Recurso de apelação. Ação de indenização por danos morais e materiais. Prisão em flagrante delito. Absolvido por falta de indícios.
Tribunal de Justiça do Mato Grosso - TJMT.
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL
APELAÇÃO Nº 63749/2009 - CLASSE CNJ - 198 - COMARCA CAPITAL
APELANTE: ESTADO DE MATO GROSSO
APELADO: EVERALDO AMARAL DE SOUZA
Número do Protocolo: 63749/2009
Data de Julgamento: 28-9-2009
EMENTA
RECURSO DE APELAÇÃO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO - ABSOLVIDO POR FALTA DE INDÍCIOS - ENCARCERAMENTO POR SESSENTA E DOIS DIAS - DANO MATERIAL - NÃO CONFIGURADO - DANO MORAL - CONFIGURADO - REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO - ARTIGO 944 DO CÓDIGO CIVIL - SENTENÇA MODIFICADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
Para que sejam deferidos pelo Judiciário os prejuízos decorrentes de danos materiais, necessária a prova cabal de sua ocorrência nos autos, inclusive no que tange aos valores pretendidos.
A demonstração do dano moral resulta na realização da prova do nexo causal entre a conduta indevida, o resultado danoso e o fato, o que estão comprovados.
No tocante ao quantum, não há critérios pré-determinados para a sua aferição. Contudo, este deve ser estipulado de forma a proporcionar ao ofendido a satisfação do abalo sofrido, levando-se em conta a extensão da dor, as condições sociais e econômicas da vítima. Apesar do tempo que o apelado passou no estabelecimento prisional, considero a quantia arbitrada pelo juiz a quo, fora dos padrões de indenização, sendo exorbitante. Portanto, embasado no artigo 944, parágrafo único do Código Civil, reduzo o valor da indenização por danos morais.
R E L A T Ó R I O
EXMO. SR. DES. EVANDRO STÁBILE
Egrégia Câmara:
Trata-se de recurso de apelação proposto pelo ESTADO DE MATO GROSSO, contra sentença que julgou parcialmente procedente ação de indenização por danos morais e materiais proposta por EVERALDO AMARAL DE SOUZA, deixando de reparar o dano material, porém, condenando a Fazenda Pública ao pagamento de 50 salários mínimos por danos morais.
Sustenta que: os policiais militares que efetuaram a prisão do recorrido estavam em estrito cumprimento do dever legal; a decisão gera gravame ao Estado, violando princípios constitucionais; o valor da condenação é excessivo e causaria enriquecimento ilícito ao apelado.
Requer o provimento do recurso, reformando a sentença.
As contra-razões foram apresentadas às fls. 211/216, pugnando pelo improvimento do recurso.
A Douta Procuradoria Geral de Justiça, às fls. 260/264, opina pelo provimento do recurso.
É o relatório.
P A R E C E R (ORAL)
O SR. DR. LUIZ EDUARDO MARTINS JACOB
Ratifico o parecer escrito.
V O T O
EXMO. SR. DES. EVANDRO STÁBILE (RELATOR)
Egrégia Câmara:
O recorrente busca a reforma da sentença, que julgou parcialmente procedente ação de indenização por danos morais e materiais proposta pelo recorrido, decorrente do seu encarceramento em unidade prisional de Cuiabá, nela permanecendo por sessenta e dois dias.
Ocorre que, no dia 6-6-2004, policiais em ronda, após revistarem o apelado, encontraram numa lixeira próxima, vinte trouxinhas de cocaína e, entendendo ser ele traficante de substância entorpecente, efetuaram sua prisão em flagrante delito.
O apelado teve sua prisão revogada no dia 8-9-2004 e foi absolvido da imputação pelo juízo singular nos termos do artigo 386, inciso IV do Código de Processo Penal, pois não ficou provado que o réu tinha concorrido para a prática do delito.
A ação indenizatória foi julgada parcialmente procedente condenando o apelante ao pagamento de 50 (cinqüenta) salários mínimos a título de danos morais, deixando de condená-lo ao pagamento de danos materiais por entender insuficientemente provado.
O apelante aduz que os policiais que efetuaram a prisão estavam em estrito cumprimento do dever legal e que o valor da condenação é excessivo e causaria enriquecimento ilícito ao apelado.
Analisando os autos, verifica-se que a prisão em flagrante foi efetuada de maneira abusiva. Trata-se de uma prisão de natureza cautelar e administrativa, consistente na restrição da liberdade de pessoa, desde que se encontre em alguma das situações abaixo:
"Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:
I - está cometendo a infração penal;
II - acaba de cometê-la;
III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;
IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração."
Tanto o parecer do Ministério Público (fls. 48/49) quanto à decisão que absolveu o apelado (fls. 51/53) reforçam a idéia de que não havia indícios suficientes para condenar o réu, este estava apenas próximo a uma lixeira de supermercado que ficava ao lado da sua residência.
Em matéria de responsabilidade civil do Estado, para ser reconhecido o dever de indenizar é necessária a presença dos requisitos que autorizam tal reconhecimento, quais sejam: o dano, o nexo de causalidade e a culpa do agente.
No caso dos autos, todos esses requisitos foram comprovados, razão pela qual é devida a indenização por danos morais, pleiteada pelo recorrido.
Com relação aos danos materiais, a sentença não merece reparos. Para que tais prejuízos sejam deferidos pelo Judiciário, necessária a prova cabal de sua ocorrência nos autos, inclusive no que tange aos valores pretendidos. Os documentos juntados pelo apelado não comprovam nenhum dano material. Aufere-se dos autos às fls.102/103 que o apelado é servidor concursado e percebeu os proventos de junho de 2004 a setembro de 2004, período que esteve preso.
Portanto, não comprovado os danos patrimoniais realmente sofridos e o que razoavelmente deixou de ganhar, o apelado não faz jus aos danos materiais.
O dano moral é o prejuízo decorrente da dor suportada por uma pessoa, em razão de atos que, indevidamente, ofendem seus sentimentos de honra e dignidade. Nessa perspectiva, para a demonstração do dano moral basta a realização da prova do nexo causal entre a conduta indevida, o resultado danoso e o fato, o que estão comprovados.
No tocante ao quantum, não há critérios pré-determinados para a sua aferição. Contudo, este deve ser estipulado de forma a proporcionar ao ofendido a satisfação do abalo sofrido, levando-se em conta a extensão da dor, as condições sociais e econômicas da vítima e da pessoa obrigada, sem, no entanto, ensejar obtenção de vantagem excessiva, segundo orientação jurisprudencial e doutrinária dominante.
É consagrado o entendimento de que "cabe ao juiz, de acordo com o seu prudente arbítrio, atentando para a repercussão do dano e a possibilidade econômica do ofensor, estimar uma quantia a título de reparação pelo dano moral" (in Sérgio Cavalieri Filho, ob., cit., p. 80).
O fato de o recorrido ter sido preso por sessenta e dois dias, tendo em vista as condições do estabelecimento prisional, é suficiente para configurar o alegado dano moral. Dessa forma, o nexo de causalidade está evidente, pois o dano experimentado pelo recorrido decorre da conduta culposa do recorrente.
Nessa perspectiva, para a demonstração do dano moral basta a realização da prova do nexo causal entre a conduta indevida, o resultado danoso e o fato.
Nesse sentido, é o posicionamento jurisprudencial:
"INDENIZAÇÃO - CHEQUE CLONADO - DANOS MORAIS - MAJORAÇÃO - 'QUANTUM' INDENIZATÓRIO - PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE - DANOS MATERIAIS - INDENIZAÇÃO DEVIDA - HONORÁRIOS - FIXAÇÃO - GRAU DE ZELO E TEMPO EXIGIDO PELO TRABALHO DO ADVOGADO - PRIMEIRO RECURSO PROVIDO - SEGUNDO RECURSO NEGADO PROVIMENTO. Age com negligência o banco que paga cheques fraudados de cliente, causando danos morais ao titular da conta corrente, devendo por isso, ser indenizado pelo estabelecimento bancário. Deve o banco restituir os valores debitados indevidamente na conta-corrente do cliente, referente às tarifas cobradas pela devolução dos cheques fraudados. Para fixação do 'quantum' indenizatório deve ser considerada a extensão do dano e a situação financeira das partes, capaz de compensar o constrangimento da autora e suficiente para servir de alerta ao banco réu, não podendo, de forma alguma, configurar enriquecimento ilícito. Os honorários advocatícios devem ser fixados observados o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço - inteligência do parágrafo 3º do artigo 20 do CPC." (TJMG - Apelação nº 1.0024.05.878409-1/001 - Rel. Des. Sebastião Pereira De Souza - Julgado em 4-7-2007).
Ocorre que, apesar do tempo que o apelado passou no estabelecimento prisional, considero a quantia arbitrada pelo juiz a quo, fora dos padrões de indenização, sendo exorbitante.
Portanto, embasado no artigo 944, parágrafo único do Código Civil, determino a redução do valor da indenização por danos morais, fixando-o em R$9.000,00 (nove mil reais).
"Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização."
Ante o exposto, dou provimento parcial ao recurso para modificar em parte a sentença atacada, apenas para fixar a título de danos morais, a quantia de R$9.000,00 (nove mil reais).
É como voto.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DES. JOSÉ TADEU CURY, por meio da Câmara Julgadora, composta pelo DES. EVANDRO STÁBILE (Relator), DES. JOSÉ TADEU CURY (Revisor) e DR. CIRIO MIOTTO (Vogal convocado), proferiu a seguinte decisão: À UNANIMIDADE, DERAM PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.
Cuiabá, 28 de setembro de 2009.
DESEMBARGADOR JOSÉ TADEU CURY - PRESIDENTE DA TERCEIRA CÂMARA CÍVEL
DESEMBARGADOR EVANDRO STÁBILE - RELATOR
PROCURADOR DE JUSTIÇA
Publicado em 07/10/09
JURID - Prisão em flagrante delito. Absolvido por falta de indícios. [13/10/09] - Jurisprudência
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