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quarta-feira, 7 de outubro de 2009

JURID - Apelação cível. Responsabilidade civil do Município. [07/10/09] - Jurisprudência


Apelação cível. Responsabilidade civil do Município. Ação com pedido de reparação de danos morais. Queda em ralo.


Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro - TJRJ.

5ª Câmara Cível

Apelação Cível nº: 2009.001.49347

Apelante: Genita Hellmann

Apelado: Município do Rio de Janeiro

Juiz: Dra. Geórgia Vasconcellos da Cruz

Relator: Des. Cristina Tereza Gaulia

Ementa: Apelação cível. Responsabilidade civil do Município. Ação com pedido de reparação de danos morais. Queda em ralo. Instalação da caixa de registro de água pluvial e remendos na calçada realizados pela CEDAE. Omissão específica. Dever do município de fiscalizar as obras realizadas pelas concessionárias de serviço público. Violação do dever legal do poder público de manutenção das vias públicas. Negligência que se consubstancia na causa direta do evento danoso. Manutenção e conservação das vias públicas que é dever do réu. Autora que sofre escoriações e edema na face. Responsabilidade objetiva. Inteligência do art. 37, § 6º, CF/88. Precedentes do TJRJ. Dano moral in re ipsa. Fixação do quantum indenizatório que deve obedecer os parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade sem propiciar enriquecimento à vítima. Sentença de improcedência que se reforma. Inversão do ônus sucumbencial. Apelo provido em parte.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos da apelação cível referida em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os Desembargadores da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ______________________, em DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, na forma do voto do Relator.

Rio de Janeiro, ____/____/2009.

Des. Cristina Tereza Gaulia
Relator

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por Genita Hellmann à sentença de improcedência proferida pelo juízo da 6º Vara de Fazenda Pública da capital nos autos da ação indenizatória que a apelante moveu em face do Município do Rio de Janeiro, objetivando a condenação deste ao pagamento de indenização por danos morais.

A sentença fundamentou-se no fato de que o ato omissivo do Poder Público gera responsabilidade subjetiva deste; que conforme a teoria faute du service, cabe à vítima provar que o serviço não funcionou, funcionou mal ou tardiamente; que em que pese tenha sido o dano comprovado, não há prova da culpa no que tange à prestação do serviço de conservação e manutenção das calçadas; que a autora tropeçou em um ralo; que este não apresentava sinais de má conservação e estava tampado; que a queda da autora ocorreu por sua culpa exclusiva, não se podendo imputar qualquer responsabilidade ao réu.

A apelante requer a reversão do julgado, sob o fundamento de que o réu não impugnou especificamente os fatos narrados pela autora na inicial; que há presunção de veracidade na alegação da autora de que o ralo estava tampado de forma inadequada e ineficiente; que a omissão do Município na fiscalização está corroborada pelo documento de fl. 39; que o comportamento da autora não foi a causa decisiva para o evento, de maneira a afastar o nexo causal em relação ao réu; que se o ralo estivesse adequadamente tampado, a autora não teria tido seu pé preso a ele, e não teria ocorrido o acidente.

Em contrarrazões o Município-apelado pugnou pela manutenção da sentença.

É o relatório.

VOTO

Ab initio, pontue-se que se discute nos presentes autos se houve omissão estatal capaz de conduzir à ocorrência do fato (queda da autora em ralo situado na calçada da Rua Dias Ferreira, em frente ao nº 78), que gerou a lesão física sofrida pela apelante (escoriações e edema na hemiface direita), a qual a obrigou a realizar repouso durante quatro dias.

Malgrado as intensas controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais a respeito da natureza da responsabilidade civil do Estado em face de omissão, alinhamo-nos à tese sustentada por Sergio Cavalieri e Guilherme Couto de Castro que, em casos de inação administrativa, estabelecem distinção entre as omissões genéricas e as específicas, sob o entendimento de que, em se tratando de omissões genéricas - aquelas em que o Estado não atuou em razão de impossibilidade ou intransponível dificuldade em fazê-lo, não há um comportamento inferior ao padrão legal exigível, mas que, por outro lado, quando a inação for a causa direta e imediata do não impedimento do evento, caracterizada estará a omissão específica.

Nessa linha de raciocínio, haverá responsabilidade objetiva quando se estiver diante de omissão específica, e subjetiva, quando identificada a omissão genérica, pois há necessidade de prova do descumprimento do dever legal de impedir o dano (culpa anônima).

Confiram-se os seguintes julgados:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO: § 6º DO ART. 37 DA MAGNA CARTA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. AGENTE PÚBLICO (EX-PREFEITO). PRÁTICA DE ATO PRÓPRIO DA FUNÇÃO. DECRETO DE INTERVENÇÃO. O § 6º do artigo 37 da Magna Carta autoriza a proposição de que somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns. Esse mesmo dispositivo constitucional consagra, ainda, dupla garantia: uma, em favor do particular, possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado que preste serviço público, dado que bem maior, praticamente certa, a possibilidade de pagamento do dano objetivamente sofrido.

Outra garantia, no entanto, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional se vincular. Recurso extraordinário a que se nega provimento.

(STJ. RE 327904/SP. Primeira Turma. Relator: Min. CARLOS BRITTO. Julgamento: 15/08/2006).

AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS EM FACE DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO. QUEDA EM BUEIRO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. OMISSÃO ESPECÍFICA. FALHA NA CONSERVAÇÃO DE VIA PÚBLICA. DEVER DE INDENIZAR. MAJORAÇÃO DA VERBA INDENIZATÓRIA. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.

1- Configurada a conduta omissiva específica do município, que faltou com o dever de manutenção e conservação da via pública.2Documentos que comprovam as lesões sofridas pelo autor, ao cair de bicicleta em bueiro aberto. Nexo de causalidade também demonstrado nos autos, mormente através de fotografias do local do acidente e prova testemunhal produzida.3- Ausência de comprovação dos danos materiais. Danos morais configurados. Descaracterização da concorrência de causas. Majoração da verba indenizatória para R$ 6.000,00 (seis mil reais), em atenção aos princípios atinentes à matéria e às particularidades do caso concreto. Juros a partir da data de citação, momento em que restou configurada a mora do réu. 4- Sucumbência recíproca. Honorários compensados. Isenção do réu quanto às custas do processo. Autor beneficiário de justiça gratuita. PROVIMENTO PARCIAL DOS RECURSOS.

(TJRJ. Apelação Cível 2009.001.08630. Des. Carlos Santos de Oliveira - Julgamento: 30/06/2009 - Nona Câmara Cível).

Ação pelo rito ordinário. Acidente automobilístico ocorrido em virtude de buraco em pista, cuja conservação incumbe ao apelante. Omissão específica que impõe a responsabilidade objetiva do município. Dano material corretamente arbitrado. Recurso desprovido.

(TJRJ. Apelação Cível 2008.001.51101. Des. Helda Lima Meireles. Julgamento: 13/01/2009 - Décima Quinta Câmara Cível).

Responsabilidade civil. Ação de indenização por danos material e moral que a Autora teria sofrido em razão de queda num bueiro ao transitar em via pública. Procedência parcial do pedido, fixada a indenização por dano moral em R$ 12.000,00.

Apelação de ambas as partes. Responsabilidade objetiva. Responsabilidade da Administração Pública pela manutenção das vias públicas, bem como pela sinalização dos defeitos nelas existentes, no intuito de fornecer segurança àqueles que nelas transitam. Omissão específica. Provas documental e oral que conduziram à conclusão de que o acidente ocorreu como descrito pela Autora que sofreu queda em bueiro destampado, causando-lhe lesões que demandaram atendimento médicohospitalar.

Dever de indenizar. Dano material não comprovado. Dano moral configurado. Quantum da condenação fixado com moderação, observados critérios de razoabilidade e proporcionalidade. Desprovimento de ambas as apelações.

(TJRJ. Apelação Cível 2008.001.57090. Des. Ana Maria Oliveira. Julgamento: 28/04/2009 - Oitava Câmara Cível).

Frise-se que, quando a inércia administrativa constitui causa direta e imediata do evento, responde o poder público objetivamente, nos termos do artigo 37, § 6º, da CF/88(1), somente se eximindo do dever de indenizar se comprovar a ocorrência alguma das excludentes do nexo de causalidade, quais sejam, fato de terceiro, fato exclusivo da vítima, caso fortuito ou força maior.

Com efeito, a autora prendeu o pé no ralo localizado em frente a uma livraria, no bairro do Leblon, e veio a sofrer uma queda, o que gerou escoriações e edema na sua hemiface direita, conforme se verifica nos fotogramas de fls. 27/30.

A dinâmica do evento assim foi narrada pelas testemunhas:

"(...) que presenciou os fatos narrados na inicial; que é gerente da livraria em frente à qual a autora caiu; que a mesma caiu no ralo mostrado na foto de fls. 25; que o fato se deu depois da meia noite; que o ralo possui uma tampa amassada, mas ressalta que no dia em que a autora caiu, embora amassada, existia uma tampa; que embora gerente da livraria, nunca viu outras pessoas caírem no mesmo local; que o depoente socorreu a autora e forneceu a esta gelo para colocar na face (...) que após a queda a autora feriu a testa, acima da sobrancelha (...)" (fl. 62).

"(...) que presenciou o fato narrado na inicial; que estava ao lado da autora no momento em que esta teve seu pé preso em um ralo em frente a livraria, conforme fotos de fls. 25/26; que tal fato ocorreu à noite; que o referido ralo possuía tampa; que o ferimento da autora foi na testa, acima da sobrancelha (...)" (fl. 63).

O fato de uma das testemunhas não ter presenciado outra queda no mesmo local não isenta a responsabilidade do município, na medida em que, o fato de estar a tampa do ralo amassada, facilita que os pedestres tropecem na mesma, vindo a sofrer acidente como o descrito nesses autos.

O próprio Município réu admite no documento de fl. 39 que constatou a existência de remendos feitos em concreto, próximos a uma caixa de registro de água potável e outra de esgoto, caracterizando a intervenção da CEDAE no local, afirmando que não foi encontrada licença para execução da obra no local, tendo afirmado que é de praxe a referida concessionária não licenciar suas intervenções de emergência, executando, inclusive, reparos nos finais de semana, quando não há atuação da fiscalização municipal.

Sublinhe-se que o poder concedente tem o dever de fiscalizar a atividade das concessionárias de serviços públicos, a teor do disposto na Lei 8987/95, verbis:

"Art. 29. Incumbe ao poder concedente:

I - regulamentar o serviço concedido e fiscalizar permanentemente a sua prestação;

(...)

VII - zelar pela boa qualidade do serviço, receber, apurar e solucionar queixas e reclamações dos usuários, que serão cientificados, em até trinta dias, das providências tomadas;

(...)

Art. 30. No exercício da fiscalização, o poder concedente terá acesso aos dados relativos à administração, contabilidade, recursos técnicos, econômicos e financeiros da concessionária.

Parágrafo único. A fiscalização do serviço será feita por intermédio de órgão técnico do poder concedente ou por entidade com ele conveniada, e, periodicamente, conforme previsto em norma regulamentar, por comissão composta de representantes do poder concedente, da concessionária e dos usuários".

Revela-se, assim, a omissão específica do município-réu, decorrente do descumprimento do dever legal de fiscalização da atividade das concessionárias, e de manutenção permanente dos logradouros públicos a fim de evitar danos à coletividade, tendo sido esta a causa direta da ocorrência do evento danoso.

Consigne-se outrossim a inexistência de comprovação pelo município de que o acidente da autora teria ocorrido por fato exclusivo de terceiro, ou culpa exclusiva da vítima, ônus que lhe incumbia na forma do art. 333, II CPC(2), havendo pois o dever de indenizar.

O dano moral decorre in re ipsa dos fatos narrados, sendo certo que o quantum deve ser fixado com observância aos parâmetros de adequabilidade e razoabilidade em face da gravidade da culpa e da dimensão do dano, não importando por conseguinte em enriquecimento para a vítima.

Isso posto, voto no sentido do PROVIMENTO PARCIAL do recurso, para julgar PROCEDENTE, EM PARTE, O PEDIDO para condenar a ré a pagar à autora indenização por danos morais, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), corrigidos monetariamente a contar do presente julgado, e acrescidos de correção monetária a partir da citação, bem como ao pagamento de honorários advocatícios, no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, isento o pagamento das custas.

Des. Cristina Tereza Gaulia
Relator

Publicado em 28/09/09



Notas:

1 - CF/88: "Art. 37 (...) § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa." [Voltar]

2 - CPC, art. 333: "O ônus da prova incumbe: (...) II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor". [Voltar]




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