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segunda-feira, 19 de outubro de 2009

JURID - Rastreadores são proibidos. [19/10/09] - Jurisprudência


Rastreadores em veículos continuam proibidos.


PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL

Sétima Vara Federal


AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Autos 2009.61.00.007033-0
Autor: Ministério Público Federal
Ré: União Federal


Cuida-se de ação civil pública cominatória, com pedido de antecipação de tutela deferido, ajuizada pelo Ministério Público Federal, contra a União Federal onde nessa oportunidade postula o requerente o cumprimento da ordem judicial, qual seja, a obrigação de não fazer da ré, qual seja, em não determinar ou por qualquer forma impor aos fabricantes e fornecedores de veículos, ou consumidores desse bem, a instalação obrigatória de equipamento que inclua a função de rastreamento e/ou localização, ativo ou inativo, sob pena de execução específica ou de cominação de multa diária, nos termos do artigo 11 da LACP e do art. 84 do CDC. Pretende, por conseqüência, reconhecimento incidental de nulidade da Resolução 245, de 27 de julho de 2007 do CONTRAN e das Portarias 47, de 20 de agosto de 2007, e 102, de 30 de outubro de 2008, do DENATRAN.

Esclarece o Parquet que instaurou Peças Administrativas justamente para observar o cumprimento da decisão liminar - frise-se, confirmada pelo E. TRF da 3ª Região (fls. 924), diante do indeferimento de efeito suspensivo do Agravo interposto pela ré. Protesta o MPF, pois a ré não concedera cumprira a ordem judicial; ao contrário, editou nova Portaria nº 253/2009 pelo DENATRAN e pela Deliberação nº 82/09 pelo CONTRAN, para o fim de alterar o termo rastreador para localizador, e determinar às montadoras de veículo a instalação de um único aparelho que acopla duas funções, o equipamento antifurto e o rastreador.

Informa o autor as respostas das montadoras às suas indagações técnicas sobre a funcionalidade do dispositivo de rastreador, cujo teor é no sentido de que não houvera mudanças para sua instalação, de forma a desconsiderar a decisão judicial. Inconformado com a situação o Ministério Público Federal requer, em coerência a decisão judicial inicial (fls. 871), seja reconhecido em novo apreciação a nulidade da Portaria nº 253/2009 do DENATRAN e da Deliberação nº 82/09 do CONTRAN. Juntou as Peças Informativas em questão, documentos a fls. 961 e seguintes.

Manifestou-se ainda, quanto à contestação da ré.

É o relato. Decido.

As preliminares argüidas pela ré serão apreciadas oportunamente em sede de sentença.

A questão ora em debate repercute diretamente sobre o que já restara decidido inicialmente, qual seja, a implantação compulsória e genérica do rastreador (agora nominado localizador) de veículo acoplado a dispositivo antifurto em todos os veículos zero km, em afronta aos direitos do consumidor (livre arbítrio) e ao direito constitucional de privacidade - diante da base de dados ativa e passiva constante no aparelho.

Inicialmente explicita o Ministério Público que a instalação conjunta em um único mecanismo físico o dispositivo antifurto e o rastreador, denota venda casada, vedada pelo Código de Defesa do Consumidor. Explana ainda o autor a ofensa ao direito constitucional de privacidade está na possibilidade do rastreador revelar, via satélite, independente de autorização do proprietário, a rota realizada pelo veículo; ou no mínimo manter no banco de dados do sistema o posicionamento do veículo das últimas 200 localizações, ainda que o proprietário não habilite o equipamento junto aos prestadores de serviço de rastreamento.

Daí o pedido de antecipação de tutela preventiva consistente em antecipar a obrigação de não fazer dá ré, consistente em não determinar ou por qualquer forma exigir dos fabricantes de veículos ou de qualquer fornecedor ou consumidor desse bem a instalação obrigatória de equipamento que inclua a função de rastreamento e/ou localização, ativo ou inativo, sob pena de multa diária, nos termos da legislação processual.

A tutela fora deferida nos seguintes termos:

Ante o exposto, antecipo os efeitos da tutela, forte no art. 273 c.c. 461 do CPC, para determinar obrigação de não fazer a ré, qual seja, em não determinar ou por qualquer forma impor aos fabricantes e fornecedores de veículos, ou consumidores desse bem, a instalação obrigatória de equipamento que inclua a função de rastreamento e/ou localização, ativo ou inativo, e, por consequência, antecipo o reconhecimento incidental de nulidade do art. 1º, § 1º última parte, da Resolução nº 245 do CONTRAN, e dos itens 1.1 e 2.1 do Anexo a Portaria nº 102/08 do DENATRAN contrárias a presente decisão.

Nesse contexto, a implantação do aparato antifurto - o bloqueador - deverá ser realizada separadamente do rastreador, através dos necessários ajustes técnicos. Ressalvo, pois, a teor do decisum a utilização facultativa do rastreador, através de requerimento expresso do consumidor/usuário do veículo a quem de direito."

Essa decisão fora objeto de Agravo de Instrumento por parte da ré, ao passo que o TRF da 3ª Região indeferiu o efeito suspensivo do recurso.

Constata-se, pois, a nitidez da determinação judicial: a) uma de conteúdo declarativo-cominatório, qual seja, ordem de não fazer à ré, justamente para que não obrigue terceiros a implantar a instalação compulsória do rastreador e ou localizador nos veículos; b) de cunho material, determinação para que não se instaure num mesmo mecanismo o dispositivo antifurto e o rastreador, pois o último foi tido (admitindo-se sua instalação somente por pedido expresso do consumidor).

A teor da descrição do Ministério Público Federal, a ré incorre em afronta à decisão judicial, justamente por promulgar ordens administrativas que afrontam a determinação judicial vigente. Deveras, o item 2.2 do Anexo II da Portaria 253/2009 do DENATRAN é categórico nesse sentido ao dispor:

" o equipamento antifurto trata-se de um único equipamento com as funções obrigatórias de bloqueio autônomo (local) e remoto. Os módulos da figura 1 são funcionais e não dispositivos separados com exceção do módulo de bateria auxiliar....; o módulo de comunicação bi-direcional deverá sair da fábrica testado e totalmente integrado aos outros módulos funcionais descritos na figura 1 (...) Este módulo tem como função enviar e receber informações de uma central de serviços. Informações de eventos, definidos na estratégia de proteção ao veículo, deverão sempre ser enviadas à central. Comandos de bloqueio e desbloqueio, deverão ser recebidos e processados pelo equipamento antifurto, assim como a ativação e desativação do alerta..."

Por sua vez, a Deliberação nº 82/2009 do CONTRAN alterou a impugnada Resolução nº 245/07, mas manteve na íntegra a sua operacionalidade, qual seja, a implantação do rastreador passivo. Eis a leitura de sua novel redação (grifei):

"caberá ao proprietário decidir sobre a aquisição da função da localização de veículo e posterior habilitação do equipamento junto aos prestadores de serviço de localização, definindo o tipo e abrangência do mesmo".

Ora, se caberá ao consumidor decidir apenas sobre a função do localizador, resta evidente que o mecanismo de rastreamento já está implantado no veículo, situação que contraria a semântica e sentido da ordem judicial supra apontada, pois presente o rastreador no veículo e imanente a base de dados das suas últimas 200 localizações, consoante restara demonstrado.

E justamente nesse sentido respondem as montadoras, consoante informa YAMAHA MOTOR DA AMAZÔNIA LTDA. a fls. 1.013:

A composição física do equipamento tal como descrita no item 2.2 do Anexo II da Portaria nº 253/2009 é idêntica à descrita no item 2.2 do Anexo da Portaria 102//2008, revogada pelo atual normativo.

Por se tratar da identidade de equipamento, tem-se como nítida a mesma infringência jurídica. Ressalte-se aqui que a normativa em foco determina a acumulação no equipamento antifurto de mecanismo de localização/rastreador, de sorte que somente sua função deverá ser habilitada.

Tal determinação além de contrastar com a ordem judicial anterior - que proíbe justamente a instalação compulsória de tal mecanismo; afronta também o Código de Defesa do Consumidor, por constituir autêntica venda casada:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

Quanto às razões do afronta ao direito de privacidade, já consignei:

(...) Para averiguar se o pedido de antecipação de tutela em apreço comporta deferimento, é imperativo averiguar se o dispositivo tecnológico (que concretiza num só aparelho um mecanismo antifurto/bloqueador e um rastreador) que trata a Resolução nº 245 do CONTRAN(1), ainda que não habilitado o rastreador pelo proprietário do veiculo, é suscetível de armazenar dados de localização do veículo, ou de suas localizações?

Diante das provas coligidas aos autos, sobretudo na documentação de fls. 71/175 constata-se que sim, que o mecanismo tecnológico em apreço é dotado de tecnologia que permite sua funcionalidade ainda que não habilitado pelo consumidor/proprietários do veículo.


Nesse sentido, são as respostas das montadoras à indagação do Ministério Público Federal, consoante se infere da conclusão das companhias montadoras de veículos, FORD, VOLKSWAGEN, PEUGEOT CITROEN DO BRASIL, RENAULT, GENERAL MOTORS, bem como da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores, quanto ao possível rastreamento do veículo, ainda que não habilitado o rastreador a pedido do consumidor/proprietário.

Em voz uníssona, as montadoras respondem que a teor dos item 1.1 e 2.1 do Anexo a Portaria nº 102/08 o rastreamento é possível, ainda que não habilitado pelo usuário. Eis a redação de tais itens:

"1.1 - Equipamento antifurto

O equipamento antifurto deverá ter todas as suas funções testadas e funcionais independentemente da ativação de monitoramento/rastreamento. A não ativação deste serviço, não implica na desativação da funcionalidade e sim na colocação do módulo de comunicação em estado de espera pela eventual ativação do mesmo.

2.1 - Função

Todas as funções do equipamento antifurto deverão estar sempre ativas mesmo que o serviço de rastreamento não tenha sido habilitado pelo usuário. Neste caso, o módulo de comunicação deverá estar em modo de espera (consumo de energia reduzido).

A inicialização do receptor de sinais de posicionamento assim como a manutenção da obtenção contínuas destes sinais, deverá ser mantida e ter sempre armazenado no mínimo as últimas 200 posições.

Todos os eventos que componham a estratégia de segurança do equipamento antifurto também deverão ser processadas e armazenadas."

Daí a resposta das montadoras, onde destaco o trecho final de resposta à indagação do Ministério Público da montadora Volkswagen, de notório conhecimento e tradição no ramo de veículos nacionais. Assim, tendo em vista o disposto na Resolução e Portarias acima citadas, a partir da instalação do equipamento rastreador, os veículos serão, teoricamente, passíveis de localização, ainda que o consumidor não contrate o serviço junto aos prestadores de serviços de rastreamento (fls. 71/73).

Por sua vez, a própria contestação da ré aponta que o mecanismo tecnológico em tela alberga as últimas 200 localizações do veículo ainda que desligado o rastreador. Contudo, pondera a ré que o DENATRAN não tem condições de acessar tais dados, pois requer interligação com os demais sujeitos integrantes do sistema, qual seja, as empresas de telecomunicações. Entretanto, tal conclusão não encontra o eco nas provas até então coligadas, de sorte que a ré não comprova fato impeditivo do direito do autor, ex vi o disposto no art. 333, II, do Código de Processo Civil.

A rigor, o sistema tecnológico em apreço de fato alberga as últimas 200 localizações do veículo, ainda que desligado o rastreador, até mesmo se tais informações estejam criptografadas ou sujeitas a senha para futura localização, o banco de dados existe de fato (embora latente), não obstante vontade contrária do consumidor/proprietário. Tal situação conspurca contra o direito fundamental da intimidade e da privacidade, contemplado no art. 5º, X, da Constituição da República: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Deveras, a conspurcação da privacidade é notória se o consumidor/proprietário do veículo não aquiescer na habilitação do veículo, e, ainda assim, a sistemática tecnológica tem condições de captar um banco de dados das suas últimas localizações. Tal atitude deturpa o senso de liberdade e induz um sentimento de caputis diminutio à dignidade da pessoa humana, porquanto devastada o sentimento de intimidade. Enfim, firma uma inferioridade do cidadão, perante a máquina estatal que num clique tecnológico passa a supervisionar o cidadão comum, tal como na ficção científica delineada por George Orwell no livro 1984, que sintetiza a idéia de Big Brother(2) do aparato estatal para controlar o indivíduo, através da implacável tecnologia de vigilância.

(...)


Justamente quanto aos limites de relativização do direito à privacidade, o Douto Procurador da República Márcio Schusterschitza Araújo destaca sua preocupação ao aparato tecnológico em apreço na inicial, o qual peço venia para transcrevê-lo (grifei):

O art. 5º da Constituição Federal , inciso X, determina a inviolabilidade da intimidade e da vida privada da pessoa. Esse direito constitucional dá a seu titular a garantia de uma esfera de isolamento
(3), uma esfera de controle das informações disponíveis sobre a própria pessoa e, ainda, uma esfera autônoma de tomada de decisões particulares ou especialmente privadas.

Temos através desta inicial, que a exigência de equipamento obrigatório de monitoramento fere a privacidade da pessoa em três esferas que a Constituição protege.

A primeira delas, o espaço de isolamento, deve ser assim percebida. Normalmente se tem que são a casa e os papéis particulares o espaço privado por excelência da pessoa humana ou de separação da atenção pública. Nessa linha, a rigor, os espaços públicos, como as ruas, permitiriam a observação, fotografia e a gravação com relação a todos aqueles que nele se encontram.

Não obstante, ainda no espaço público, a pessoa tem uma expectativa de privacidade que é determinada pela intensidade da observação ou atenção. Na hipótese desses autos, ainda que o veículo se valha naturalmente das vias públicas, essa utilização vem necessariamente associada a idéia de trânsito, ou seja, de contato transitório e pontual.

Em contradição a essa idéia, o sistema de monitoramento imposto pelas autoridades de trânsito importa, potencialmente, na constante atenção sobre os caminhos, traçados e posição dos veículos. Essa constância importa e intrusão e na quebra das expectativas de privacidade do motorista e do proprietário do veículo.

Um segundo aspecto da privacidade é o de restrição informacional, ou seja, a capacidade de controle da pessoa sobre a informação acerca dela própria ("the ability of people to control information about themselves"). Ou seja, tem-se aqui, "certa esfera de atividade cujo acesso ele (indivíduo) tem a liberdade de recusar aos outros".

Esse aspecto é diretamente infringido pelos atos administrativos aos quais aqui se opõe. O sistema de rastreamento e monitoramento é um sistema precisamente de colheita de informações sobre a pessoa, de identificação de sua localização geográfica e de captação potencial de seu âmbito de locomoção e destino.

O terceiro elemento da privacidade é a capacidade da pessoa tomar as decisões sobre as circunstâncias que afetam precisamente a ela. Tem-se aqui o direito de não interferência em questões privadas.

Quanto a esse elemento, os atos das autoridades de trânsito têm precisamente a aptidão de desconsiderar o proprietário como pessoa capaz de tomar decisões.


De fato, se as tecnologias de monitoramento existem e se são elas disponíveis e adequadas para a prevenção de crimes, recuperação de objetos furtados ou roubados e identificação dos criminosos, o uso dessas tecnologias, inclusive na medida em que afetam a capacidade de isolamento da pessoa, não deveria caber a outra instância senão ao próprio proprietário do veículo.

Tem-se aqui nesse terceiro elemento, inclusive, a atenção a um aspecto que diz respeito a todos os três pontos do direito à privacidade, qual seja, a decisão de monitoramento é possível, mas cabe estritamente a pessoa, como decisão individual e não como submissão uma determinação autoritária de inclusão em todos os veículos saídos de fábrica.

Pode-se assim, concluir que a resolução e as portarias têm o preciso condão de criar o governo intrusivo, em desrespeito direto à proteção constitucional da vida e da autonomia privada.

Esse desrespeito tem uma série de outras lesões, ademais da privacidade considerada como importante em si. De início, a intrusão cria a tendência de resfriamento dos comportamentos lícitos ("chilling innocent behavior"). Ou seja, a pessoa se inibe de ir a tal ou qual lugar pelo receio da identificação de sua localização geográfica.

Há ainda o abafamento da dignidade da pessoa que é considerada como item de observação e acompanhamento e não como ser humano. A autonomia se faz substituir pelo automatismo. Há a frustração da capacidade do sujeito tomar decisões, na medida em que surge a imposição de como e em quais condições ele deve proteger seu próprio patrimônio e como e em quais condições deve se fazer visível.

Por fim, um ponto adicional deve ser incluído na discussão. A tecnologia posta como obrigatória, embora dirigida a uma funcionalidade de segurança pública, traz um potencial de uso secundário
(4), não hoje previsto, mas que deve ser temido.

A resolução e as portarias trazem em si potencialmente a capacidade de se saber sobre a localização e o destino de todos os veículos produzidos a partir de agora, com forte indução para o mau uso, quer pelas próprias autoridades governamentais, quer pelos atores privados que prestam serviço ou que tenham a capacidade de invadi-lo. Esse potencial de usos secundários importa em mais um motivo para que a decisão sobre o uso de sistemas de monitoramento não escape da própria pessoa proprietária do veículo.

(...)


XI - Conclusão e Alerta

A obrigatoriedade do rastreador importa em um mercado cativo em favor de um setor econômico, através de uma venda casada, consistente em um veículo, que o consumidor quer, e um equipamento, que pode não querer, mas que é invasivo e ofensivo a sua privacidade e cuja finalidade seja mapeá-lo no uso de seu veículo. Esse equipamento é posto dentro de um sistema que dá ao poder público uma prerrogativa que não tem que é a de desenvolver bancos de dados sobre usuários de veículos e seus deslocamentos, tornando assim o rastreamento da população função governamental delegável. Esse sistema é desproporcional por incluir todo o universo de veículos, sem distinção. É imoral por dar ao poder público uma faculdade que distorce a relação entre Estado e sociedade, dando à Administração instrumentos impróprios em um Estado democrático (perda do controle dos meios). É, ainda, um desvio de finalidade, impondo ao particular ônus de segurança pública e distorcendo os termos da presença do estado em face da criminalidade - inclusive sem medir ou ter medida de como a criminalidade reagirá a tanto.

Ademais disso importa ter o objeto da presente ação em perspectiva e um contexto mais amplo. E assim se pode fazer pela seguinte pergunta: o que virá em seguida? A resposta a esta pergunta, por certo, dependo do juízo do Poder Judiciário nesses autos. Ao menos, assim o temos. Mas pode ser que o rastreamento como precedente abrirá a porta para se rastrear mais coisas e com mais propósitos. No contexto de trânsito ou não. Abrirá também precedente para a Administração reguladora usar (e impor) mais e mais o subsídio cruzado. Tudo que se quer útil será obrigatório, restando, talvez, a faculdade de usar ou não usar. Por fim, restaria aberto o precedente para o poder público desistir de suas instituições de segurança e transformar o particular em seu maior instrumento de combate à criminalidade.

Posto isto, uma premissa lógica-jurídica já define a querela sob o ponto de vista pragmático para reformulação tecnológica do aparelho em sintonia com os direitos constitucionais. Ora, se a própria Resolução nº 245(5) do requer o prévio consentimento do proprietário/consumidor do veículo para habilitar o rastreador, resta ilógica a necessidade de se acoplar num só mecanismo o dispositivo antifurto/bloqueador e o rastreador, além de antieconômico - tanto porque é dogma da economia a livre oferta para melhores preços, ao contrário do que sustenta a ré.

Assim, a fixação do rastreador deverá ser separada do dispositivo antifurto, tal como assevera o representante do Ministério Público, justamente para preservar a lógica do sistema que ampara a vontade do consumidor/proprietário do veículo para decidir sobre sua aquisição, bem como os valores constitucionais da privacidade e do livre arbítrio, dogmas da liberdade e do próprio Estado de Direito erigido pela Constituição da República de 1988 - situação que já fixa o periculum in mora.

Nessa toada, justamente por se cuidar do mesmo instrumento físico, e pelas mesmas razões, reconheço a ilegalidade e inconstitucionalidade das Portaria nº 253/2009 pelo DENATRAN e pela Deliberação nº 82/09 pelo CONTRAN.

Ante o exposto, antecipo os efeitos da tutela, forte no art. 273 c.c. 461 do CPC, para determinar obrigação de não fazer à ré, qual seja, em não determinar ou por qualquer forma impor aos fabricantes e fornecedores de veículos, ou consumidores desse bem, a instalação obrigatória de equipamento que inclua a função de rastreamento e/ou localização, ativo ou inativo, e, por conseqüência, antecipo o reconhecimento incidental de nulidade das Portaria nº 253/2009 pelo DENATRAN e pela Deliberação nº 82/09 pelo CONTRAN, pois contrárias a anterior decisão, bem como a presente.

Nesse contexto, a implantação do aparato antifurto - o bloqueador - deverá ser realizada separadamente do rastreador, através dos necessários ajustes técnicos e mecânicos. Ressalvo, pois, a teor do decisum a utilização facultativa do rastreador, através de requerimento expresso do consumidor/usuário do veículo a quem de direito.

Intime-se. Expeça-se ofícios às autoridades responsáveis pelo DENATRAN e CONTRAN para imediato cumprimento, sob as penas da lei, e a necessidade de se observar o art. 14, V, do Código de Processo Civil.

Esclareça o MPF sobre a necessidade de expedição de ofícios para as montadoras de veículos.

São Paulo, 28 de setembro de 2009.

DOUGLAS CAMARINHA GONZALES
JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO



Notas:

1 - Art. 1º - Todos os veículos novos, saídos de fábrica, produzidos no País ou importados a partir de 24 (vinte e quatro) (vinte e quatro) meses da data da publicação desta Resolução somente poderão ser comercializados quando equipados com dispositivo antifurto.
§ 1º - O equipamento antifurto deverá ser dotado de sistema que possibilite o bloqueio e rastreamento do veículo.
§ 2º - Serão vedados o registro e o licenciamento dos veículos dispostos no caput deste artigo, que não observarem o disposto nesta Resolução.
§ 3º - Os veículos de uso bélico não estarão sujeitos a obrigatoriedade disposta no caput deste artigo.
Art. 2º - O órgão máximo executivo de trânsito da União definirá, no prazo de noventa dias, as especificações do dispositivo antifurto e do sistema de rastreamento de que trata o artigo 1º desta Resolução.
Art. 3º - O equipamento antifurto e o sistema de rastearamento deverão ser, previamente, homologados pela ANATEL, órgão responsável pela regulamentação do espectro de transmissão de dados, e pelo DENATRAN.
Art. 4º - Caberá ao proprietário do veículo decidir sobre a habilitação do equipamento junto aos prestadores de serviço de rastreamento e localização, definindo o tipo e a abrangência do mesmo.
Art. 5º - As informações sigilosas obtidas através do rastreamento do veículo deverão ser preservadas nos termos da Constituição Federal e das leis que regulamentam a matéria e serão disponibilizadas para o órgão gestor do Sistema Nacional de Prevenção, Fiscalização e Repressão ao Furto e Roubo de Veículos e Cargas, criado pela Lei Complementar n º 121 de 09 de fevereiro de 2006.
Art. 6º O descumprimento do disposto nesta Resolução sujeitará o infrator à aplicação das sanções previstas nos Arts. 230, inciso IX e 237 do Código de Trânsito Brasileiro.
Art. 7º - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação. [Voltar]

2 - Termo original usado pelo autor para descrever que as autoridades estão observando os cidadão. O livro é inspirado na opressão dos regimes totalitários das décadas de 30 e 40, o livro não se resume a apenas criticar o stalinismo e o nazismo, mas toda a nivelação da sociedade, a redução do indivíduo em peça para servir ao estado ou ao mercado através do controle total, incluindo o pensamento e a redução do idioma. Winstom Smith representa o cidadão-comum vigiado pelas teletelas e pelas diretrizes do Partido. Orwell escolhera este nome na soma da 'homenagem' ao primeiro-ministro Winston Churchill com o uso do sobrenome mais comum na Inglaterra. A obra-prima foi escrita no ano de 1948 e seu título invertido para 1984 por pressão dos editores. A intenção de Orwell era descrever um futuro baseado nos absurdos do presente - consoante retrata o sítio na rede mundial de computadores, www.duplinepensar.net. [Voltar]

3 - Ou seja, um espaço da tranqüilidade, uma zona de confidencialidade particularmente protegida. [Voltar]

4 - Uso secundário deve ser entendido como uso diverso daquela para o qual a informação foi colhida. [Voltar]

5 - Art. 4º - Caberá ao proprietário do veículo decidir sobre a habilitação do equipamento junto aos prestadores de serviço de rastreamento e localização, definindo o tipo e a abrangência do mesmo. [Voltar]



JURID - Rastreadores são proibidos. [19/10/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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