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quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

JURID - HC. Processual penal. Apropriação indébita qualificada. [03/12/09] - Jurisprudência


Habeas corpus. Processual penal. Apropriação indébita qualificada.


Superior Tribunal de Justiça - STJ.

HABEAS CORPUS Nº 136.028 - SP (2009/0090105-0)

RELATORA: MINISTRA LAURITA VAZ

IMPETRANTE: HELENA ROSA RODRIGUES COSTA - DEFENSORA PÚBLICA

IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

PACIENTE: CRISTIANA YUMIKO YOKOMIZO

EMENTA

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA QUALIFICADA. PROVIMENTO DE RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. CÂMARA CRIMINAL EXTRAORDINÁRIA, COMPOSTA POR JUÍZES NÃO INTEGRANTES DO QUADRO DE JUÍZES DE DIREITO SUBSTITUTOS EM SEGUNDO GRAU. SISTEMA DE VOLUNTARIADO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL.

1. Não ofende o princípio do juiz natural a convocação de juízes de primeiro grau para, nos casos de afastamento eventual do desembargador titular, compor o órgão julgador do respectivo Tribunal, desde que observadas as diretrizes legais federais ou estaduais, conforme o caso. Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal.

2. Revendo a orientação anterior, por ocasião do julgamento do HC 109.456/DF, relatado pela eminente Ministra Jane Silva, a Egrégia Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu que não constitui afronta ao princípio do juiz natural a composição majoritária do órgão julgador de Tribunal por juízes de primeiro grau legalmente convocados.

3. Caso em que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo procedeu à convocação de Juízes de primeiro grau voluntários para a formação de novas Câmaras Criminais, sem observância das diretrizes da Lei Complementar paulista n.º 646/1990. O julgamento realizado nesses moldes é, portanto, nulo.

4. Ordem concedida, para anular o julgamento do recurso de apelação, determinando a sua renovação por Turma Julgadora composta com a observância dos critérios legais e constitucionais aplicáveis.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi e Felix Fischer votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 29 de outubro de 2009 (Data do Julgamento)

MINISTRA LAURITA VAZ
Relatora

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ:

Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de CRISTIANA YUMIKO YOKOMIZO, em face de acórdão da 2.ª Câmara "C" do 1.º Grupo de Câmara da Seção Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, que, negando provimento à apelação, manteve sentença condenatória em desfavor do Paciente.

Consta dos autos, que a Paciente foi denunciada como incursa no art. 168, § 1.º, inciso III, do Código Penal.

Sobreveio sentença que a condenou às penas de um (01) ano e quatro (04) meses de reclusão, no regime inicial aberto, e treze (13) dias-multa, no piso mínimo. A privativa de liberdade foi substituída por restritivas de direitos.

Contra essa decisão, a Paciente interpôs a Apelação Criminal n.º 00936270.3/2-0000-000, julgada pela 2.ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que negou provimento ao recurso, nos seguintes termos:

"APROPRIAÇÃO INDÉBITA. PROVA. CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL A confissão apresentada perante a autoridade policial, pormenorizada em detalhes e harmônica à prova oral ao depois produzida em Juízo, com a garantia do contraditório, é relevante e suficiente a ancorar decreto condenatóno, em especial porque não amparada a retratação judicial em qualquer elemento de prova.

APROPRIAÇÃO INDÉBITA QUALIFICADA. Secretária. Comete o crime de apropriação indébita, na forma qualificada, a Secretária de Laboratório de prótese dentária que, prevalecendo-se da profissão e encargo confiado, apropria-se de valores provenientes dos serviços prestados pela empresa." (fls. 54/60)

No presente writ, a impetração alega, em suma, que o órgão julgador foi composto, majoritariamente, por juízes convocados, ferindo, portanto, o princípio do juiz natural, do devido processo legal e do duplo grau de jurisdição.

Requer, assim, em pedido liminar e no mérito, o reconhecimento da nulidade absoluta do acórdão, determinando-se que novo julgamento seja proferido por Câmara composta majoritariamente por desembargadores titulares.

Indeferida a liminar, foram solicitadas as informações do Órgão Jurisdicional Impetrado, prestadas às fl. 51/53.

Após, foi dada vista dos autos ao Ministério Público Federal, que opinou pela concessão da ordem, nos termos do parecer de fl. 62/67.

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (Relatora):

Argui a impetração, em suma, a nulidade do julgamento do recurso pelo Tribunal de origem, uma vez que o órgão julgador foi composto por juízes convocados, o que feriria o princípio do juiz natural.

As informações de fls. 51/53 confirmam a convocação de juízes de direito nos termos da publicação na Imprensa Oficial de 05/09/2007.

A controvérsia posta em discussão enseja o debate em torno de duas questões: uma, se é constitucional a convocação de juízes de primeiro grau para compor órgãos julgadores nos respectivos Tribunais; outra, considerando a resposta afirmativa à primeira, se podem esses órgãos colegiados funcionarem majoritariamente com juízes de primeiro grau convocados.

A primeira questão não suscita mais divergências nas Cortes Superiores, que têm reiterado o entendimento no sentido de que não ofende o princípio do juiz natural a convocação de juízes de primeiro grau para, nos casos de afastamento eventual do desembargador titular, compor o respectivo órgão julgador do Tribunal, desde que observadas as diretrizes legais federais ou estaduais, conforme o caso.

A propósito, o seguinte precedente do Excelso Supremo Tribunal Federal:

"Habeas corpus. Princípio do juiz natural. Relator substituído por Juiz Convocado sem observância de nova distribuição. Precedentes da Corte.

1. O princípio do juiz natural não apenas veda a instituição de tribunais e juízos de exceção, como também impõe que as causas sejam processadas e julgadas pelo órgão jurisdicional previamente determinado a partir de critérios constitucionais de repartição taxativa de competência, excluída qualquer alternativa à discricionariedade.

2. A convocação de Juízes de 1º grau de jurisdição para substituir Desembargadores não malfere o princípio constitucional do juiz natural, autorizado no âmbito da Justiça Federal pela Lei nº 9.788/99.

3. O fato de o processo ter sido relatado por um Juiz Convocado para auxiliar o Tribunal no julgamento dos feitos e não pelo Desembargador Federal a quem originariamente distribuído tampouco afronta o princípio do juiz natural.

4. Nos órgãos colegiados, a distribuição dos feitos entre relatores constitui, em favor do jurisdicionado, imperativo de impessoalidade que, na hipótese vertente, foi alcançada com o primeiro sorteio. Demais disso, não se vislumbra, no ato de designação do Juiz Convocado, nenhum traço de discricionariedade capaz de comprometer a imparcialidade da decisão que veio a ser exarada pelo órgão colegiado competente.

5. Habeas corpus denegado." (HC 86.889/SP, 1.ª Turma, Rel. Min. MENEZES DIREITO, DJ de 15/02/2008.)

No âmbito do Estado de São Paulo, a propósito, a convocação de juízes substitutos tem amparo na Lei Complementar Estadual n.º 646/1990, que dispõe, in verbis:

"Artigo 1.º - São criados na Parte Permanente do Quadro de Justiça 60 (sessenta) cargos de Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau, classificados em entrância especial, referência V, para preenchimento ulterior, a critério do Tribunal de Justiça, mediante provimento por concurso de remoção.

Artigo 2.º - Por designação do Presidente do Tribunal de Justiça, os Juízes de Direito Substitutos em Segundo Grau substituirão membros dos Tribunais ou nele auxiliarão, quando o acúmulo de feitos evidenciar a necessidade de sua atuação.

Parágrafo único - A designação para substituir ou auxiliar nos Tribunais de Alçada será realizada mediante solicitação das respectivas Presidências.

Artigo 3.º - O Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau, durante a substituição, terá a mesma competência atribuída ao substituído, exceto em relação às matérias administrativas".

A norma estadual paulista, inclusive, já foi declarada constitucional pela Suprema Corte:

"HABEAS CORPUS - ALEGAÇÃO DE VÍCIO NA COMPOSIÇÃO DO ÓRGÃO JULGADOR - INOCORRÊNCIA - LEI COMPLEMENTAR N. 646/90 DO ESTADO DE SÃO PAULO - CONSTITUCIONALIDADE DESSE ATO LEGISLATIVO LOCAL - LEGITIMIDADE DO QUADRO DE JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU - RESPEITO AO POSTULADO DO JUIZ NATURAL - PEDIDO INDEFERIDO.

- O sistema de substituição externa nos Tribunais judiciários constitui, no plano de nosso direito positivo, matéria sujeita ao domínio temático da lei. Subordina-se, em conseqüência, ao princípio da reserva legal absoluta, cuja incidência afasta, por completo, a possibilidade de tratamento meramente regimental da questão.

Esse tema - cuja sedes materiae só pode ser a instância normativa da lei - não comporta, e nem admite, em conseqüência, que se proceda, mediante simples norma de extração regimental, a disciplina das convocações para substituição nos Tribunais de Justiça estaduais. Precedente do STF.

Essa orientação, firmada pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, prestigia o postulado do juiz natural, cuja proclamação deriva de expressa referência contida na Lei Fundamental da Republica (art. 5., n. LIII).

O princípio da naturalidade do Juízo - que traduz significativa conquista do processo penal liberal, essencialmente fundado em bases democráticas - atua como fator de limitação dos poderes persecutórios do Estado e representa importante garantia de imparcialidade dos juízes e tribunais.

Nesse contexto, o mecanismo das substituições dos juízes traduz aspecto dos mais delicados nas relações entre o Estado, no exercício de sua atividade persecutória, e o individuo, na sua condição de imputado nos processos penais condenatórios.

- O Estado de São Paulo adotou um sistema de substituição em segunda instância que se ajusta, com plena fidelidade, ao modelo normativo consagrado pela Carta Federal. Esse sistema, instituído mediante lei local (Lei Complementar n. 646/90), obedece a mandamento consubstanciado na Carta Política estadual que, além de prever a criação de cargos de Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau, dispõe que a respectiva designação, sempre feita pelo Tribunal de Justiça, destinar-se-á, dentre outras funções especificas, a viabilizar a substituição de membros dos Tribunais paulistas.

- A regra consubstanciada no art. 93, III, da Constituição da Republica - que apenas dispõe sobre o acesso de magistrados aos Tribunais de Segundo Grau, mediante promoção - não atua, especialmente ante a impertinência temática de seu conteúdo material e em face da absoluta ausência de norma restritiva, como aquela inscrita no art. 144, VII, da revogada Carta Federal de 1969, como causa impeditiva do exercício, pelos Estados-membros, de seu poder de instituir, mediante legislação própria concernente a organização judiciária local, sistema de convocação de Juízes para efeito de substituição eventual nos Tribunais.

- O procedimento de substituição dos Desembargadores no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, mediante convocação de Juízes de Direito efetuada com fundamento na Lei Complementar estadual n. 646/90, evidencia-se compatível com os postulados constitucionais inscritos no art. 96, II, "b" e "d", da Carta Federal, e revela-se plenamente convivente com o princípio fundamental do juiz natural.

Com isso, resta descaracterizada a alegação de nulidade do julgamento efetuado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, com a participação de Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau, por evidente inocorrência do vício de composição do órgão julgador." (HC 69.601/SP, 1.ª Turma, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 18/12/1992.)

"Habeas Corpus. Alegação de incompetência do órgão julgador e de sua irregular composição. Improcedência. Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo, arts. 103 e 104. Sistema de substituição, em segundo grau, adotado em São Paulo (Lei complementar paulista n. 646/1990).

Habeas Corpus indeferido." (HC 68.905/SP, 2.ª Turma, Rel. Min. NERI DA SILVEIRA, DJ de 15/05/1992.)

Portanto, é valida a convocação, desde que respeitada norma legal de regência.

Cumpre anotar que, no caso específico do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, procedeu-se a convocações de juízes de primeiro grau para formação de Câmaras Julgadoras, valendo-se o Tribunal de um sistema de voluntariado, sem a observância, portanto, da regra legal instituída, qual seja, a de realização de concurso de remoção, tornando nula a atuação do magistrado de primeiro grau convocado nessas circunstâncias.

Resta, ainda, a análise da questão seguinte, relacionada com a quantidade de juízes de primeiro grau convocados para compor órgãos julgadores no respectivo Tribunal.

A matéria, sob essa óptica, embora não tenha ainda sido objeto de amplo enfrentamento pelo Supremo Tribunal Federal, foi analisada em breve debate no âmbito da Primeira Turma, por ocasião do julgamento do HC 84.414/SP, cujo acórdão foi publicado no DJ de 26/11/2004. Aduziu o Ministro Sepúlveda Pertence que, "Primeiro, o Tribunal entendeu que, havendo lei estadual, criando cargos de juiz substituto de segundo grau, com hierarquia funcional equivalente ao Tribunal de Alçada, como ocorre no Estado de São Paulo, essa criação era legítima. E, se se entende legítima, não creio relevante que, no caso concreto, a maioria tenha sido de juízes substitutos convocados. Ou podem eles substituírem os desembargadores, ou não podem." A tese foi acompanhada pelos Ministros Eros Grau e Ayres Britto, asseverando este que "O princípio do juízo natural não estaria ferido nesse caso." No ponto, ficou vencido o Ministro Marco Aurélio, que sequer admitia a convocação, arrimando seu entendimento na redação do art. 118, § 1.º, inciso III, da LOMAN.

Em sentido oposto, mas em situação peculiar, o julgamento proferido nos autos do HC 78.051/PB, Primeira Turma, Rel. Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 17/09/1999, em que se discutia a formação do órgão colegiado para julgamento pelo Tribunal, em sede originária, de ação penal contra juiz de direito, em especial atenção à norma do art. 24 da LOMAN. A conclusão foi pela "Nulidade conseqüente da condenação criminal em que a maioria absoluta do Colegiado prolator do acórdão for composta por Juízes de Direito convocados para substituir Desembargadores ausentes por motivos diversos".

Como se vê, não se colhe do Supremo Tribunal Federal um entendimento consolidado para o deslinde da questão.

Contudo, neste Superior Tribunal de Justiça os precedentes apontaram, num primeiro momento, para o reconhecimento de afronta ao princípio do juiz natural, quando órgãos julgadores de Tribunal funcionam, majoritariamente, com juízes de primeiro grau convocados.

Nesse sentido, dentre outros, os seguintes julgados:

"PENAL. HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ÓRGÃO FRACIONÁRIO INSUFICIENTEMENTE COMPOSTO. NULIDADE. EMBARGOS INFRINGENTES. APELAÇÃO.

- Nulos são os julgamentos de recursos proferidos por Turma composta, majoritariamente, por juízes de Primeiro Grau.

- Ordem concedida." (HC 9405/SP, 6.ª Turma, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, Rel. p/ Acórdão Ministro WILLIAM PATTERSON, DJ de 18/06/2001.)

"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CÂMARA FORMADA MAJORITARIAMENTE POR JUÍZES DE PRIMEIRO GRAU CONVOCADOS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. OCORRÊNCIA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. JULGAMENTO. FALTA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEFENSOR PÚBLICO. NULIDADE. OCORRÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA.

1. Nulos são os julgamentos de recursos proferidos por Câmara composta, majoritariamente, por juízes de primeiro grau, por violação ao princípio do juiz natural e aos artigos 93, III, 94 e 98, I, da CF.

2. É nulo o julgamento do recurso em sentido estrito em que não houve a intimação pessoal do defensor público.

3. Ordem concedida para anular o julgamento." (HC 72941/SP, 6.ª Turma, Rel. Min. MARIA THEREZA ASSIS MOURA, DJ de 19/11/2007.)

No voto condutor deste último, consignou a eminente Ministra Maria Thereza os seguintes fundamentos, no ponto:

"[...] Os argumentos favoráveis à anulação baseiam-se no princípio do juiz natural, especialmente na intenção da Constituição Federal em reservar apenas aos Juizados Especiais o julgamento de recursos por turma composta por juízes de primeiro grau.

E, com efeito, a meu ver, a criação de turmas julgadoras compostas integralmente por juízes de primeira instância foi reservada pela Constituição da República apenas aos casos de infrações de menor potencial ofensivo, nos termos do artigo 98, inciso I:

A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau.

A intenção do constituinte de 1988 foi, claramente, a de permitir que os juízes de primeira instância possam julgar casos de menor complexidade, compondo, sozinhos, uma turma de julgamento de recursos. Tal raciocínio conduz à conclusão, a contrario sensu, de que os casos de maior complexidade devem ser julgados por Turmas compostas por juízes de segunda instância.

Neste sentido é o voto do Ministro Fontes de Alencar no já citado habeas corpus nº 9405/SP, de relatoria do Ministro William Pattterson:

(...) Por outro lado, a Constituição - precisamente no art. 98, ao tratar dos Juizados Especiais -, quando quis criar um órgão apreciador de recursos integrado por Juízes de Primeiro Grau o fez, dizendo que os recursos seriam para Turmas Recursais, ou seja, Juízes de Primeiro Grau compondo Turmas Recursais.

Dessarte, se o Tribunal de Justiça permite que um dos seus órgãos fracionários tenha na sua composição majoritária Juízes de Primeiro Grau, na verdade está admitindo a formação de Turma Recursal de Primeiro Grau, o que inviabilizaria, por eventual recurso, o Segundo Grau.

E é por causa desse raciocínio, na busca do que me parece mais lógico, que concedo o habeas corpus, em resguardo ao princípio do juiz natural e da existência concreta, em alguns aspectos, da supremacia do Tribunal de Justiça em relação aos Tribunais de Alçada e em respeito à Constituição que, quando quis criar Turma Recursal formada por Juízes de Primeiro Grau, o fez de forma expressa.

Em razão de tudo isto concedo o habeas corpus para anular as decisões do Tribunal de Justiça e que outra decisão, em grau de apelação, seja promovida, adotada como for de direito, pelos seus integrantes, observada, pelo menos, a composição majoritária por desembargadores (STJ, Sexta Turma, HC 9405/SP, Rel. para acórdão Min. William Patterson, j. 11.04.2000, DJ de 18.06.2001, p. 189).

Mesmo que se admita a convocação de juízes de primeiro grau para atuar em segunda instância, nos termos do disposto na Lei complementar estadual nº 646/90, a atuação destes, não se pode olvidar, é voltada à substituição e ao auxílio dos desembargadores. Isto significa que: i) ou os juízes convocados deverão atuar no lugar deixado pelos desembargadores substituídos, ocupando o lugar deixado por estes na Turma, mesclando-se, portanto aos demais desembargadores; i) ou os juízes convocados deverão auxiliar os desembargadores, para evitar o acúmulo de serviço.

O que não pode ser aceito, entendo, é a criação de Câmaras apenas presididas por um desembargador, e, no mais, compostas exclusivamente por juízes convocados. [...]"

Esse entendimento restou ratificado pela Colenda Terceira Seção, quando do julgamento dos Habeas Corpus n.os 101.943/SP, 102.744/SP, 108.425/SP e 103.259/SP.

A questão, no entanto, voltou à baila, quando a Eg. Sexta Turma decidiu afetar o HC 109.456/DF, relatado pela eminente Ministra Jane Silva, Desembargadora convocada do TJMG, à Eg. Terceira Seção, a fim de que este resolvesse situação semelhante envolvendo a convocação de juízes federais para compor Turmas julgadoras do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região.

A sessão de julgamento foi ultimada no dia 25/03/2009, com a revisão do entendimento anterior, prevalecendo o voto da Ministra Relatora no sentido de que, tendo sido observadas as regras legais de regência da convocação, não constitui ilegalidade a composição majoritária do órgão julgador por juízes federais de primeiro grau. Votou vencido o ilustre Ministro Nilson Naves, que declarava a nulidade por malferimento ao princípio do juiz natural. O acórdão ainda pende de publicação.

Assim, tem prevalecido nesta Corte o entendimento de que não há impedimento à convocação de Juízes de primeiro grau para atuarem no Tribunal em substituição eventual de desembargadores, desde que observada a lei de regência, não constituindo afronta ao princípio do juiz natural a composição majoritária do órgão julgador por juízes convocados.

No caso dos autos, entretanto, sabe-se que, diante do expressivo número de recursos pendentes de julgamento no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no período de 15 de setembro de 2007 a 14 de setembro de 2008, a Corte Estadual procedeu à convocação de Juízes de primeiro grau voluntários para a formação de novas Câmaras Criminais, sem observância das diretrizes da Lei Complementar Estadual n.º 646/1990. Com efeito, na hipótese, participou do julgamento um juiz de direito titular e dois juízes de direito auxiliares, sem que fosse observado sequer o critério de antiguidade para a convocação questionada nestes autos. O julgamento realizado nesses moldes é, portanto, nulo.

Ante o exposto, CONCEDO a ordem, para anular o julgamento do recurso de apelação, determinando a sua renovação por Turma Julgadora composta com a observância dos critérios legais e constitucionais, consoante a fundamentação acima exposta.

É como voto.

MINISTRA LAURITA VAZ
Relatora

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUINTA TURMA

Número Registro: 2009/0090105-0 HC 136028 / SP

MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 12592004 9362703 993061032805

EM MESA JULGADO: 29/10/2009

Relatora
Exma. Sra. Ministra LAURITA VAZ

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. BRASILINO PEREIRA DOS SANTOS

Secretário
Bel. LAURO ROCHA REIS

AUTUAÇÃO

IMPETRANTE: HELENA ROSA RODRIGUES COSTA - DEFENSORA PÚBLICA

IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

PACIENTE: CRISTIANA YUMIKO YOKOMIZO

ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes contra o Patrimônio - Apropriação indébita

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"A Turma, por unanimidade, concedeu a ordem, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora."

Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi e Felix Fischer votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília, 29 de outubro de 2009

LAURO ROCHA REIS
Secretário

Documento: 925375

Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 30/11/2009




JURID - HC. Processual penal. Apropriação indébita qualificada. [03/12/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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