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sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

JURID - Ação de dano infecto. Uso da propriedade. [04/12/09] - Jurisprudência


Ação de dano infecto. Uso da propriedade. Convivência social organizada. Ônus da prova.


Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG.

EMENTA: AÇÃO DE DANO INFECTO - USO DA PROPRIEDADE - CONVIVÊNCIA SOCIAL ORGANIZADA - ÔNUS DA PROVA. A ninguém é dado usar sua propriedade de modo a prejudicar outrem, devendo ser observadas as normas que possibilitam a convivência social organizada. Incumbe ao réu o ônus da prova quanto aos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor. Recurso não provido.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0194.05.045213-6/002 - COMARCA DE CORONEL FABRICIANO - APELANTE(S): BRIZZA CIA DE FESTAS LTDA. - APELADO(A)(S): EDUARDO GOMES BOAVENTURA E OUTRO(A)(S) - RELATORA: EXMª. SRª. DESª. EVANGELINA CASTILHO DUARTE

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 14ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO.

Belo Horizonte, 05 de novembro de 2009.

DESª. EVANGELINA CASTILHO DUARTE - Relatora

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

A SRª. DESª. EVANGELINA CASTILHO DUARTE:

VOTO

Tratam os autos de ação de dano infecto ajuizada pelos Apelados, requerendo que a Apelada seja compelida a encerrar suas atividades empresariais no local indicado, em razão de ofensa ao sossego e à saúde das famílias vizinhas.

A r. decisão recorrida, f. 598/602, julgou procedente o pedido, proibindo a realização de eventos com música ao vivo ou com som mecânico após as 22 horas em todas as dependências do estabelecimento da Apelante, a menos que seja providenciado o devido isolamento acústico, sob pena de multa no valor de R$1.000,00, conforme fixado na decisão da medida antecipatória.

Condenou a Apelante ao pagamento de custas e honorários advocatícios.

A Apelante pretende a reforma da decisão recorrida, alegando que o alvará de licença para funcionamento expedido pela Municipalidade é suficiente para autorizar a utilização do imóvel na forma como vem sendo feita.

Observa que as provas produzidas demonstram que suas atividades não estão causando nenhum transtorno para os vizinhos, não havendo que uso anormal da propriedade em detrimento da segurança, do sossego e da saúde dos Apelados.

Ressalta que a propriedade objeto do litígio é utilizada para realização de eventos e congêneres, atendendo, portanto, a sua função social, sendo empresa regularmente constituída.

Frisa estar instalada no local há mais de cinco anos e que, ao longo desse tempo, foram registrados apenas dois boletins de ocorrência por ano, o que demonstra não haver uso nocivo da propriedade.

Salienta que aufere lucros com sua atividade, mas cumpre os preceitos legais e atende perfeitamente a sua finalidade.

Enfatiza que não causa distúrbio capaz de perturbar a paz da vizinhança.

Requer a modificação da sentença a fim de que seja afastada a proibição que lhe foi imposta.

A r. sentença de f. 598/602 foi publicada em 07 de janeiro de 2009, vindo a apelação em 19 de janeiro, acompanhada de preparo.

Estão presentes, portanto, os requisitos para conhecimento do recurso.

De conformidade com o art. 1.277 do Código Civil de 2002, "o proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização da propriedade vizinha".

Tal norma evidencia que o direito de propriedade não é absoluto, encontrando limites nos direitos de vizinhança estabelecidos com o fim de conciliar os interesses dos vizinhos, visando à paz social.

Neste sentido, Carvalho Santos, comentando o dispositivo legal em análise, na obra 'Código Civil Brasileiro Interpretado', VIII/05 e 07, esclarece:

"Propriedade, no seu conceito moderno está sujeita a restrições, não só impostas pela utilidade pública e interesses da coletividade mas, também, a outras motivadas por interesses particulares, oriundas da solidariedade social".

Traduzindo lição de Lacerda de Almeida acrescenta:

"Em se tratando de direitos de vizinhança, estes acarretam para o proprietário, não somente a obrigação de não fazer, ou consentir que se faça alguma coisa no seu prédio, mas também a fazer alguma coisa para que o prédio vizinho ou seu proprietário não venha a sofrer maior dano."

Conclui-se que a ninguém é dado usar sua propriedade de modo a prejudicar outrem, devendo ser observadas as normas que possibilitam a convivência social organizada.

No mesmo sentido, anota Maria Helena Diniz, na obra "Código de Processo Civil Anotado", Ed. Saraiva, 1995, p. 472:

"O mau uso é o uso anormal do direito, que cause dano a alguém (Código Civil, artigo 159). Se prejuízo houver do exercício anormal de um direito, ultrapassando os limites impostos à zona de garantia de cada um, cabe ao prejudicado um direito de reação".

Acrescente-se que o sossego e a tranquilidade são notoriamente desrespeitados através de ruídos exagerados, barulhos ensurdecedores e execução de músicas com o emprego de alto-falantes de grande potência.

Verifica-se que a Apelante, para se eximir da obrigação imposta pelos Apelados, alega que possui autorizações administrativas necessárias ao seu funcionamento e que não há provas suficientes a respeito do distúrbio que supostamente causa aos vizinhos, cumprindo, pois, a sua função social, especialmente no que pertine ao desempenho de atividades socialmente aceitas para o lazer.

Imperioso afirmar que, embora a Apelante possua alvará de licença de funcionamento e demais autorizações administrativas necessárias, não fica desobrigada de respeitar o direito alheio, in casu, dos vizinhos, no desempenho de suas atividades.

A norma individual e concreta que autoriza a realização das atividades da Apelante, dentre as quais a execução de músicas ao vivo ou através de som mecânico, não derroga a norma geral e abstrata, que define um dever que a todos se impõe.

Não há, ainda, conflito entre essas normas, porquanto a autorização administrativa individual não permite a execução de músicas em qualquer volume pretendido pelo autorizado, nem confere legitimidade ao autorizado para ofender os direitos de vizinhança.

Para afastar a obrigação judicial que lhe foi imposta, a Apelante deveria demonstrar, robustamente, que suas atividades não lesam a vizinhança, pois não perturbam o sossego, respeitam o limite de ruídos legalmente instituído e são executadas em ambiente próprio.

Nesse aspecto, entretanto, a Apelante não foi suficientemente diligente, deixando de se desincumbir dos onus probandi que lhe competia quanto aos fatos extintivos, modificativos ou impeditivos do direito dos Apelados, art. 333, II, CPC.

Ora, o laudo pericial de f. 489/516 foi esclarecedor no sentido de informar que as execuções musicais são realizadas em ambiente externo e sem isolamento acústico, o que contribui para a perturbação do sossego dos vizinhos.

Saliente-se que, embora o aludido trabalho tenha constatado que a Apelante não ultrapassou os limites de som permitidos pela lei, à época das medições estudadas, tal fato não é suficiente para demonstrar que o sossego da vizinhança não é frequentemente perturbado.

A testemunha José Aparecido Silva, arrolada pela Apelante, afirmou, às f. 574, que "é possível ouvir o barulho da música proveniente do estabelecimento da ré", não obstante sua residência fique no quarteirão ao lado da casa de festas.

Uma das testemunhas arroladas pelos Apelados alegou, f. 587, que teve que se mudar com sua família do local onde residia em razão das algazarras e festas realizadas no salão de festas da Apelante, que incomodavam a vizinhança e perturbavam o seu sossego.

Tal alegação também restou comprovada pelo documento de f. 589, através do qual a mesma testemunha comunicou ao locador do imóvel a sua intenção de rescindir o contrato, em razão dos eventos realizados pela Apelante.

Outra testemunha afirmou morar próximo ao local há apenas dois meses, já tendo acionado a polícia uma vez em razão da perturbação do seu sossego, f. 576.

Ademais, os Apelados cuidaram de colacionar, juntamente com a inicial, vários boletins de ocorrência relacionados à perturbação de sossego que lavraram para relatar a desordem causada pela Apelante.

Depreende-se da prova produzida, portanto, que a Apelante realiza eventos que perturbam a vizinhança e que, embora não infrinja os limites de som legalmente permitidos, deveria ser mais cuidadosa no sentido de tomar providências que amenizem os efeitos perturbadores de sua atividade.

Ora, conforme acima mencionado, uma das atitudes que deveriam ser tomadas pela Apelante para estabelecer bom convívio com os vizinhos, se cercando de cuidados que evitem reclamações, é a construção de um ambiente acusticamente próprio para a execução de músicas.

Diante de tais fundamentos, não deve ser modificada a decisão de 1º grau.

DIANTE DO EXPOSTO, nego provimento à apelação apresentada por BRIZZA CIA DE FESTAS LTDA, mantendo íntegra a r. decisão recorrida.

Custas recursais pela Apelante.

O SR. DES. ANTÔNIO DE PÁDUA:

VOTO

De acordo.

O SR. DES. ROGÉRIO MEDEIROS:

VOTO

Com a Relatora, coerente com o sentido socializante do Novo Código Civil brasileiro e o princípio constitucional da função social da propriedade.

SÚMULA: NEGARAM PROVIMENTO.

Data da Publicação: 01/12/2009




JURID - Ação de dano infecto. Uso da propriedade. [04/12/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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