Anúncios


terça-feira, 13 de outubro de 2009

JURID - Penal. Habeas corpus. Furto consumado. Irrelevância penal. [13/10/09] - Jurisprudência


Penal. Habeas corpus. Furto consumado. Irrelevância penal.
Obras jurídicas digitalizadas, por um preço menor que as obras impressas. Acesse e conheça as vantagens de ter uma Biblioteca Digital!


Superior Tribunal de Justiça - STJ.

HABEAS CORPUS Nº 123.592 - MS (2008/0274833-0)

RELATOR: MINISTRO FELIX FISCHER

IMPETRANTE: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL

ADVOGADO: FÁTIMA MARIA DE OLIVEIRA - DEFENSORA PÚBLICA E OUTRO

IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL

PACIENTE: BLANCA SÔNIA CORREIA DA SILVA (PRESA)

EMENTA

PENAL. HABEAS CORPUS. FURTO CONSUMADO. IRRELEVÂNCIA PENAL.

I - No caso de furto, a verificação da relevância penal da conduta requer se faça distinção entre ínfimo (ninharia) e pequeno valor. Este, ex vi legis, implica eventualmente, em furto privilegiado; aquele, na atipia conglobante (dada a mínima gravidade).

II - A interpretação deve considerar o bem jurídico tutelado e o tipo de injusto.

III - In casu, a paciente foi condenada por furto de 05 (cinco) pratos, roupas de criança e uma bolsa, bem avaliados. É de ser reconhecer, na espécie, a irrelevância penal da conduta.

Ordem concedida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho e Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 1º de setembro de 2009. (Data do Julgamento).

MINISTRO FELIX FISCHER
Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO FELIX FISCHER: Cuida-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em benefício de BLANCA SÔNIA CORREIA DA SILVA, em face de v. acórdão prolatado pelo e. Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, nos autos da apelação criminal 2008.016726-3.

Depreende-se dos autos que a paciente foi condenada como incursa nas sanções do art. 155, caput, do Código Penal, à pena de 02 (dois) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 40 (quarenta) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo à época dos fatos, vedado o direito de apelar em liberdade.

Irresignada, a Defesa interpôs recurso de apelação, o qual desprovido. Eis a ementa do julgado:

"E M E N T A - APELAÇÃO CRIMINAL - FURTO - SENTENÇA CONDENATÓRIA - PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO - ALEGADA INSUFICIÊNCIA DE PROVAS - MATERIALIDADE COMPROVADA - AUTORIA - NEGATIVA PELA RÉ - IRRELEVÂNCIA - IMPUTAÇÃO DO CRIME PELAS DEMAIS TESTEMUNHAS - PROVA SUFICIENTE - PEDIDO DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IMPOSSIBILIDADE - CONDENAÇÃO MANTIDA - RECURSO IMPROVIDO.

Comprovada a materialidade e se a autoria, embora negada pela ré, encontra-se consubstanciada nos demais depoimentos testemunhais, a prova é suficiente para embasar o decreto condenatório.

Revela-se incabível a aplicação do princípio da insignificância, quando observado que nem o valor da coisa furtada nem as circunstâncias pessoais da condenada autorizam a aplicação do benefício." (fl. 76).

Daí o presente mandamus por meio do qual a defesa sustenta que a paciente sofre indevido constrangimento ilegal em seu status libertatis, eis que o fato imputado à mesma seria atípico, uma vez que os bens da vítima foram integralmente devolvidos no estado em que estavam quando ocorreu o furto e também pelo fato de não perfazerem sequer o valor de um salário mínimo vigente. Pugna, assim, pela absolvição do paciente.

Liminar denegada consoante fl. 82.

Informações prestadas às fl. 87.

A douta Subprocuradoria-Geral da República, às fls. 99/103, manifestou-se pelo denegação da ordem, em parecer assim ementado:

"HABEAS CORPUS. FURTO. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO DECORRENTE DO RECONHECIMENTO DA AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE, IN CASU, PORQUANTO A PACIENTE É REINCIDENTE EM CRIME DE FURTO. NÃO-PREENCHIMENTO DOS VETORES QUE LEGITIMAM A APLICAÇÃO DO POSTULADO, PROPOSTOS PELO MINISTRO CELSO DE MELLO NA RELATORIA DO HC 84.412/SP. PARECER NO SENTIDO DA DENEGAÇÃO DA ORDEM." (fl. 99).

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO FELIX FISCHER: Sustenta o impetrante, em suma, que a conduta atribuída ao paciente é materialmente atípica pela aplicação direta do princípio da insignificância. Pugna, assim, pela sua absolvição.

A quaestio suscitada enseja polêmica no que se refere aos limites e as características do princípio da insignificância que é, entre nós, causa supra-legal de atipia penal. Em outras palavras, a conduta legalmente típica, por força do princípio da insignificância, poderia não ser penalmente típica visto que haveria, aí, segundo lição de E.R. Zaffaroni, atipicidade conglobante. Esta (como falta de antinormatividade) seria uma forma de limitação aos eventuais excessos da tipicidade legal. O princípio em tela, tal como, também, qualquer dispositivo legal, deve ter necessariamente um significado, um sentido. Não pode ensejar absurdos axiológicos e nem estabelecer contraste com texto expresso não contestado (comparativamente, sobre o princípio estruturado por Roxin, Tiedemann e outros, tem-se, em nossa doutrina: "O Princípio da Insignificância como excludente da tipicidade no Direito Penal", de Carlos Vico Mañas, "O Princípio da Insignificância no Direito Penal", do Maurício Antônio Ribeiro Lopes, RT e "Observações sobre o Princípio da Insignificância", de Odone Sanguiné, nos "Fascículos das Ciências Penais", Safe, vol. 3, nº 1).

In casu, trata-se do furto de 5 pratos, de roupas de criança e uma bolsa (todos os objetos avaliados em R$100,00). A questão reside, então, em saber se o objeto visado, ao ter a sua subtração consumada, estaria caracterizando um ilícito penal, um ilícito extra-penal ou algo, até, juridicamente indiferente.

Se, por um lado, na hodierna dogmática jurídico-penal, não se pode negar a relevância do princípio enfocado, por outro, ele não pode ser manejado de forma a incentivar condutas atentatórias que, toleradas pelo Estado, seriam uma maneira de afetar seriamente a possibilidade de uma proveitosa vida coletiva (conforme terminologia de Wessels). De qualquer modo, impõe-se, aí, recordar C. Roxin (in "Derecho Penal", PG, Tomo I, trad. esp., Civitas, 1997, p. 297), in verbis: "Por consiguiente, la solución correcta se produce en cada caso mediante una interpretación restrictiva orientada hacia el bien jurídico protegido. Dicho procedimiento es preferible a la invocación indiferenciada a la adecuación social de esas acciones, pues evita el peligro de tomar decisiones siguiendo el mero sentimiento jurídico o incluso de declarar atípicos abusos generalmente extendidos. Además, sólo una interpretación extrictamente referida al bien jurídico y que atienda al respectivo tipo (clase) de injusto deja claro por qué una parte de las acciones insignificantes son atípicas y a menudo están ya excluidas por el proprio tenor legal, pero en cambio otra parte, como v.gr. los hurtos bagatela, encajan indudablemente en el tipo: la propriedad y la posesión también se ven ya vulneradas por el hurto de objetos insignificantes, mientras que en otros casos el bien jurídico sólo es menoscabado si se da una cierta intensidad de la afectación." Como referencial, na doutrina, é de se lembrar a exemplificação, acerca do tema, feita por E. R. Zaffaroni (in "Derecho Penal", PG, c/ A. Alagia & A. Slokar, Ediar, 2000, p. 472), a saber: "no es racional que arrancar un cabello sea una lesión, apoderarse de una cerilla ajena para encender el cigarrillo sea un hurto, llevar un pasajero hasta la parada siguiente a cien metros sea una privación de libertad, los presentes de uso a funcionarios constituyan una dádiva, etc. En casi todos los tipos en que los bienes jurídicos admitan lesiones graduables, es posible concebir actos que sean insignificantes." Nesta mesma linha, Juarez Cirino dos Santos (in "A Moderna Teoria do Fato Punível" 2ª ed., Freitas Bastos, p. 37). Está claro, de pronto, para evitar temerária e inaceitável incerteza denotativa, que a aplicação do princípio da insignificância deve sempre ser feita através de interpretação referida ao bem jurídico (e não mera tabela de valores), atendendo ao tipo de injusto. Não se deve, no entanto, atingir deliberada e gravemente a segurança jurídica (cf. preocupação revelada por L. Régis Prado in "Curso de Direito Penal Brasileiro", vol. I, RT, 3ª ed., p. 124). E não é só! Ainda que se reconheça - como, de fato, creio ser certo - a sua observância mesmo nos casos de delitos privilegiados e nas infrações de menor potencial lesivo, não como forma de julgar contra legem, mas, isto sim, de reconhecer que abaixo de certo patamar de desvalor, em grau, aí, ínfimo (ninharia), até a figura típica derivada pode não incidir. Ainda assim, repito, o manejo desta causa de atipia conglobante não deve contrastar, frontalmente, com outros princípios, v.g., como o da razoabilidade. Primeiro, vale dizer, inclusive por óbvio, que o princípio da insignificância não pode ter a finalidade de afrontar critérios axiológicos elementares. Asseverar-se que devem ser penalmente toleradas subtrações de objetos não essenciais (de pequeno, porém, não ínfimo, valor) por pessoas, comparativamente (considerando-se a nossa realidade), de classe privilegiada, tomando-se como referencial um - no feito - questionável desvalor de resultado medido circunstancialmente pelo julgador, data venia, é de difícil aceitação em qualquer grau de conhecimento, dado a manifesto desvio, aí, da finalidade das normas penais. Não se pode confundir eventual reduzido juízo de censura penal (v.g. tipo privilegiado) com aceitação ou tolerância do que, primo ictu oculi, não pode ser aceito ou tolerado. Se, aliás, o descrito na imputatio facti devesse, ex hypothesis, merecer aprovação (pela via da adequação social) ou tolerância da coletividade pela suposta mínima gravidade (pela via da insignificância), a prática de furtos de pequenos objetos em supermercados teria que ser considerada, mormente para integrantes das classes privilegiadas, como uma espécie de ... hobby (o furto seria penalmente típico, por assim dizer, conforme a "perigosidade social" decorrente da classe social a que pertencesse o agente ...). Tudo isto, tornando o prejuízo, mesmo reiterado, obrigatoriamente, suportável pelo sujeito passivo, porquanto, pela sistemática legal em vigor, inexiste (afora o art. 155 do CP), em casos tais, proteção jurídica viável (ou, até, teoricamente pertinente) contra tal agir. Vale, todavia, destacar que não se deve, evidentemente, confundir esta situação com aquela em que se discute a possível configuração de justificativa, ex vi, v.g., art. 24 do Código Penal. Tem mais! É, lamentavelmente, inolvidável que os pobres e até os que se encontram em situação de miséria, não poucas vezes, são, por igual, vítimas de furtos. Se já não bastasse o referencial estranho para pequeno valor (considerado um salário-mínimo, ou seja, tudo o que, normalmente, um pobre tem, para efeito do § 2º do art. 155 do CP), o princípio da insignificância, sob ótica elitista, levaria uma grande parte da população a ficar sem proteção penal no que se refere aos furtos (decerto, deveriam, então, reclamar nos juizados cíveis...). Segundo, volto a sublinhar, mesmo reconhecendo a possibilidade da aplicação do princípio nas figuras privilegiadas, entendo que é de se distinguir entre ínfimo (desprezível) e pequeno valor. Este, ensejando, eventualmente, o furto privilegiado (art. 155 § 2º do CP), aquele, a atipia conglobante. Esta distinção não pode ser ignorada. Há previsão legal (§2º) que deve ser observada, sob pena de julgamento contra legem.

O princípio da insignificância, via elastério exagerado, poderia, erroneamente, ser utilizado como hipótese supra-legal de perdão judicial calcado em exegese ideologicamente classista ou, então, emocional.

Sob outro prisma, a resposta penal, no furto privilegiado (§ 2º do art. 155 do CP), conforme o caso, pode reduzir-se, tão só, à simples multa, o que é algo similar ou paralelo ao que Justus Krümpelmann ("Die Bagatelldelikte") denomina de solução administrativa para a questão penal.

Ex positis, tenho que, na espécie, o furto de 5 (cinco) pratos, roupas de criança e uma bolsa (bens avaliados, conjuntamente, em aproximadamente R$ 100,00), incide o princípio da insignificância, razão pela qual concedo a ordem para cassar a decisão do e. Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul e declarar a absolvição da paciente quanto ao crime de furto.

É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUINTA TURMA

Número Registro: 2008/0274833-0 HC 123592 / MS

MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 20080167263 4050031647

EM MESA JULGADO: 01/09/2009

Relator
Exmo. Sr. Ministro FELIX FISCHER

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. BRASILINO PEREIRA DOS SANTOS

Secretário
Bel. LAURO ROCHA REIS

AUTUAÇÃO

IMPETRANTE: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL

ADVOGADO: FÁTIMA MARIA DE OLIVEIRA - DEFENSORA PÚBLICA E OUTRO

IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL

PACIENTE: BLANCA SÔNIA CORREIA DA SILVA (PRESA)

ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes contra o Patrimônio - Furto

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"A Turma, por unanimidade, concedeu a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator."

Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho e Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 01 de setembro de 2009

LAURO ROCHA REIS
Secretário

Documento: 907868

Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 05/10/2009




JURID - Penal. Habeas corpus. Furto consumado. Irrelevância penal. [13/10/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário