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sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

JURID - Consumidor. Danos morais. Empresa aérea. [04/12/09] - Jurisprudência


Consumidor. Danos morais. Empresa aérea. Exigência de apresentação do certificado internacional de vacinação.


Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios - TJDFT.

Órgão: 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais

Classe: ACJ - Apelação Cível no Juizado Especial

N. Processo: 2008.01.1.074806-9

APELANTE(S): TAM LINHAS AÉREAS S/A

APELADO(S): JENISE CASTRO DE CARVALHO

RELATOR(A) JUIZ(A): ASIEL HENRIQUE

EMENTA

CONSUMIDOR. DANOS MORAIS. EMPRESA AÉREA. EXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DO CERTIFICADO INTERNACIONAL DE VACINAÇÃO PARA EMBARQUE EM VÔOS INTERNACIONAIS. FEBRE AMARELA. PERDA DO VÔO. EXIGÊNCIA DA ANVISA NÃO COMPROVADA. EXIGÊNCIA MITIGADA E VÔO REALIZADO SEM A VACINAÇÃO. PARTIDA RETARDADA POR CULPA DA EMPRESA AÉREA E PERDA DE EVENTO FESTIVO QUE É O OBJETIVO DA VIAGEM. FALTA DE INFORMAÇÕES PRÉVIAS. INDENIZAÇÃO. VALOR. 1. O fornecedor de serviços responde, independentemente de existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. 2. O valor da indenização deve ser fixado considerando-se a lesão sofrida, a condição financeira do réu e o caráter pedagógico e punitivo da medida, ponderando-se pela proporcionalidade e razoabilidade, evitando-se o enriquecimento sem causa do autor. 3. Recurso conhecido e improvido.

ACÓRDÃO

Acordam os Senhores Juízes da 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, ASIEL HENRIQUE - Relator, JOSÉ GUILHERME - Vogal, TAVERNARD LIMA - Vogal, sob a presidência do Juiz JOSÉ GUILHERME, em CONHECER E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, SENTENÇA MANTIDA, POR MAIORIA, VENCIDO O 2º VOGAL, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 14 de julho de 2009.

ASIEL HENRIQUE
Relator

RELATÓRIO

Trata-se de ação de indenização por perdas e danos, proposta por jenise castro de carvalho em face de TAM LINHAS AÉREAS s/a, visando ao recebimento de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais) por danos materiais e R$ 8.000,00 (oito mil reais) por danos morais sofridos decorrentes de descumprimento de contrato de transporte aéreo.

Informou que adquiriu passagens da empresa ré com o objetivo de passar o reveillon na Ilha Margarita, mas que, em 30/12/2007, em Fortaleza, foi impedida de embarcar no vôo com destino a Caracas/Venezuela, sob o argumento de que deveria tomar a vacina de febre amarela 10 (dez) dias antes do embarque.

Esclareceu que a sua volta estava prevista para 15/01/2008 e que em nenhum momento foi informada sobre a necessidade da vacina para o embarque.

Narrou que a empresa não disponibilizou ninguém para atendê-los neste contratempo tampouco providenciou qualquer forma de acomodação. Como era véspera de ano novo, afirmou que teve dificuldades em encontrar hospedagem na cidade de Fortaleza, tendo que se deslocar para a cidade de Cumbuco para pernoitar na casa de um amigo.

Relatou que no dia seguinte, dia 31/12/2007, ao retornar ao aeroporto, foi informada por uma funcionária da ANVISA que a vacina de febre amarela era exigida para o retorno ao Brasil e não o contrário.

Afirmou que tentou novamente o embarque no balcão da requerida e foi apresentada a mesma exigência do dia anterior, de forma que o embarque somente foi permitido após o comparecimento da funcionária da ANVISA ao guichê para que ela se responsabilizasse pelo embarque, momento em que apresentou uma reclamação junto à ANAC.

Expôs que passou a virada do ano no avião, uma vez que chegou a Caracas às 02h55min de 01/01/2008.

Realizada sessão de conciliação, restou essa infrutífera (fl. 29).

Em contestação (fls. 49/58), a requerida alegou que a obrigatoriedade da vacinação de febre amarela com antecedência de 10 (dez) dias do ingresso em outro país, no caso a Venezuela, não é procedimento novo nem estabelecido pelas empresas aéreas, sendo uma exigência das autoridades governamentais, inclusive das autoridades venezuelanas.

Asseverou que é de inteira responsabilidade dos passageiros terem conhecimento e portarem toda a documentação necessária para entrada em país estrangeiro, de forma que, segundo a Portaria da ANVISA a não apresentação do Certificado de Vacinação (CIV) importa na impossibilidade de prosseguimento da viagem.

Alegou que existe a excludente de responsabilidade, que os danos materiais não foram comprovados e que não existem danos morais.

Sentenciando (fls. 67/71), o MM Juiz a quo julgou parcialmente procedente o pedido da inicial para condenar a ré ao pagamento de R$ 6.000,00 (seis mil reais) a título de danos morais.

Irresignada, apelou a ré (fls. 73/82), repisando os termos da contestação, acrescentando que a apresentação da carteira de vacinação para entrada na Venezuela não é uma recomendação, e sim uma exigência do Governo Venezuelano para os passageiros provenientes do Brasil, requerendo a reforma da sentença ou a minoração do valor arbitrado.

Preparo regular (fl. 82).

Contra-razões às fls. 85/90.

É o relatório.

VOTOS

O Senhor Juiz ASIEL HENRIQUE - Relator

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Trata-se de ação de indenização por perdas e danos visando ao recebimento de danos materiais e morais sofridos decorrentes de descumprimento de contrato de transporte aéreo.

Julgado parcialmente procedente o pedido da autora, foi apresentado o presente recurso pela requerida.

Trata-se de pretensão amparada pelas normas de proteção ao direito do consumidor, que como tal deve ser resolvida.

A pretensão da autora está embasada nos transtornos que teria sofrido em decorrência do serviço defeituoso prestado pela empresa ré, que por falta de informação fez com que esta perdesse o vôo com destino a Caracas e deixasse de desfrutar do reveillon na Ilha Margarita.

Primeiramente cumpre ressaltar que a requerida não contestou a existência dos fatos ocorridos em Fortaleza, tornando-os incontroversos.

Analisando cuidadosamente as normas emitidas pela ANVISA sobre a febre amarela, observa-se que o que existe é a regulamentação de entrada de passageiros no país, provenientes de áreas com suspeita de contágio, obrigando apresentação do cartão de vacina que comprove que a dose foi aplicada com 10 (dez) dias antes da entrada no Brasil.

Quanto aos passageiros que embarcam para outros países, a recomendação da ANVISA é de que estes procurem se imunizar, quando se dirigirem a áreas de contágio, não havendo qualquer restrição quanto ao seu embarque.

No entanto, diversos países estrangeiros exigem a apresentação do Certificado Internacional de Vacinação dos viajantes procedentes ou com escalas em áreas geográficas consideradas endêmicas de febre amarela.

A Venezuela, segundo a Organização Mundial de Saúde - OMS, além de integrar o rol dos países com risco de transmissão da doença, também integra a lista dos que exigem o Certificado Internacional de vacinação (CIV) dos viajantes oriundos dos países com risco de transmissão, na qual está incluído o Brasil.

Assim, apesar da exigência da ANVISA não alcançar os passageiros que saem do Brasil, a empresa aérea ré cumpriu o dever imposto por normas sanitárias internacionais, estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde.

Somente o Governo venezuelano pode estabelecer exigências para ingresso no seu território ou mitigar as mesmas exigências, de acordo com a sua política sanitária.

Assim, a exigência de apresentação de certificado de vacinação pela empresa aérea constitui cumprimento de um dever legal, circunstância que excluiria, a priori, a ilicitude da conduta.

Todavia, a exigência não pode ser feita de forma arbitrária e de inopino. É dever da empresa aérea formular a exigência de modo que o passageiro possa cumpri-la.

Diz a requerida que consta nos seus contratos de transporte aéreo o esclarecimento de que o passageiro deve munir-se do devido visto e documentos de viagem necessários (documento de identidade, passaporte, atestado de vacina...). Mas nenhuma prova foi juntada neste sentido. O que se vê do site da internet da requerida (www.tam.com.br), é que existe uma lista de países onde a vacina é exigida. Para a Venezuela encontra-se a seguinte informação:

Para passageiros com destino a Venezuela, a vacina contra Febre Amarela é recomendada. A vacina contra Malária é recomendável, mas não obrigatória.

(http://www.tam.com.br/b2c/vgn/v/index.jsp?vgnextoid=2aaa8c0583068110VgnVCM1000004232690aRCRD)

Dessa forma, quando a empresa vendeu passagem aérea internacional sem comunicar ao consumidor as exigências legais para o ingresso no país estrangeiro, restou demonstrada a má prestação nos serviços pela falta de informações ou pela informação equivocada.
Assim, não se pode dizer que a requerida prestou as informações necessárias. Ao contrário, prestou informações inconsistentes que levaram ou poderiam ter levado o consumidor a erro quando à preparação para a viagem empreendida.

De outro lado, parece não se constituir, o certificado de vacinação, exigência efetiva para o passageiro deixar ou Brasil, ou para ingressar na Venezuela, ou mesmo para ingressar no Brasil proveniente da Venezuela.

Pelo tudo que restou comprovado a recorrida, depois de todo o transtorno, seguiu viagem para a Venezuela sem a vacinação, ou sem a imunização com prazo superior a 10 (dez) dias, e não há registro de que tenha enfrentado qualquer problema no ingresso na Venezuela. De outra sorte, regressou ao Brasil sem o atestado de vacinação e também não há registro de que tenha enfrentado qualquer transtorno no regresso.

De tudo isso se conclui que a orientação constante do site da TAM guarda coerência com os procedimentos sanitários adotados pela Venezuela. Também se conclui que a requerida fez exigências como se obrigatórias fossem, impedindo a recorrida de viajar, quando na verdade não eram obrigatórias aquelas exigências.

O Código de Defesa do Consumidor (art. 14 do CDC), buscando dar uma maior efetividade à relação consumerista, afirmou a responsabilidade civil objetiva do fornecedor de serviços pela reparação dos danos causados aos consumidores por qualquer defeito relativo aos serviços prestados, independentemente de se perquirir sobre o elemento subjetivo da culpa.

Estabelece o citado diploma legal:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente de existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Resta evidente, assim, que a recorrente se houve de tal sorte a violar as normas de proteção do consumidor.

Não se pode dizer, de outro lado, que os fatos narrados nestes autos possam ser considerados como mero contratempo ou simples aborrecimento do cotidiano, uma vez que, por falta de informação, a autora perdeu o seu vôo, foi obrigada a pernoitar em cidade estranha e, principalmente, deixou de participar da festa programada para o final de ano.

Assim, restando patente a ocorrência de desgostos, frustrações e transtornos suportados pela postulante, alheios à normalidade, deve ser confirmada a indenização a título de danos morais.

Destarte, não sendo possível admitir que, por desorganização ou desinteresse, a empresa transforme o direito do seu cliente em uma situação causadora de transtornos ao consumidor, a reparação por danos morais é medida que se impõe.

Quanto ao pedido de minoração do valor arbitrado a título de indenização pelos danos sofridos, a jurisprudência entende que a fixação do valor devido pelos danos morais deve ser feita mediante prudente arbítrio do juiz, que se vale dos seguintes critérios objetivos: a) existência do evento danoso; b) nexo de causalidade entre o evento danoso e a conduta do réu; c) existência do prejuízo; d) extensão e natureza do dano; e) a condição econômico-financeira das partes. Aliados a tais critérios, merecem também detida análise o caráter pedagógico e punitivo da indenização, sempre em sintonia com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, tendo como limite evitar-se que a indenização consubstancie enriquecimento sem causa ao autor, mas que também não seja irrisória de forma que valha como incentivo à prática ilícita praticada pelo ofensor.

Assim, mostra-se adequada e prudente a fixação dos danos morais na quantia arbitrada pelo Juízo a quo, uma vez que a conduta da ré de fato causou danos consideráveis à autora e sua condição financeira permite que o pagamento da quantia arbitrada seja entendida como uma ação pedagógica para que não incorra novamente no mesmo erro.

Diante do exposto, CONHEÇO DO RECURSO E LHE NEGO PROVIMENTO, mantendo incólume a sentença guerreada.

Nos termos do artigo 55 da Lei dos Juizados especiais (Lei nº 9.099/95), condeno a apelante ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 15% (quinze por cento) do valor da condenação.

É o voto.

O Senhor Juiz JOSÉ GUILHERME - Presidente e Vogal

Com o Relator.

O Senhor Juiz TAVERNARD LIMA - Vogal

Peço vista.

DECISÃO

O Relatou negou provimento, sendo acompanhado pelo 1º Vogal. O 2º Vogal pediu vista. Em 07.07.2009.

VOTO-VISTA

O Senhor Juiz TAVERNARD LIMA - Vogal

Senhor Presidente, a questão toda centra-se na interpretação de que, para alguém que vai viajar à Venezuela, se é recomendado ou obrigado a ser vacinado contra a febre amarela, porque, em uma primeira tentativa da consumidora, a TAM negou o embarque por entender que essa vacina era obrigatória. O douto Relator entendeu que era uma faculdade, uma recomendação, e V. Ex.a acompanhou o voto de S. Ex.a, no que fez muito bem, dentro do contexto ali expresso.

Peço respeitosas vênias ao Relator e a V. Ex.a, mas, neste ponto, não vou compartilhar com V. Ex.as por alguns motivos. O primeiro deles, Senhor Presidente, é que é dever do consumidor que pretende viajar ao exterior procurar se informar sobre os documentos, as condições exigidas para entrar naquele país. No caso da Venezuela, que não faz parte do Mercosul, é necessário o passaporte; então, a consumidora, certamente, estava com ele.

Especificamente naquele vôo que sai de Fortaleza para Manaus e de Manaus para Venezuela, não consta nenhum outro passageiro que teria tido bloqueado o ingresso por falta da vacina da febre amarela; então, se ela e o noivo foram os únicos, a regra é que todas as pessoas que vão para o local em que existe a possibilidade de foco de febre amarela, ainda que seja por meio de recomendação, é de bom alvitre que a pessoa esteja vacinada.

Então, o primeiro ponto é este: não é a empresa que impõe as regras, é o Governo Federal, é a ANVISA e a OMS. Nesse particular, a OMS teria recomendado, e a recomendação é, por assim dizer, uma moeda de duas faces não só para o passageiro brasileiro que vai para lá, como também, sobretudo, quando ele volta, porque é infectocontagiosa a febre amarela. Assim, não é só a questão do passageiro que vai para lá, mas, sim, o que ele pode trazer de lá para cá e, depois, aqui ser disseminado.

Na época, é bem verdade, como o nobre Relator mencionou, não existia a obrigatoriedade porque não tínhamos a notícia de surto, mas não podemos esperar que o surto ocorra para impor a obrigação. Entendo que a recomendação é para todo e qualquer brasileiro que pensa em viver em sociedade e em saúde pública, todo e qualquer brasileiro que vai para um país como esse deveria ser vacinado contra a febre amarela, não só para evitar o risco próprio (porque é uma vacina válida para dez anos) como também para evitar a propagação aqui no país.

Como segundo ponto, quero destacar que é uma doença infectocontagiosa e, portanto, a recomendação é algo que deveria ser interpretada com caráter de cogente: existia o interesse público da sociedade brasileira, em razão da saúde pública. A informação não é dada pela empresa e, sim, pelos órgãos públicos, e, além disso, no próprio site da ANVISA, como bem mencionado pelo douto Relator, a pessoa que volta desse país, no caso da Venezuela, tem de provar que tomou a vacina dez dias antes de retornar ao Brasil, e a consumidora não provou que tenha sido vacinada. O Brasil, em contrapartida, não poderia bloquear o ingresso dela, de estar em solo brasileiro, em razão da nacionalidade. Então, é o que ocorre com o brasileiro que vai para lá e não se vacina, volta com risco e não cumpre aquilo que era de cautela. Se, neste caso concreto, eminente Relator, a consumidora tivesse provado que tomou a vacina lá, dentro dos dez dias para retornar, eu diria estaria cumprido o fato do serviço. Mas, neste ponto, ela não provou que teria tomado a vacina; desse modo, ela foi e voltou com todos os riscos inerentes. Se amanhã ela estivesse com a febre amarela, ela ia, possivelmente, querer demandar contra a empresa, porque a empresa tinha o dever de bloquear o acesso dela a um local desse. Mas, não é o ponto e vou-me centrar naquilo que é do processo.

Destaco que é questão de saúde pública, e o acórdão, da forma como pode ser lavrado, de forma majoritária, vai discrepar de um julgamento similar que tivemos na 1.ª Turma, cujo julgado foi do dia 2 de junho de 2009, e o DJ, de 18 de junho de 2009, que foi vazado nesses termos:

CONSUMIDOR. VÔO INTERNACIONAL. EXIGÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DE CARTEIRA INTERNACIONAL DE VACINAÇÃO COMPROVANDO A INCUBAÇÃO DA VACINA DE FEBRE AMARELA. LEGALIDADE. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. RECURSO IMPROVIDO.

A Relatoria foi da Dr.ª Sandra Reves. Foi um julgamento recente da 1.ª Turma, no qual também tenho como ponto.

Vou-me ater, neste particular, a alguma coisa que poderia ser mencionada e que fiquei na dúvida, reconheço, é como a empresa autorizou o embarque da passageira no segundo dia? Aí, sim, está fora dos autos, mas, se amanhã ocorrer algum problema com essa passageira, a empresa pode ser, eventualmente, se demonstrados os elementos configuradores da responsabilidade, demandada.

Concluindo, Senhor Presidente, com maior respeito à linha de pensar do douto Relator, Dr. Asiel Henrique de Sousa, e de V. Ex.a, entendo que, por questão de saúde pública nossa, todo e qualquer brasileiro que for para o exterior, para local onde haja febre amarela, a recomendação da OMS tem de ter um caráter de cogente e a empresa poderia bloquear o embarque, condicionado à apresentação do cartão internacional de que a pessoa tomou a vacina contra a febre amarela.

O Senhor Juiz ASIEL HENRIQUE - Relator

Se me permite um comentário, Dr. Fernando Tavernard, eu até aceitaria que as normas derivadas dos órgãos multilaterais, mesmo quando não têm um tom impositivo, como é próprio das leis, tivessem esse caráter cogente, e, no caso, a recomendação pode ser interpretada como um mero aconselhamento, mas a companhia aérea colocar no seu site como requisito para viagem ao exterior, no caso a Venezuela, não me parece que seja próprio da empresa que, em relação ao consumidor, lida com uma relação de natureza consumerista, e não me parece que seja apropriado dizer também que essa recomendação que consta no site da companhia deva ser interpretada como uma norma cogente.

Então, quando me orientei pelo improvimento do recurso, foi no sentido de que havia um defeito na prestação de serviço, e não que as normas não sejam cogentes - essa, aliás, foi a dúvida que tive de superar para pontuar, afinal, o improvimento do recurso -, mas que a companhia não deu a informação adequada: disse, inicialmente, no site, que era recomendável, para depois, no portão de embarque, dizer que era obrigatório. Nisso é que houve o dano ao consumidor. É esse o aspecto que gostaria de pontuar.

No mais, se fosse apenas a questão dos efeitos das normas dos órgãos multilaterais, certamente mudaria o meu voto, com muito prazer.

O Senhor Juiz JOSÉ GUILHERME - Presidente e Vogal

Realmente, os argumentos do eminente 2.o Vogal me impressionaram, com relação aos preceitos de vigilância sanitária, de saúde pública, que, como todos sabemos, são oriundos da Organização Mundial de Saúde e, no âmbito nacional, da ANVISA e outros órgãos correlatos, inclusive de nível estadual, além dos federais propriamente ditos.

Acredito que o Juiz tenha levado em conta a tergiversação da TAM no fornecimento de informações, que não teriam sido adequadas e claras - para usar uma expressão do próprio Código do Consumidor -, e, nesse sentido, então, ela teria sido prejudicada por essa tergiversação ("pode" ou "não pode"), essa questão de hesitação da empresa, é isso?

O Senhor Juiz ASIEL HENRIQUE - Relator

Penso que sim, que o Juiz de 1.o Grau levou em conta isso. Quanto a mim, levei em conta exatamente esse aspecto, a falta de clareza na informação.

O Senhor Juiz TAVERNARD LIMA - Vogal

Desculpem-me a interferência, apenas para mencionar algo a que o eminente Relator se referiu: a TAM não poderia fixar no site dela algo que fosse discrepante ou divorciado do que a ANVISA estabelecia, porque, de fato, é uma recomendação. E a recomendação não é compulsória.

O Senhor Juiz JOSÉ GUILHERME - Presidente e Vogal

Porque, se fosse compulsória, ela não embarcaria em direção ao destino. Ou não poderia retornar ao território nacional porque, apesar de V. Ex.a ter mencionado a nacionalidade e a cidadania, razões de vigilância sanitária ou de saúde pública podem, sim, impedir um cidadão brasileiro de penetrar em território brasileiro, se ele for considerado uma ameaça à saúde pública.

Parece-me que se a questão ficou naquela tergiversação de pode ou não pode, ou que recomenda mas não é obrigatória, então, ela entendeu que não é obrigatória.

O Senhor Juiz TAVERNARD LIMA - Vogal

Exatamente. Na conclusão do meu voto, acabei interpretando a recomendação, além do site da TAM como mencionado pelo ilustre Relator, pelo contexto, é para preservar a saúde pública nossa: quem vai a algum lugar desses, deve acautelar-se e tomar a vacina. Agora, da forma que foi, a passageira foi e voltou, sem tomar a vacina aqui nem lá, como a Portaria menciona; se ela não toma para ir, pelo menos tem de tomar para voltar. Então, sob certo aspecto, a consumidora foi negligente nesse ponto.

E há algo que não é diretamente ligado ao caso, mas que não posso deixar de destacar, temos essa gripe que tem vários nomes (Gripe A ou H1N1), que só depois que ela se dissemina é que vai se dar o rótulo. Portanto, é questão de saúde pública e resolvi seguir a mesma linha para esses lugares em que há febre amarela (e na Amazônia tudo se dissemina tão rapidamente) e manter o entendimento de que a recomendação, para esses casos, tem caráter cogente. Sei que pode ser uma interpretação extensiva, mas é para autodefesa.

O Senhor Juiz JOSÉ GUILHERME - Presidente e Vogal

Inclusive, V. Ex.a mencionou uma circunstância que eu também ia citar, no sentido de que, teoricamente, hoje, não estou impedido de viajar para a Argentina, concorda? Posso viajar por minha conta e risco, até porque a gripe não tem vacina, mas, se tivesse, o Governo exigiria mandatoriamente que me vacinasse antes de viajar, ou permitiria que viajasse, mas não me permitiria retornar. Nada disso está acontecendo: os cidadãos brasileiros, hoje, estão transitando livremente, ida e volta, para a Argentina. E parece-me que é uma situação até muito mais grave do que a febre amarela, porque a febre amarela é endêmica, e a Gripe A, do vírus H1N1, é epidêmica, podendo até ser considerada pandêmica.

Se não houve - pelo que entendi do voto do Juiz Asiel Henrique de Sousa - uma clareza de informações, com aquela informação adequada e clara de que fala o art. 6.º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, por parte da TAM, nem das autoridades sanitárias brasileiras sobre a imposição à passageira de que não embarcaria, ou, por outro lado, não retornaria, mesmo tendo embarcado, se não se submetesse à vacinação, tem que ser à falta de outro agente público a quem imputar excesso de responsabilidade, porque, se ela quisesse fazer, teria de entrar em outra esfera, na esfera Federal; na esfera civil e na justiça especial, ela teria de processar a TAM, e foi o que ela fez.

Por falta de informação adequada e clara, mesmo considerando as fortes razões de saúde pública e vigilância sanitária ainda vigentes, vou continuar me perfilhando com o voto do eminente Relator, pedindo a maior vênia ao eminente 2.º Vogal, cujas razões também me impressionaram, mas parece-me que a empresa cometeu um fato do serviço. Só temos de lamentar que a empresa tenha feito isso, porque a própria empresa ajudou a colocar em risco a saúde pública em território brasileiro

DECISÃO

Conhecida. Negou-se provimento. Maioria.

Publicado em 20/11/09




JURID - Consumidor. Danos morais. Empresa aérea. [04/12/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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