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segunda-feira, 5 de outubro de 2009

JURID - Violência doméstica e familiar. Lei Maria da Penha. [05/10/09] - Jurisprudência


Recurso em sentido estrito. Violência doméstica e familiar. Lei Maria da Penha. Retratação da vítima em audiência. Possibilidade.


Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG.

Data da Publicação: 24/09/2009

Inteiro Teor:

EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR - LEI MARIA DA PENHA - RETRATAÇÃO DA VÍTIMA EM AUDIÊNCIA - POSSIBILIDADE. Tendo a vítima se retratado da representação oferecida em audiência especialmente designada para essa finalidade, antes do recebimento da denúncia, mostra-se correta a decisão do magistrado que deixa de receber a inicial acusatória, pois o art. 41 da Lei 11.340/2006, ao excluir a aplicação da Lei 9.099/95, não retirou a faculdade de representação da ofendida, nem transformou a ação penal em incondicionada, uma vez que o artigo 16 da Lei 11.340/06 faculta a renúncia à representação da vítima. Pretendeu, apenas, vedar a aplicação dos institutos despenalizadores nela previstos, como a composição civil e a transação penal, instrumentos impeditivos da persecução criminal contra o agressor, sem afastar a aplicação do art. 88 da Lei 9.099/1995, que condiciona a ação penal concernente à lesão corporal leve e à lesão corporal culposa à representação da vítima, como ocorre em outros delitos mais graves, já que o próprio Código Penal condiciona a representação nos crimes contra a liberdade sexual (estupro, atentado violento ao pudor, posse sexual mediante fraude, etc.), nos quais, ofendida mulher em contexto de violência doméstica, sendo ela pobre, é necessária a sua representação (art. 225, § 1.º, I, e § 2.º). Recurso não provido.

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO N° 1.0024.07.405855-3/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - RECORRENTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS - RECORRIDO(A)(S): LÚCIA MATTOS CARDOSO - RELATOR: EXMO. SR. DES. ANTÔNIO ARMANDO DOS ANJOS

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 3ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM NÃO PROVER O RECURSO, VENCIDA A REVISORA.

Belo Horizonte, 14 de julho de 2009.

DES. ANTÔNIO ARMANDO DOS ANJOS - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. ANTÔNIO ARMANDO DOS ANJOS:

VOTO

Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais (f. 61) contra a r. decisão do Juízo da 1.ª Vara Criminal da Comarca de Belo Horizonte (f. 58-59) que deixou de receber a denúncia em desfavor de LÚCIA MATTOS CARDOSO, por suposto cometimento do delito tipificado no art. 129, § 9.º, do CP, em razão da retratação feita pela vítima.

Em suas razões recursais (f. 63-72), em preliminar, sustenta o recorrente a nulidade da audiência prevista no art. 16 da Lei 11.340/06, por expressa inaplicabilidade da mesma aos crimes de violência doméstica de ação penal pública incondicionada. Alternativamente, requer a reforma da decisão que rejeitou a denúncia, devendo a exordial ser recebida e dado o devido prosseguimento ao processo.

A recorrida contrariou o recurso (f. 100-103), pugnando por sua absolvição.

Pela decisão de f. 104-105, o MM. Juiz manteve a decisão recorrida e determinou a remessa dos autos a este tribunal.

Instada a se manifestar, a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Procurador de Justiça, Dr. Cássio Murilo Soares de Carvalho (f. 108-110), opina pelo provimento do recurso.

É, no essencial, o relatório.

Presentes os pressupostos de admissibilidade e processamento, conheço do recurso interposto.

Cuida-se de recurso em sentido estrito interposto pelo representante do Ministério Público contra a decisão que deixou de receber a denúncia oferecida em face da recorrida, imputando-lhe a prática do delito previsto no art. 129, § 9.º, do CP.

De pronto, registro que a preliminar agitada confunde-se com o mérito e com ele será devidamente examinada.

Malgrado as bem lançadas razões da peça de irresignação, a meu ver, data venia, penso que o recurso não merece prosperar, pois, em se tratando de ação pública condicionada, tendo a própria vítima se retratado da representação apresentada antes mesmo do recebimento da exordial acusatória, extingue-se a punibilidade do agente.

Ademais, sendo imputado à recorrida a prática de delito tipificado no art. 129, § 9.º, do CP, perpetrado contra sua mãe, portanto, na forma da Lei 11.340/06, a qual disciplina os casos de violência doméstica, não há que se falar em irregularidade ou mesmo nulidade na realização da audiência prevista no art. 16 do referido diploma legal, vez que se trata de uma oportunidade para que a vítima se manifeste, expressamente, acerca do seu interesse de levar a cabo a ação penal proposta em função da representação anteriormente apresentada, condição esta para o desencadeamento da investigação policial.

Tratando-se, pois, de delito de ação pública condicionada à representação, mostra-se claramente cabível a retratação da vítima, sem qualquer induzimento ou instigação por terceiros, em audiência premonitória a realizar-se exclusivamente para este fim, consoante previsão legal enunciada no art. 16 da Lei 11.340/06:

Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

Ressalte-se, ainda, que o simples fato de a Lei 11.340/06 ter criado normas diferenciadas com o intuito de garantir maior proteção às mulheres que sofrem violência doméstica e familiar, em momento algum, tornou a ação incondicionada. A propósito, sobre o assunto, trago à colação a orientação jurisprudencial dominante, inclusive, neste Eg. Tribunal:

"RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - LESÃO CORPORAL - LEI 11.340/06 - NÃO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA - RETRATAÇÃO DA VÍTIMA - POSSIBILIDADE. A Lei 11.340/2006, no que se refere à ofensa à incolumidade física e à saúde da mulher quando provocada no ambiente doméstico ou familiar, não teve a intenção de alterar o princípio do art. 88 da Lei 9.099/95, de que a ação penal por crime de lesão corporal leve é pública condicionada à representação. Vê-se que a retratação ocorreu, antes do recebimento da denúncia na presença do Ministério Público, portanto, dentro dos trâmites legais." (TJMG, RSE 1.0024.07.595423-0/001, Rel. Des. Paulo Cezar Dias, 22/04/2008.)

"RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - LEI 11340/06 - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - AUDIÊNCIA PRELIMINAR - NULIDADE - INOCORRÊNCIA - EXPRESSA PREVISÃO LEGAL - VIAS DE FATO E LESÃO CORPORAL - REPRESENTAÇÃO - NECESSIDADE. I - A audiência, após o oferecimento da denúncia, para oitiva da ofendida, encontra respaldo no art. 16 da Lei 11340/06. II - A representação ainda é exigível na contravenção de "vias de fato" e nos crimes de lesão corporal, inclusive o qualificado previsto no § 9.º do art. 129, CP." (TJMG, RSE 1.0024.07.427480-4/001, Rel. Des. Alexandre Victor de Carvalho, 06/05/2008.)

"RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - LESÃO CORPORAL - AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA - RENÚNCIA À REPRESENTAÇÃO - POSSIBILIDADE - ARTIGO 16 DA LEI 11.340/06 - RECEBIMENTO DA DENÚNCIA - INVIABILIDADE. A Lei Maria da Penha não retirou a faculdade de representação da ofendida, nem transformou a ação penal em incondicionada, uma vez que o artigo 16 da Lei 11.340/06 faculta a renúncia à representação da vítima. Ao afastar a aplicação da Lei 9.099/95, pretendeu o legislador somente afastar os institutos despenalizadores das normas dos juizados especiais, vedando a composição civil extintiva da ação penal, a transação penal e a aplicação de medidas alternativas à pena de prisão, não pretendendo excluir a condição de procedibilidade de ação penal nos crimes de lesão corporal leve. - Havendo retratação da representação em audiência designada para tal finalidade, antes do recebimento da denúncia, não pode a mesma ser recebida." (TJMG, 5.ª C.Crim., RSE 1.0024.07.765206-3/001, Rel. Des. Adilson Lamounier, v.u., j. 24.03.2009; pub. DOMG de 06.04.2009.)

"LEI MARIA DA PENHA. LESÃO CORPORAL LEVE. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. AÇÃO PÚBLICA CONDICIONADA. RETRATAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO. MANIFESTAÇÃO ESPONTÂNEA DA VÍTIMA EM AUDIÊNCIA. RECURSO IMPROVIDO.

1. A ação penal relativa ao crime de lesão corporal caracterizado como violência doméstica é condicionada à representação da vítima.

2. A retratação da representação ofertada pela vítima antes do recebimento da denúncia, na audiência de que trata o artigo 16 da Lei 11.340/06, deve ser aceita pelo magistrado, se comprovada a espontaneidade da manifestação, diante das circunstâncias do caso.

3. Recurso desprovido.

(TJDFT, 1.ª Turma, RSE 2007011068386-5, Rel. Des. Edson Alfredo Smaniotto, v.u., j. 08.01.2009; pub. DJU de 29.04.2009 p. 130.)

"APELAÇÃO - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - LESÃO CORPORAL LEVE - ART. 129, § 9.º, DO CP - AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO - RETRATAÇÃO - ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA - ARTIGO 16 DA LEI 11.3490/06 - AUSÊNCIA DE CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE - REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. 1. Em delitos de violência doméstica pode a mulher renunciar à representação, antes do oferecimento da denúncia. O artigo 16 da Lei 11.340/06 exige tão só que seja expressa a retratação, perante o juiz e ouvido o Ministério Público, o que não significa que para a formalização de sua vontade imprescindível a concordância do Parquet. Se assim fosse, retornaria à paradoxal condição de semi-incapaz do antigo artigo 35 do Código de Processo Penal, ferindo seu direito constitucional à igualdade e de fazer apenas o que a lei manda. 2. A denúncia não pode ser recebida, extinguindo-se a ação penal por falta de legitimidade ativa do Ministério Público, nos termos do artigo 43, III, do CPP. NEGADO PROVIMENTO. (TJRS, 3.ª C.Crim., ApCrim. 70023338635, Rel. Des.ª Elba Aparecida Nicolli Bastos, v.u., j. 12.06.2008; pub. DJ de 19.06.2008.)

Ora, tendo a vítima se retratado da representação oferecida em audiência especialmente designada para essa finalidade, antes do recebimento da denúncia, mostra-se correta a decisão do magistrado que deixa de receber a inicial acusatória, pois o art. 41 da Lei 11.340/2006, ao excluir a aplicação da Lei 9.099/95, não retirou a faculdade de representação da ofendida, nem transformou a ação penal em incondicionada, uma vez que o artigo 16 da Lei 11.340/06, faculta a renúncia à representação da vítima. Pretendeu, apenas, vedar a aplicação dos institutos despenalizadores nela previstos, como a composição civil e a transação penal, instrumentos impeditivos da persecução criminal contra o agressor, sem afastar a aplicação do art. 88, da Lei 9.099/1995, que condiciona a ação penal concernente à lesão corporal leve e à lesão corporal culposa à representação da vítima, como ocorre em outros delitos mais graves, já que o próprio Código Penal condiciona a representação nos crimes contra a liberdade sexual (estupro, atentado violento ao pudor, posse sexual mediante fraude, etc.), nos quais, ofendida mulher em contexto de violência doméstica, sendo ela pobre, é necessária a sua representação (art. 225, § 1.º, I, e § 2.º).

Na hipótese dos autos, a vítima registrou ocorrência contra a recorrida, alegando ter sofrido agressões perpetradas por esta. Contudo, oportunamente, durante a audiência de f. 57, realizada antes do recebimento da denúncia, a vítima Odília Gomes de Matos "informou livre e espontaneamente que não tem mais interesse no prosseguimento deste processo, nem em nenhuma medida protetiva, se retratando assim, da representação de fls. 14", tendo esta manifestação sido acatada pelo Magistrado primevo, o qual às f. 58-59, deixou de receber a peça acusatória. Em artigo sobre a retratação, escreveu Damásio de Jesus:

"Retratação significa, no caso, retirada da manifestação de vontade da ofendida de que o ofensor venha a ser objeto de inquérito policial ou de ação penal, o que é impossível depois de oferecida a denúncia, isto é, depois de apresentada ao Juiz (art. 102 do CP; art. 25 do CPP). A renúncia à representação, no entanto, expressão já empregada no art. 74, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95, indica abdicação do direito de a ofendida manifestar vontade de movimentar a máquina da Justiça Criminal contra o agressor. Como ficou consignado nos termos do art. 16 da Lei 11.340/2006, a renúncia ao direito de representação só é admissível até "antes do recebimento da denúncia". (JESUS, Damásio de. A questão da renúncia à representação na ação penal pública por crime de lesão corporal resultante de violência doméstica ou familiar contra a mulher. (Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006). São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, set. 2006. Disponível em: .)

Portanto, se a ofendida não tem mais interesse no feito não há razão para dar prosseguimento a persecução penal, até porque, em atenção ao princípio da Intervenção Mínima, tratando-se de fatos ocorridos no âmbito familiar deve ser considerada a vontade dos envolvidos.

Na espécie, o conflito foi resolvido entre a ofensora e a ofendida, não havendo, pois, a necessidade de o Estado mover o seu aparato processual para solucionar um conflito já superado.

Assim, em que pese a divergência doutrinária e jurisprudencial a respeito da natureza da ação nos crimes praticados no contexto de violência doméstica, parece-nos mais acertado o entendimento de que a ação penal é pública condicionada à representação, pois a própria Lei 11.340/2006, em seu artigo 12, I, determina à autoridade policial que, no registro da ocorrência, tome a representação a termo. E mais, no artigo 16, a citada lei determina a realização de audiência para a admissão da renúncia à representação perante o juiz feita pela vítima, com a oitiva do Ministério Público.

Logo, se a lei expressamente admite que a vítima desista do prosseguimento da ação, desde que antes do recebimento da denúncia manifeste a sua vontade perante o Juiz e com a oitiva do Ministério Público, para que estes possam ter a certeza de que a renúncia não decorre de coação ou pressão do agressor, a meu ver, não há como considerá-la incondicionada.

Somado a isso, o desprezo à vontade da vítima provocaria sérias aberrações dentro do sistema penal brasileiro, já que em outros crimes, até mais graves, como os crimes contra a liberdade sexual, continuam a exigir a representação da vítima. Do mesmo modo, seria incoerente e até absurdo que as lesões leves cometidas por um estranho pudessem ser perdoadas pela vítima, mas, por outro lado, a mesma conduta praticada dentro do seio familiar tivesse que, obrigatoriamente, ser submetida à apreciação do Judiciário.

Portanto, se a ofendida, expressamente, não tem mais interesse no feito, não há razão para dar prosseguimento à persecução penal, até porque, em atenção ao princípio da Intervenção Mínima, tratando-se de fatos ocorridos no âmbito familiar, deve ser considerada a vontade dos envolvidos, sob pena de se perpetrar os inconvenientes oriundos de uma ação penal em curso. Ainda, sobre o tema, mostra-se oportuna a transcrição de parte da bem lançada decisão do Magistrado a quo, in verbis (f. 59):

"O Direito Penal, como bem orienta a doutrina moderna, só deverá ser chamado a intervir em situações de extremo interesse e quando falharem outros meios; é este o princípio da Intervenção Mínima que norteia o jus puniendi Estatal.

No presente caso, o conflito já foi resolvido entre ofensor e ofendida, não havendo, pois, a necessidade de o Estado mover o seu aparato processual para solucionar um conflito já superado."

Destarte, malgrado a irresignação do recorrente, tendo a vítima se retratado da representação oferecida, em audiência designada especialmente para tal finalidade, antes do recebimento da denúncia, correta a decisão do Magistrado que deixa de receber a inicial acusatória.

Fiel a estas considerações e a tudo mais que dos autos consta, meu voto é no sentido de se NEGAR PROVIMENTO ao recurso, mantendo incólume o decisum hostilizado por seus próprios e jurídicos fundamentos.

Custas ex lege.

É como voto.

A SR.ª DES.ª JANE SILVA:

VOTO

O representante legal do Ministério Público, inconformado com a sentença que deixou de receber a denúncia contra LÚCIA MATTOS CARDOSO, por crime de lesão corporal praticada no âmbito doméstico, interpôs o presente recurso em sentido estrito, arguindo, preliminarmente, a existência de vício insanável sobre o procedimento, que ensejaria a declaração de sua nulidade, vez que não se deveria ter realizado audiência para a retratação da vítima, porque o crime de lesão corporal praticado no âmbito doméstico não admite tal possibilidade, já que a ação é pública incondicionada. No mérito, requereu a confirmação de que a denúncia foi tacitamente recebida pelo Magistrado ou, alternativamente, que se considere pública incondicionada a ação penal referente à lesão corporal ocorrida no âmbito doméstico.

Contrarrazões defensivas, às f. 95/96, pelo não provimento do recurso.

Quanto aos fatos, narram os autos que no dia 08 de dezembro de 2006, por volta das 18h00, na Rua Henrique Tam, 462, Bairro São Bernardo, Comarca de Belo Horizonte, Lúcia Matos Cardoso agrediu sua mãe com apertões e torções nos braços, causando-lhe lesões corporais.

É o relatório.

Analisei atentamente as razões expostas no voto do eminente Desembargador Antônio Armando dos Anjos, mas peço vênia para dele discordar, pelos motivos que passo a expor:

Saliento inicialmente que a preliminar arguida será analisada no mérito do recurso, eis que a existência ou não de audiência para inquirir a vítima sobre a sua vontade de retratar-se deriva, necessariamente, do tipo de ação penal que se presta a iniciar o procedimento. Por isso, o cerne da questão está em estabelecer primeiramente se a ação penal, em se tratando de lesão corporal praticada no âmbito doméstico, admite ou não representação da vítima.

A fim de demonstrar que se encontram satisfeitos os requisitos do artigo 41 e 43 do Código de Processo Penal, faz-se necessário um breve relato das alterações legislativas que me conduziram ao entendimento segundo o qual, hoje, em se tratando de lesões corporais leves e culposas, praticadas no âmbito familiar contra mulher, a ação é, necessariamente, pública incondicionada, vejamos:

A conduta delitiva de lesões corporais, seja ela, simples ou qualificada, é disciplinada pelo Código Penal.

Até 1995, as três modalidades de lesões corporais - leves, graves e gravíssimas - não dependiam de representação do ofendido, a ação penal correspondia à pública incondicionada e era disciplinada pelo Código Penal.

Por força do artigo 61 da Lei 9.099/1995, pelo quantitativo de pena máxima imposta, as lesões corporais simples e culposa passaram a ter o seu procedimento disciplinado pelos Juizados Especiais.

Assim, nas disposições finais da Lei 9.099/1995 o legislador disciplinou:

Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas.

Diante disso, além dos crimes estabelecidos no Código Penal, por força do artigo 88 da Lei 9.099/1995, passou-se a exigir representação da vítima para a deflagração da ação penal, também para a lesão corporal leve e para a culposa.

Em 2004, a Lei 10.886 incluiu o parágrafo 9.º no artigo 129 do Código Penal. Ao fazê-lo, introduziu uma figura de lesão corporal qualificada, especificamente relacionada à violência doméstica, vejamos:

Art. 129, § 9.º: Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade.

Pena - detenção, de 06 (seis) meses a 01 (um) ano.

Referido artigo passou a disciplinar o que se tem comumente chamado de "violência doméstica". Termo que diz respeito à vida em família, usualmente na mesma casa, referente às ligações estabelecidas entre participantes de uma mesma vida familiar, podendo haver laços de parentesco ou não.

A intenção do legislador ao criar a nova figura típica, na realidade uma nova modalidade de lesão corporal qualificada, tendo em vista o novo montante de pena estabelecido, foi atingir os variados e, infelizmente, numerosos casos de lesões corporais praticados no recôndito do lar, local em que deveria imperar a paz e convivência harmoniosa entre seus membros e, jamais, a agressão desenfreada que muitas vezes se apresenta, pondo em risco a estrutura familiar, base da sociedade.

Em 07 de agosto de 2006 foi publicada a esperada Lei 11.340, intitulada "Lei Maria da Penha", referido diploma legal procurou criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8.º do artigo 226 da Constituição da República, procurando coibir de todas as formas a discriminação, prevenir e punir mais severamente a violência contra a mulher.

Com o intuito de dar cumprimento às finalidades a que se propôs, o artigo 41 da Lei 11.340/2006 disciplina:

Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Também cuidou de aumentar a pena referente à lesão corporal qualificada prevista no parágrafo 9.º do artigo 129 do Código Penal, referente à violência doméstica, para detenção de três meses a três anos, dentre a instituição de outros mecanismos tendentes a alcançar o escopo da novel legislação.

Não cabe aqui discutir se os métodos utilizados pelo legislador foram tecnicamente felizes, cabe aplicar a lei vigente ao caso concreto, tendo por alvo a certeza de que se procurou fazer cessar a violência que assola muitos lares brasileiros e põe em risco a saúde física e psíquica de seus membros, sobretudo das mulheres.

Diante do histórico aqui narrado surgiu uma dúvida; qual a espécie de ação penal deverá agora ser manejada no crime de lesão corporal leve qualificada, relacionada à violência doméstica? A reposta pode ser extraída de duas teorias:

A primeira delas, defendida por Damásio Evangelista de Jesus (Artigo científico publicado no sítio www.jusnavigandi.com.br) e Rogério Greco (Código Penal Comentado), preconiza que o crime de lesões corporais, quando se tratar de violência doméstica, decorrente de lesões leves ou culposas, continuará a ter ação penal pública condicionada à representação da vítima.

Os filiados a essa teoria argumentam que o artigo 16 da Lei 11.340/2006 admite que ainda existem crimes que exigem representação, mesmo quando praticados contra a mulher no âmbito doméstico, tanto que esse dispositivo disciplina por qual meio poderá a ofendida renunciar ao direito de representar contra o seu agressor. Sendo assim, a "Lei Maria da Penha" não teria tido a intenção de alterar o princípio do artigo 88 da Lei 9.099/1995, de que a ação penal por crime de lesão corporal leve é pública condicionada à representação. Teria apenas aumentado o preceito secundário do tipo do artigo 129, § 9.º, do Código Penal, continuando a ação a ser deflagrada apenas mediante representação da ofendida, eis que cabe a ela decidir se quer expor ou não a sua família à pessoas estranhas a esse meio.

A segunda teoria, a qual me filio, preconiza que com o advento da Lei 11.340/2006 o legislador quis propor mudanças que efetivamente pudessem contribuir para fazer cessar, ou, ao menos reduzir drasticamente, a triste violência que assola muitos dos lares brasileiros, uma violência velada que corrói as bases da sociedade pouco a pouco.

Acaso a Lei 11.340/2006, em relação à lesão corporal simples e culposa, tivesse contribuído apenas para aumentar o patamar máximo da pena do artigo 129, § 9.º, do Código Penal, não teria trazido qualquer inovação prática, eis que, raramente, se aplicam patamares de pena muito superiores ao mínimo cominado.

Penso que o intuito da legislação compromete-se mais com a realidade em que vivemos do que com simples questões de pena.

Há de se ressaltar que um dos princípios comezinhos de direito, no que tange à interpretação da norma, preconiza que ela não utiliza palavras inúteis.

Nesse diapasão, frisamos que o artigo 41 da Lei 11.340 diz claramente que não se aplica aos crimes praticados com violência doméstica, a Lei 9.099/1995.

Não disse a novel legislação que não se aplicam aos crimes praticados com violência doméstica apenas alguns mecanismos despenalizadores da lei dos juizados, como a transação e a suspensão condicional da pena. Acaso o quisesse, o legislador assim teria procedido. Não. Na "Lei Maria da Penha" resta claro que a Lei 9.099/1995 não se aplica por inteiro, isso porque, o escopo de uma e de outra legislação são totalmente opostos. Enquanto a Lei dos Juizados procura evitar o início do processo penal, que poderá culminar com a imposição de uma sanção ao agente do crime, a "Lei Maria da Penha" procura punir com maior rigor o agressor que age às escondidas nos lares, pondo em risco a saúde de sua própria família.

Se a Lei 9.099/1995 não pode ser aplicada, significa que seu artigo 88, que prevê a representação para a lesão corporal leve e culposa nos casos comuns, não pode, por corolário, ser aplicado a essas espécies delitivas quando estiverem relacionadas à violência doméstica. Foi, portanto, derrogado em relação à "Lei Maria da Penha".

Assim entendo porque a família é a instituição mais importante do Estado, é ela que lhe dá base e sustentáculo. Uma família desestruturada conduz, fatalmente, a um Estado desarticulado e frágil, tornando-o incapaz de resguardar a esfera pública e de assegurar aos indivíduos seus direitos constitucionalizados.

A Constituição da República em seu artigo 226 estabelece que a família é a base da sociedade e tem a especial proteção do Estado; o parágrafo 8.º desse dispositivo assegura que a assistência à família será feita na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. Também não descuida a Constituição, artigo 227, de atribuir à família, à sociedade e ao Estado a responsabilidade pelas crianças e adolescentes, com absoluta prioridade, assegurando-lhes

"[...]

o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los à salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".

Por tais razões, não se pode falar em representação quando a lesão corporal dolosa atinge a mulher, em casos de violência doméstica, familiar ou íntima.

O interesse maior é da sociedade; é a proteção de mulheres que ficam subjugadas pelo "poder" econômico do parceiro, de idosas e, sobretudo, das menores que, via de regra, são vítimas, ainda que de violência mental, desse tipo de situação. Por tal razão, a escolha não pertence à vítima, mas ao Ministério Público, órgão essencial à Justiça.

Acaso se proceda de forma diversa, estar-se-á definitivamente retirando qualquer eficácia que o legislador pretendeu atribuir à Lei 11.340/2006. Qual será, então, a finalidade da "Lei Maria da Penha" se se retirar dela todo o seu potencial de atuação contra os agressores?

Têm esse posicionamento os seguintes juristas:

Luiz Flávio Gomes:

Nesses crimes, portanto, cometidos pelo marido contra a mulher, pelo filho contra a mãe, pelo empregador contra a empregada doméstica etc., não se pode mais falar em representação, isto é, a ação penal transformou-se em pública incondicionada (o que conduz a instauração de inquérito policial, denúncia, devido processo, contraditório, provas, sentença, duplo grau de jurisdição etc.). Esse ponto, sendo desfavorável ao acusado não pode retroagir (isto é: não alcança os crimes ocorridos antes do dia 22.09.06). (GOMES, Luiz Flávio. Publicado no sítio www.jusnavigandi.com.br.)

Guilherme de Souza Nucci:

Se alguma vantagem houve, está concentrada na ação penal, que passa a ser pública incondicionada, em nossa visão, retornando para a iniciativa do Ministério Público, sem depender da representação.

Isto porque o art. 88 da Lei 9.099/95 preceitua que dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves (prevista no caput do art. 129) e lesões culposas (constante do § 6.º do mesmo artigo). Ora, a violência doméstica, embora lesão corporal, cuja descrição típica advém do caput, é forma qualificada da lesão, logo, não mais depende de representação da vítima. A mudança foi tímida e de pouca utilidade.

(NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado, p. 585-586.)

E Marcelo Lessa Bastos, em artigo intitulado Violência doméstica e familiar contra a mulher, no sentido de que

"...não se aplicam, portanto, os institutos despenalizadores da Lei 9.099/95 em caso de violência doméstica e familiar contra a mulher. Deste modo, em se configurando a violência doméstica e familiar contra a mulher, qualquer que seja o crime e sua pena, não cabe transação penal nem suspensão condicional do processo nem composição civil dos danos extintiva de punibilidade, não se lavra termo circunstanciado (em caso de prisão em flagrante, deve ser lavrado auto de prisão em flagrante e, se for o caso, arbitrada fiança), deve ser instaurado inquérito policial (com a medida paralela prevista no art. 12, III, e §§ 1.º e 2.º da Lei 11.340/06), a denúncia deverá vir por escrito, o procedimento será o previsto no Código de Processo Penal... (publicado no sítio www.jusnavigandi.com.br).

Não se sabe, exatamente, se o maior endurecimento da legislação trará os efeitos desejados. Mas o certo é que, a favor do legislador trabalha a estatística a revelar que algo precisava ser feito (Cf. SANCHES, Rogério. A lei Maria da Penha e a não aplicação dos institutos despenalizadores dos juizados especiais criminais. Jus Navigandi). Dado colhido no sítio da Fundação Perseu Abramo (www. fpabramo.gov.br), é bastante ilustrativo:

A projeção da taxa de espancamento (11%) para o universo investigado (61,5 milhões) indica que pelo menos 6,8 milhões, dentre as brasileiras vivas, já foram espancadas ao menos uma vez. Considerando-se que entre as que admitiram ter sido espancadas, 31% declararam que a última vez em que isso ocorreu foi no período dos 12 meses anteriores, projeta-se cerca de, no mínimo, 2,1 milhões de mulheres espancadas por ano no país (ou em 2001, pois não se sabe se estariam aumentando ou diminuindo), 175 mil/mês, 5,8 mil/dia, 243/hora ou 4/minuto - uma a cada 15 segundos.

Dessa forma, entendo que em nome da proteção à família, preconizada como essencial pela Constituição da República e, frente ao dispositivo da Lei 11.340/2006 que afasta expressamente a Lei 9.099/1995, os institutos despenalizadores e as medidas mais benéficas dessa última, não se aplicam à violência doméstica, independendo, portanto, de representação da vítima a propositura da ação penal pelo Ministério Público nos casos de lesão corporal leve ou culposa.

Ademais, até mesmo a nova redação do parágrafo 9.º do artigo 129 do Código Penal, feita pelo artigo 44 da Lei 11.340/2006, impondo pena máxima de três anos à lesão corporal qualificada, praticada no âmbito familiar, proíbe a utilização do procedimento dos Juizados Especiais, afastando por mais um motivo, a exigência de representação da vítima.

Nesse sentido, aliás, já se manifestou, por unanimidade, a 5.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do HC 84831/RJ, sob a relatoria do Ministro Felix Fischer; vejamos o voto na íntegra:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ART. 129, § 9.º, DO CÓDIGO PENAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. LEI MARIA DA PENHA. LEI 9.099/95. INAPLICABILIDADE. A Lei 11.340/06 é clara quanto a não-aplicabilidade dos institutos da Lei dos Juizados Especiais aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher. Ordem denegada.

O EXMO. SR. MINISTRO FELIX FISCHER: No presente mandamus, sustenta o impetrante que, a despeito da natureza do delito e sua vinculação com a Lei 11.340/06, segundo o Enunciado 89 do III Encontro de Juizados Especiais Criminais e Turmas Recursais do Estado do Rio de Janeiro "é cabível a audiência prévia de conciliação para o crime previsto no art. 129, § 9.º, do Código Penal, com a redação dada pela Lei 11.340/06" (fl. 5). Requer, dessa forma, que sejam concedidos os benefícios da prévia conciliação, prevista no art. 72 da Lei 9.099/95, e da suspensão condicional do processo, de acordo com o art. 89 da Lei 9.099/95.

A ordem não merece ser concedida.

A Lei 11.340/06 é bastante clara quanto a não-aplicabilidade dos institutos da Lei dos Juizados Especiais aos crimes praticados com violência doméstica, senão vejamos:

Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Percebe-se do texto legal acima transcrito que a intenção do legislador foi afastar dos casos de violência doméstica contra a mulher as medidas despenalizadoras da Lei dos Juizados Especiais Criminais, como a transação penal e a suspensão condicional do processo.

Sobre o assunto preleciona Pedro Rui da Fontoura Porto:

"Desde a entrada em vigor da Lei 9.099/95, que, mormente no relativo ao regramento dos Juizados Especiais Criminais, estabeleceu os princípios norteadores da informalidade, celeridade, oralidade e economia processual (art. 62 da Lei 9.99/95), sempre houve uma preocupação do movimento feminista acerca de, até que ponto, a nova tendência para um direito penal conciliador e mais flexível, baseado na vontade do ofendido, não colocava em risco as fragilizadas vítimas da violência doméstica.

Com efeito, embora não crie novos tipos penais, a Lei 11.340/06 certamente opera como complemento de tipos penais precedentes, sendo conveniente uma reflexão acerca dos limites desta influência, isto porque, ao se configurar qualquer crime como praticado em situação de violência doméstica ou familiar contra a mulher nos termos da lei em questão, uma conseqüência importante se sobressai: a regra do art. 41 que determina a não aplicação da Lei 9.099/95." ("Violência doméstica e familiar contra a mulher, Lei 11.340/06 - análise crítica e sistêmica", 2007, Livraria do Advogado Editora, págs. 38/39).

Transcrevo parte do parecer da douta Subprocuradoria-Geral da República, que elucida bem a questão discutida nos autos:

"A Constituição Federal prevê, em seu art. 98, a criação de Juizados Especiais Criminais competentes para o julgamento de infrações penais de menor potencial ofensivo, deferindo à norma infraconstitucional a definição dessas infrações. A Lei 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da justiça comum estadual e distrital, considera, em seu art. 61, alterado pela Lei 11.313/2006, infrações de menor potencial ofensivo os crimes e as contravenções penais com pena máxima inferior a 2 (dois) anos.

Com o advento da Lei 11.340/2006, que cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, foram alteradas algumas disposições do Código Penal, havendo agravamento de algumas de suas penas. O legislador procurou tratar de forma mais severa aquele que pratica infrações no âmbito familiar, em especial contra a mulher, justamente pelo fato de os institutos despenalizadores previstos na Lei 9.099/95 não terem se mostrado eficazes o suficiente no combate aos crimes desta natureza. Desde então, a lesão corporal praticada no âmbito doméstico, crime atribuído ao paciente na denúncia, passou a ter pena máxima de 3 (três) anos. Portanto, o quantum máximo da pena em abstrato previsto para o delito em questão já é suficientemente alto para afastá-lo do âmbito das infrações penais de menor potencial ofensivo. Não bastasse isso, a chamada Lei Maria da Penha, em seu art. 41,³ vedou, de forma expressa, a incidência da Lei 9.099/95, independentemente da pena cominada. Logo, por essas razões, não devem ser empregados os institutos despenalizadores previstos na Lei dos Juizados Especiais ao presente caso.

É incabível, ainda, a concessão da suspensão condicional do processo nos termos do art. 89 da Lei 9.099/95, pelo motivo acima já exposto, qual seja, inaplicabilidade dos institutos previstos na Lei 9.099/95 aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher.

Tampouco há falar em inconstitucionalidade do art. 41 da Lei 11.340/06, haja vista o fato de que a Constituição deferiu ao legislador ordinário definir as infrações de menor potencial ofensivo. Portanto, se na Lei Maria da Penha se optou por afastar a aplicação da Lei 9.099/95, é porque se entendeu que tais infrações penais não podem ser consideradas como de menor potencial ofensivo, o que atende ao disposto no art. 98, 1 da Carta da República.

Improcedente é, no mais, a alegação do paciente de que estaria a sofrer constrangimento ilegal por não ter sido designada audiência prévia de conciliação. O art. 16 da Lei Maria da Penha prevê a possibilidade de realização dessa audiência apenas para os crimes de ação pública condicionada. Até o advento da Lei 9.099/95, na persecução criminal de lesão corporal leve, se procedia mediante ação pública incondicionada. A Lei dos Juizados Especiais, em seu art. 88, passou, entretanto, a dispor que a ação penal, para esse crime, dependeria de representação para ser iniciada. Ocorre que, como visto, o art. 41 da Lei 11.340/06 afastou, de modo categórico, a incidência da Lei 9.099/95. Por isso, há de se considerar nos casos de lesão corporal, com violência doméstica, que a ação penal será pública incondicionada, consoante previsto no próprio Código Penal. É, portanto, incompatível com o procedimento adotado para a persecução do crime atribuído ao paciente, a realização de sobredita audiência.

Ante o exposto, opina o Mistério Público Federal por que seja denegada a ordem" (fls. 58/59).

Ante o exposto, denego a ordem.

É o voto.

(Grifo nosso.)

Presentes, pois, as condições de procedibilidade da ação, compete ao Ministério Público, titular da ação penal, movê-la.

Sendo pública incondicionada a ação penal no crime de lesão corporal praticado no âmbito doméstico, torna-se desnecessária a realização da audiência para inquirir a vítima sobre a sua vontade de prosseguir ou não com a ação penal, razão pela qual, a audiência deverá ser declarada nula e a denúncia recebida, para que o procedimento prossiga.

Posto isso, pedindo redobrada vênia ao Desembargador-Relator, dele divirjo para DAR PROVIMENTO ao recurso do Ministério Público para anular a audiência que permitiu a retratação da vítima, considerando-se recebida a denúncia, para que o procedimento tenha seguimento até seu último ato.

É como voto.

O SR. DES. ANTÔNIO CARLOS CRUVINEL:

Sr.ª Presidente.

Com a devida vênia, já tenho posicionamento firmado neste sentido acompanhando o voto do ilustre Des. Relator.

SÚMULA: RECURSO NÃO PROVIDO, VENCIDA A REVISORA.




JURID - Violência doméstica e familiar. Lei Maria da Penha. [05/10/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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