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quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

JURID - Apelação-crime. Furto. Rejeição da denúncia. [03/12/09] - Jurisprudência


Apelação-crime. Furto. Rejeição da denúncia. Crime impossível. Não ocorrência.
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Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - TJRS.

APELAÇÃO CRIME

SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL - REGIME DE EXCEÇÃO

Nº 70018169557

COMARCA DE BENTO GONÇALVES

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO

APELADO: JOSENE PETERLE

APELAÇÃO-CRIME. FURTO. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. CRIME IMPOSSÍVEL. NÃO OCORRÊNCIA. Não se configura o crime impossível quando não constatada de forma estreme de dúvida, pela provas angariadas na fase inquisitorial, a ineficácia absoluta do meio empreendido, a demonstrar a ausência de qualquer condição de o agente consumar o delito.

APELAÇÃO-CRIME. FURTO. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CRIME BAGATELAR. É inaplicável o princípio da insignificância quando o bem ou a quantia rapinada não é irrisória, desprezível. A par disso, além da inexpressividade do valor da coisa arrebatada, o registro de outros envolvimentos em crimes patrimoniais, revela uma conduta, onde a repetição molda um tipo de comportamento que vai num crescente, causando não só pequenas perdas individuais, mas prejuízos significativos se considerados no todo. Acolher toda e qualquer conduta desse jaez ao abrigo do princípio da insignificância, na verdade, pode significar um incentivo e um aval a escalada pela senda no mundo do ilícito em prejuízo da sociedade e do próprio agente.

Apelo ministerial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Magistrados integrantes da Segunda Câmara Criminal - Regime de Exceção do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao apelo ministerial, recebendo a denúncia e determinando o normal prosseguimento do feito.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores DES.ª LAIS ROGÉRIA ALVES BARBOSA (PRESIDENTE E REVISORA) E DES. MARCO AURÉLIO DE OLIVEIRA CANOSA.

Porto Alegre, 25 de agosto de 2009.

DR.ª MARLENE LANDVOIGT,
Relatora.

RELATÓRIO

DR.ª MARLENE LANDVOIGT (RELATORA)

1. Na Comarca de Bento Gonçalves o MINISTÉRIO PÚBLICO denunciou JOSEANE PETERLE, dando-a como incursa nas sanções do artigo 155, "caput", combinado com o artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal, porque no 02 de fevereiro de 2006, por volta das 16h40min, no estabelecimento comercial situado na Rua Giovani Girardi, n. 191, Bairro Progresso, na Cidade de Bento Gonçalves, a denunciada tentou subtrair, para si, coisa alheia móvel, consistente em gêneros alimentícios, produtos para higiene pessoal e dois isqueiros, avaliados em R$ 61,00. Segundo consta da inicial, o ilícito somente não se consumou por circunstâncias alheias à vontade da acusada, visto que ela foi flagrada por funcionário da empresa vítima quando deixava o local dos acontecimentos.

A denúncia foi rejeitada, com fundamento no artigo 43, inciso I, do Código de Processo Penal, pela atipicidade da conduta imputada à denunciada, porquanto demonstrada a impropriedade absoluta do meio, não existindo qualquer condição de a acusada consumar o delito, bem como em razão da insignificância da lesão ao bem juridicamente protegido, já que a conduta do incriminada não chegou a causar lesividade social a reclamar reposta da máquina judiciária (fls. 23/25).

Inconformado, apelou o Ministério Público, requerendo, em razões, o recebimento da denúncia (fls. 28/35).

Em contrarrazões, Joseane Peterle, por intermédio da Defensoria Pública, sustentou a manutenção da decisão combatida (fls. 41/44).

Neste grau de Jurisdição, o Procurador de Justiça, Dr. Marcelo Roberto Ribeiro, opinou pelo provimento do apelo (fls. 47/48).

É o relatório.

VOTOS

DR.ª MARLENE LANDVOIGT (RELATORA)

2. Trata-se de apelo do Ministério Público que visa modificar a decisão que rejeitou a denúncia, com base no art. 43, inciso I, do Código de Processo Penal, em razão de considerar que o fato narrado não constituiu ilícito penal, por ser caso concomitante de crime impossível e bagatelar.

Com razão o apelante.

2.2. Para a configuração do chamado crime impossível, a ineficácia do meio empreendido deve ser absoluta; não pode haver qualquer condição de se consumar o delito, hipótese que não se verifica de forma estreme de dúvida pela prova colhida na fase inquisitiva, razão pela qual não deve a denúncia ser afastada de plano, sem uma melhor análise do fato imputado à luz do contraditório.

O fato de o estabelecimento comercial vítima possuir funcionários para fiscalização, por si só, não torna impossível a consumação do delito, uma vez que a estreita vigilância exercida pela vítima dificulta o êxito da empreitada criminosa, entretanto, em absoluto, impossibilita a concretização do resultado, porque qualquer sistema, por mais sofisticado que se revele, não é infalível, podendo perfeitamente ser violado, burlado. Dentro desta concepção, a absoluta ineficácia do meio empregado, não é decorrência lógica da simples existência de tais métodos de vigilância.(1)

E, in casu, sobrelevados os elementos da fase primitiva, a denunciada somente foi flagrada no momento em que saía do estabelecimento comercial sem efetuar o devido pagamento, posto que tenha passado por uma das caixas registradoras.

Portanto, a consumação do crime era possível caso a abordagem não terminasse exitosa, não caracterizando, assim, a figura do crime impossível (art. 17 CP).

Sobre questão, leciona Guilherme de Souza Nucci(2) que crime impossível "é a tentativa não punível, porque o agente se vale de meios absolutamente ineficazes ou volta-se contra objetos absolutamente impróprios, tornando impossível a consumação do crime. Trata-se de uma autêntica 'carência de tipo', nas palavras de Aníbal Bruno (Sobre o tipo no direito penal, p. 56)".

Nesse sentido, já decidiu esta Corte:

APELAÇÃO CRIME. FURTO QUALIFICADO. CONCURSO DE AGENTES. TENTATIVA. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. ART. 43, I DO CPP. CRIME IMPOSSÍVEL. NÃO-RECONHECIMENTO. A teor do art. 17 do CP, só se configura o crime impossível, quando absolutamente ineficaz o meio utilizado pelo agente para alcançar o resultado criminoso, ou absolutamente inidôneo o objeto. O tão-só fato de o estabelecimento comercial ser protegido por sistemas de segurança a envolver pessoas físicas, a cumprir tal tarefa, não tem o condão de tornar absolutamente ineficaz o meio empregado pelos meliantes. Inidoneidade apenas relativa do meio utilizado, no caso concreto. Rés interceptadas por segurança do supermercado, já no estacionamento do estabelecimento, ocasião em que, revistadas as bolsas daquelas, foi encontrada a mercadoria furtada. Tentativa idônea caracterizada.(3)

A respeito também colaciono aresto do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. CRIME IMPOSSÍVEL. ESTABELECIMENTO COM APARATO DE SEGURANÇA. ABSOLUTA INEFICÁCIA DO MEIO EMPREGADO. NÃO CONFIGURAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Cinge-se a controvérsia à configuração ou não de crime impossível na hipótese em que o agente, ao tentar sair do estabelecimento comercial com produtos pertencentes a este, é detido por seguranças, em decorrência da suspeita de funcionários da empresa. 2. No caso dos autos, o fato de o agente ter sido vigiado pelo segurança do estabelecimento não ilide, de forma absolutamente eficaz, a consumação do delito de furto, pois existiu o risco, ainda que mínimo, de que o agente lograsse êxito na consumação do furto e causasse prejuízo à vítima, restando frustrado seu intento por circunstâncias alheias à sua vontade. 3. Desta maneira, não se pode reconhecer, nesta situação, a configuração de crime impossível pela absoluta ineficácia do meio empregado, mas sim a tentativa de furto. O crime impossível somente se caracteriza quando o agente, após a prática do fato, jamais poderia consumar o crime pela ineficácia absoluta do meio empregado ou pela absoluta impropriedade do objeto material, nos termos do art. 17 do Código Penal. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.(4) (Grifei).

Desta sorte, não configurada a tentativa inidônea, o recebimento da denúncia é imperativo.

2.2. De outra feita, como é sabido, o princípio da insignificância somente tem aplicação em casos excepcionais, quando a conduta imputada ao agente é desprovida de significação social e não atinge o bem jurídico tutelado pela norma penal incriminadora.

Narra a denúncia que a acusada subtraiu diversos bens da vítima, os quais restaram avaliados em R$ 61,00 (sessenta e um reais) - conforme auto de avaliação, fl. 14.

O valor dos bens subtraídos, de pronto, já afastam a possibilidade do reconhecimento da atipicidade material da conduta descrita na exordial. Para que a norma penal não seja violada, o bem ou a quantia rapinada deve ser considerada insignificante, irrisória, desprezível, o que não se constata no caso, considerando que o valor de avaliação dos bens representa mais de 20% do salário-mínimo da época, então cotado em R$ 300,00, ex vi da Lei n. 11.164/2005.

Outrossim, constam nos autos os antecedentes judiciais da apelada (fls. 19/21) que revelam uma conduta voltada para prática de ilícitos contra o patrimônio, onde a repetição molda um tipo de comportamento que vai num crescente, causando, não obstante, pequenos prejuízos individuais, como é o caso dos autos, mas que, ao final, podem se mostrar significativos se considerados no todo.

Por fim, vale acrescer que casos como o dos autos devem ser sopesados com cautela pelo poder jurisdicional, sob pena de abrir-se sérios precedentes, dada a ampla abrangência do denominado crime bagatelar, amparado pelo princípio da insignificância, de modo que seu acolhimento passará a consistir verdadeiro incentivo a prática destes chamados pequenos delitos, sob a garantia da impunidade.

Destarte, pelas razões expostas, bem assim presentes os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, deve ser recebida a denúncia e, apurado através da prova a ser produzida, se a ré realmente infringiu o ordenamento jurídico penal, devendo, se positivo, arcar com as conseqüências de seus atos.

Assim, em face do exposto, dou provimento ao apelo ministerial e recebo a denúncia, nos termos em que foi posta, determinando prossiga-se no feito.

DES.ª LAIS ROGÉRIA ALVES BARBOSA (PRESIDENTE E REVISORA) - De acordo.

DES. MARCO AURÉLIO DE OLIVEIRA CANOSA - De acordo.

DES.ª LAIS ROGÉRIA ALVES BARBOSA - Presidente - Apelação Crime nº 70018169557, Comarca de Bento Gonçalves: "À UNANIMIDADE, DERAM PROVIMENTO AO APELO MINISTERIAL E RECEBERAM A DENÚNCIA, DETERMINADO O PROSSEGUIMENTO DO FEITO ."

Julgador(a) de 1º Grau: FERNANDA GHIRINGHELLI DE AZEVEDO

PUBLICAÇÃO: Diário de Justiça do dia 25/11/2009



Notas:

1 - Apelação-Crime nº 70029270303, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fabianne Breton Baisch, Julgado em 13/05/2009Voltar

2 - in Código Penal Comentado, 5ª Edição, Ed. Revista dos Tribunais. -2003, p. 171.Voltar

3 - Apelação-Crime nº 70012951190, Rel. Desa. Fabianne Breton Baisch, j. em 09/08/2006.Voltar

4 - AgRg no REsp 911.756/RS. Relatora: Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG). Órgão julgador: SEXTA TURMA. Julgado em 17.04.2008. Data da Publicação/Fonte: DJe 05.05.2008.Voltar




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