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quinta-feira, 15 de outubro de 2009

JURID - Inundação e crime ambiental. Trancamento da ação penal. [15/10/09] - Jurisprudência


Processual penal. Habeas corpus. Inundação e crime ambiental. Trancamento da ação penal. Ausência de justa causa.
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Superior Tribunal de Justiça - STJ.

HABEAS CORPUS Nº 94.543 - RJ (2007/0269461-2)

RELATOR: MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO

R.P/ACÓRDÃO: MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA

IMPETRANTE: LUIZ FERNANDO SÁ E SOUZA PACHECO E OUTRO

ADVOGADO: FREDERICO DONATI BARBOSA

IMPETRADO: TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2A REGIÃO

PACIENTE: MARIA PIA ESMERALDA MATARAZZO

PACIENTE: VICTOR JOSÉ VELO PEREZ

PACIENTE: RENATO SALLES DOS SANTOS CRUZ

EMENTA

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. INUNDAÇÃO E CRIME AMBIENTAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. OCORRÊNCIA. DELITOS OMISSIVOS. GARANTE. ART. 13, § 2º, DO CÓDIGO PENAL. REQUISITOS OBJETIVO E SUBJETIVO. NÃO-PREENCHIMENTO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. ORDEM CONCEDIDA.

1. Para que um agente seja sujeito ativo de delito omissivo, além dos elementos objetivos do próprio tipo penal, necessário se faz o preenchimento dos elementos contidos no art. 13 do Código Penal: a situação típica ou de perigo para o bem jurídico, o poder de agir e a posição de garantidor.

2. Ausente um dos elementos indispensáveis para caracterizar um agente sujeito ativo de delito omissivo - poder de agir -, previstos no art. 13 do Código Penal, falta justa causa para o prosseguimento da ação penal, em face da atipicidade da conduta.

3. Ordem concedida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, conceder a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima, que lavrará o acórdão. Votaram com o Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima os Srs. Ministros Jorge Mussi e Laurita Vaz.

Votou vencido o Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, que denegava a ordem.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Felix Fischer.

Brasília (DF), 17 de setembro de 2009(data do julgamento)

MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA
Relator

RELATÓRIO

1.Trata-se de Habeas Corpus, sem pedido de liminar, impetrado em favor de MARIA PIA ESMERALDA MATARAZZO, VICTOR JOSÉ VELO PEREZ e RENATO SALLES DOS SANTOS CRUZ, em adversidade ao acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 2a. Região, que denegou a ordem em writ anterior. O aresto restou assim ementado:

PENAL. DELITO AMBIENTAL. AGENTE GARANTIDOR. NEXO DE CAUSALIDADE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE.

1.Só há ausência de justa causa a ensejar o trancamento da ação penal através de habeas corpus, quando comprovada, de plano, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou a ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito. Além disso, dada a excepcionalidade do trancamento da ação penal, em sede de habeas corpus, é necessário que o constrangimento ilegal sofrido seja manifesto, perceptível primus ictus oculi.

2.Em se tratando de crime comissivo por omissão e de perigo, há justa causa suficiente para que a ação penal tenha seu regular prosseguimento, também em face do ora paciente, até mesmo porque, em face de sua posição de Diretor Financeiro da Indústria Matarazzo de Papéis S/A, pode ter participado da decisão de ignorar a advertência feita, sendo possível, pois, que ocupasse a posição de agente garantidor.

3.As decisões do poluidor são tomadas em determinada data, mas as conseqüências só vêm a aparecer (se aparecerem) tempos depois, o que torna imprescindível a avaliação não só da situação de fato existente na data da ocorrência, mas também de toda a perspectiva de causalidade do dano, vista a partir de todo o encadeamento histórico que originou o estrago ambiental.

4.A omissão em atender a advertência dos experts, não se constitui em inclusão de uma causa remota na cadeia causal do dano, com regresso ao infinito, vez que pode ter contribuído de forma direta e imediata para a ocorrência do dano ambiental, ainda que vários anos depois, em equivalência das condições e causalidade adequada, o que só se poderá verificar com o andamento da Ação Penal.

5.Ordem denegada (fls. 605).

2.Depreende-se dos autos que os pacientes foram denunciados pela suposta prática dos crimes tipificados nos arts. 254 do CPB (causar inundação, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem), 54, caput, § 2o. III, e 68, caput, estes últimos da Lei 9.605/98 (causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade e deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental), em razão do rompimento da barragem B, situada na Fazenda Bom Destino, ocorrido em 29 de março de 2003, no Município de Cataguazes/MG.

3.Alegam os impetrantes, em síntese, que em 23 de agosto de 1994, a INDÚSTRIA MATARAZZO DE PAPÉIS perdeu a propriedade da Fazenda Bom Destino, por força de carta de adjudicação passada a diversos de seus funcionários como resultado de ação trabalhista movida perante a Justiça do Trabalho. Os adjudicantes, por sua vez, em 12 de janeiro de 1996, venderam o terreno à empresa FLORESTAL CATAGUAZES LTDA., que, a partir de então, tornou-se a proprietária da Fazenda Bom Destino, com a devida averbação no Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Cataguazes/MG (fls. 7/8). Portanto, continuam, não lhes cabia qualquer ação para evitar dano em imóvel que não lhes pertencia há 10 anos, razão pela qual postulam o trancamento da Ação Penal, sob a alegação de falta de justa causa.

4.Foi deferido o pedido de tutela liminar aos pacientes, exclusivamente para sustar os interrogatórios judiciais (fls. 1.510/1.512, 1.557/1.559) e também ao co-réu LUIZ HENRIQUE SERRA MAZZILI (fls. 1.587/1.589).

5.O ilustre Subprocurador-Geral da República WAGNER NATAL BATISTA manifestou-se pela denegação da ordem, em parecer assim ementado:

HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE. PLEITO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL FUNDADO NA AUSÊNCIA DA PARTICIPAÇÃO DOS PACIENTES NO EVENTO DELITUOSO. QUESTÃO CONTROVERSA. MATÉRIA PROBATÓRIA. IRRETROATIVIDADE DA LEI PENAL.

1.Se para aferir a responsabilidade dos pacientes é necessário o exame aprofundado de provas, eis que se trata de questão controversa, é inviável sua análise na via estreita do writ.

2.A falta de justa causa para a ação penal só pode ser reconhecida quando, de pronto, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático-probatório evidencia-se a atipicidade do fato, a ausência de indícios a fundamentarem a acusação ou, ainda, a extinção de punibilidade (RHC 13.976/SP e HC 85.542/RN).

3.Na fase do recebimento da denúncia, o Juiz deve aplicar o princípio in dubio pro societate, verificando a procedência da acusação o curso da ação penal, de forma a assegurar ao réu o exercício do direito de defesa e o respeito ao contraditório. A rejeição da denúncia constitui-se em antecipação do juízo de mérito e cerceia o direito de acusação do órgão Ministerial.

4.A alegação de irretroatividade da lei penal não foi analisada na instância de origem, motivo pelo qual não pode ser conhecida nesta instância, sob pena da vedada supressão de instância.

5.Parecer pela denegação da ordem (fls. 1.534/1.534).

6.É o que havia de relevante para relatar.

VOTO

HABEAS CORPUS PREVENTIVO. CRIMES AMBIENTAIS (INUNDAÇÃO E POLUIÇÃO). DELITOS COMISSIVOS POR OMISSÃO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO DOS PACIENTES NO EVENTO DELITUOSO. QUESTÃO CONTROVERTIDA. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA INCOMPATÍVEL COM O MANDAMUS. MATERIALIDADE COMPROVADA. INDÍCIOS DE AUTORIA. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM DENEGADA.

1.O trancamento da Ação Penal por falta de justa causa é medida excepcional, somente admitida nas hipóteses em que se mostrar evidente, de plano, a ausência de justa causa, a inexistência de elementos indiciários demonstrativos da autoria e da materialidade do delito ou, ainda, a presença de alguma causa excludente de punibilidade.

2.Não se pode negar que se apuram condutas comissivas por omissão, sendo certo que todos os envolvidos tinham plena ciência da provisoriedade da barragem que se rompeu e causou o gigantesco desastre ambiental, bem como da necessidade da adoção de soluções mais eficazes de eliminação do lixo tóxico.

3.As decisões tomadas em determinada data podem ser decisivas quando se trata de crime ambiental, pois suas conseqüências só aparecem tempos depois, o que torna imprescindível a avaliação de todo o encadeamento histórico que originou o estrago ambiental.

4.Na hipótese, não se pode olvidar que bem antes de os pacientes perderem a propriedade da fazenda em que situada a barragem que se rompeu, foram alertados sobre a necessidade de seu esvaziamento, eis que construída em caráter absolutamente provisório. Havendo omissão em atender a essa advertência, sua relevância e o nexo de causalidade com o evento criminoso, ocorrido anos depois, somente poderá ser verificado por meio do regular andamento da Ação Penal, sob o crivo do amplo contraditório.

5.Parecer do MPF pela denegação da ordem.

6.Ordem denegada, para determinar o regular prosseguimento da Ação Penal, cassando-se as liminares anteriormente concedidas.

1.O Tribunal a quo, no que interessa, aduziu o seguinte:

Através de uma leitura da denúncia em questão, pode-se perceber que os fatos atentatórios ao meio-ambiente são inegavelmente descritos de forma minuciosa, fixando a materialidade delitiva, na medida em que relata o rompimento, ocorrido no dia 29/03/2003, de uma das barragens de resíduos industriais, situada na Fazenda Bom Destino, em Cataguases/MG, desastre ambiental que implicou no vazamento de 500.000.000 (quinhentos milhões) de litros de um líquido composto de lignina (chamado de "licor negro") e sais utilizados no processo de digestão da madeira (hidróxido de sódio, sulfeto de sódio e carbonato de cálcio) sobre as propriedades e culturas agrícolas da região, que restaram destruídas.

Resta avaliar então se há indícios suficientes de autoria, em relação ao paciente.

A denúncia imputou ao paciente, dentre outros, a responsabilidade penal pelo desastre ambiental, porque, como Diretor Financeiro do Grupo de Sociedades Matarazzo ocuparia a posição de garante, razão pela qual teria o dever de agir de forma a evitá-lo.

Num primeiro momento, em sede de mera análise perfunctória, pareceu-me que, pelo fato de a posse, gozo e domínio da gleba rural denominada Fazenda Bom Destino não mais pertencer à Indústria Matarazzo de Papéis S/A, por ter sido adjudicada aos reclamantes da Ação Trabalhista nº 1015/93, em 23/08/1994, antes, portanto, da data do rompimento da barragem de resíduos industriais, ocorrido em 29/03/2003, o ora paciente não poderia deter a posição de agente garantidor, por não mais estar incumbido do "dever de agir" para evitar o resultado danoso, razão pela qual deferi a liminar para suspender os atos processuais, até o julgamento do presente.

Ocorre que, em suas informações, destacou a MMª. Juíza impetrada que, em 05/10/90 - data em que a propriedade da Fazenda Bom Destino ainda era da empresa denunciada - foi a empresa advertida, pelo Diretor da Vector Projetos Integrados SC Ltda. - empresa projetista de barragens - que a barragem "B" (justamente a que se rompeu) deveria ser desativada após abril de 1993, destacando o risco de perda de resistência do aterro em questão.

Assim sendo, em se tratando de crime comissivo por omissão e de perigo, há justa causa suficiente para que a ação penal tenha seu regular prosseguimento, também em face do ora paciente, até mesmo porque, em face de sua posição de Diretor Financeiro da Indústria Matarazzo de Papéis S/A, pode ter participado da decisão de ignorar a advertência feita, sendo possível, pois, que ocupasse a posição de agente garantidor.

Em temas de Direito Criminal Ambiental, pode-se observar que as decisões do poluidor são tomadas em determinada data, mas as conseqüências só vêm a aparecer (se aparecerem) tempos depois, o que torna imprescindível a avaliação não só da situação de fato existente na data da ocorrência, mas também de toda a perspectiva de causalidade do dano, vista a partir de todo o encadeamento histórico que originou o estrago ambiental.

Como destacado pelo ilustre Procurador da República, em seu parecer:

Em suma, independentemente da barragem ter-se rompido 09 anos após a arrematação do imóvel, ESTÁ COMPROVADO QUE COMPETIA AO PACIENTE A SUA DESATIVAÇÃO EM ABRIL DE 1993, ÉPOCA EM QUE A PROPRIEDADE ERA DAS INDÚSTRIAS MATARAZZO DE PAPÉIS S/A, de acordo com as informações dos projetistas, às fls. 456/460. (fls. 477)

Por óbvio que não estou aqui entendendo comprovada a culpabilidade do paciente - como o fez o MPF, por força de sua verve lingüística - mas apenas afirmando que há indícios suficientes de autoria, a justificar o prosseguimento da Ação Penal.

Destaque-se, por fim, que não se está defendendo a inclusão de uma causa remota na cadeia causal do dano, com regresso ao infinito, vez que a omissão em atender a advertência dos experts pode ter contribuído de forma direta e imediata para a ocorrência do dano ambiental, ainda que vários anos depois, em equivalência das condições e causalidade adequada, o que só se poderá verificar com o andamento da Ação Penal.

2.É fato incontroverso que, em 29.03.03, houve o rompimento da Barragem B de rejeitos químicos industriais, subprodutos da fabricação de papel, da Fazenda Bom Destino, localizada no Município de Cataguazes/MG, causando um desastre ambiental gigantesco (poluição de rios, destruição de casas e plantações, matança de animais, afetando, no total, doze municípios em três Estados.

3.Também é incontroverso que as INDÚSTRIAS MATARAZZO DE PAPÉIS S/A, empresa da qual os pacientes eram controladores ou acionistas, perdeu a propriedade da Fazenda Bom Destino em 14.09.04, por força de uma carta de adjudicação extraída dos Autos da Reclamação Trabalhista 1.015/93. Em 1995, os adjudicantes, antigos funcionários das INDÚSTRIAS MATARAZZO, venderam o terreno à empresa FLORESTAL CATAGUAZES LTDA, conforme averbação no Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Cataguazes/MG, empresa esta, por sua vez, que faz parte do grupo da INDÚSTRIA CATAGUASES DE PAPEL.

4.Ocorre que, como consta dos autos, a INDÚSTRIA MATARAZZO, em 1990, recebera advertência da empresa construtora das duas barragens existentes na Fazenda Bom Destino, VECTOR PROJETOS INTEGRADOS S/C LTDA., de que aquelas tinham sido construídas de maneira provisória, para solucionar o problema emergencial do resíduo tóxico da referida indústria de papel, e que sua vida útil era limitada, devendo a barragem A (não rompida) ser desativada após junho/91 e a barragem B após abril/93.

5.Ao meu sentir, essa circunstância, por ora, é suficiente para determinar o prosseguimento da Ação Penal.

6.Como ressaltado nas informações prestadas pelo MM. Juiz de primeiro grau, o crime previsto no art. 254 do CPB é de perigo, bastando para sua configuração que os bens protegidos tenham sido colocados em risco, como o foram.

7.Não se pode negar que se apuram condutas comissivas por omisssão, sendo certo que todos os envolvidos tinham plena ciência da provisoriedade das referidas barragens e da necessidade da adoção de soluções mais eficazes de eliminação do lixo tóxico. É ler, no que interessa, a inicial acusatória:

Isto explanado, duas ordens de indagação surgem para o fechamento do juízo de tipicidade por parte do Parquet federal. A primeira, se a omissão das condutas esperadas, como narrado na primeira parte da denúncia, subsume-se ao disposto na cabeça do artigo 13 do CP, sendo, pois, causa do resultado. A segunda, se os denunciados deviam na qualidade de garantidores do evitamento do resultado, e logo, de suas consequências, ter realizado ou mandado realizar as ações e operações necessárias à manutenção do equilíbrio e integridade da barragem, além do esvaziamento do reservatório, satisfazendo, assim, as exigências típicas previstas no § 2o., e letras, do art. 13 do CPB.

A primeira indagação desafia pronta resposta. Da narração dos fatos e das provas colhidas em fase inquisitorial, restou induvidoso que desde junho de 1991 o reservatório deveria ter sido esvaziado, o uno mínimo, deveria ter sido incoado um processo de desativação. Esta é a ação esperada, mas omitida pelos denunciados. Sendo certo que pela aplicação da teoria da conditio na omissão (CP, 13, cabeça, segunda parte), o não esgotamento do conteúdo dos reservatórios foi causa do resultado inundação das terras e corpos d'água à jusante, bem como da poluição dos Rios Federas, pelo vazamento do licor negro.

(...).

Pela mesma razão (crime omissivo), é desinfluente à verificação de autoria o fato de que, após o rompimento da barragem, ou ás suas vésperas, este ou aquele denunciado já não integrasse o quadro societário. É que, forte no artigo 29 do CP, todos aqueles que, em algum instante, deviam agir e não agiram são autores. Cuidássemos nós de um crime omissivo, de um fazer, e seria relevante o argumento de quem afirmasse não poder a conduta lhe ser imputada , pela singela razão de ter saído depois dela. Mas repito, trata-se de omissão, ou seja, de ação devia e não realizada ao longo do tempo.

(...).

Mas não é só. Há, neste caso, uma singularidade capaz de ligar, ab initio, os diretores ao conhecimento da ação esperada de esvazimento dos reservatórios. É que, por concepção, as barragens foram projetadas para serem desativadas em dois anos. É dizer, em toda a fase de tratativas contratuais e pré-contratuais, a necessidade de esvaziar o reservatório foi posta em causa (até por determinação do órgão ambiental). Não é por outra razão que o projetista, forte na premissa da provisoriedade, instou a Indústria Matarazzo a cumprir o contratado e desativar os reservatórios.

Não há olvidar que, de início, a Empresa Matarazzo lançava rejeitos diretamente em um corpo hídrico (Córrego Meia Pataca). Alertada pelas autoridades, viu-se compelida a dar outra destinação aos rejeitos. A solução alvitrada foi uma caldeira para reaproveitamento da soda cáustica (um dos componentes da lixívia). Estas não foram construídas. Optou-se pelo armazenamento, em barramento de terra compactada (barragem) com solução temporária, paliativa. Assim, não há negar que, antecessores e sucessores, sempre operaram com o conceito de provisoriedade das barragens. Ou seja, os diretores tinham conhecimento de que deviam mandar ações e operações tendentes ao esvaziamento do reservatório (fls. 61/62).

8.O nexo de causalidade entre as condutas dos pacientes e o desastre ambiental é questão para ser dirimida no curso da ação penal, após o amplo contraditório.

9.Como cediço, o trancamento da Ação Penal por falta de justa causa é medida excepcional, somente admitida nas hipóteses em que se mostrar evidente, de plano, a ausência de justa causa, a inexistência de elementos indiciários demonstrativos da autoria e da materialidade do delito ou, ainda, a presença de alguma causa excludente de punibilidade.

10.Como bem alertou o ilustre representante do Parquet Federal, na fase do recebimento da denúncia, o Juiz deve aplicar o princípio in dubio pro societate, verificando a procedência da acusação o curso da ação penal, de forma a assegurar ao réu o exercício do direito de defesa e o respeito ao contraditório. A rejeição da denúncia constitui-se em antecipação do Juízo de mérito e cerceia o direito de acusação do órgão Ministerial.

11.Ante o exposto, denega-se a ordem, cassando-se as liminares anteriormente concedidas, em consonância com o parecer ministerial.

12.É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUINTA TURMA

Número Registro: 2007/0269461-2 HC 94543 / RJ

MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 200451030000479 200702010045183

EM MESA JULGADO: 18/06/2009

Relator
Exmo. Sr. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO

Subprocurador-Geral da República
(AUSENTE)

Secretário
Bel. LAURO ROCHA REIS

AUTUAÇÃO

IMPETRANTE: LUIZ FERNANDO SÁ E SOUZA PACHECO E OUTRO

ADVOGADO: FREDERICO DONATI BARBOSA

IMPETRADO: TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2A REGIÃO

PACIENTE: MARIA PIA ESMERALDA MATARAZZO

PACIENTE: VICTOR JOSÉ VELO PEREZ

PACIENTE: RENATO SALLES DOS SANTOS CRUZ

ASSUNTO: Penal - Leis Extravagantes - Crimes Contra o Meio Ambiente (Lei 9.605/98)

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"Após o voto do Sr. Ministro Relator denegando a ordem, pediu vista, antecipadamente, o Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima."

Aguardam os Srs. Ministros Jorge Mussi e Laurita Vaz.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Felix Fischer.

Brasília, 18 de junho de 2009

LAURO ROCHA REIS
Secretário

VOTO VENCEDOR

MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA:

Como se viu do relatório lançado aos autos pelo eminente Relator, Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, trata-se de habeas corpus impetrado em favor de MARIA PIA ESMERALDA MATARAZZO, VICTOR JOSÉ VELO PEREZ e RENATO SALLES DOS SANTOS CRUZ, sócios das INDÚSTRIAS MATARAZZO DE PAPÉIS S/A, contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região que denegou a ordem originária (fl. 605).

Sustentam os impetrantes que as INDÚSTRIAS MATARAZZO DE PAPÉIS S/A não eram mais proprietária do imóvel (Fazenda Bom Destino) onde ocorreu o delito ambiental, não podendo, dessa forma, agir para evitar o dano causado pelo rompimento da barragem de resíduos industriais, motivo por que requer o trancamento da ação penal pela ausência de justa causa.

Pedi vista dos autos para melhor examinar a matéria.

Cinge-se a controvérsia à possibilidade de os pacientes serem processados criminalmente, pela ocorrência de delito ambiental, em face da posição de garantidores.

Para melhor examinar a questão, o Código Penal Brasileiro, com a reforma penal de 1984, inseriu a posição de garantes, elencando os sujeitos ativos especiais dos crimes omissivos impróprios, previsto no § 2.º do art. 13:

§ 2º A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:

a) tenha por lei a obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;

b) de outra forma assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;

c) com seu comportamento anterior criou o risco da ocorrência do resultado.

Segundo a doutrina, a estrutura do tipo omissivo tem um aspecto objetivo e um subjetivo: o primeiro "requer que a conduta devida seja fisicamente possível, o que encontra fundamento no princípio geral de direito que impede que este ordene o impossível"; o segundo "requer o efetivo conhecimento da situação típica e a previsão de causalidade" (ZAFFARONI e PIERANGELI, Manual de Direito Penal Brasileiro, Vol. I: parte geral - 7ª ed. rev. e atual. - São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2007, pp. 465/469).

Afirmam, ainda, que o resultado dá-se com "um nexo de evitação, isto é, a probabilidade muito grande de que a conduta devida teria interrompido o processo causal que desembocou no resultado" (op. cit., p. 465).

Os sujeitos ativos dos delitos omissivos, segundo os referidos doutrinadores, são "aqueles que se encontram na posição de garantidor, isto é, numa posição tal em relação ao sujeito passivo que lhes obrigue a garantir especialmente a conservação, reparação ou recuperação do bem jurídico penalmente tutelado" (op. cit., p. 466).

De todo exposto, conclui-se que, além dos elementos objetivos do próprio tipo penal, para que um agente seja sujeito ativo de delito omissivo, necessário se faz o preenchimento dos elementos contidos no art. 13 do Código Penal: a situação típica ou de perigo para o bem jurídico, o poder de agir e a posição de garantidor.

A partir dessas considerações, colho o seguinte excerto da denúncia, no que se refere à questão em exame (fls. 59/62):

Após a analise do apurado, estamos em que a posição fática e jurídica das pessoas físicas e jurídica denunciadas, no que entende com os reservatórios, sua existência, manutenção e desativação, amolda-se a figura típica da letra "B", §2°, art. 13, do CPB. Por outras palavras, os denunciados efetivamente eram (são) garantidores da não-ocorrência do resultado lesivo. Vejamos.

O GRUPO MATARAZZO é garantidor porque contratou a construção das barragens. Ora, as barragens, do ponto de vista econômico, são obras de engenharia civil. É dizer, são bens economicamente apreciáveis (Cód. Civil, art. 79). Construídas estas, a pessoa jurídica tornou-se proprietária de um bem. Visto de outro prisma, as barragens passaram a integrar o patrimônio da empresa como res in commercium. Após o enchimento, o conjunto barragem-líquido não perdeu a feição patrimonial. Assim, o dever de realizar as condutas tendentes a conservar e manter integras as barragens decorre do só fato da propriedade (propter rem).

É escusado dizer que o grupo MATARAZZO, como qualquer proprietário, assumiu a responsabilidade pela conservação e riscos da coisa em relação aos bens de terceiros. Ou e isso, ou teremos de admitir, absurdamente, que as barragens são res nullius. Outra norma não se extrai do §1° do artigo 1228 do Código Civil. Por outro lado, diga-se que o proprietário e responsável, a teor do artigo 937 do predito Código, pelos danos que resultaram de ruína da coisa. E, por obvio, tal responsabilidade e fundada no fato de que o proprietário assume ipso facto a condição de guardião da coisa.

No pertinente às posições de garantes dos sócios e diretores das denunciadas, uma reflexão.

Cuida-se de crime omissivo impróprio ou comissivo por omissão. Em assim sendo, é um truísmo asseverar que a acusação tem o ônus de apontar e individualizar não as condutas, que estas inexistiram; mas, sim, o poder de cada um dos garantes consistente em praticar, ou mais realisticamente, decidir e ordenar a realização, pelos seus ou por terceiros, das ação esperada (esta, sim, como fizemos, demanda individualização). É atentatório à realidade das coisas sequer imaginar, mormente em sociedades empresarias, do porte da denunciada, que a ação esperada e omitida seria realizada, diretamente, por seus gerentes e diretores. O trato da questão, pois, para além de fatual, é normativo. Trata-se de uma destas duas possibilidades: decidir ou não decidir. Forte nisso, estamos em que a posição societária alcança relevância penal.

Pela mesma razão (crime omissivo), e desinfluente a verificação de autoria o fato de que, após o rompimento da barragem, ou às sua vésperas, este ou aquele denunciado já não integrasse o quadro societário. É que, forte no artigo 29 do CP, todos aqueles que, em algum instante, deviam agir e não agiram, são autores. Cuidássemos nós de um crime comissivo, de um fazer, e seria relevante o argumento de quem afirmasse não poder a conduta lhe ser imputada, pela singela razão de ter saído depois dela. Mas, repito, trata-se de omissão, ou seja, de ação devida e não realizada ao longo do tempo.

Pois bem. As investigações encetadas pela Policia Federal, através de depoimentos, inspeções e documentos, permitiram concluir, com segurança, que os sócios e gerentes da Industria Matarazzo de Papeis S/A sabiam, como era de se esperar, da existência dos reservatórios. Como era de se esperar dizemos, visto como os reservatórios, são, ao senso do comum dos homens, um problema de tal magnitude (quem os viu, que o diga!), que não e crível, que homens de negócio, experientes, simplesmente ignorassem quase 1 bilhão de litros de um material nocivo, do qual, ao fim e ao cabo, eram e são proprietários.

Mas não e só. Há, neste caso uma singularidade, capaz de ligar, ab initio, os diretores ao conhecimento da ação esperada de esvaziamento dos reservatórios. E que, por concepção, as barragens foram projetadas para serem desativadas em dois anos. É dizer, em toda a fase de tratativas contratuais e pré-contratuais, a necessidade de esvaziar o reservatório foi posta em causa (ate por determinação do órgão ambiental). Não é por outra razão que o projetista, forte na premissa da provisoriedade, instou a Industria Matarazzo a cumprir o contratado e desativar os reservatórios.

Não há olvidar, em reforço, que, de inicio, a Empresa Matarazzo lançava rejeitos diretamente em um corpo hídrico (Córrego Meia-Pataca). Alertada, pelas autoridades, viu-se compelida a dar outra destinação aos rejeitos. A solução alvitrada foi uma caldeira para reaproveitamento da soda caustica (um dos componentes da lixívia). Estas não foram construídas. optou-se pelo armazenamento, em barramento de terra compactada (barragem) como solução temporária, paliativa. Assim, não há negar que, antecessores e sucessores, sempre operaram com o conceito de provisoriedade das barragens. Ou seja, os diretores tinham conhecimento de que deviam mandar realizar ações e operações tendentes ao esvaziamento do reservatório.

Diante dos elementos do art. 13 do Código Penal acima expostos, verifica-se da denúncia que dois encontram-se presentes: o perigo para o bem jurídico tutelado e a posição de garantidor dos diretores da empresa. Todavia, no que se refere ao poder de agir, tenho que carece desse elemento para configurar a conduta omissiva dos pacientes.

De fato, na época em que a propriedade encontrava-se sob o domínio das INDÚSTRIAS MATARAZZO S/A não tenho nenhuma dúvida de que caberiam aos diretores a omissão de desativar o reservatório que deu causa à inundação e ao desastre ambiental. Nesse caso, com a não-realização da ação devida ou esperada, os diretores assumiram o risco da ocorrência do resultado (dolo eventual).

Entretanto, no caso em exame, na data em que ocorreu a inundação (29/3/03), a propriedade já não pertencia ao grupo MATARAZZO há mais de 9 anos, motivo pelo qual os diretores não detinham mais o poder de agir para interromper o processo causal que levaria ao resultado, ou seja, evitar a ocorrência da inundação.

Portanto, ausente um dos elementos objetivos - poder de agir - previstos no art. 13 do Código Penal, falta justa causa para o prosseguimento da ação penal, em face da atipicidade da conduta dos pacientes.

Ante o exposto, com a devida vênia do eminente relator, concedo a ordem para trancar a ação penal.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUINTA TURMA

Número Registro: 2007/0269461-2 HC 94543 / RJ

MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 200451030000479 200702010045183

EM MESA JULGADO: 17/09/2009

Relator
Exmo. Sr. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO

Relator para Acórdão
Exmo. Sr. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO

Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. LINDÔRA MARIA ARAÚJO

Secretário
Bel. LAURO ROCHA REIS

AUTUAÇÃO

IMPETRANTE: LUIZ FERNANDO SÁ E SOUZA PACHECO E OUTRO

ADVOGADO: FREDERICO DONATI BARBOSA

IMPETRADO: TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2A REGIÃO

PACIENTE: MARIA PIA ESMERALDA MATARAZZO

PACIENTE: VICTOR JOSÉ VELO PEREZ

PACIENTE: RENATO SALLES DOS SANTOS CRUZ

ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes Previstos na Legislação Extravagante - Crimes contra o Meio Ambiente e o Patrimônio Genético

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"Prosseguindo no julgamento, a Turma, por maioria, concedeu a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima, que lavrará o acórdão."

Votaram com o Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima os Srs. Ministros Jorge Mussi e Laurita Vaz.

Votou vencido o Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, que denegava a ordem.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Felix Fischer.

Brasília, 17 de setembro de 2009

LAURO ROCHA REIS
Secretário

Documento: 895413

Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 13/10/2009




JURID - Inundação e crime ambiental. Trancamento da ação penal. [15/10/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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