiça, deixou de se manifestar quanto ao mérito da apelação, em face da ausência de interesse público que justificasse sua intervenção.
É o relatório.
VOTO
PRELIMINARMENTE - DO PEDIDO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA
Antes de tudo, cumpre analisar o pedido de assistência judiciária gratuita formulado pelos apelantes, uma vez que o mesmo foi indeferido em primeira instância e, sem o pagamento do preparo, o presente recurso sequer poderia ser conhecido.
A Juíza de primeira instância indeferiu o pedido de justiça gratuita transcrevendo em sua decisão o art. 4º da Lei nº 1.060/50 e jurisprudência correlata, no entanto, não expôs o motivo de sua convicção em qualquer parte da decisão.
Em verdade, faltou na decisão a exposição dos motivos fáticos deste caso concreto específico que levaram à julgadora de primeiro grau decidir pela indeferimento do pedido de assistência judiciária gratuita formulado na inicial.
Com efeito, para que uma decisão esteja corretamente fundamentada, não basta que o Julgador reproduza artigos de Lei ou arestos jurisprudenciais, mas sim, é indispensável que faça a correlação entre tais fontes do Direito e a sua convicção exposta de acordo com os dados fáticos constantes dos autos.
Isto não ocorreu no caso em hipótese, razão pela qual merece acolhimento o pedido dos apelantes para reforma da sentença nesse sentido.
Evidente que, a despeito da declaração expressa de pobreza, o juiz pode negar o benefício da assistência judiciária gratuita se, com base nas provas contidas nos autos, houver motivo para o indeferimento, no entanto, no caso em análise, não há qualquer prova de que os apelantes não podem usufruir do benefício da justiça gratuita, razão pela qual prevalece a declaração dos mesmos, nos moldes do art. 4º da Lei nº 1.060/50 .
Nesse sentido já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal:
"BENEFÍCIO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. DIREITO CONSTITUCIONALMENTE ASSEGURADO. ART. 4º DA LEI Nº 1.060/50. MERA ALEGAÇÃO DE PROBREZA. ADMISSIBILIDADE. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. RECURSO PROVIDO EM PARTE.
I - A garantia do art. 5º, LXXIV - assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos - não revogou a de assistência judiciária gratuita da Lei 1.060, de 1950, aos necessitados, certo que, para obtenção desta, basta a declaração, feita pelo próprio interessado de que a sua situação econômica não permite vir a Juízo sem prejuízo da sua manutenção ou de sua família. Essa norma infraconstitucional põe-se, ademais, dentro do espírito da Constituição, que deseja que seja facilitado o acesso de todos à Justiça. (CF, art. 5º, LXXIV)" (STF, RE nº 206525-1/RS, rel. Min. Carlos Velloso, DJU n. 106, de 06.06.97, p. 24.898)
Por tais razões, voto pela reforma da sentença quanto ao pedido de assistência judiciária gratuita e, em face disso, conheço do recurso.
MÉRITO
No mérito, os apelantes pretendem reformar a sentença por três motivos: ilegitimidade passiva dos sócios para responder pela dívida da empresa, nulidade da certidão da dívida ativa por ausência de seus requisitos e pela prescrição.
No que se refere à possibilidade de responsabilizar o patrimônio dos sócios por dívidas da empresa, há de se observar o art. 135 do Código Tributário Nacional:
"Art.135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
I e II - omissis;
III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.".
Em face do previsto neste dispositivo, verifica-se que possível a responsabilização dos sócios da empresa executada quando ficar comprovado que este agiu com excesso de poderes, infração de lei, do contrato social ou dos estatutos.
Dentro desse contexto de "infração à Lei", a doutrina e a jurisprudência interpretaram como inserido o caso da dissolução irregular da sociedade.
Com efeito, se a sociedade deixa operar, sem ter havido sua regular liquidação, os sócios-gerentes, diretores e administradores respondem pelas dívidas tributárias desta. Há, nesses casos, uma presunção de que tais pessoas se apropriaram dos bens pertencentes à sociedade.
E foi justamente isso que aconteceu no processo principal, conforme auto de penhora de fl. 35 no qual consta que, no endereço fornecido pela executada/apelante, funcionava outra empresa, o que indica a dissolução irregular da sociedade, a autorizar a responsabilização dos sócios pelo débito executado.
De fato, uma empresa não pode funcionar sem que o endereço de sua sede ou do eventual estabelecimento se encontre atualizado na Junta Comercial e perante o órgão competente da Administração Tributária, sob pena de se macular o direito de eventuais credores, como no caso, a Fazenda Pública, que se verá impedida de localizar a empresa devedora para cobrança de seus débitos tributários.
Isso porque o art. 127 do CTN impõe ao contribuinte, como obrigação acessória, o dever de informar ao fisco o seu domicílio tributário, que, no caso das pessoas jurídicas de direito privado, é, via de regra, o lugar da sua sede.
Assim, presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixa de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, comercial e tributário, cabendo a responsabilização dos seus sócios.
Assim já decidiu o Colendo Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
"PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. DISSOLUÇÃO IRREGULAR. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO PARA O SÓCIO-GERENTE. POSSIBILIDADE. 1. omissis. 2. É cabível o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente quando a sociedade tiver sido dissolvida de forma irregular. Precedentes da Corte. 3. A ciência por parte do sócio-gerente do inadimplemento dos tributos e contribuições, mercê do recolhimento de lucros e pro labore, caracteriza, inequivocamente, ato ilícito, porquanto há conhecimento da lesão ao erário público. 4. Na presente hipótese, consta dos autos que citação deixou de ser efetuada tendo em vista que a executada não foi encontrada no seu endereço, onde hoje funciona uma outra empresa, o que indica a dissolução irregular da sociedade, a autorizar o redirecionamento da execução. 5. Recurso especial parcialmente provido para determinar o redirecionamento da presente execução fiscal para o sócio-gerente da empresa executada." (STJ - REsp nº 571.946/SC, 1ª Turma, Relator Ministro Luiz Fux, DJ de 03.05.2004).
"PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO -EXECUÇÃO FISCAL -SÓCIO GERENTE -REDIRECIONAMENTO -INTERPRETAÇÃO DO ART. 135, INCISO III, DO CTN. 1.
Quando a sociedade por cotas de responsabilidade limitada dissolve-se irregularmente, impõe-se a responsabilidade tributária do sócio gerente, autorizando-se o redirecionamento. 2. A empresa que deixa de funcionar no endereço indicado no contrato social arquivado na junta comercial, desaparecendo sem deixar nova direção é presumivelmente considerada como desativada ou irregularmente extinta. 3. Imposição da responsabilidade solidária. 4. Recurso especial provido (STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp 800039 PR 2005/0196573-0. Relator: Ministro FRANCISCO PEÇANHA. Julgamento: 24/04/2006. Órgão Julgador: T2 - SEGUNDA TURMA. Publicação: DJ 02.06.2006 p. 117)
No tocante à nulidade da CDA por ausência de numeração, termo inicial do débito, origem, natureza e fundamento do mesmo, não merece melhor sorte a tese do apelante, uma vez que a CDA de fl. 82 dos autos, ao contrário do que foi afirmado, preenche todos os requisitos legais de validade.
Diz-se isto porque a ausência do número da CDA não a invalida, primeiro por não se tratar de requisito essencial previsto no art. 2º § 5º da LEF; segundo porque a ausência do número na certidão de dívida ativa em nada compromete o direito de defesa do contribuinte, ainda mais se na mesma certidão consta o número do processo administrativo que deu origem à inscrição.
O termo inicial e o fundamento da cobrança também se depreendem da certidão sem maior esforço, razão pela qual não há que se falar em nulidade da CDA, mormente quando não se verificou qualquer prejuízo à defesa do contribuinte/apelante, como no caso dos autos.
Nesse sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
"EXECUÇÃO FISCAL. REQUISITOS DA CDA. FALTA DE INDICAÇÃO DO LIVRO E FOLHA DE INSCRIÇÃO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO À DEFESA DO EXECUTADO. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. ENTREGA DA DECLARAÇÃO PELO CONTRIBUINTE. NOTIFICAÇÃO. PRÉVIO PROCESSO ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE. TAXA SELIC. LEGALIDADE.
1. A existência de vícios formais na Certidão de Dívida Ativa apenas leva a sua nulidade se causar prejuízo ao exercício do direito de ampla defesa.
2. A simples falta de indicação do livro e da folha de inscrição da dívida constitui defeito formal de pequena monta, que não prejudica a defesa do executado nem compromete a validade do título executivo.
3. Se o contribuinte declara a exação e não paga até o vencimento, tratando-se de tributo sujeito a lançamento por homologação, torna-se desnecessária a constituição formal do débito pelo Fisco. Cabe promover imediatamente a sua inscrição em dívida ativa, o que o torna exigível, independente de notificação ou de haver qualquer procedimento administrativo.
4. É devida a taxa Selic no cálculo dos débitos dos contribuintes para com a Fazenda Pública Federal.
5. Agravo regimental não provido. (STJ. AgRg no Ag 1153617/SC, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/08/2009, DJe 14/09/2009)
Por fim, quanto à prescrição do direito de cobrar o débito executado, também não merece acolhimento a tese dos apelantes.
É que não há que se falar em prescrição se a empresa foi validamente citada pela via postal em 03 de dezembro de 2001, conforme consta na sentença (fl. 99) e o débito executado foi assumido pela própria empresa executada em 16 de junho de 1998.
Tal citação não pode ser considerada nula por não ter sido recebida pelo sócio gerente, tendo em vista a teoria da aparência que prevalece nos casos como tais, segundo a qual é válida a citação quando realizada na sede do estabelecimento empresarial, através de preposto do ente chamado ao feito, nos termos do aresto abaixo listado:
"PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO - EMBARGOS À EXECUÇÃO - PESSOA JURÍDICA - CITAÇÃO REALIZADA NA PESSOA DE FUNCIONÁRIA DA EMPRESA - TEORIA DA APARÊNCIA - VALIDADE - EIVA DE CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE OU OMISSÃO NO JULGADO - NÃO-OCORRÊNCIA.
I - Com base na teoria da aparência, é válida a citação realizada na pessoa que se identifica como funcionário da empresa, sem ressalvas, não sendo necessário que receba a citação o seu representante legal autorizado. In casu, saliente-se ademais que a funcionária, a quem foi entregue o comunicado citatório, trabalha na área jurídica da empresa, o que afasta qualquer alegação de ignorância acerca da conhecimento sobre a relevância e a natureza de aludido ato. Precedentes.
II - Não se verifica qualquer omissão, contradição ou obscuridade no Acórdão hostilizado nem tampouco no julgado do Tribunal de origem, o que se torna inviável a alegação de violação do artigo 535 do Código de Processo Civil.
Agravo regimental improvido.
(STJ. AgRg no Ag 1056214/MG, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/11/2008, DJe 12/12/2008)
Portando, válida se apresenta a citação realizada nos autos da demanda executória, não havendo nulidade a ser declarada também neste contexto.
De resto, no que diz respeito à prescrição intercorrente, em atenção ao entendimento disposto na Súmula nº. 106 do Superior Tribunal de Justiça: "proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou decadência."
Ante o exposto, conheço do recurso e lhe dou provimento parcial, apenas para deferir aos apelantes o direito à assistência judiciária gratuita.
É como voto.
Natal, 30 de novembro de 2009.
Desembargador ADERSON SILVINO
Presidente
Desembargador OSVALDO CRUZ
Relator
Doutor HERBERT PEREIRA BEZERRA
17º Procurador de Justiça
JURID - Direito tributário e processual civil. Execução fiscal. [10/12/09] - Jurisprudência
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