Anúncios


segunda-feira, 5 de outubro de 2009

JURID - Concussão e roubo. Competência da Justiça Federal. [05/10/09] - Jurisprudência


Concussão e roubo. Competência da Justiça Federal. Denúncia genérica.


Tribunal Regional Federal - TRF 4ª Região.

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2001.04.01.079272-0/PR

RELATOR: Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO

APELANTE: JELSONY BARNABE

ADVOGADO: Nadyr Zimmermann

APELANTE: ANTONIO OCKNER

ADVOGADO: Debora Maria Cesar de Albuquerque

: Maiza Lopes Fiorin

APELANTE: SERGIO ROBERTO ACHINITZ

: JULIO TADEU DO AMARAL

ADVOGADO: Antonio Augusto Lopes Figueiredo Basto e outro

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

EMENTA

PENAL E PROCESSO PENAL. CONCUSSÃO E ROUBO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. DENÚNCIA GENÉRICA. CONCURSO DE AGENTES. CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. DEFESA PRELIMINAR. FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS. MATERIALIDADE E AUTORIA. IN DUBIO PRO REO.

1. A competência é fixada a priori, ou seja, no momento do recebimento da denúncia e com base nos elementos nela apresentados, não havendo se falar, nos termos do artigo 81 do Código de Processo Penal, em reconhecimento da incompetência da Justiça Federal no caso de posterior absolvição ou desclassificação do delito indicador de dano ao patrimônio ou interesse da União.

2. Consoante jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, nas hipóteses de crimes praticados em concurso de agentes, onde se revele de difícil individualização a conduta de cada participante, admissível a inicial acusatória redigida de forma mais ou menos genérica, sem que, com isso, configure violação ao artigo 41 do Código de Processo Penal. Outrossim, não há se falar em nulidade por cerceamento de defesa quando inexiste sinal de prejuízo processual decorrente da apresentação de teses defensivas pelos acusados.

3. Segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal o procedimento previsto nos artigos 513 e seguintes do Código de Processo Penal reserva-se aos casos em que são imputados aos réus apenas crimes funcionais típicos (STF-HC 95.542).

4. Em obediência ao princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência, imponível a absolvição quando, analisadas as provas constantes nos autos, inexistem elementos suficientes para demonstrar com segurança a ocorrência dos delitos descritos na inicial.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, acolher parcialmente a questão de ordem levantada pelo voto-vista do Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz e, no mérito, por unanimidade, dar provimento aos recursos para absolver os co-acusados com base no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte do presente julgado.

Porto Alegre, 09 de setembro de 2009.

Desembargador Federal Luiz Fernando Wowk Penteado
Relator

RELATÓRIO

O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra JELSONY BARNABÉ, ANTÔNIO OCKNER, SÉRGIO ROBERTO ACHINITZ, JÚLIO TADEU DO AMARAL e CARLOS RUMILDO NATAL DA SILVA, dando-os como incursos nas sanções previstas nos artigos 157, caput, §2º, inciso II (roubo qualificado); 288 (quadrilha) e 316 (concussão), todos do Código Penal, por conta da imputação dos seguintes fatos, in verbis (fls. 03/05):

"(...) os denunciados, portando armas, valendo-se da condição de serem policiais, o primeiro federal e os outros civis, com exceção do último deles, o qual é ex-policial militar, no dia 30 de julho de 1993, por volta de 10 hrs, em Arapongas/PR, arrombaram a porta da residência de Luiz Édson Bracht, bem como de seu escritório, na tentativa de 'armar' um flagrante de dólares falsos, colocando algumas cédulas em seu bolso e também algemando-o, sendo que depois ameaçaram levá-lo para Curitiba/PR, o que não aconteceria se o mesmo lhes desse a quantia exigida de US$ 100.000,00 (cem mil dólares), o que de fato ocorreu por intermédio do advogado Luiz Laerte de Araújo, o qual deu aos aludidos policiais dois cheques do Unibanco, nos valores de Cr$ 780.000,00 (setecentos e oitenta mil cruzeiros reais) e Cr$ 4.000.000,00 (quatro milhões de cruzeiros reais).

Consta que, após receberem aludidos cheques, os denunciados foram embora de tal residência subtraindo, além de vários objetos domésticos, um veículo Uno Mille, placas BHA 5215, chassi 9BD146000M37715768, da propriedade de José Antônio Quirino, veículo esse que se encontrava em poder do Sr. Luiz Édson por empréstimo, e Cr$ 23.000.000,00 (vinte e três milhões de cruzeiros).(...)".

A denúncia foi recebida em 02.02.1995 (fl. 06).

Sentenciando às fls. 549/591, a magistrada de 1º Grau julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva para absolver os denunciados pelo crime de formação de quadrilha, com fulcro no artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal, e condená-los, em concurso material, pela prática da concussão e do roubo duplamente qualificado, atribuindo-lhes as seguintes penas:

a) Jelsony Barnabé, Antônio Ockner, Sérgio Roberto Achinitz e Júlio Tadeu do Amaral - 08 (oito) anos, 01 (um) mês e 06 (seis) dias de reclusão, em regime inicialmente fechado, cumuladas com 96 (noventa e seis) dias-multa, ao valor unitário de 1/3 (um terço) do salário mínimo, à exceção do acusado Antônio Ockner, para quem restou fixado o patamar 01 (um) salário mínimo;

b) Carlos Rumildo Natal da Silva - 08 (oito) anos e 06 (seis) meses de reclusão, em regime inicial fechado, acrescida de 96 (noventa e seis) dias-multa, à razão de 1/3 (um terço) do salário mínimo.

O decisum foi publicado em 28.03.2001 (fl. 591, verso).

Intimado por edital, o réu Carlos Rumildo Natal da Silva não recorreu, transitando em julgado a condenação (fls. 627/628).

Inconformado, Jelsony Barnabé apelou, às fls. 654/658, sustentando, preliminarmente, a incompetência da Justiça Federal, a inépcia da denúncia diante da não individualização da conduta de cada um dos demandados e a nulidade oriunda da omissão da sentença monocrática em relação às insurgências apresentadas em sede de alegações finais. No mérito, aludiu a insuficiência de provas para definição de um juízo condenatório. Por último, propugnou a impossibilidade de serem empregadas duas qualificadoras para fim de majoração da pena, sob pena de incidência em bis in idem.

De igual forma, os réus Antônio Ockner, Sérgio Roberto Achinitz e Júlio Tadeu do Amaral recorreram, ventilando, igualmente, a inépcia da inicial por ofensa ao artigo 41 do Código de Processo Penal. Postularam, outrossim, o reconhecimento da nulidade absoluta decorrente da não oportunização da defesa preliminar prevista para os delitos envolvendo funcionários públicos. Requereram, ainda, a conversão do feito em diligência, para a oitiva da vítima dos ilícitos objeto da exordial (Luiz Édson Bracht) e a juntada do inquérito nº 299/93 da Polícia Civil, referente ao indiciamento do mesmo pela prática estelionatária conhecida como "golpe do chute". No mérito, referiu a fragilidade do conjunto probatório.

O parecer da Procuradoria Regional da República foi no sentido do parcial provimento aos recursos da defesa.

Em 10/10/2005 o julgamento dos recursos restou adiado em função da juntada de escritura pública contendo declarações de Luiz Édson Bracht (vítima) (fls. 735 e 741).

Ciente do novo documento, o órgão ministerial se manifestou pelo prosseguimento dos recursos (fls. 748/749).

Após nova revisão o presente processo foi incluído na pauta do dia 19/11/2008 (fl. 759).

Em 13/11/2008, por conta de novos documentos - declarações do advogado Luiz Laerte de Araújo (fls. 772) - o julgamento dos recursos acabou novamente adiado.

Dado vista dos documentos ao órgão acusador, este lançou novo parecer, desta vez opinando pela absolvição dos acusados (fls. 794/799).

À revisão.

Desembargador Federal Luiz Fernando Wowk Penteado
Relator

VOTO

Preliminarmente, há de ser enfrentada a questão relativa à competência da Justiça Federal para o julgamento do presente feito.

A defesa sustentou ser incompetente o juízo federal sob o argumento de que Jelsony Barnabé não estaria no exercício de suas funções de agente da Polícia Federal quando da ocorrência dos fatos narrados na exordial.

A Carta Magna, ao delimitar a parcela de poder jurisdicional atribuída à União, no seu artigo 109, estabeleceu, de maneira genérica, competir aos juizes federais o julgamento das "infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, (...)".

A respeito da competência em situações envolvendo a participação de servidor público federal na prática de ilícitos penais a doutrina e a jurisprudência firmaram o entendimento de que é necessário verificar se o agente estatal os cometeu em razão do exercício da função pública ou, ainda, valendo-se das prerrogativas que esta lhe confere. Nesse sentido:

"(...) Compete à justiça federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função (Súmula 147 do STJ). Do mesmo modo, a ele compete o julgamento de crime cometido por funcionário público federal, no exercício de suas funções.(...)" (Fernando Capez, Curso de Processo Penal, Editora Saraiva, 9ª Edição, 2003, p. 207).

"(...) Crimes praticados por funcionários federais - STF: 'A condição de funcionário público federal não confere ao agente a faculdade de ver-se processado e julgado em foro federal' (RT 632/366).

Crimes praticados por funcionários federais no exercício da função - STF: 'Competência - Homicídio - Crime cometido por patrulheiro da Polícia Rodoviária Federal no desempenho de suas funções - Julgamento afeto ao Júri Federal (...). O Júri Federal é competente para julgar patrulheiro da Polícia Rodoviária Federal que comete homicídio no desempenho de suas funções. Nesse caso o interesse da Administração Pública Federal é evidenciado pelo exercício da atividade estatal no momento do crime" (RT 781/507 e JSTF 262/324)" (Júlio Fabbrini Mirabete, Código de Processo Penal Interpretado, Editora Atlas, 9ª Edição, 2002, p. 280).

Tais apontamentos levam a refletir sobre a abrangência da expressão "exercício de suas funções". Neste ponto, reporto-me ao teor do acórdão proferido pelo então Ministro do Supremo Tribunal Federal, Francisco Rezek, no julgamento do HC 65.913-6/SP (RT 632/368), ao referir que para definição da competência federal "será preciso que os agentes da ação, como sujeitos passivos ou ativos do crime doloso contra a vida, tenham agido em razão de exercício regular, ao qual, quando do ato delituoso, estavam subordinados à execução de obrigações funcionais ou às ordens ou à ação de autoridade federal."(grifei).

As diretrizes acima apresentadas, não obstante a data de sua prolação (DJU 24/06/88) e o fato de se reportarem a um delito doloso contra a vida, revelam-se atuais e plenamente adequadas a uma correta interpretação do caso em tela.

O réu Jelsony Barnabé, policial federal, à época lotado na Superintendência Regional do Departamento da Polícia Federal no Paraná, em Curitiba, encontrava-se de folga no dia 30.07.1993, conforme ele mesmo declarou na fase extrajudicial (fl. 43, apenso).

Por sua vez, o denunciado Antônio Ockner, Delegado de Polícia, requereu à sua chefia imediata, no curso do inquérito policial nº 299/93, uma permissão para se deslocar à Arapongas/PR, juntamente com os detetives Júlio Tadeu do Amaral e Sérgio Roberto Achinitz, sob o pretexto de investigar a atuação de supostos envolvidos na aplicação do chamado "golpe do chute" (fl. 138). O então Chefe da Divisão Policial da Capital - Delegado Milton Rodbard - consentiu a missão proposta, conforme declarou em juízo: "foi relatado que deveriam ser realizadas diligências, na cidade de Arapongas, onde estariam homiziados os envolvidos no citado golpe, para o que foi pedida a necessária autorização, por escrito, o que foi deferido." (fl. 182).

Igual procedimento não restou verificado no âmbito da Polícia Federal em relação ao apelante Jelsony Barnabé, afastando, portanto, qualquer indício de que sua participação nos acontecimentos relatados na denúncia tivesse algum intuito investigativo oficial.

Aliás, não há notícia da existência de qualquer procedimento na seara federal destinado a buscar esclarecimentos sobre a possível utilização de moeda falsa - crime de competência da Justiça Federal - em operações fraudulentas envolvendo o nome de Luiz Édson Bracht.

A total informalidade procedimental da atuação de Jelsony Barnabé confirma que a razão verdadeira de sua incursão até a cidade de Arapongas foi acompanhar seu amigo - Carlos Rumildo Natal da Silva -, vítima do referido "golpe do chute", na tentativa de localizar as pessoas responsáveis. Percebe-se, inclusive, que o denunciado se valeu de seu veículo particular - Ford Verona - para o deslocamento, reforçando, ainda mais, o caráter extra-oficial de sua participação nos acontecimentos.

Todos esses elementos dão conta de que Jelsony Barnabé não estava no exercício regular da função policial. Mais, essa constatação, ao menos no que se refere ao delito de roubo, seria mais do que suficiente, nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, referida anteriormente, para afastar a competência da Justiça Federal.

Contudo, não se pode esquecer que a hipótese em tela traz à baila o cometimento de dois crimes em concurso material: roubo e concussão. Restou imputado ao denunciado Jelsony Barnabé a co-autoria no delito previsto no artigo 316 do Código Penal por ter exigido de Luiz Édson Bracht uma determinada quantia em dinheiro sob a ameaça de levá-lo para delegacia em Curitiba.

Tal circunstância, diga-se, influi substancialmente na definição da competência. O ilícito de concussão, por se encontrar localizado no Capítulo I - "Dos crimes praticados por funcionário público contra a Administração em geral" -, parte do Título XI - "Dos crimes contra a Administração Pública" - tem como elemento central e constituidor de seu objeto jurídico a própria Administração Publica, consoante apresentado por Damásio Evangelista de Jesus, in verbis:

"A espécie visa a proteger o normal desenvolvimento dos encargos funcionais, por parte da Administração Pública e na conservação e tutela do decoro desta. De forma secundária, protege-se também o patrimônio do particular contra a forma especial de extorsão cometida pelo funcionário, que se vale, para a prática do delito, da função que desempenha, empregando-a como meio de coação para a obtenção de seus fins." (Código Penal Anotado, Editora Saraiva, 13ª Edição, 2002, p.958).

Outrossim, a descrição típica da conduta é incisiva ao definir a concussão da seguinte forma: "Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida" (grifei).

Ou seja, configuraria delito contra a Administração Pública Federal o fato de um policial federal, ainda que fora de sua função, mas em razão dela, obter vantagem indevida de terceiro, mesmo que de forma indireta.

Nos acontecimentos ora sub judice, apesar de o réu Jelsony Barnabé não estar desempenhando oficialmente suas atribuições policiais, não se pode descartar por completo que tenha empregado sua condição de policial federal para intimidar a vítima da suposta concussão. Nesse sentido, depoimentos dos autos, em que pese em certos momentos se mostrarem contraditórios entre si, dão conta de que o referido apelante chegou a ingressar na casa de Luiz Édson Bracht juntamente com seu amigo Carlos (fls. 43/46, 67/68, 70/72, 90/91 e do apenso) o que lhe dava a plena condição de ter participado do ato extorsivo. Aliás, toda a operação geradora dos delitos denunciados foi desencadeada a partir da providência do próprio Jelsony Barnabé em procurar a Polícia Civil.

Por fim, entendo correto que a preliminar de competência deva ser trabalhada em caráter inicial, melhor dizendo, a partir dos fatos narrados na exordial e considerando que os réus os tenham, em tese, praticado.

Nesses termos, o reconhecimento da incompetência da Justiça Federal se imporá ao julgador apenas quando, de antemão, perceber a inexistência de qualquer elemento deflagrador de dano à Administração Federal. A confirmação da materialidade e autoria ficam remetidos para a posterior discussão de mérito, momento em que as provas dos autos serão detalhadamente analisadas para se buscar a certeza quanto à ocorrência e participação efetiva dos demandados nos fatos que lhe são apontados pelo órgão ministerial.

Mais, em se tratando de delitos conexos, como é o presente caso, a absolvição do denunciado ou a desclassificação do crime que gerou a competência federal provocará a perpetuação da jurisdição, nos termos postos pelo artigo 81 do Código de Processo Penal.
O referido dispositivo legal, inclusive, vem reforçar a tese de que o exame da competência se faz a priori, ou seja, quando do recebimento da denúncia, sem impedir que o magistrado, após realizada a fase instrutória, chegue a conclusões diversas daquelas obtidas inicialmente, levando à absolvição do acusado ou à desclassificação do ilícito, mas sem alterar a competência federal inicialmente constatada.

Diante desses argumentos, havendo o réu sido denunciado pela participação em delito contra a Administração Pública Federal, na modalidade do artigo 316 do Código Penal, não vejo como possa prosperar o reconhecimento da competência da Justiça Comum Estadual.

Outra preliminar suscitada diz com a inépcia da inicial. Todos os acusados alegam que a narrativa dos fatos na denúncia deixou de indicar a conduta individualizada de cada um, impossibilitando o regular exercício do direito de defesa.

O artigo 41 do Código de Processo Penal estipula que "(...) a denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, (...)".

O texto imputa ao órgão ministerial a incumbência de incluir na exordial acusatória todas aquelas peculiaridades que cercaram o fato delitivo, sejam elas elementares ou acidentais, e que possam, de alguma maneira, influenciar na tomada da decisão e no momento de fixação de uma possível pena.

Essa conclusão não é diversa naquelas hipóteses em que se está diante de ilícitos praticados mediante concurso de agentes. Assim, em regra, "a denúncia deve especificar a conduta de cada um" (Fernando Capez, Curso de Processo Penal, Editora Saraiva, 9ª Edição, 2003, p. 132) dos envolvidos, seja como co-autor, seja como partícipe.

Tal regra, contudo, admite exceções quando as circunstâncias particulares do caso concreto não possibilitam, prima facie, uma segmentação precisa da atuação de cada uma dos réus na obtenção de um resultado criminoso para o qual se tem a convicção de que, de alguma forma, contribuíram.

Doutrina e jurisprudência são tranqüilas neste sentido. O processualista antes referido registra que a descrição exata das condutas de cada um dos co-autores e partícipes "nem sempre é possível, o que tem levado os tribunais a admitir a narração genérica da conduta dos co-autores e dos partícipes, devendo o autor apenas deixar bem clara a existência das elementares do concurso de agentes (CP, art. 29)." (Curso de Processo Penal, Editora Saraiva, 9ª Edição, 2003, p. 132).

Outra não é a opinião exarada por Guilherme de Souza Nucci ao referir, in verbis:

"96.

Denúncia genérica no concurso de pessoas: tem-se admitido ofereça o promotor uma denúncia genérica, em relação aos co-autores e participes, quando não se conseguir, por absoluta impossibilidade, identificar claramente a conduta de cada um no cometimento da infração penal. Ilustrando, se vários indivíduos ingressam em um bar desferindo tiros contra os presentes, para matá-los, pode tomar-se tarefa impossível à acusação determinar exatamente o que cada um fez, isto é, quais e quantos tiros foram disparados por A e quem ele efetivamente atingiu. O mesmo em relação a B, C ou D. E mais: pode ser inviável apontar o autor do disparo e aquele que apenas recarregava a arma para outros tiros serem dados. O primeiro seria o autor e o segundo, o participe. Nessa hipótese, cabe o oferecimento de denúncia genérica, sem apontar, separadamente, a conduta atribuível a cada um dos acusados. Outra solução seria inadequada, pois tornaria impuníveis aqueles que soubessem camuflar seus atos criminosos, ainda que existam nítidas provas apontando-os, todos, como autores do crime. Entretanto, se as condutas estiverem bem definidas no inquérito, cabe ao promotor individualizá-las corretamente na denúncia, para que esta não se tome inepta. (...)". (Código de Processo Penal Comentado, Editora Revista dos Tribunais, 3ª Edição, 2004, p. 141).

Neste mesmo sentido, trago as seguintes ementas do Superior Tribunal de Justiça:

"PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DENÚNCIA. INÉPCIA.

I - A denúncia, a princípio, não se afigura inepta quando, atendendo o disposto art. 41 do CPP, descreve, em tese, fato típico, com as suas respectivas circunstâncias, a qualificação do acusado, a classificação do ilícito penal e o rol das testemunhas (Precedentes).

II - Em se tratando de crimes que envolvem um grupo de pessoas, a jurisprudência desta Corte tem admitido a prescindibilidade de descrição pormenorizada da participação de cada um dos acusados (Precedentes).

III - Recurso desprovido." (RHC 14929/PR, 5ª Turma, Relator: Min. Félix Fischer, DJU 15.12.2003);

"CRIMINAL. HC. DUPLICATA SIMULADA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS. DENÚNCIA GENÉRICA. ADMISSIBILIDADE. HIPÓTESE DE CO-AUTORIA E, NÃO, DE PARTICIPAÇÃO DIVERSA. INSTRUÇÃO NECESSÁRIA. MATERIALIDADE DELITIVA. ILEGALIDADE NÃO-VERIFICADA. ORDEM DENEGADA.

(...)

II. Não é inepta a denúncia que não descreve, pormenorizadamente, a conduta dos denunciados, quando, ainda que sucinta, não obstrui nem dificulta o exercício da mais ampla defesa.

III. Tratando-se de crimes de autoria coletiva, de difícil individualização da conduta de cada participante, admite-se a denúncia de forma mais ou menos genérica, por interpretação pretoriana do art. 41 do CPP. Precedentes.

IV. Hipótese de delito praticado em concurso de agentes, na forma de co-autoria e, não, de participação diversa, quando então seria necessária a descrição da conduta do partícipe em sentido estrito.

V. Ressalva de que somente a instrução poderá esclarecer e pormenorizar de que forma os réus participaram dos fatos narrados.(...)" (HC 23714/RS, 5ª Turma, Relator: Min. Gilson Dipp, DJU 03.02.2003).

No caso em tela, não restam dúvidas quanto à presença de um concurso de agentes. Outrossim, a denúncia, nos termos da transcrição efetuada no relatório deste voto, mostrou-se genérica, descrevendo os fatos sempre na terceira pessoa do plural, não se eximindo, porém, de imputar a todos os cinco denunciados uma efetiva e igual participação na realização dos verbos nucleares dos artigos 157 e 316 do Código Penal.

Esse quadro, conforme as diretrizes apresentadas anteriormente, não é suficiente para produzir a inépcia da inicial. Ademais, é preciso ter claro que as peculiaridades da hipótese sub judice não deixavam outra alternativa senão a de uma denúncia igualmente abrangente para todos os acusados.

De fato, o inquérito policial contou apenas com os testemunhos da própria vítima e de seu advogado - Luiz Laerte de Araújo -, as únicas pessoas que teriam presenciado, in locu, a atuação criminosa dos demandados. Ambas descreveram a coação exercida pelos réus para obtenção de quantia em dinheiro e a subtração de bens de Édson Luiz Bracht se reportando à expressão "policiais". Ou seja, foram os policiais que "arrombaram a porta"; que "se identificaram como policiais da polícia Federal"; que "retiraram o pacote" de cédulas falsas plantado no bolso da jaqueta; "disseram se tratar de dólares falsos"; que "disseram que queriam fazer um 'acerto'" e que "antes de saírem os elementos furtaram gêneros diversos" (fls. 04/05, apenso).

Destarte, a única conclusão plausível a ser retirada do conteúdo das descrições apresentadas ao Delegado Federal, e posteriormente levadas ao Ministério Público Federal, é a de que, unidos por um liame subjetivo comum de exigir vantagem econômica de Luiz Édson Bracht e de retirar diversos utensílios domésticos da residência do mesmo, todos os denunciados contribuíram para a produção dos resultados ilícitos, num verdadeiro sistema de cooperação criminosa. Dentro desse contexto homogêneo de participação, ainda que um dos indivíduos relacionados na peça exordial não tenha, especificamente, pronunciado as palavras que constrangeram a vítima a fornecer a suposta quantia em dinheiro, ou, ainda, não tenha subtraído algum dos objetos de Luiz Édson Bracht, desejava e compactuava com a realização de tais ações por um de seus comparsas.

Ainda, cumpre lembrar que a simples presença dos réus na casa da vítima, todos armados, já seria motivo configurador da intimidação, elemento típico presente tanto no roubo quanto na concussão. Não se pode esquecer, dentro da linha seguida pelo nosso Código Penal em matéria de concurso de agentes - Teoria Monista - que "só há um crime para todos os co-autores e partícipes" (Código Penal Comentado, Celso Delmanto e outros, Editora RENOVAR, 5ª Edição, 2000, p. 58), os quais responderão pelo ilícito "na medida de sua culpabilidade".

Por fim, toda a nulidade que é suscitada no processo criminal só pode ser acolhida se presente e demonstrado algum prejuízo para a parte que o alega. No presente caso, todos os réus, não obstante admitirem a realização de uma operação policial junto à casa de Luiz Édson Bracht, negaram, reiteradamente, o cometimento das condutas delitivas descritas na denúncia e apresentaram as suas respectivas versões para os acontecimentos. Assim, ainda que o caráter genérico da acusação tivesse trazido alguma dificuldade para elaboração de teses impugnativas, ocorre que os fatos restaram efetivamente contestados nos autos, não havendo se falar, portanto, em vício decorrente do cerceamento de defesa.

A terceira preliminar, argüida por Jelsony Barnabé, diz com a nulidade decorrente da omissão da sentença recorrida em analisar todos os argumentos ventilados em sede de alegações finais (fls. 204/209).

Não merece melhor sorte ao apelante. O mero cotejo entre as insurgências oferecidas por Jelsony Barnabé no prazo do artigo 500 do Código de Processo Penal e a sentença de fls. 549/591 é suficiente para concluir que não houve omissão alguma por parte da magistrada de 1º Grau, na medida em que enfrentou as questões atinentes à incompetência da Justiça Federal, à inépcia da inicial, à ausência de provas para condenação e à impossibilidade do enquadramento no crime de quadrilha.

Por outro lado, os recorrentes Antônio Ockner, Sérgio Roberto Achinitz e Júlio Tadeu do Amaral postularam a ocorrência de vício processual oriundo da inobservância do procedimento especial previsto no artigo 514 do Código de Processo Penal.

A argüição de nulidade não merece ser acolhida. A não abertura do prazo para apresentação de defesa preliminar é causa de nulidade relativa, segundo entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, cujo reconhecimento exige que a parte demonstre a ocorrência de efetivo prejuízo, situação não demonstrada nestes autos.

Ademais, tratando-se de ação penal em que a denúncia é instruída com Inquérito Policial, a observância de tal rito é totalmente dispensável. Corroborando esse entendimento, segue o julgado:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA NACIONAL. ARTIGO 1º, INCAÍO II, DA LEI Nº 8.137/90. FORO COMPETENTE. ARTIGO 514 DO CÓDIGO PENAL. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. INQUÉRITO POLÍCIAL. AMPLA DEFESA ASSEGURADA. SIMULAÇÃO DE EXPORTAÇÃO DE CIGARROS E BEBIDAS. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS.

(...)

2. afastada a preliminar de nulidade, pela ausência de notificação prévia para o crime de peculato (art. 514 do Código de processo Penal), porque, tendo havido a prévia instauração de inquérito policial antes do oferecimento da denúncia, inclusive precedido de processo administrativo, restou assegurado ao réu o exercício da ampla defesa, mormente quando não demonstrado qualquer prejuízo pela inexistência da notificação para apresentação da defesa preliminar.(...)"(TRF-4ª Região, 7ª Turma, ACR Nº 2000.70.08.000015-2/PR, Rel. Des. Federal Néfi Cordeiro, DJU: 13/07/2005, p. 667).

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 330 (DJ: 20-09-2006, p. 232), in verbis:

"É desnecessária a resposta preliminar de que trata o artigo 514 do Código de Processo Penal, na ação penal instruída por inquérito Policial".

Também é o entendimento pacificado nesta Turma:

"PECULATO. PRELIMINARES DE CERCEAMENTO DE DEFESA.(...)

(...)

2. A violação à regra inserta no caput do art. 514 do CPP, que determina a notificação do réu para apresentar defesa escrita antes do recebimento da denúncia ou queixa, Somente tem aplicação nos casos em que a denúncia não estiver instruída com o inquérito policial. Precedente.(...)" (ACR n.º 2004.04.01.039462-4/PR, 8ª Turma, Rel. Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz, julg. 30-03-2005, in DJ 20-04-2005, p. 1103);

"PENAL. PROCESSO PENAL. EQUIPARAÇÃO A FUNCIONÁRIO PÚBLICO. DENÚNCIA APTA. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. ART. 514 DO CPP. PECULATO.

(...)

3. Não há cerceamento de defesa quando a ausência de notificação para defesa preliminar não causa prejuízo ao réu, que, por ocasião do oferecimento de denúncia sequer mantém a condição de funcionário público, mormente se a acusação for precedida de inquérito policial e procedimento administrativo investigatório.(...)" (ACR n.º 2001.04.01.059115-5/SC, 8ª Turma, julg. 28-09-2005, in DJ 19-10-2005, p. 1261).

Não se olvide que o Supremo Tribunal Federal vem esboçando possível alteração da jurisprudência sobre a dispensabilidade da defesa preliminar do artigo 514 do Código de Processo Penal, conforme se denota do HC 85779/RJ, julgado em 28/02/2007.

Vale dizer, até 2007 a defesa preliminar era considerada dispensável, de forma pacífica em jurisprudência, tanto que a matéria foi sumulada. Ora, se os atos processuais regem-se pelas normas vigentes na data de sua realização, a falta de notificação para que os réus apresentassem a defesa preliminar, quando os autos eram precedidos de inquérito policial, não pode ser considerada violadora do devido processo legal, pois embasada em jurisprudência consolidada à época em que o ato processual deveria ter sido realizado - no caso dos autos, em fevereiro de 1995.

O que não se afigura adequado é que, a cada alteração da composição dos Tribunais Superiores, a cada mudança de entendimento naquelas Cortes, se anule tudo o que foi feito até então. Não é possível a alteração retroativa dos critérios jurídicos adotados pela autoridade judiciária para a interpretação da lei. Isso se traduziria em insegurança jurídica, situação essa que, se não pode ser banida do sistema processual contemporâneo, ao menos deve ser minimizada. A mudança de entendimento jurisprudencial pode, pois, motivar atos futuros, mas nunca a reversão de atos processuais preclusos, mormente quando não houve prejuízo para a defesa na realização do ato conforme o entendimento da época.

Por fim, cumpre salientar que o mesmo Supremo Tribunal Federal, também em recente julgado, decidiu que o procedimento previsto nos artigos 513 e seguintes do Código de Processo Penal reserva-se aos casos em que são imputados aos réus apenas crimes funcionais típicos (STF-HC 95.542), conforme a seguir transcrito:

"HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. NECESSIDADE DE DEFESA PRÉVIA. ART. 514 DO CPP. DENÚNCIA QUE IMPUTA AO PACIENTE, ALÉM DE CRIMES FUNCIONAIS, CRIMES DE QUADRILHA E DE USURPAÇÃO DE FUNÇÃO PÚBLICA. PROCEDIMENTO RESTRITO AOS CRIMES FUNCIONAIS TÍPICOS. ORDEM DENEGADA.

I - A partir do julgamento do HC 85.779/RJ, passou-se a entender, nesta Corte, que é indispensável a defesa preliminar nas hipóteses do art. 514 do Código de Processo Penal, mesmo quando a denúncia é lastreada em inquérito policial (Informativo 457/STF).

II - O procedimento previsto no referido dispositivo da lei adjetiva penal cinge-se às hipóteses em que a denúncia veicula crimes funcionais típicos, o que não ocorre na espécie. Precedentes.

III - Habeas corpus denegado." (HC 95969 / SP, Relator Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Julgamento: 12/05/2009).

Na hipótese, os réus foram denunciados não só pelo delito previsto no artigo 316 do Código Penal, mas também pelos do artigo 288 e 157, caput, §2º, inciso II, do mesmo diploma legal. Logo, aplica-se ao caso vertente o entendimento exposto no HC/73.099, segundo o qual " Tendo a denúncia imputado (...) crimes funcionais e não funcionais, não se aplica o disposto no art. 514 do C.P.P., como entendeu esta Corte no julgamento do HC 50664 (RTJ 66/365 e segs.), ao salientar: 'Bastante é que a denúncia classifique a conduta do réu em norma que defina crime não funcional, embora nela inclua também o de responsabilidade, para se afastar a medida prevista no art. 514 do C. Pr. Penal'".

Afasto, portanto, a preliminar de nulidade do processo pela inobservância do artigo 514 do Código de Processo Penal.

Por derradeiro, antes de adentrar no meritum, importa consignar serem prescindíveis para solução do feito as diligências requeridas por Antônio Ockner, Sérgio Roberto Achinitz e Júlio Tadeu do Amaral. Primeiro, porque o inquérito policial nº 299/93, presidido pelo réu Antônio Ockner - Delegado da Polícia Civil -, referente às investigações sobre uma quadrilha envolvida na aplicação do chamado "golpe do chute", já está anexado ao processo, consoante às fls. 123/158 do apenso. Segundo, porque a oitiva judicial da suposta vítima dos crimes (Luiz Édson Bracht), pedido este reiterado na petição das fls. 723/724, pode ser suprida caso o conjunto probatório produzido durante a instrução processual se mostre consistente, ainda que por meio de indícios, para confirmar as informações prestadas por Luiz Édson Bracht na Delegacia da Polícia Federal.

Passo ao exame do mérito, sendo indispensável alertar para o disposto no artigo 580 do Código de Processo Penal, no sentido de que "no caso de concurso de agentes (Código Penal, art. 25), a decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros".

A inicial acusatória imputou aos recorrentes a prática dos delitos de concussão e roubo (artigos 316 e 157 do Código Penal). Narrou que os denunciados, em atuação conjunta, no dia 30/07/93, na cidade de Arapongas/PR, invadiram a residência de Luiz Édson Bracht, criaram uma situação de flagrância de moeda falsa e o constrangeram a pagar a quantia de US$ 100.000,00 (cem mil dólares) sob a ameaça de o conduzirem preso à Delegacia da Polícia Civil em Curitiba/PR. Ademais, referiu que os co-acusados, ao deixarem a residência da vítima, levaram consigo um veículo Fiat Uno Mille, dinheiro e diversos objetos domésticos.

A demonstração segura dos fatos efetivamente praticados pelos co-denunciados e, por derivação, a definição das figuras típicas aplicáveis ao caso, requerem um apanhado do complexo quadro probatórios dos autos.

Primeiramente, não há dúvidas de que os co-réus realmente estiveram na cidade de Arapongas/PR e adentraram na casa de Luiz Édson Bracht. Nenhuma tese defensiva se opôs a essa constatação.

Ademais, consoante fundamentado pela magistrada a quo, os depoimentos prestados pelos co-réus nas esferas policial e judicial revelaram versões contraditórias para os acontecimentos.

Neste ponto, indispensável lançar, previamente, o teor desses pronunciamentos na Polícia Federal, nos seguintes termos:

"(...) QUE mais ou menos há uma semana atrás, recebeu uma ligação telefônica de um amigo seu de longa data (dezessete anos), de nome CARLOS ROMILDO SUSKI, em sua residência, tendo o mesmo contado ao declarante que teria recebido uma proposta para comprar dinheiro na base do 'três por um', na região norte do estado; (...) QUE passados uns três ou quatro dias depois, CARLOS voltou a contactar com o declarante, contando que estivera em Arapongas/PR tratando do negócio de dinheiro, e que teria recebido dos mesmos umas notas de Cr$ 500.000,00 (quinhentos mil cruzeiros), no total aproximado de Cr$ 3.000.000,00 (três milhões de cruzeiros) e que aquele dinheiro era para ser mostrado a quem eventualmente estivesse interessado, tendo comunicado isso também para policiais civis desta Capital, pois depois de o declarante examinar uma das cédulas mostradas por CARLOS, achou que não se tratava de moeda falsa, mas sim a aplicação do 'golpe do chute'; QUE fez então contato com o policial GUIDO, no CPC/SSP/PR, (...), pessoa conhecida, passando o serviço; QUE na quinta-feira passada, dia 29.03.93, recebeu uma nova ligação, desta vez de GUIDO, dizendo para o declarante viajar até Arapongas/PR, acompanhado de CARLOS, para mostrar a casa utilizada pelos indivíduos que haviam feito a proposta; (...), e assim fez contato com CARLOS, marcando a viagem para Arapongas/PR na manha do dia seguinte, sexta-feira, dia 30.07.93, tendo no horário marcado, às 03:00 horas da madrugada, se encontrado com o pessoa da Polícia Civil, em frente ao prédio já mencionado, e também com CARLOS; QUE dos policiais civis lá estavam, SÉRGIO, AMARAL, GUIDO e o Delegado que lhe foi apresentado, somente não conhecia este último, de nome 'NORK'; (...) QUE dali saíram com destino a Arapongas/PR, o declarante, conduzindo seu veículo, acompanhado Policial Civil SÉRGIO, e CARLOS seguiu com seu veículo acompanhado do Policial Civil AMARAL, e os demais, o Delegado e duas vítimas do 'golpe do chute' seguiram numa Camioneta Belina, cor branca, do Departamento de Polícia Civil, não ostensiva, tendo GUIDO permanecido na Capital; (...) QUE para chegarem no local, o Delegado deixou a Belina afastada daquela casa, tendo as duas testemunhas permanecido no carro, e o Delegado seguido com o veículo monza de CARLOS, (...), os policiais civis, o Delegado , SÉRGIO e AMARAL, adentraram na casa, tendo dado voz de prisão ao único elemento que lá se encontrava; QUE nessa oportunidade o declarante se encontrava fora do veículo, em frente à casa, (...) QUE o declarante entrou então na casa para ver o elemento, chamado CARLOS para fazer o reconhecimento daquela pessoa, como sendo o mesmo que havia lhe dado o dinheiro, tendo CARLOS reconhecido positivamente o indivíduo como sendo o envolvido no golpe; QUE depois, quando o declarante e CARLOS estava em frente a porta da casa, lá chegou uma pessoa aparentando de idade, alto, com uma Parati bordô, dizendo-se Advogado e entrando no imóvel; QUE essa pessoa permaneceu um tempo na casa, saindo depois, não mais retornando durante o tempo em que o declarante lá esteve; QUE logo depois também saíram os policiais civis e o indivíduo preso, (...), sendo que disseram ao declarante para seguir na frente, com destino a Curitiba/PR, tendo embarcado no seu carro juntamente com o Policial AMARAL, e os demais, SÉRGIO, o Delegado e o preso, seguiram para o carro de CARLOS, tendo dado um tempo e seguido o carro do declarante; (...) QUE o pessoal do monza, como vinham logo atrás, prestaram socorro no acidente, e depois passaram na concessionária onde apanharam o declarante e AMARAL que estava junto; QUE o acidente ocorreu por volta das 13:30 horas, tendo retornado a esta Capital no Monza de CARLOS, acompanhados de AMARAL e SÉRGIO, sendo que, antes de CARLOS o pegar na concessionária, o mesmo deixou o Delegado na Belina(...)" (Inquérito Policial, Jelsony Barnabé - fls. 43/46);

"(...) QUE no dia 29 de julho do corrente ano, porém não tem muita certeza, Chefiou uma diligência na cidade de Arapongas/PR, sendo que sua equipe era composta por dois policiais civis, sendo os investigadores AMARAL e SÉRGIO, mais quatro vítimas e um policial federal, sendo as vítimas de nomes CARLOS, JOÃO e outros dois que não se recorda os nomes, também não se recordando do nome do policial federal; QUE, a vinda do policial federal e das quatro vítimas foi para apontar a localização do escritório, onde possivelmente ocorrera a oferta de 3 x 1 (golpe do chute), (...) QUE, o declarante após a busca no escritório, saiu com a Belina branca, pertencente à Polícia Civil para uma direção, sendo que o policial federal, com o seu Verona, um Monza preto, pertencente a uma das vítimas e o Uno preto que fora apreendido, seguiram por outro rumo, saída para a PR, sentido Curitiba, porém só no meio do caminho é que tomou conhecimento que o Verona havia colidido com outro veículo, em Arapongas/PR, (...) QUE, esclarece ainda, que o policial federal não participou das buscas realizadas no escritório, (...)" (inquérito policial, Antônio Ockner - fls. 64/65);

"(...) QUE, no dia 30 de julho do corrente ano, no período vespertino, participou de uma diligência na cidade de Arapongas/PR, sendo que a equipe era composta por seu colega Investigador AMARAL e mais o Delegado ANTÔNIO OCKNER, da 11 ª Delegacia de Polícia, mais quatro vítimas e um policial federal, (...) QUE, o Declarante e o seu colega AMARAL, tomaram conhecimento do serviço e informara o Delegado OCKNER, que já estava investigando o caso, e depois só acompanharam o Delegado nas Diligências (...), esclarece que o senhor LUIZ EDSON BRACHT, foi algemado, porém enquanto diligenciavam comparecem na residência dois advogados, momento em que foi retirado as algemas de EDSON e saindo estes posteriormente retornaram com mais um advogado; (...) QUE as últimas pessoas a sair da residência de LUIZ EDSON BRACHT foram o Declarante e o Delegado; QUE, o Declarante foi designado para conduzir o Fiat preto até Curitiba; QUE após as diligências, saíram rumo a PR que vai a Curitiba, primeiramente o policial federal com o seu veículo Verona, em companhia do policial AMARAL, e as duas quadras do local, vieram a colidir com outro veículo, sendo que por ser caminho, rumo a saída, o Declarante, conduzindo o Fiat Uno preto e o Delegado conduzindo uma Belina branca oficial, chegaram até o local do acidente e lá permaneceram, sendo que depois do Detran ter registrado a ocorrência, o Verona foi levado para a Agência Ford ARAVEL, em Arapongas/PR, e o Monza preto conduzido por PAULO ou CARLOS, foi apanhar o policial federal BARNABÉ na ARAVEL; QUE na estrada é que o monza alcançou, já com o policial BARNABÉ, os alcançou; QUE o declarante não foi até a firma ARAVEL/FORD, em Arapongas/PR (...)" (inquérito policial, Sérgio Roberto Achinitz - fls. 67/68);

"(...) sendo que sua equipe era composta por seu colega SÉRGIO ROBERTO e mais o Delegado ANTÔNIO OCKNER, mais três vítimas e um policial federal, sendo que uma das vítimas é de nome CARLOS, e os outros dois elementos não conhece, sendo que o policial federal é amigo do Declarante, de nome BARNABÉ; (...) que o senhor LUIZ EDSON BRACHT, não foi algemado, porém enquanto diligenciavam compareceu a residência do mesmo um advogado, (...) QUE, o declarante era o passageiro do Verona pertencente ao policial federal BARNABÉ, que veio a colidir com outro veículo dentro da cidade de Arapongas/PR; QUE, após as diligências, saíram rumo a PR que vai a Curitiba, acompanhados do Monza preto de CARLOS, e não pode precisar se os outros veículos os acompanhavam; QUE após a colisão foi chamado o DETRAN, registrada a ocorrência, o Verona foi levado para a Agência Ford ARAVEL, em Arapongas/PR e, o Declarante o seguiu no Monza preto de CARLOS; (...) QUE, o policial federal BARNABÉ não participou das diligências, somente acompanhou, e junto com CARLOS apontou onde era a residência de LUIZ EDSON BRACHT, entrando uma só vez na residência, acompanhado de CARLOS, ocasião em que CARLOS fez o reconhecimento de EDSON;(...) " (inquérito policial, Júlio Amaral - fls. 70/72)

"(...) QUE, em uma oficina mecânica da cidade de Araucária conheceu o sr. ÉDSON, que lhe propôs uma negociata de trocar uma nota de quinhentos mil cruzeiros, em valores da época, por quatro notas de quinhentos mil cruzeiros, e que segundo ele era 'nota boa',; QUE, o referido dinheiro era procedente de Brasília, sendo que possuía a mesma série de outras notas já em circulação; QUE, o declarante esclarece que levou ao sr. Edson a quantia de treze mil dólares, e ficou no aguardo de receber em notas de quinhentos mil cruzeiros o quádruplo, referente à conversão do dia; QUE, o tempo foi passando e por não receber o dinheiro, procurou JELSONY BARNABÉ, seu amigo particular, que posteriormente apresentou-lhe o Delegado ANTÔNIO OCKNER, o qual já estava diligenciando sobre o golpe; QUE, tendo em vista o declarante já saber onde EDSON morava, deslocaram-se até a cidade de Arapongas, sendo que o declarante veio com seu veículo, um Monza de cor preta, acompanhado de um policial civil, sendo que o Policial Federal Jelsony, veio em companhia de outro policial civil, em seu veículo, um Verona de cor azul, e o Delegado veio em uma Belina, com mais duas vítimas; QUE, quando chegaram na residência de EDSON, em Arapongas/PR, todos adentraram, sendo que o declarante, por determinação do policial, foi para seu veículo e ficou aguardando; QUE, quando encontrava-se em seu veículo foi abordado por policiais civis de Arapongas/PR, sendo conduzido até a Delegacia local, e lá esclareceu que se tratava de uma operação policial, sendo que era vítima e os policiais eram da capital;(...)" (inquérito policial, Carlos Rumildo Natal da Silva - fls. 90/91).

Das transcrições acima se retiram diversas incompatibilidades, tais como:

a) Jelsony Barnabé se equivocou em relação ao nome de Carlos Rumildo Natal da Silva, um "amigo particular" que lhe procurou requerendo sua opinião sobre uma proposta recebida para o câmbio de moedas. O mesmo engano cometeu com o nome de Antônio Ockner, delegado da Polícia Civil que teria apresentado ao referido amigo em razão de já estar participando de investigações relativas à aplicação do "golpe do chute" no norte do Estado do Paraná;

b) À exceção do agente federal Jelsony Barnabé, nenhum outro demandado citou a figura de "Guido" na organização da equipe de policiais que efetuaria as diligências investigativas em Arapongas/PR;

c) Na versão apresentada por Jelsony Barnabé, Carlos Rumildo não chegou a ser vítima efetiva do "golpe do 3x1", porém, em face das peculiaridades da oferta recebida por seu amigo, o policial federal decidiu contactar com o policial civil "Guido" para lhe passar o caso;

d) Carlos Rumildo, por sua vez, informou "que levou ao sr. Édson a quantia de treze mil dólares, e ficou no aguardo de receber em notas de quinhentos mil cruzeiros o quádruplo, referente à conversão do dia; QUE, o tempo foi passando e por não receber o dinheiro, procurou JELSONY BARNABÉ, seu amigo particular, que posteriormente apresentou-lhe o Delegado ANTÔNIO OCKNER". Ou seja, Carlos Rumildo já teria sofrido o golpe da quadrilha de estelionatários quando recorreu ao agente da Polícia Federal. No mesmo sentido se revelaram as declarações de Carlos Rumildo no Inquérito Policial nº 299, dando conta de que teria sido atingido pelo "golpe do chute" (fls. 130 e verso, apenso);

e) Os co-réus não chegaram a um consenso quanto ao número de supostas vítimas do "golpe do chute" que se dirigiram a Arapongas/PR para auxiliar na identificação dos supostos participantes da organização criminosa - 03 (três) ou 04 (quatro) -.

f) Colidem, igualmente, os dados a respeito da atuação de Jelsony Barnabé na operação executada em Arapongas/PR. Enquanto os policiais civis referem que o referido apelante apenas adentrou na casa no momento de efetuar o reconhecimento de Édson Luiz Bracht, acompanhando Carlos Rumildo, este afirma que "quando chegaram na residência de EDSON, em Arapongas/PR, todos adentraram, sendo que o declarante, por determinação do policial, foi para seu veículo e ficou aguardando".

e) Carlos Rumildo é o único a referir um incidente com a Polícia Civil da cidade de Arapongas/PR durante a permanência dos demais acusados no interior da casa. Diversamente, a citada interferência, a qual, inclusive, teria acarretado o encaminhamento de Carlos Rumildo à Delegacia da Polícia Civil daquela localidade, sequer foi mencionada por Jelsony Barnabé, participante que, segundo alguns depoimentos, também teria permanecido na rua, em frente à residência da vítima Luiz Édson Bracht;

f) Jelsony Barnabé referiu que deixou a casa de Luiz Édson Bracht em seu carro (Verona), na companhia de Júlio, sendo seguido de perto pelo veículo de Carlos Rumildo (Monza), onde também se encontravam os réus Sérgio, Antônio e também a vítima presa. No momento em que se envolveu no acidente de trânsito, sustentou "que o pessoal do monza, como vinham logo atrás, prestaram socorro no acidente, e depois passaram na concessionária onde apanharam o declarante e AMARAL que estava junto; QUE o acidente ocorreu por volta das 13:30 horas, tendo retornado a esta Capital no Monza de CARLOS, acompanhados de AMARAL e SÉRGIO, sendo que, antes de CARLOS o pegar na concessionária, o mesmo deixou o Delegado na Belina". Tal versão é confirmada por Júlio. Assim, segundo estes dois envolvidos, não houve a apreensão do Fiat Uno preto encontrado na casa de Luiz Édson Bracht. Diversamente, Antônio e Sérgio defenderam que o primeiro pegou a Belina da Polícia Civil enquanto o segundo passou a dirigir o Fiat Uno apreendido. Entretanto, estes mesmos divergiram entre si ao narrarem quem presenciou o acidente automobilístico sofrido por Jelsony Barnabé. Antônio afirmou ter tomado uma direção diversa dos demais policiais, de maneira que só ficou sabendo do incidente no meio do caminho para Curitiba. Sérgio, contudo, aludiu que "conduzindo o Fiat Uno preto e o Delegado conduzindo uma Belina branca oficial, chegaram até o local do acidente e lá permaneceram".

Conforme se denota, diversas são as contradições encontradas entre as declarações prestadas pelos denunciados na esfera policial.

Não bastasse, outras divergências podem ser garimpadas nos depoimentos judiciais dos mesmos, conforme se observa a seguir:

"(...) Que a colisão foi na cidade de Arapongas e o interrogado tinha se deslocado até aquela localidade à pedido do co-réu Carlos Rumildo, porque este tinha sido vítima de 'golpe do chute, ou golpe do três por um', o qual teria sido aplicado pela pessoa de Luiz Édson Bracht. Que não esteve no escritório do advogado Luiz Édson de Araújo. Que esteve em frente de uma residência, na porta da casa, mas do lado de fora, sendo que se tratava de uma operação da polícia civil. Que os policiais civis, acompanhados de um delegado, de nome Antônio Ockner, adentraram na residência, mas o interrogado não participou. Que ali estava apenas na condição de acompanhante. Que em nenhum momento se identificou como policial federal. (...) Que viajou de Curitiba para Arapongas em um dia em que estava de folga, sendo que levou consigo o policial civil de nome Sérgio. Que retornou da viagem no mesmo dia, mas de carona com o co-réu Carlos. Que não viu nada no carro do réu Carlos. Que não viu se alguém saiu da residência de Luiz Édson Bracht com um veículo UNO MILLE, porque foi embora do local antes do término da operação da polícia civil, (...)" (Jelsony Barnabé - fl. 32);

"(...) Que viajou em uma Belina da polícia civil pertencente ao 11º distrito da capital, juntamente com o delegado Antônio Ockner e o co-réu Júlio Tadeu do Amaral. Que chegando em Arapongas encontrou-se com os co-réus Carlos Rumildo e Jelsony Barnabé, em frente da residência de Luiz Édson Bracht. Que inicialmente não adentrou na residência, sendo que percebeu a aproximação de um rapaz, que vendo a presença de policiais evadiu-se do local, sendo que o interrogado correu atrás do referido rapaz, mas não o alcançou, Que retornou à residência e adentrou na mesma. No interior da residência já estavam os co-réus Antônio e Júlio, bem como a pessoa de Luiz Édson Bracht. Que o co-réu Jelsony permaneceu do lado de fora; que não viu se o co-réu Carlos Rumildo adentrou na residência. Que a pessoa de Luiz Édson Bracht estava detido. (...) Que o interrogado saiu com o veículo Uno Mille e, como os outros carros não lhe seguiam retornou até o local, sendo que neste momento viu o veículo de Jelsony Barnabé, batido. Tempos depois estacionou o Uno Mille em frente à concessionária Aravel para que os co-réus Jelsony e Júlio Tadeu viessem para Curitiba com o interrogado. (...). Que foi embora da residência antes do co-réu Jelsony. (...)" (Sérgio - fl. 33);

"(...) Que o interrogado viajou em uma viatura da polícia civil, um automóvel Belina, juntamente com os co-réus Antônio Ockner e Sérgio Roberto. Que os co-réus Jelsony e Carlos Rumildo viajaram em seus respectivos carros, um Verona e um Monza. Que foram se encontrando no percurso, sendo certo que chegaram juntos à cidade de Arapongas. Que o co-réu Carlos, que era amigo de Jelsony Barnabé, foi quem indicou o local da residência de Luiz Édson Bracht. Que adentraram na residência, não sabendo dizer se a mesma foi aberta pela pessoa de Luiz Édson, especialmente porque ficou de atalaia em outro lugar. Que adentraram na residência o interrogado, o delegado Antônio Ockner e o policial Sérgio. Que Jelsony não entrou na residência, não sabendo esclarecer quanto ao co-réu Carlos Rumildo. (...) Que se recorda que posteriormente esteve na empresa Aravel. Que retornou para Curitiba no veículo Uno Mille.(...)" (Júlio - fl. 37).

As divergências podem ser assim resumidas:

a) Na nova história apresentada por Jelsony Barnabé é possível observar que seu amigo Carlos Rumildo aparece como vítima efetiva do golpe do chute aplicado pela pessoa de Luiz Édson Bracht;

b) Jelsony Barnabé informou que estava acompanhado do policial civil Sérgio, contradizendo a narrativa prestada pelos outros dois co-denunciados no sentido de que teriam seguido para o interior do Paraná em companhia do delegado Antônio Ockner no automóvel Belina da corporação;

c) Sérgio e Júlio apontam, em franca oposição aos termos lançados por Jelsony Barnabé no inquérito policial, que o grupo não partiu junto de Curitiba/PR para o município de Arapongas/PR. Ademais, nem mesmo estes dois policiais civis concordaram entre si, pois, conforme o primeiro, ao chegarem em Arapongas encontraram com "os co-réus Carlos Rumildo e Jelsony Barnabé, em frente da residência de Luiz Édson Bracht". Já o segundo, referiu que "foram se encontrando no percurso, sendo certo que chegaram juntos à cidade de Arapongas";

d) Jelsony Barnabé aduziu ter deixado a residência de Luiz Édson Bracht antes dos demais co-demandados, não sabendo, portanto, que um veículo Fiat Uno Mille preto acabou apreendido ao final da diligência policial. Não confere, portanto, com os pronunciamentos de Sérgio e Júlio. Aquele informou, explicitamente, que "foi embora da residência antes do co-réu Jelsony". De outra forma, ambos os co-réus esclareceram que naquele mesmo dia retornaram à Curitiba no Fiat Uno Mille, juntamente com Jelsony Barnabé, que fora apanhado na autorizada da Ford em Arapongas após haver deixado seu carro, avariado, para consertos.

Após esse apanhado de informações desencontradas, não há se olvidar que as teses defensivas carecem de uma versão uníssona para os acontecimentos. Tal realidade, em que pese comprometer bastante a credibilidade dos depoimentos dos co-acusados e de estabelecer um conjunto indiciário em desfavor deles, não dispensa uma suplementação probatória que, com um patamar seguro de certeza, confirme a efetiva exigência de vantagem indevida (artigo 316) e a subtração de objetos (artigo 157) pelos policiais denunciados em detrimento de Luiz Édson Bracht.

A aludida suplementação probatória busca amparo na flagrante irregularidade da ação policial desenvolvida pelos co-acusados.

De fato, impossível abstrair que esses mesmos réus, todos policiais dotados de considerável experiência profissional, com armas de fogo em punho, e, ao que tudo indica (fl. 32, apenso), efetuando disparos, invadiram a casa de Luiz Édson Bracht sem estarem amparados por ordem judicial de busca e apreensão ou de prisão e, ademais, sem qualquer indício da existência de uma situação de flagrância.

Convém aludir que no inquérito policial nº 299/93 (fls. 123/158, apenso), instaurado em 04/07/1993 para investigar o envolvimento de Luiz Edson Bracht na aplicação do chamado "golpe do chute", existe um pedido de autorização para realização de diligências na cidade de Arapongas/PR, formulado pelo co-réu Antônio Ockner ao Delegado Chefe da Divisão de Polícia, em 29/07/93 (fl. 138, apenso).

Contudo, no dia seguinte (30/07/93), mesmo sem uma resposta ao seu pleito, ao menos registrada nos autos do inquérito nº 299/93, e desprovido de uma autorização judicial que permitisse a invasão domiciliar do suspeito Luiz Edson Bracht, Antônio Ockner e os demais co-acusados rumaram para Arapongas/PR.

Outrossim, digno de nota, também, que o veículo utilizado por Jelsony Barnabé, um Ford Verona, estava com placas falsas, demonstrando, ao que tudo indica, um intuito de dificultar uma possível identificação.

Além da irregularidade funcional na conduta dos co-réus, pesa em desfavor destes a narrativa posta por Luiz Édson Bracht, a vítima, na seara extrajudicial, nos seguintes termos (fls. 04 e verso, apenso):

"(...) Que na última sexta-feira, por volta das 10:00 horas, sendo certo que no dia 30.07 do corrente ano, se encontrava em seu escritório de representações, anexo à sua residência, no endereço supra mencionado, quando ali chegaram cinco elementos, os quais viu que ocupavam dois veículos, um verona e um monza preto, e os elementos pularam por sobre o muro e vieram em direção à porta de entrada, que estava fechada; Que bateram, mas não tendo se identificado e vendo o declarante que os referidos elementos estavam com armas em punho, não abriu a porta e acabaram por arrombá-la; Que tendo adentrado, se identificaram como policiais da polícia Federal e um deles veio até o declarante com um pacote em suas mãos e o colocou no bolso de sua jaqueta e após lhe disse: 'é um flagrante' e retiraram o pacote do seu bolso, abriram e colocaram sobre sua escrivaninha e disseram se tratar de dólares falsos; Que diante da negativa do declarante que dizia que não tinha dólares falsos e assim passaram a revirar a casa do declarante 'à procura do restante dos dólares'; Que a cada interferência do declarante para se defender, era agredido fisicamente, com empurrões; Que os policiais disseram que queriam fazer um 'acordo' e lhe disseram para que chamasse um advogado, pois só assim 'acertariam'; Que chamou seu advogado, Dr. Luiz Laerte de Araújo; Que uma vez o advogado já na residência os policiais alegando a condição de flagrante, sob ameaça de levá-lo para Curitiba 'ainda de torturas', de fazê-lo confessar à força qualquer delito que quisessem, exigiram a quantia de Cem mil Dólares, quantia essa que não possuía e diziam que não aceitariam cheque do declarante; Que o advogado lhe deu uma piscada e entendeu que o mesmo emitiria cheques e assim 'chorou um pouco' e conseguiu um desconto e o advogado acabou por emitir dois cheques, um deles no valor de Cr$ 780.000,00 (setecentos e oitenta mil cruzeiros reais) e outro no valor de Cr$ 4.000.000,00 (quatro milhões de cruzeiros reais); Que após terem recebido os cheques, ainda lhe furtaram vinte e três milhões de cruzeiros, em dinheiro, um relógio Dumon, novo, e ainda se apropriaram de um veículo Uno Mille, ano 91/91, placas BHA 5215, o qual havia emprestado de José Antônio Quirino, sendo que o documento estava no interior do mesmo; Que após os fatos relatados, já tendo saído o advogado, o declarante foi liberado e de carona com os elementos ia até o centro da cidade, quando um dos veículos que ocupavam se envolveu em acidente de trânsito, sendo o veículo Verona; Que ali se separaram e quando retornou até a residência; Que esclarece que antes de saírem os elementos furtaram gêneros diversos, que relaciona a seguir: 01 circulador de ar; 01 calculadora; 06 garfos e facas tramontina; 03 colheres inox; 01 faca de cozinha grande com cabo de madeira; 02 vassouras e um rodinho; 04 guardanapos; 02 sacos de limpeza; 01 lt wiski; 01 conhaque; 01 litro de cinzano; 01 litro de Martini; 02 garrafas de vinho; 01 litro de vodka Orlof; 02 Ks de sabão em pó; 02 litros de sabão líquido; 06 sabonetes; 10 litros de conservas; 01 tábua de picar carne; 01 bacia plástica; 06 sabões em pedra; 04 desinfetantes para banheiro; Caixa de bombril; flanelas de limpeza; 03 bancos inox com acento de veludo; 02 toalhas de banho e duas de rosto; 01 tapete capacho; 01 lata plástica para mantimentos; 01 bandeja inox oval; 01 bandeja inox retangular; 01 aperitiveiro inox oval; 01 saca rolhas e abridor de garrafas; 01 porta-gelos térmico; 01 pegador de gelo inox; 01 campanhia para escritório; 02 aparelhos telefônicos, com disco; 01 caneta Detar-test; 06 copos de cristal para wiskis e seis para água; 06 copos de cristal fosco para água; 02 jogos de cortinas quatro peças; 03 cinzeiros; 01 garrafa térmica inox; 01 aspirador de pó Idrovap, completo; 06 espetos para churrasco, inox e seis de duas lâminas; Que esses objetos foram acondicionados nos veículos que ocupavam;(...)" (fl. 04, verso e 05, apenso).

O advogado Luiz Laerte de Araújo corroborou a exigência de valores (fl. 98, verso), estatuindo que, atendendo um chamado de seu cliente para comparecer em sua residência, lá chegando se deparou com os denunciados, até então policiais federais, imputando a Luiz Édson Bratch uma situação de flagrância no delito de moeda falsa e o envolvimento em uma organização criminosa do "golpe do chute". Aludiu, ainda, ter recebido uma proposta dos acusados no seguinte sentido:

"(...) que contornariam a situação em troca de uma quantia de CEM MIL DÓLARES ou então levariam o detido para Curitiba-Pr, onde o obrigariam assinar interrogatório e fariam divulgações pela Imprensa, envolvendo 'GENTE BOA' desta cidade de Arapongas. O queixoso, como estratégia para que seu cliente não fosse levado para a Capital, emitiu dois cheques do Banco Unibanco S/A agência de Arapongas; nos valores de cr$ 780.000,00 (setecentos e oitenta mil cruzeiros reais ou equivalente a dez mil dólares) e outro cheque no valor de cr$ 4.000.000,00 (quatro milhões de cruzeiros reais), com a data de 03 de agosto de 1993, sobre números 213637 e 213638. Que, o cheque de menor valor, as pessoas que se diziam policiais ficaram de vir receber nesta cidade de Arapongas, no dia 02 de agosto de 1993, diretamente com o queixoso e que fariam um acordo para pagamento do parcelamento do outro cheque, pois do contrário, fariam estardalhaço através da Imprensa e o queixoso, além de advogado, também é vice-prefeito do Município e que , para evitar o seu envolvimento em divulgações difamantes é que vem registrar o presente BO como também para sustar o pagamento dos documentos emitidos.(...)".

Em juízo, apesar de repisar a prática da exigência indevida de dinheiro pelos denunciados, esta mesma testemunha alterou parte do conteúdo de suas declarações anteriores, passando a informar que a vítima teria sido confundida com a pessoa de "Luiz Cavalcante" (fl. 120), um suposto líder de uma quadrilha atuante naquela região, e que, após realizados os devidos esclarecimentos, os agentes policias passaram a efetuar ameaças e a determinar o pagamento de US$ 100.000,00 (cem mil dólares).

O referido encontro, no interior da casa de Luiz Édson Bracht, acabou corroborado por outro advogado - William Charles -, colega de Luiz Laerte de Araújo, ao explicitar, em seus pronunciamentos, os seguintes acontecimentos:

"(...) QUE, no dia 30 de julho do corrente ano, o Dr. LAERTES solicitou-lhe que fosse até a residência de LUIZ ÉDSON BRACHT, a fim de saber o que estava acontecendo, sendo que para lá se deslocou em companhia do Dr. SEBASTIÃO FERREIRA DO PRADO, também advogado, e quando lá chegaram, foram atendidos por uma pessoa que solicitou a presença do Dr. LUIZ LAERTES DE ARAÚJO; QUE, ambos retornaram até o escritório, e em companhia do Dr. LAERTES, voltaram até a residência de ÉDSON, ocasião em que o mesmo e mais algumas pessoas, juntamente com o Dr. LAERTES reuniram-se em um dos cômodos da casa, sendo assim o declarante e o Dr. SEBASTIÃO não tomaram conhecimento do que ocorreu na reunião, salientando que foi um dos indivíduos que lá se encontrava que solicitou a ausência de ambos; (...)"

Além disso, a sentença condenatória se reportou a boletos bancários do Unibanco (fl. 99, apenso), consistentes na ordem de sustação do pagamento de dois cheques - nºs 213637 e 213638 -, emitidos por Luiz Laerte Araújo, como alusivos, em tese, ao pagamento da quantia indevidamente exigida pelos co-acusados.

No que pertine aos bens supostamente subtraídos da residência de Luiz Edson Bracht, há de se consignar que no porta-malas do veículo Ford Verona de Jelsony Barnabé, deixado em uma concessionária na cidade de Arapongas/PR (ARAVEL) para reparos nas avarias provenientes de uma colisão de trânsito, foram encontrados dois objetos que se assemelhavam com aqueles descritos pela vítima no seu boletim de ocorrência.

Por certo, o Laudo de Exame da Polícia Federal expôs que "no interior do bagageiro do veículo havia estilhaços de vidro e plástico, um circulador de ar marca 'LOREN SID' medindo aproximadamente 56 cm de comprimento, 18,7 cm de largura e 43 cm de altura, um pote porta-gelo de plástico transparente marca 'TERMOLAR' medindo aproximadamente 7 cm de altura com diâmetro superior de 6,5 cm e diâmetro inferior de 6,5 cm e uma pá para lixo pequena de plástico na cor azul, estando todos os objetos danificados;" (fl. 84, apenso), dos quais, os dois primeiros guardam uma certa correspondência com "01 circulador de ar; (...) 01 porta-gelos térmico" descritos por Luiz Édson Bracht no seu boletim de ocorrência (fls. 04/05, apenso).

A presente constatação acabou confirmada pela prova testemunhal de Marcos Eduardo Valério, funcionário na loja da ARAVEL responsável pelo atendimento prestado a Jelsony Barnabé no dia 30.07.1993. Em seu depoimento indicou a presença de um Fiat Uno escuro e de alguns objetos no Ford Verona entregue para reparos, nos seguintes termos:

"QUE o declarante é recepcionista da firma ARAVEL, especializada em veículo FORD; QUE no dia 30, de julho do corrente ano, por volta das 16:00 horas compareceu na firma uma pessoa que se dizia ser JELSONY BARNABÉ, dirigindo um veículo Ford Verona de cor Cinza Londres metálico, abalroado na lateral direita, o qual abriu o porta-malas e retirou uma mala grande e vários objetos, colocando-os num UNO escuro; QUE restando ainda no porta-malas do Verona um circulador de ar, uma pá de plástico de pegar lixo, um baldinho de gelo, esclarecendo que todos os objetos estava avariados, supondo que tenha acontecido em virtude do abalroamento;(...)" (fl. 31, apenso).

Em juízo, na data de 09.10.1996, mais de 03 (três) anos após os acontecimentos, a testemunha voltou a referir que no pátio da concessionária o réu Jelsony Barnabé "tirou alguns objetos do interior do" automóvel Verona e os transportou para um outro veículo "pequeno", "não se recordando se era um Gol ou Uno ou ainda um Corsa" (fl. 111).

Cumpre aludir, por fim, especialmente no que se refere ao caráter intimidatório da atuação dos co-acusados, que no depoimento da testemunha Osvaldo de Oliveira, soldado da Polícia Militar que registrou a ocorrência de trânsito referente à colisão do carro de Jelsony Barnabé, constaram as seguintes informações:

"(...) QUE o depoente é Soldado da Polícia Militar, lotado em Arapongas; QUE no dia 30 de julho do corrente ano, por volta das 13:30 horas, atendeu uma ocorrência na Rua dos Tucanos com a Rua Corruiras; QUE quando lá chegou deparou-se com 02 veículos albarroados, sendo que a pick Fiat, placas RH-3601, que trafegava na Rua dos Tucanos sentido centro/cemitério, que teve a sua frente interceptada por um Veículo VERONA de placas ADA-6544; QUE o motorista do Verona identificou-se como JELSONY BARNABÉ, Agente da Polícia Federal, informando o depoente que as placas verdadeiras do veículo é ADU-9433, sendo que a placa que estava sendo usada no Verona é 'fria'; QUE o mesmo JELSONY informou que o carro que vinha atrás dele, um UNO preto, dirigido por um Delegado, que estava junto com ele, quase engavetou no Verona; QUE o depoente só sabe que o motorista do FIAT era Delegado, porém não se recorda do nome do Delegado, salientando que, junto com ele tinha três ou quatro pessoas; QUE dentro do veículo VERONA tinha bastante armamento, recordando-se de uma escopeta e um revólver e várias munições, sendo que existiam alguns cartuchos deflagrados; QUE o Sr. FANTIN, pessoa conhecida do depoente o informou que no fundo de sua residência, ou melhor na residência contígua, as pessoas que estava envolvidas no acidente automobilístico, efetuaram disparos; (...)" (fl. 32, apenso).

Observa-se que o Policial Militar, além de citar a existência de armamento e cápsulas deflagradas no interior do veículo avariado, consignou a informação prestada por um terceiro - Sr. Fantin -, vizinho de Luiz Édson Bracht, no sentido de que as pessoas envolvidas no acidente teriam efetuado disparos com armas de fogo.

Em resumo, para fins de materialidade dos crimes previstos nos artigos 316 (concussão) e 157 (roubo) do Código Penal, pode-se agrupar os seguintes elementos de convicção:

a) pronunciamentos defensivos repletos de contradições;

b) notícia de irregularidades na atuação policial dos denunciados;

c) depoimentos da vítima (Luiz Edson Bracht) e de seus advogados (Luiz Laerte Araújo e Willian Charles);

d) boleto bancário indicativo da sustação de 02 (dois) cheques;

e) objetos encontrados no porta-malas do veículo Ford Verona de Jelsony Barnabé;

f) depoimento de duas testemunhas: Marcos Eduardo Valério, funcionário na loja da ARAVEL (concessionária Ford em Arapongas/PR), e Osvaldo de Oliveira, o soldado da Polícia Militar que registrou a ocorrência de trânsito.

Esse conjunto de provas deve ser analisado com certo vagar.

Primeiramente, as divergências nas declarações dos co-réus, não obstante lhes comprometerem a verossimilhança, referiram-se, tão-somente, a circunstâncias secundárias dos fatos criminosos, tais como: onde se encontraram para viagem à cidade de Arapongas, quem foi com quem, o número de vítimas que acompanhou a diligência, a apreensão, ou não, do veículo Fiat Uno, o momento em que saíram da casa, etc.

Não há nenhuma incompatibilidade que diga, especificamente, com a forma como se desenrolou a operação policial dentro da casa. Em geral todos afirmaram a mesma coisa: foram até Arapongas com objetivo de investigar a suposta participação de Luiz Édson Bracht na aplicação do conhecido "golpe do chute". Lá chegando, invadiram a casa do suspeito, detiveram-no e não encontraram provas para incriminá-lo. Nesse meio tempo, três advogados chegaram no local para prestar auxílio ao seu cliente.

Ademais, os pronunciamentos dos denunciados, apesar das divergências, se mostraram uniformes no sentido de que não houve a exigência de dinheiro aduzida pela suposta vítima nem a subtração dos objetos de sua casa.

Além disso, a suspeita de que Luiz Édson Bracht participasse de uma quadrilha especializada na aplicação do chamado "golpe do chute", motivo alegado pela defesa para justificar a incursão dos co-denunciados à cidade de Arapongas/PR, recebeu amparo no reconhecimento de três pessoas vitimadas pelas suas supostas fraudes, conforme constou no inquérito policial nº 299/1993 (apenso):

"(...) QUE, ali chegando estava um elemento no Escritório o qual o declarante RECONHECEU de imediato como sendo um dos elementos que lhe aplicaram o golpe aqui em Curitiba, o qual identificou-se como sendo ÉDSON e que estava usando um Fiat Uno de cor preta (...)" ( Raulino Lúcio Ávila, fl. 142, apenso);

"(...) Que ao chegarem no local indicado pelo declarante, foram atendidos pelo elemento de nome ÉDSON o qual foi quem abrira a porta para o declarante entrar quando estava acompanhado do elemento Roberto na ocasião em que o Dr. Luiz lhe dera as duas notas de quinhentos mil cruzeiros falsas; (...)" (João Batista da Silva, fl. 143, apenso);

"(...) QUE, lá chegando o depoente ao entrar no escritório, de imediato reconheceu o elemento que ali estava, e que identificou-se como Édson, como sendo o mesmo elemento que também identificou-se como sendo Édson, aqui em Curitiba, que juntamente com Roberto e Luiz lhe 'aplicaram um golpe', levando os oitocentos mil cruzeiros. (...)" (Altemir Carlos da Silva, fl. 144, apenso).

Segundo, os abusos praticados pelos agentes policiais - falta de mandado de busca e apreensão ou de prisão, as placas frias do veículo de Jelsony Barnabé, por exemplo -, fixam, do ponto de vista funcional, um caráter nitidamente irregular e reprovável para atuação dos co-réus. Assim, como indícios, servem, indubitavelmente, de auxílio à prolação de um juízo condenatório, desde que robustecidos por outras provas indicativas da efetiva prática da concussão e do roubo.

Terceiro, em sede recursal, a principal prova para condenação, consistente no depoimento da vítima, sofreu forte revés com a retratação extrajudicial apresentada nesta Corte, nos seguintes termos (fl. 741):

"(...) que relativamente aos fatos ocorridos no dia 29 de julho de 1993, quando residia nesta cidade de Arapongas-PR, ocasião em que, nas primeiras horas da manhã, teve seu escritório de representações invadido por alguns policiais da cidade de Curitiba-PR, os quais fizeram em seu estabelecimento uma busca alegando que ali estava ocorrendo prática de estelionato e inclusive que tais policiais chegaram a lhe dar voz de prisão feito isto referidos policiais ao se retirarem, alegando que um veículo Fiat Uno estava em poder do declarante estava com o chassi com problemas, fizeram a apreensão do mesmo e se retiram deram uma carona para o declarante que iria até a Rodoviária, mas ao saírem do escritório com o veículo de um dos policiais houve uma colisão e este veículo ficou seriamente avariado ocasião em que o declarante pode observar que no porta-malas daquele veículo havia alguns objetos tais como (um circulador de ar, baldes de gelo, uma pá de lixo e alguns outros objetos que no momento não se recorda). Que relativo a estes fatos ocorridos em seu escritório o declarante, tendo ficado receoso de represálias por parte dos policiais, por sugestão de seu advogado foi até a Delegacia e fez um Boletim de Ocorrências. É este fato que o declarante quer esclarecer. Na verdade aqueles policiais não retiraram nada de seu escritório e o declarante tendo visto aqueles objetos no interior do veículo acima referido e tendo ficado com muito receio de represália por parte daqueles policiais colocou no boletim de ocorrências aqueles objetos e acrescentou outros que estava no escritório naquele boletim que fez na Delegacia, mas quer esclarecer que acrescentou aqueles objetos por sugestão de seu advogado Doutor Laerte Araújo que lhe disse (isso mesmo pode acrescentar todos esses objetos) como já disse, nenhum objeto foi subtraído da casa e quanto a isto o declarante quer se retratar. No entanto quer deixar claro que houve a invasão do seu estabelecimento e inclusive o declarante foi agredido com empurrões e acusado de marginal. Esclarece também que da apreensão do veículo Uno, recebeu uma cópia do Auto de Apreensão que lhe foi fornecido pelo Delegado que estava comandando aqueles serviços da Polícia, o qual lhe disse que tão logo as perícias do veículo fossem feitas o mesmo lhe seria devolvido. Também não foi subtraído dinheiro do Escritório como declarou no Boletim, pois naquele dia tinha somente uns trocados no bolso e jamais teve importâncias tão grandes em seu estabelecimento. (...) Esclarece mais que os policiais que invadiram seu escrito estavam armados, no entanto, em nenhum momento o declarante foi ameaçado com arma de fogo (Sob Minuta).(...)".

Denota-se, portanto, que Luiz Édson Bracht reafirmou, tão-somente, que os policiais invadiram seu estabelecimento, armados, e que chegaram a lhe agredir com empurrões e acusações, afastando, por completo, a anterior acusação de exigência de valores e subtração de objetos.

Mais, passados dois anos da retratação de Luiz Édson Bracht, o seu advogado - Luiz Laerte de Araújo - também prestou declarações em cartório afastando os delitos outrora imputados aos policiais recorrentes, no seguintes termos (fls. 772):

"(...) declara também que em dia 29 ou 30 de Julho de 1993, pela manhã, sua presença foi solicitada por Luiz Edson Bracht, no local de trabalho do mesmo, pios ele estava com problemas com os policiais de Curitiba-Pr. O outorgante declarante dirigiu-se ao local de trabalho do Sr. Luiz Edson, e ali constatou que realmente havia policiais de Curitiba, que estavam procedendo a algumas buscas no interior daquele logradouro (local onde se encontrava o Sr. Luiz Édson Bracht). O outorgante declarante após verificar tratar-se de um trabalho oficial da Polícia Civil do Estado do Paraná, realizado por um Delegado de nome Antônio Ockner e uma equipe de Policiais também de Curitiba, dos quais só se lembra o nome de dois Agentes de nome JÚLIO Amaral e outro de nome Sérgio e verificando ainda não haver situação de flagrante para seu cliente, após conversar com aqueles policiais que o puseram a par dos trabalhos que estavam realizando, os quais haviam feito apenas a apreensão de um veículo marca FIAT, tipo UNO MILLE, por estar este com problemas no CHASSI, do qual a autoridade policial que se fazia presente, formalizou a apreensão, através do auto próprio e forneceu cópia do referido (Auto de Apreensão) ao proprietário do veículo, o outorgante declarante retornou para seu escritório. No entanto, no mesmo dia pela parte da tarde recebeu a visita de LUIZ EDSON BRACHT, o qual aparentava muito nervosismo, disse ao declarante que queria fazer o registro de uma ocorrência, pois estava com receio de que aqueles policiais retornassem e o prendessem. O outorgante declarante a princípio, tentou argumentar com Luiz Edson de que se tratava de um serviço de rotina da Polícia e não precisava se preocupar. No entanto Luiz Edson estava irredutível e disse que iria até a delegacia e formalizaria uma queixa contra os policiais e vendo o comportamento de Luiz Edson que estava bastante agitado, lhe disse para fazer a queixa, sem no entanto, acreditar que o mesmo fosse assim proceder. Esclarece ainda que Luiz Edson saiu de seu escritório e aproximadamente duas horas após retornou, desta vez, se fazendo acompanhar por alguns policiais da Sub Divisão Policial de Londrina-Pr, os quais disseram ao outorgante declarante que a situação estava bem complicada para eles, (policiais e Luiz Edson) e era preciso fazer uma ocorrência contra os policiais de Curitiba, pois do contrário todos iriam se dar mal, inclusive o outorgante declarante, eis que ele era advogado do Luiz Edson e precisaria defendê-lo. O outorgante declarante a princípio se recusou a tomar qualquer medida contra os policiais de Curitiba, pois no seu entendimento os mesmos nada haviam feito de ilegal, no entanto um dos policiais que ameaçou o outorgante declarante disse que se a bomba estourasse, levariam junto ele e sua família. O outorgante declarante, diante da ameaça, não teve outra alternativa senão colaborar com eles, foi então que por sugestão dos policiais de Londrina, entre eles, o próprio superintendente da Delegacia, do qual não se recorda o nome, que ali estava, foi feito aquele boletim de ocorrência que deu origem ao inquérito nº 206/93/PF, na Polícia Federal e por via das conseqüências a Apelação Criminal nº 2001.04.01.079272-0-TRF, esclarece ainda que seu cliente LUIZ EDSON BRACHT, realmente na época dos fatos fazia parte de uma quadrilha de estelionatários que aplicavam o chamado Golpe do Chute ou Três por Um, em toda região de Londrina e outras cidades vizinhas, cuja quadrilha era composta na sua maioria de policiais civis daqueles Municípios, tendo como seu principal mentor o Superintendente da Divisão Policial de Londrina. Esclarece que posteriormente ao ser ouvido no inquérito, no processo e mais tarde no Processo Administrativo confirmou a versão dada no Boletim de Ocorrência, por ainda se sentir sob ameaça e, quando juntamente com outros dois colegas de escritório esteve na casa onde se encontrava o Luiz Edson, conforme já se referiu, em momento algum percebeu qualquer irregularidade cometida pelos policiais de Curitiba, (policiais que estavam fazendo aquele serviço que envolvia seu cliente), também não são verdadeiras as afirmações que o declarante prestou contra estes policiais no Inquérito Policial e posteriormente no Processo na Justiça Federal e Processo Administrativo na Polícia Civil, quando afirmou que fez um acordo com os Policiais de Curitiba, tendo proposto um acerto de cem mil dólares para que este livrassem seu cliente do flagrante e que para tal acerto teria emitido cheque de sua propriedade correspondente ao valor de tal acerto, pois não fez nenhum acerto conforme se referiu em seus depoimentos naqueles processos, isto foi uma grande farsa montada pelos membros daquela quadrilha, tanto é que o outorgante declarante, propositadamente afirmou no inquérito policial, na Polícia Federal que teria feito tal acordo com o Policial Amaral e posteriormente no Processo Administrativo declarou que tal acordo fez com o Delegado Antônio Ockner e o declarante assim fez porque como já disse, foi coagido e ameaçado juntamente com sua família. Hoje, no entanto, não se sente mais ameaçado e pode fazer esta declaração em segurança porque aquela quadrilha foi desmantelada pela Polícia Federal, conforme consta dos autos de inquérito instaurado na PF.(...)"

Ambas as retratações ingressaram nos autos dias antes da realização das sessões de julgamento nas quais a presente apelação se encontrava pautada, nesta 8ª Turma. Coincidência ou estratégia de defesa, constata-se que, tirante pequenas diferenças na exposição de alguns detalhes, ambos os retratantes foram unânimes em reconhecer que, receosos de alguma retaliação policial à época dos fatos, optaram por imputar falsamente aos co-réus os delitos narrados no boletim de ocorrência.

Por óbvio, não se pode deixar de pensar que a presente retratação tenha origem numa atual ameaça ou promessa de favorecimento à suposta vítima - Luiz Édson Bracht - que, consoante informado nos autos, era suspeita de envolvimento com uma quadrilha de criminosos. Porém, como bem exposto no parecer ministerial, favorável à absolvição, "é lícito cogitar-se que a mudança de versões pela vítima e por seu advogado possam estar sustentadas em fatos outros que não vieram aos autos. Entretanto, é nas provas constantes nesses autos que o julgamento deve se sustentar." (fl. 799).

Dessa forma, não havendo nos autos elementos concretos suficientes para impugnar as presentes retratações, tenho que as mesmas não podem ser desconsideradas na formação do juízo de convicção, nada impedindo que outras provas, caso suficientemente consistentes, venham a amparar a condenação dos co-denunciados.

Quarto, relativamente ao depoimento da testemunha Willian Charles, colega Luiz Laerte Araújo, pode-se detrair que efetivamente houve a convocação do advogado de Luiz Édson Bracht para participar de uma reunião reservada com os policiais que haviam invadido a sua casa.

Tal realidade, diga-se, se coaduna com a chantagem supostamente feita pelos co-réus. Contudo, não bastasse a vítima e o próprio advogado Luiz Laerte Araújo terem se retratado quanto à referida exigência de US$ 100.000,00 (cem mil dólares), a testemunha Willian Charles, em que pese confirmar a realização de uma reunião, a portas fechadas, não presenciou a prática dos atos de "exigir" dinheiro nem de "subtrair" bens por parte dos denunciados.

Quinto, no que pertine à ordem bancária de sustação de cheques, eventualmente entregues por conta da concussão, merece destaque a alegação recursal no sentido da incapacidade de determinar, com precisão, se os referidos títulos de crédito foram sacados em favor dos réus.

De fato, não há notícia nos autos de que algum dos dois cheques foi encontrado em poder dos co-demandados, ou, ao menos, de que alguma pessoa tenha tentado descontá-los em alguma agência bancária, o que mantém plausível a tese da inexistência desses pagamentos.

Sexto, dentre os três objetos que comprovadamente estavam no porta-malas do veículo Ford Verona de Jelsony Barnabé, apenas dois - um circulador de ar e um balde térmico porta-gelos - guardavam relação de pertinência com a longa lista de bens que, segundo o boletim de ocorrências de Luiz Édson Bracht, teriam sido subtraídos de sua residência.

Mais, além de a suposta vítima jamais ter reconhecido como seus esses dois objetos encontrados no carro de Jelsony Barnabé, veio aos autos para aduzir, em sede de retratação, que "ao saírem do escritório com o veículo de um dos policiais houve uma colisão e este veículo ficou seriamente avariado ocasião em que o declarante pode observar que no porta-malas daquele veículo havia alguns objetos tais como (um circulador de ar, baldes de gelo, uma pá de lixo e alguns outros objetos que no momento não se recorda).(...). Na verdade aqueles policiais não retiraram nada de seu escritório e o declarante tendo visto aqueles objetos no interior do veículo acima referido e tendo ficado com muito receio de represália por parte daqueles policiais colocou no boletim de ocorrências aqueles objetos e acrescentou outros que estava no escritório naquele boletim que fez na Delegacia, mas quer esclarecer que acrescentou aqueles objetos por sugestão de seu advogado Doutor Laerte Araújo que lhe disse (isso mesmo pode acrescentar todos esses objetos) como já disse, nenhum objeto foi subtraído da casa e quanto a isto o declarante quer se retratar.(...)" (fl. 741).

Sétimo, apesar de a testemunha Marcus Eduardo Valério ter visto um circulador de ar, um balde de gelo e uma pá de lixo no veículo de Jelsony Barnabé, referiu que este "abriu o porta-malas e retirou uma mala grande e vários objetos, colocando-os num UNO escuro" (fl. 31, apenso), deixando de apontar qualquer detalhe que possibilite a vinculação entre "a mala grande e vários objetos" com algum dos outros bens listados no boletim de ocorrência de Luiz Édson Bracht.

Em contrapartida, a aludida testemunha indicou a presença de um veículo Fiat Uno escuro em poder dos co-réus. Neste ponto, porém, entendo não ser possível imputar aos co-acusados a subtração criminal desse automóvel na medida em que obscuro nos autos se a adulteração do seu número de chassis ocorreu antes ou após a operação policial na casa de Luiz Édson Bracht.

Oitavo, o depoimento da testemunha Osvaldo de Oliveira - PM que registrou a ocorrência de trânsito envolvendo Jelsony Barnabé - não aludiu, em momento algum, a presença de objetos de uso doméstico no interior dos automóveis Ford Verona e Fiat Uno guiados pelos co-acusados. Informou, apenas, que havia armamento e munição no veículo acidentado, bem como que uma testemunha - Sr. Fantin -, vizinho de Luiz Édson Bracht, teria ouvido disparos de arma de fogo efetuados pelos co-réus.

Tal elemento de prova, não obstante indicar o excesso na atuação dos policiais ao invadirem irregularmente a casa de Luiz Édson Bracht, em nada auxilia a demonstração da materialidade dos delitos de concussão e de roubo na medida em que não se reporta à exigência indevida de vantagem nem refere a presença de qualquer daqueles bens eventualmente retirados da residência da vítima.

Dessa feita, expostos e analisados os elementos probatórios contidos nos autos, entendo devidamente demonstrado que, no dia 30/07/1993, os co-réus se deslocaram até a cidade de Arapongas/PR para realizarem diligências decorrentes do inquérito que investigava o envolvimento de Luiz Édson Bracht em delitos de formação de quadrilha, estelionato e distribuição de moedas falsas (nº 299/93).

Ao chegarem no local, tirante algumas imprecisões nas narrativas fáticas, ingressaram na casa do então suspeito (Luiz Édson Bracht), sem o devido mandado judicial e efetuando disparos com armas de fogo, onde permaneceram por algum tempo.

Neste interregno, Luiz Laerte de Araújo, advogado de Luiz Édson Bracht, esteve no local e conversou reservadamente com os policiais.

No ponto, Luiz Édson Bracht e Luiz Laerte de Araújo, em que pesem as declarações do boletim de ocorrência, retrataram-se na esfera recursal para esclarecerem que não houve qualquer exigência indevida de valores por parte dos co-denunciados. Outrossim, testemunha (Willian Charles) e documentos (boletos de sustação de cheques) não se mostraram suficientes para embasar, por si sós, a responsabilidade dos policiais pela eventual acusação de concussão.

Após a aludida conversa com o advogado Luiz Laerte Araújo os co-acusados deixaram a casa do suposto investigado levando apenas um veículo Fiat Uno preto sob o argumento de que estaria com os chassis raspados. Não há elementos nos autos para aferir se a suposta irregularidade era anterior ou posterior a apreensão do automóvel.

Ademais, novamente ganha força a retratação de Luiz Édson Bracht no sentido de que não houve a subtração de inúmeros utensílios domésticos da sua casa por parte dos co-demandados. Tal versão encontra amparo na fragilidade das outras provas do processo. Por certo, à exceção de uma única testemunha (Marcus Eduardo Valério), que referiu ter visualizado no porta-malas de Jelsony Barnabé, de forma genérica, "uma mala grande e vários objetos", e, de forma específica, apenas um circulador de ar e um balde de gelo, estes jamais identificados como de propriedade de Luiz Édson Bracht, nada mais há que corrobore a suposta subtração de bens.

Posto esse quadro, há as duas condutas imputadas aos co-denunciados na exordial acusatória: a) a exigência de valores em razão da condição de policiais, enquadrada tipicamente como concussão; b) a posterior subtração, mediante grave violência e ameaça, de utensílios domésticos, dinheiro e de um veículo, classificada como roubo, mas que, a meu ver, melhor se adequaria à definição típica da extorsão (artigo 158 do Código Penal).

O resultado da contraposição entre as provas e os fatos denunciados, salvo melhor juízo, consiste em uma dúvida insanável quanto à materialidade delitiva que impede a manutenção da sentença condenatória recorrida e impõe, sob o amparo do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, a absolvição dos recorrentes.

Por certo, finda a instrução processual, a única conclusão precisa que se pode detrair, a meu ver, indica, tão-somente, uma atuação policial eivada de irregularidades e abusos dos co-acusados, passível, inclusive, de configuração, em tese, do delito de abuso de autoridade (artigo 3º, alínea 'b', da Lei nº 4.898/65), o qual, apenas a título de consideração, vez que não respaldado na denúncia, já se encontraria prescrito em abstrato.

As incertezas que permeiam a comprovação dos fatos denunciados influenciaram até mesmo a atuação do órgão ministerial que, após opinar pelo parcial provimento dos recursos em duas oportunidades - mantendo a condenação - (fls. 701/706 e 748/749), manifestou-se, ante as duas retratações apresentadas na esfera recursal, pela absolvição dos acusados à luz do princípio do in dubio pro reo. Deste parecer final, ao qual me filio, retiro os seguintes excertos:

"(...) Causa estranheza a mudança de versão apresentada pela vítima no documento da fl. 741, em 2006, e por seu advogado no documento da fl. 772, em 2008.

Apesar disso, é forçoso reconhecer que a partir das declarações prestadas nas escrituras públicas de declaração das fls. 741. e 772, tanto pela vítima como pelo seu advogado, nenhum dos crimes pelos quais foram condenados os recorrentes se sustenta.

O delito de concussão, consistente na exigência do montante de US$ 1000.000,00 (cem mil dólares), não mais subsiste em razão, principalmente, da alteração de versão do advogado Luiz Laerte, o qual afirmou ter sido uma farsa montada pela quadrilha que aplicava Golpe do Chute.

Nesse sentido, observa-se que a condenação pelo delito de concussão teve por base, além dos interrogatórios dos próprios réus, as seguintes provas:

a) oitiva da vítima Luiz Édson na fase policial, fls. 566/568;

b) depoimento do então declarante Luiz Laerte, fls. 568/569;

c) oitiva do advogado Willian Charles na fase policial, fl. 569, o qual afirmou apenas que Luiz Laerte foi chamado para uma reunião em um dos cômodos da casa, sem saber o assunto que foi tratado;

d) BO registrado por Luiz Laerte onde foram acostadas as guias de sustação dos supostos cheques passados para o pagamento do valor exigido, fl. 569;

e) depoimento das testemunhas Marco Eduardo Valério e Osvaldo Oliveira, fls. 569/571;

f) depoimento do proprietário do Fiat Uno, fls. 571/572;

g) testemunhas de defesa Milton Rodboard e Germano Nascimento Filho, fl. 572;

h) Auto de apreensão, laudo e documentos constantes nas fls. 06, 37/38, 39/41, 83/86 e 99 do inquérito, fl. 572.

Não se olvida que os depoimentos dos acusados foram contraditórios, como bem analisado pela magistrada sentenciante, fl. 565.

Entretanto, a vítima Luiz Édson e seu advogado Luiz Laerte desmentem a existência de exigência, por parte dos policiais, no montante de US$ 100.000,00 (cem mil dólares). Por outro lado, as demais provas citadas para fundamentar a prática do delito não são suficientes para, efetivamente, demonstrar sua ocorrência.

Do depoimento do advogado Willian Charles apenas é possível extrair que uma reunião a portas fechadas foi realizada, sem contudo saber o depoente, o assunto tratado. O BO com as guias de sustação dos cheques apenas trazem os números relativos às folhas destes, não havendo nenhuma outra informação acerca de se, efetivamente, se referem aos cheques supostamente emitidos pelo advogado Luiz Laerte.

As demais provas citadas, não são relativas, especificamente, ao delito de concussão, mas se referem à suposta irregularidade na execução da operação pela autoridade policial de Curitiba e da colisão com o veículo de um dos policiais.

Dessa forma, tendo em vista que as provas mais contundentes acerca da exigência dos valores por parte dos policiais - as declarações da vítima Luiz Édson e de seu advogado Luiz Laerte - foram desmentidas, restam dúvidas acerca do efetivo cometimento do delito por parte dos denunciados.

Com relação ao delito de roubo qualificado pelo emprego de arma de fogo e pelo concurso de pessoas, consistente na subtração de objetos domésticos, do veículo Fiat Uno e de dinheiro existente no escritório de Luiz Édson, a mesma situação se verifica.

A escritura pública constante na fl. 741 e verso dos autos, dá conta de que nenhuma subtração por parte dos policiais ocorreu, nem tampouco ameaça com arma de fogo. Afirma o declarante Luiz Édson que em relação aos objetos domésticos indicou no BO aqueles que viu no porta malas do veículo Verona envolvido na colisão, acrescentando alguns outros que tinha em seu escritório. Com relação ao veículo Fiat Uno, afirma ter recebido o devido Auto de Apreensão e, ainda, quanto ao dinheiro, refere não ter ocorrido qualquer subtração, porquanto nunca teve altas somas de dinheiro em seu escritório e estava, na ocasião, somente com alguns trocados.

Por sua vez, o advogado Luiz Laerte em sua escritura pública de declaração confirma a versão da vítima, afirmando ter recebido a visita desta, ocasião em que Luiz Édson disse que iria à polícia e iria colocar no BO que os policiais haviam retirado objetos e dinheiro de seu escritório. Confirma, também, que houve a entrega, por parte dos policiais, de Auto de Apreensão relativo ao veículo Fiat Uno.

Oportuno referir que a condenação pelo delito de roubo qualificado teve por base, além dos interrogatórios dos próprios réus, as seguintes provas:

a) oitiva da vítima Luiz Édson na fase policial, fls. 574;

b) depoimento das testemunhas Marcos Eduardo Valério, Osvaldo Oliveira, Luiz Laerte Araújo e Willian Charles, fl. 574;

c) Auto de apreensão, laudo e documentos constantes nas fls. 06, 37/38, 39/41 e 83/86 do inquérito, fl. 574.

Constata-se que, embora os objetos domésticos tenham sido identificados e restem descritos no auto de apreensão da fl. 06, bem como tenha a testemunha Marcos Eduardo Valério presenciado a existência destes no porta malas do veículo, o fato é que tanto a vítima Luiz Édson como seu advogado Luiz Laerte desmentem a subtração dos objetos por parte dos policiais, afirmando a existência de Auto de Apreensão do veículo Fiat Uno. Ainda, afirma a vítima não ter sido em momento algum ameaçada com arma de fogo.

Não há, pois, nos autos, qualquer outro elemento de prova que pudesse dar suporte à acusação de roubo, tendo, a partir das declarações acostadas nos autos, restado dúvida quanto à efetiva ocorrência do delito.

Cumpre destacar, por oportuno, que não se nega a existência de irregularidades na abordagem feita pelos denunciados, tais como a inexistência de mandado judicial, placas frias no veículo Verona, além das diversas contradições em seus interrogatórios. Contudo, tais irregularidades não foram objeto de denúncia específica, apenas os supostos delitos de roubo e concussão.

Ainda, é lícito cogitar-se que a mudança de versões pela vítima e por seu advogado possam estar sustentadas em fatos outros que não vieram aos autos. Entretanto, é nas provas constantes nesses autos que o julgamento deve se sustentar.

E o que está nos autos é uma espécie de retratação dos principais depoimentos nos quais estava embasada a investigação, a denúncia e a condenação. Desse modo, restaram dúvidas acerca da prática dos delitos pelos denunciados, dúvidas essas que militam em favor destes, razão pela qual outra alternativa não resta senão pronunciar suas absolvições.(...)" (fls. 794/799).

Ante o exposto, voto pelo provimento dos recursos para absolver os co-denunciados com base no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

Desembargador Federal Luiz Fernando Wowk Penteado
Relator

VOTO-VISTA

Pedi vista dos autos para melhor refletir sobre a matéria.

Trata-se de caso que apresenta uma série de peculiaridades, no qual, em síntese, a denúncia imputou a um grupo de policiais a prática dos crimes de extorsão, roubo qualificado e formação de quadrilha, fatos que foram cometidos durante uma diligência policial de busca e apreensão realizada sem ordem judicial, consoante, em um primeiro momento, relataram as vítimas.

Oito anos após a prolação da sentença condenatória (os fatos remontam a 1993), as testemunhas do fato, as vítimas, vêm a juízo, através de declarações firmadas em cartório, e afirmam que suas primeiras declarações eram inverídicas. Em outras palavras, reconhecem terem faltado com a verdade quando acusaram os policiais do cometimento dos aludidos delitos.

Ora, tenho que as contraditórias declarações prestadas pelos sujeitos passivos dos supostos atos ilícitos desafiam a Justiça Penal, devendo ser apreciadas com grande cautela. Se os depoentes forneceram declarações falsas durante a fase investigativa, nada impede que tenham faltado com a verdade uma segunda vez, agora em sede recursal, quando parece ter sido ultrapassado o lapso prescricional do delito correspondente ao ato em comento. Tenho como temerário acatar, de pronto, como fidedignas tais declarações, sobretudo diante da maneira através da qual foram prestadas, através de certidões firmadas em cartório. Não vejo como, sem quaisquer indagações, dar a elas maior credibilidade, em detrimento daquelas prestadas anteriormente.

Em síntese, entendo que a questão deve ser submetida a maiores esclarecimentos, como forma de se aferir a veracidade das informações recentemente coligidas ao feito. Dessa forma, em face do compromisso da justiça criminal para com a verdade real, proponho, em questão de ordem, que o presente julgamento seja convertido em diligência, para que, sob as penas da lei, sejam colhidos pelo Juízo de 1ª Instância que processou a presente ação os depoimentos pessoais das vítimas, de maneira a se reafirmar a veracidade de uma das informações fornecidas. A fim de que tal procedimento atinja os fins para o quais é proposto, deve ser assegurada a integridade física dos depoentes (e de seus familiares) pelas declarações que prestarão.

Outrossim, ainda no intuito de elucidar os fatos, entendo que deve ser enviado ofício ao Unibanco para que este informe se os cheques n.ºs 213.637 e 213.638, da conta n.º 108.368-3 (Agência de Arapongas/PR), foram apresentados em seu sistema de compensação, e, em caso positivo, para que sejam coligidas aos autos as respectivas microfilmagens, esclarecendo-se quem seria o beneficiário da operação.

Acolhidas ou não estas propostas, tenho que, na forma do artigo 40 do Código de Processo Penal, deve ser encaminhada cópia dos presentes autos ao Ministério Público Federal, para que se apure a existência de crime decorrente das contraditórias afirmações prestadas. Tal conteúdo deve ser enviado, também, à Seção paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil, para que tome as providências cabíveis no que pertine à conduta do advogado Luiz Laerte de Araújo.

Ante o exposto, proponho questão de ordem a fim de que o julgamento seja convertido em diligência, nos termos da fundamentação.

Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

D.E. Publicado em 01/10/2009




JURID - Concussão e roubo. Competência da Justiça Federal. [05/10/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário