Anúncios


quarta-feira, 7 de outubro de 2009

JURID - Uso contínuo de cigarros. Morte. Prescrição. Inocorrência. [07/10/09] - Jurisprudência


Apelação cível. Ação de indenização por danos morais. Uso contínuo de cigarros. Morte. Prescrição. Inocorrência.


Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG.

Número do processo: 1.0024.05.799917-9/001(1)

Relator: ROGÉRIO MEDEIROS

Relator do Acórdão: ROGÉRIO MEDEIROS

Data do Julgamento: 03/09/2009

Data da Publicação: 22/09/2009

Inteiro Teor:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - USO CONTÍNUO DE CIGARROS - MORTE - PRESCRIÇÃO - INOCORRÊNCIA - RESPONSABILIDADE DA FABRICANTE DE CIGARROS - TEORIA DO RISCO PROVEITO - DANOS MORAIS - FIXAÇÃO - PRUDENTE ARBÍTRIO DO JULGADOR - RECURSO PROVIDO. Extrai-se da petição inicial que a presente ação de indenização é fundada em responsabilidade civil de direito comum, art. 159 do Código Civil de 1.916, não em defeito ou erro do produto no instante de sua fabricação, pelo que, não incide ao caso a regra do art. 27 do CDC. Os fabricantes de cigarro de todo o planeta sempre tiveram conhecimento de que o cigarro vicia e causa inúmeras doenças. Assim, diante do conhecimento e da consciência dos malefícios causados pelo cigarro à saúde dos fumantes, não há dúvida de que a apelada, agindo dessa forma, cria conscientemente, o risco do resultado, assumindo, portanto, a obrigação de ressarcir. Não há dúvida de que a apelada sempre foi criadora do perigo e do risco causado pelo uso do fumo. A despeito de a recorrida saber e ter consciência dos malefícios e da dependência que o uso do cigarro causa, sempre se omitiu quanto às informações ou ações no sentido de minimizar tais malefícios e prejuízos advindos para o fumante. A "teoria do risco-proveito" considera civilmente responsável todo aquele que auferir lucro ou vantagem do exercício de determinada atividade, segundo a máxima "ubi emolumentum, ibi onus" (onde está o ganho, aí reside o encargo). "Na fixação do valor do dano moral prevalecerá o prudente arbítrio do julgador, levando-se em conta as circunstâncias do caso, evitando que a condenação se traduza em indevida captação de vantagem, sob pena de se perder o parâmetro para situações de maior relevância e gravidade." (Ap. 365.245-3/Alpinópolis, 1ª CCível/TAMG, Rel. Juiz Gouvêa Rios, 01/10/2002). APELO PROVIDO. V.v. Sendo manifestamente lícita a atividade desempenhada pela ré, consistente na produção e comercialização de cigarros, eventual responsabilização somente pode decorrer da constatação de desatendimento às regras que lhe são impostas. Não se caracteriza a responsabilidade civil da ré, se não provado o nexo entre a doença e o tabagismo, apesar da obviedade de que o cigarro causa várias doenças.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.05.799917-9/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): MARIA DE FATIMA ALMEIDA DIAS E OUTRO(A)(S) - APELADO(A)(S): SOUZA CRUZ S/A - RELATOR: EXMO. SR. DES. ROGÉRIO MEDEIROS

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 14ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM REJEITAR PREJUDICIAL DE MÉRITO, À UNANIMIDADE, E DAR PROVIMENTO, VENCIDO O REVISOR.

Belo Horizonte, 03 de setembro de 2009.

DES. ROGÉRIO MEDEIROS - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

Produziu sustentação oral, pela apelada, o Dr. Paulo Rogério Brandão Couto.

O SR. DES. ROGÉRIO MEDEIROS:

VOTO

Registro ter ouvido atentamente à sustentação oral ora proferida.

Cuida-se de recurso de apelação interposto por MARIA DE FÁTIMA ALMEIDA DIAS E OUTRO, qualificadas nos autos, contra sentença proferida em ação de indenização por danos morais movida contra SOUZA CRUZ S.A.

Alegam as autoras na inicial, em síntese, que em 12/08/1998 faleceu o sr. Waldemiro Custódio Dias, esposo da primeira e pai da segunda e terceira autoras vítima de edema agudo pulmonar e cardiopatia hipertrófica, complicações estas causadas pelo uso do cigarro produzido pela empresa ré.

A autora, MARIA DE FÁTIMA ALMEIDA DIAS, relata que se casou em 1973 e ao longo dos anos o falecido teve sua saúde debilitada em decorrência do uso do cigarro, o qual causou também diversos outros problemas, razão pela qual requereu a condenação da ré a uma indenização por danos morais.

Foi deferida assistência judiciária às autoras às fls. 34.

Citada, a ré apresentou contestação (fls. 45/80), alegando prescrição e como teses principais de mérito a questão do livre arbítrio e ausência de ilegalidade em sua conduta.

Ás fls. 630/631 foram deferidas as provas testemunhal e documental, que foram produzidas às fls. 635/682 e 724/725 respectivamente. Além disso, foi realizada AIJ com depoimento pessoal da autora MARIA DE FÁTIMA ALMEIDA DIAS e ouvidas três testemunhas.

Sobreveio a sentença de fls. 936/941, que julgou improcedente o pedido, sob o argumento de que pela prova carreada nos autos não houve comprovação que a morte do sr. Waldemiro Custódio Dias teve como causa o vício do cigarro. O mesmo julgado considerou não ser o caso de propaganda enganosa ou omissão de dado relevante capaz de induzir a vítima a erro, de modo a incentivar o fumante a comportar-se de forma prejudicial à sua saúde. As autoras foram condenadas no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados em R$ 800,00 (oitocentos reais) ficando suspensa a exigibilidade pelo deferimento da assistência judiciária.

Irresignadas, as autoras apelaram (fls. 942/947), alegando que é fato notório que o tabagismo causa edema pulmonar e cardiopatia, o que levou o sr. Valdemiro à óbito.

Sustentaram que ficou fartamente comprovado nos autos que o sr. Valdemiro não teve outra causa, senão o tabagismo que pudesse levá-lo aos problemas pulmonares e cardíacos, bem como ao óbito.

Aduz que também ficou comprovado que o sr. Valdemiro era fumante compulsivo, viciado há mais de 20 anos, físico e quimicamente dependente por ter fumado neste período somente cigarros da marca da apelada.

Conclui que o histórico do falecido, depoimentos, pareceres e documentos dão conta de que a enfermidade que o levou à óbito surgiu em decorrência do tabagismo e por isso deve ser indenizada pela apelada, que colocou no mercado produto que causa risco ao consumidor.

A apelada apresentou contrarrazões (fls. 950/979), aduzindo prescrição e pugnando pela manutenção da decisão monocrática.

As apelantes litigam sob o pálio da justiça gratuita, o que justifica a ausência do preparo recursal.

Conheço do recurso, porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade.

- Prejudicial de mérito: prescrição

A apelada, em contrarrazões, alega a prescrição qüinqüenal do artigo 27 do CDC.

Por ser matéria de ordem pública, passo a analisá-la.

Esta alegação não merece ser acolhida, vez que não há incidência, no caso em comento, da regra do artigo 27 do CDC.

Ora, extrai-se da petição inicial que a presente ação de indenização é fundada em responsabilidade civil de direito comum, art. 159 do Código Civil de 1.916, não em defeito ou erro do produto no instante de sua fabricação, pelo que, não incide ao caso a regra do art. 27 do CDC.

Neste sentido:

"EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL - INDENIZAÇÃO - DANOS MATERIAIS E MORAIS - USO DE CIGARROS - TABAGISMO - ÓBITO - PRESCRIÇÃO (ART. 27 DO CDC) - NÃO INCIDÊNCIA. Não sendo o defeito do produto referido na lei consumerista a causa principal da indenizatória, mas tratando-se de ação de responsabilidade civil regulada pelo Código Civil, não tem aplicação no caso a prescrição qüinqüenal no art. 27 do CDC." ( TJMG - APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0459.05.020691-9/001 - COMARCA DE OURO BRANCO - APELANTE(S): EDINA DE MOURA PEREIRA ROCHA E OUTRO(A)(S) - APELADO(A)(S): SOUZA CRUZ S/A, PHILIP MORRIS BRASIL IND COM LTDA - RELATOR: EXMO. SR. DES. OSMANDO ALMEIDA).

Logo, rejeito a prejudicial.

- Mérito

O dever de indenizar o dano sofrido por outrem, provém do ato ilícito, caracterizando-se pela violação da ordem jurídica com ofensa ao direito alheio e lesão ao respectivo titular, conforme a regra expressa do artigo 159 do Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos narrados na inicial.

No caso em tela, relata a sr. Maria de Fátima Almeida viúva da vítima sr. Waldemiro Custódio Dias que quando se casou em 29/11/1973 este já fumava em média 2 maços de cigarro Hollywood por dia sendo esta marca a sua preferida, inclusive com as propagandas mais bonitas. Ocorre que ao longo dos anos teve sua saúde debilitada em razão do uso do fumo, mas não conseguia parar de fumar em razão do vício.

De acordo com a certidão de óbito de fls. 22 a vítima começou a fazer uso de cigarros quando ainda era jovem e inexperiente, eis que contava com apenas 19 (dezenove) idade, sendo certo que quando se encontrava na plenitude da vida já era um viciado.

Ora, é de sabedoria notória o quanto é difícil se livrar do vício do tabagismo, sendo certo que a vítima foi nitidamente influenciada por propagandas e pela sociedade da época sobre os prazeres do fumo, motivo pelo qual não pode agora a empresa fabricante de cigarros se furtar de sua responsabilidade.

Analisando a prova produzida nos autos, tenho que edema agudo pulmonar e cardiopatia hipertrófica que culminaram na morte do falecido esposo da autora resultaram mesmo do uso contínuo dos cigarros produzidos pela apelada.

A testemunha sr. Júlio Gama Bicalho, médico que atendeu o sr. Valdemiro, às fls. 739/740 assim declarou:

"Que o edema agudo no pulmão consiste no fato do sangue ficar represado no pulmão; que o edema agudo é conseqüência da fraqueza do coração; que a miocardiopatia e hipertensão grave é causa do edema; que o fumo é das causas da miocardiopatia e hipertensão. (...) que o sr. Valdemiro sofria de cardiopatia hipertrófica; que a miocardiopatia é uma das causas da hipertensão; Que nem todo fumante é hipertenso, mas todo hipertenso que fuma tem sua doença agravada (...)"

Do ponto de vista médico e, naturalmente, técnico, ficou demonstrada e identificada nos autos a evolução da doença, bem como o dano e o nexo de causalidade entre o hábito de fumar e as doenças de que era portador o sr. Valdemiro.

Corroborando a tese, a testemunha sr. José Raimundo Durães afirmou às fls. 724/725:

"(....) Conhecia o Sr. Valdemiro Custódio há uns vinte anos; que ele tinha o vício de fumar; que fumava compulsivamente; que ele fumava HOLLYWOOD; que até seu falecimento, somente o Sr. Valdemiro trabalhava; que seus filhos eram menores; que o Sr. Valdemiro era motorista de táxi; ...; que o depoente sempre via com Sr. Valdemiro o cigarro Hollywood; ...; que de um certo tempo para cá o Ministério da Saúde começou avisar sobre o vício, que antes da Souza Cruz incentivava todo mundo a fumar, através de propagandas luxuosas em televisão e outdoors; que pelo que o depoente sabe, o Sr. Valdemiro nunca procurou médico para parar de fumar; que ele tinha vontade de parar de fumar, mas o vício falou mais alto (...)".

Às fls. 741, a testemunha sr. João César da Silva afirmou:

"(...) que conheceu o Sr. Valdemiro em 1979 ou 1980 e que sempre o viu fumando um cigarro de marca Hollywood; que o Sr. Valdemiro era um fumante viciado; que via o Sr. Valdemiro trabalhando em táxi, salvo engano de aluguel; ...; que o Sr. Valdemiro vivia tossindo e morreu por causa do cigarro."

O depoimento pessoal da autora também merece ser levado em conta, pelo que transcrevo parte dele:

"(...) que cinco anos antes da morte do esposo da declarante o mesmo começou a tossir muito e com pigarro muito forte ;...; que seu esposo não chegou a fazer tratamento para parar de fumar e não admitia que era doente; que sempre fumou Hollywood; que seu esposo foi ficando mais cansado, começando a inchar e ficava muito cansado com a respiração ofegante e por fim não conseguiu mais andar;...; que o médico de seu esposo advertia-o para parar de fumar; que seu esposo nunca achou que o cigarro lhe prejudicaria e nunca quis parar de fumar; que seu esposo era fumante compulsivo; ...; que seu esposo não consumia bebidas alcoólica; que seu esposo não colocava sal na comida (...)."

Conclui-se que mesmo que a doença que causou a morte do sr. Valdemiro não decorresse única e exclusivamente do uso do cigarro, é certo que este contribuiu consideravelmente pelo agravamento do seu estado de saúde naquele momento trágico e, por isso, deve a apelada ser responsabilizada.

Registre-se que não existe qualquer outro elemento de convicção nos autos a comprovar que origem da doença não decorreu do consumo de cigarros, prova esta imprescindível para a apelada se eximir de sua responsabilidade.

Não se desconhece a legalidade da fabricação do cigarro e de sua comercialização, portanto atividade lícita. Contudo, não se está aqui examinando a natureza jurídica da conduta das empresas fabricantes de cigarros, mas os danos causados por esta conduta, seja lícita ou não.

Transcrevo parte do voto proferido pelo Desembargador Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, do Rio Grande do Sul, na apelação cível nº 70000144626:

"Assim, mesmo que seja lícita a atividade, não pode aquele que a exerce, abusando de seu direito, por omissão, ocultar as conseqüências do uso do produto, como a causação de dependência e de câncer, e, ao contrário, promover propaganda ligando o uso do produto a situação de sucesso, riqueza, bem estar, vida saudável, etc., situações exatamente contrárias àquelas que decorrem e que são conseqüências do uso do produto.

Evidentemente, se uma empresa fabrica e comercializa um produto que, além de viciar, ainda mata por câncer e enfisema pulmonar, desimporta se sua atividade é lícita. Ao colocar tal produto no mercado, com tamanho potencial de malefício e destruição, não há como negar que tal empresa é responsável pelo risco e pelo perigo que criou. E se não impede as conseqüências desastrosas do uso de tal produto - ainda que o uso fosse completamente voluntário, e não houvesse dependência e ardiloso apelo publicitário - sendo uma dessas conseqüências, certamente a mais trágica, a morte, não pode restar dúvida sobre a evidente responsabilidade do fabricante em arcar com a indenização correspondente".

Reporto-me aqui à teoria do risco-proveito, segundo a qual será responsável civilmente todo aquele que aufira lucro ou vantagem do exercício de determinada atividade. Segundo Sérgio Cavalieri Filho, "onde está o ganho, aí reside o encargo - 'ubi emolumentum, ibi onus'" (in Programa de Responsabilidade Civil, Malheiros, 3ª ed., p.167).

Coligi jurisprudência:

"ACIDENTE DE TRÂNSITO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO TRANSPORTADOR. TEORIA DO RISCO-PROVEITO. REGIME JURÍDICO DE RESPONSABILIDADE NÃO TRANSITA PELA DISCUSSÃO DA CULPA. SENTENÇA MANTIDA. 1. Tratando-se de exploração econômica da atividade de transporte de passageiros, o regime de responsabilidade civil a que se sujeita o transportador é o do § único do art. 927 do CCB/02. Responsabilidade objetiva pelo risco da atividade que gera o proveito econômico. Ademais, a empresa não nega ser concessionária de serviço público. Logo, mais um fundamento para definir com objetivo o regime de imputação de responsabilidade no caso. 2. Danos materiais e morais reconhecidos e arbitrados corretamente ante as circunstâncias do caso. (...). NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME" (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Apelação Cível nº 70017808247, des. Luís Augusto Coelho Braga, julg. 28.05.2008).

O civilista catarinense Fernando Noronha aponta o atual declínio tanto da responsabilidade individual como da subjetiva. O que cada vez se firma mais é uma nova responsabilidade, de tendência objetiva e coletiva (in Desenvolvimentos Contemporâneos da Responsabilidade Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, Editora RT, volume 761, março de 1999, p. 40).

Os fabricantes de cigarro sempre tiveram conhecimento de que o cigarro vicia e causa inúmeras doenças. Assim, diante do conhecimento e da consciência dos malefícios causados pelo cigarro à saúde dos fumantes, não há dúvida de que a apelada, agindo dessa forma, cria conscientemente, o risco do resultado, assumindo, portanto, a obrigação de ressarcir.

A controvérsia não pode ser examinada somente pela ótica da atividade industrial do fumo, efetivamente lícita, mas também pela opção da livre iniciativa do consumidor, pois sempre houve e continua sendo executada a estratégia da propaganda apelativa, associando ao produto uma imagem de sucesso, beleza, riqueza, saúde, sustentando-se de forma enganosa uma situação fática absolutamente falsa.

Outrossim, falando em consumo, observa-se dos autos que a constatação da doença e respectiva cirurgia, ocorreu em plena vigência do Código de Defesa do Consumidor, que vigorou a partir de 12 de março de 1991. Assim, por se tratar a citada Lei de norma de ordem pública e interesse social, não importa se a vítima começou a fumar antes de sua vigência, sendo relevante apenas as conseqüências do uso do cigarro, que, por sua vez, foram constatadas após a vigência da citada legislação, estando submetida a solução da controvérsia também ao referido diploma legal.

E, constatada a lesividade do cigarro, como produto altamente perigoso e que apresenta riscos para toda a coletividade, defeituoso, por não oferecer a segurança que dele se espera, o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro e o importador, respondem independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores, em correta aplicação à responsabilidade objetiva prevista no Código de Defesa do Consumidor.

O Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/90) estabelece:

"Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

"§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - o modo de seu fornecimento; II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi fornecido (...)".

O preceito transcrito - verifica-se - estabelece a responsabilidade civil objetiva, decorrente de teoria segundo a qual, "desde que exista um dano, deve ser ressarcido, independentemente da idéia de culpa" (apud Washington de Barros Monteiro, in Curso de Direito Civil, Saraiva, vol.5, 18ª ed., p. 397).

Na lição de Caio Mário da Silva Pereira (in Responsabilidade Civil, Forense, 2ª ed., p.p. 287/288):

"Sem cogitar da imputabilidade ou investigar a antijuridicidade do fato danoso, o que importa para assegurar o ressarcimento é a verificação se ocorreu o evento e se dele emanou o prejuízo. Em tal ocorrendo, o autor do fato causador do dano é o responsável. Com a teoria do risco (...), o juiz não tem de examinar o caráter lícito ou ilícito do ato imputado ao pretenso responsável: as questões de responsabilidade transformam-se em simples problemas objetivos que se reduzem à pesquisa de uma relação de causalidade (...).

"A meu ver, o conceito de risco que melhor se adapta às condições de vida social é o que se fixa no fato de que se alguém põe em funcionamento uma qualquer atividade, responde pelos eventos danosos que esta atividade gera para os indivíduos, independentemente de determinar se em cada caso, isoladamente, o dano é devido à imprudência, à negligência, a um erro de conduta, e assim se configura a teoria do risco criado"

Portanto, diante de tais circunstâncias, a responsabilidade é objetiva e o fabricante somente se exime, caso prove efetivamente que não colocou o produto no mercado, ou que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste ou, que a culpa é exclusiva do consumidor ou de terceiro o que não ocorreu no caso.

Quanto ao valor a ser fixado, registro que quantificá-lo exige do magistrado a observância dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

À falta de indicação do legislador, dos elementos informativos a serem observados nesse arbitramento, serão aqueles enunciados a respeito da indenização do dano moral no caso de morte de pessoa da família, de abalo da credibilidade e da ofensa à honra da pessoa, bem como do dote a ser constituído em favor da mulher agravada em sua honra, e que se aproveitam para os demais casos." (CAHALI, Yussef Said, Dano Moral. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p.701 e 705.1998)

Neste sentido:

"EMENTA: APELAÇÃO - PEDIDO DE JUSTIÇA GRATUITA - FORMULAÇÃO DESDE A INICIAL - DEFERIMENTO - INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS - PEDIDO DE MAJORAÇÃO - CRITÉRIOS - INADMISSIBILIDADE - ACRÉSCIMO DE JUROS MORATÓRIOS SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO - VOTO VENCIDO. Apesar de o dano moral ser de difícil apuração, dada a sua subjetividade, deve o julgador atentar, quando da fixação, para a sua extensão, para o comportamento da vítima, para o grau de culpabilidade da ofensora e para a condição econômica de ambas as partes, de modo que a ofensora se veja punida pelo que fez e compelida a não repetir o ato e a vítima se veja compensada pelo prejuízo experimentado, sem, contudo, ultrapassar a medida desta compensação, sob pena de provocar o enriquecimento sem causa da requerente, e, eventualmente, fomentar a indústria do dano moral." (Ap. 380.104-3/Belo Horizonte, 3ª CCível/TAMG, Rel. Juiz Mauro Soares de Freitas, 26/02/2003).

Também no mesmo sentido:

"Na fixação do valor do dano moral prevalecerá o prudente arbítrio do julgador, levando-se em conta as circunstâncias do caso, evitando que a condenação se traduza em indevida captação de vantagem, sob pena de se perder o parâmetro para situações de maior relevância e gravidade." (Ap. 365.245-3/Alpinópolis, 1ª CCível/TAMG, Rel. Juiz Gouvêa Rios, 01/10/2002).

O 'quantum' indenizatório por dano moral não deve ser causa de enriquecimento ilícito nem ser tão diminuto em seu valor que perca o sentido de punição.

Examinando-se o presente caso, impõe-se considerar a gravidade doença que foi acometido o sr. Valdemiro em razão da utilização prolongada de cigarros, que acabou por vitimá-lo e a situação financeira da apelada, empresa de grande de porte, para fins de fixação da indenização.

Assim, considerando às circunstâncias do caso, as condições das partes, a gravidade do ocorrido, o sofrimento causado à família da vítima, fixo em R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais) a indenização por danos morais devida pela ré às autoras, que deverá ser paga na proporção de R$ 40.000,00 (quarenta mil) para cada uma das autoras.

Ante o exposto, REJEITO A PREJUDICIAL DE MÉRITO DE PRESCRIÇÃO e DOU PROVIMENTO ao recurso, para julgar procedente o pedido e condenar a apelada no pagamento de danos morais às autoras a quantia de R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais) a serem rateadas na proporção de R$ 40.000,00 (quarenta mil) para cada uma, com correção monetária pelos índices oficiais da Corregedoria Geral de Justiça a partir a publicação do acórdão e juros de mora de 1% a contar da citação. A apelada arcará com custas processuais e honorários advocatícios que fixo em 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação.

O SR. DES. VALDEZ LEITE MACHADO:

VOTO

Anoto também ter ouvido com atenção as palavras proferidas pelo ilustrado Dr. Procurador.

Pedindo vênia ao ilustre Desembargador Relator, ouso divergir do entendimento por ele exposto, pois entendo que não ficou comprovada nos autos a responsabilidade da empresa requerida pela doença contraída pelo falecido, que o levou ao óbito.

Ora, ressalta-se que a atividade da ré, de produção e comercialização de cigarros no País é lícita, sofrendo rigoroso controle das autoridades estatais, através do Ministério da Saúde, Vigilância Sanitária e outros órgãos ligados à saúde.

Por conseguinte, sendo lícita a atividade desempenhada pela demandada, eventual responsabilização somente poderia decorrer da constatação de desatendimento às regras que lhe são impostas, o que na hipótese não ocorreu.

Deve ser destacado, que antes de 1988 no Brasil não havia nenhuma imposição no sentido de que a requerida informasse os males ad-vindos do uso do cigarro, pelo que não se configura qualquer omissão, na medida em que esta pressupõe o dever legal de agir. Ademais, se quando o falecido começou a fumar não existiam propagandas contra o fumo, após 1988 estas começaram e, diga-se, em grande intensidade. Entretanto, mesmo sabedor desde então dos males causados pelo cigarro, não parou de fumar.

Afora isso, não se pode afirmar com absoluta certeza que o falecido, durante o período em que fumou cigarros, somente utilizou produtos da marca Souza Cruz, e destaca-se que, segundo referido na inicial, Waldemiro Custódio Dias fumava há mais de trinta anos.

Do depoimento pessoal da primeira autora, Maria de Fátima Almeida, também se extrai que o falecido fumou por um longo período:

"(...) que soube que seu esposo começou a fumar com 11 anos de idade; que na casa da família do seu esposo todos fumavam; que não sabe informar qual a marca de cigarro que seu esposo fumava quando teve a iniciação (...)" (f. 737).

E da prova testemunhal:

"Que conhecia o Sr. Waldemiro Custódio há uma vinte anos; que ele tinha o vício de fumar; que ele fumava compulsivamente (...)" (f. 724).

Assim, pela intensidade do uso de cigarros pelo falecido, pouco crível que tenha fumado durante todo o tempo, exclusivamente cigarros fabricados pela ré, o que afastaria a responsabilidade da ré com base no Código de Defesa do Consumidor, vez que a relação de consumo entre a ré e o de cujus não seria exclusiva.

De outro lado, admitindo-se a responsabilidade objetiva, ainda assim deveria ficar devidamente comprovado o nexo de causalidade, segundo requisito da responsabilidade civil.

Contudo, não se vislumbra a plausibilidade de que o falecido foi levado a fazer uso de cigarros em razão exclusiva da propaganda feita sobre o produto, sendo que os males do cigarro sempre foram notórios. Inclusive, consta dos autos que falecido foi advertido por sua família e por seus amigos dos males causados pelo cigarro.

Ainda em relação ao nexo causal, também se nota que não há comprovação de que o falecimento descrito na inicial se deu em decorrência do cigarro. Neste sentido, importante destacar trecho do depoimento da testemunha Júlio Gama Bicalho, médico do falecido:

"(...) que o Sr. Waldomiro tinha um caso de hipertensão grave; que as causas da hipertensão são várias e podem ser por causa genética, tabagismo, etilismo, sedentarismo, dieta errada e tratamento inadequado; que o edema agudo no pulmão de pulmão foi a causa da morte do Sr. Waldemiro, conforme relatório da medicina legal, que não se recorda que o Sr. Waldemiro era fumante e isso não consta no relatório (...)" (f. 739)

Logo, diante da existência de outros fatores determinantes para o aparecimento da doença que levou a óbito o Sr. Waldomiro, não há como se concluir que o fumo de cigarros da empresa requerida tenha sido a causa.

Ademais, necessário que reste demonstrada a existência de defeito no produto ou a insuficiência ou inadequação das informações prestadas pelo fornecedor para que haja o dever de indenizar, não sendo tal prova produzida nos autos.

O produto é defeituoso, segundo a definição legal inscrita no §1° do artigo 12 do CDC, quando (...) não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - sua apresentação; II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi colocado em circulação.

Como se vê, devem ser considerados critérios objetivos para se avaliar as circunstâncias do caso concreto, tais como a apresentação do produto, o uso e riscos que razoavelmente dele se esperam e a época que foi co-locado em circulação.

Conforme já exposto no início da fundamentação, já de muito se tem ampla e plena ciência de que o cigarro é fator de risco para a incidência de diversas doenças. Concretamente, no Brasil, desde 1988, com o advento da Portaria MS n. 490 existe a obrigatoriedade da prestação de informações inerentes aos riscos decorrentes do fumo, inexistindo prova ou sequer notícia nos autos de que a ré a tenha descumprido.

Vigente o Código de Defesa do Consumidor, a partir de 1990 e cumprindo a ré a legislação específica quanto à apresentação de seus produtos desde data anterior, sem prova de violação das normas próprias, a conclusão lógica é que este aspecto em particular não dá qualquer fundamento à pretensão das autoras.

Não é diferente no que diz respeito ao "uso e riscos que razoavelmente dele se esperam", posto que já definido que os malefícios do fumo são de conhecimento notório há longa data, ensejando que seja razoavelmente esperado que o consumo de cigarros traga a possibilidade do aumento dos riscos de incidência de diversas doenças ao consumidor.

A própria previsão do inciso III do § 1º do artigo 12 determina que se considere a época que o produto foi colocado em circulação para se avaliar a periculosidade do mesmo.

Nesse particular, como a lei civil não retroage, somente a partir de 1990 é que restou consagrado o dever da demandada em informar ex-pressa e destacadamente aos consumidores o risco à saúde que o consumo de cigarros representa, o que, segundo a prova dos autos, tem atendido a contento.

Portanto, como não restou demonstrada a existência de defeito no produto ou deficiência ou inadequação das informações prestadas pelo fornecedor ao consumidor, assim como também não se encontra presente qualquer conduta ilícita praticada pela da ré ou nexo de causalidade entre o óbito de Waldemiro Custódio Dias e o uso de cigarros da empresa ré, não há que se falar em dever de indenizar.

A propósito:

"RESPONSABILIDADE CIVIL. TABAGISMO. MORTE DO FUMANTE. CÂNCER. INDUSTRIALIZAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE CIGARROS. LICITUDE DA ATIVIDADE. CONTROLE ESTATAL DA PRODUÇÃO E DA COMERCIALIZAÇÃO. DROGA LÍCITA. Não constituindo uma prática ilegal a produção e comercialização de cigarros, e sendo atividade permanente-mente controlada pelo Estado, não só na industrialização como na comercialização do fumo, inobstante os sabidos malefícios à saúde que o fumo traduz, que já eram de conhecimento do público consumidor desde os primórdios da atividade, não se colore de ilegal a prática, descabendo responsabilizar-se a indústria por doenças eventualmente desenvolvidas pelo hábito de fumar (tabagismo). Hipótese em co-mento em que eventual responsabilidade da fabricante se afere sob a ótica da Teoria da Responsabilidade Subjetiva. LIVRE ARBÍTRIO E POSSIBILIDADE DE PARAR COM O USO DO CIGARRO. A atividade de fumar é daquelas que tem início e continuidade mediante livre arbítrio do cidadão, não se podendo reconhecer que a atividade de fumar tenha início e se dê tão somente por força de propaganda veiculada pela indústria fabricante de cigarros. Também é certo afirmar que eventual vício contraído pelo usuário do fumo não é permanente e irreversível, já que a cessação da atividade de fumar é um fato notório e que depende única e exclusivamente do consumidor. [...] APELO IMPROVIDO, PREJUDICADO O AGRAVO RETIDO". (TJRS, AC n. 70011866910, 10ª Câmara Cível, Rel. Des. Paulo Antônio Kretzmann, J. 29-09-2005).

Diante do exposto, rejeito a prejudicial de mérito relativa à prescrição e nego provimento ao recurso, mantendo a bem lançada sentença de primeiro grau.

Custas recursais pelas apelantes, ressalvando-se o disposto no art. 12 da Lei n. 1.060/50.

A SRª. DESª. EVANGELINA CASTILHO DUARTE:

VOTO

Anoto também ter ouvido com atenção à sustentação oral proferida da tribuna e acompanho integralmente o voto proferido pelo eminente relator, acrescentando apenas que não se discute sobre propaganda enganosa, mas sobre propaganda atrativa.

E deve ser registrado que o indivíduo que inicia o consumo de produto nocivo com 11 anos de idade, não tem discernimento sobre o risco que assume para a sua saúde.

Com estes registros, também dou provimento ao recurso.

SÚMULA: REJEITARAM PREJUDICIAL DE MÉRITO, À UNANIMIDADE, E DERAM PROVIMENTO, VENCIDO O REVISOR.




JURID - Uso contínuo de cigarros. Morte. Prescrição. Inocorrência. [07/10/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário