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quarta-feira, 7 de outubro de 2009

JURID - Interrupção do fornecimento de água. Bem essencial. [07/10/09] - Jurisprudência


Recurso de apelação cível. Ação de indenização por danos morais. Interrupção do fornecimento de água. Bem essencial. Inexistência de inadimplência.
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Tribunal de Justiça do Mato Grosso - TJMT.

TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

APELAÇÃO Nº 114545/2008 - CLASSE CNJ - 198 - COMARCA DE VÁRZEA GRANDE

APELANTE: DEPARTAMENTO DE ÁGUA E ESGOTO DE VÁRZEA GRANDE - DAE/VG

APELANTE: ALEDIR LÁZARO

APELADO: ALEDIR LÁZARO

APELADO: DEPARTAMENTO DE ÁGUA E ESGOTO DE VÁRZEA GRANDE - DAE/VG

Número do Protocolo: 114545/2008

Data de Julgamento: 28-9-2009

EMENTA

RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO DE ÁGUA - BEM ESSENCIAL - INEXISTÊNCIA DE INADIMPLÊNCIA - AUSÊNCIA DO PRÉVIO AVISO DE CORTE - DANO MORAL IN RE IPSA - ALEGAÇÃO DE FURTO DE ÁGUA - PRISÃO ILEGAL - DANO CONFIGURADO - QUANTUM FIXADO A TÍTULO DE DANOS MORAIS E VERBA HONORÁRIA - MAJORAÇÃO - RECURSO DE APELAÇÃO IMPROVIDO - RECURSO ADESIVO PROVIDO.

Configura-se dano moral o fato da pessoa honesta e trabalhadora ser acusada por preposto de empresa concessionária de água da prática de crime de furto de água, e em razão disso ser autuada em flagrante delito, permanecendo por dois dias presa na Delegacia de Polícia, somente sendo liberada após a contratação de advogado.

Demonstrado o ato ilícito com a interrupção do fornecimento de água, por conta de débito adimplido e a acusação falsa de prática de crime, nasce a obrigação de indenizar, independentemente da prova de prejuízo, porque nessa hipótese o dano é presumido, bastando à prova da ocorrência do fato que o gerou.

O valor da indenização por dano moral não pode se configurar em um enriquecimento sem causa para a vítima, e também não pode ser insignificante a ponto de não representar uma punição para o ofensor, assim o valor arbitrado deve corresponder ao gravame de forma justa, atendendo aos critérios da razoabilidade, proporcionalidade e equidade.

R E L A T Ó R I O

EXMO. SR. DES. EVANDRO STÁBILE

Egrégia Câmara:

Trata-se de recurso de apelação cível e recurso adesivo interpostos por DEPARTAMENTO DE ÁGUA E ESGOTO DE VÁRZEA GRANDE - DAE/VG e ALEDIR LÁZARO, respectivamente, contra a decisão que, nos autos da Ação de Indenização por Danos Materiais e Morais decorrentes de Ato Ilícito cumulada com Repetição de Indébito, julgou parcialmente procedente o pedido e condenou a primeira apelante ao pagamento de R$10.375,00 (dez mil, trezentos e setenta e cinco reais), correspondente a 25 (vinte e cinco) salários mínimos, a título de danos morais, que deverá ser corrigido e acrescido de juros legais desde a data da sentença, bem como a quantia de R$1.500,00 (mil e quinhentos reais), a título de danos materiais, corrigido desde a data do efetivo pagamento e acrescido de juros a partir da citação, a serem pagos de uma única vez e, por fim, em R$2.000.00 (dois mil reais) a título de honorários advocatícios a ser suportado pela autarquia municipal.

Sustenta que: inexistiu a caracterização do dano moral, bem como o valor da condenação é excessivo; trata-se de órgão público dotado de prerrogativas, das quais a sociedade tem que se sujeitar; o apelado incorreu em infração, o que ensejou a retirada do seu hidrômetro.

Requer o provimento do recurso, para reformar a decisão recorrida, fls. 205/209.

As contra-razões foram apresentadas por Aledir Lázaro alegando que no caso houve, inclusive, a confissão da empresa reclamada quanto aos fatos constitutivos do direito do ora recorrido, além das provas escritas e orais, cabais da gravidade da lesão e do potencial do dano, frisando que foi preso em razão da denúncia feita pela apelante, requer a improcedência do recurso da empresa apelante, fls. 225/233.

Em sede de recurso adesivo, 215/224, o autor Aledir Lázaro defende a necessidade de majorar o valor da indenização arbitrada a título de danos morais para a quantia de R$83.000,00 (oitenta e três mil reais), equivalente a 200 (duzentos) salários mínimos, porque como fixada, no valor de R$10.375,00 (dez mil, trezentos e setenta e cinco reais), revela-se módica como forma compensatória do dano moral. Reclama também do valor arbitrado referente à verba honorária, de modo a requerer sua elevação.

Sem resposta ao recurso adesivo.

A douta Procuradoria Geral de Justiça não se manifestou, alegando a ausência de interesse público, fls. 244/247.

É o relatório.

V O T O

EXMO. SR. DES. EVANDRO STÁBILE (RELATOR)

Egrégia Câmara:

No caso em análise, Aledir Lázaro pretende receber indenização pelos danos morais e materiais sofridos, decorrente da interrupção ilegal do fornecimento de água de seu empreendimento comercial, bem como de sua prisão, ante a denúncia de furto de água por parte dos prepostos do Departamento De Água e Esgoto De Várzea Grande - DAE/VG.

A irresignação do apelante Departamento de Água e Esgoto de Várzea Grande - DAE-VG se baseia na procedência do pedido indenizatório por danos morais, ainda que parcial, e no valor arbitrado que considera excessivo.

Conforme se extrai dos autos, o apelado Aledir Lázaro se encontrava com as faturas de consumo de água quitadas, mas mesmo assim, teve a surpresa de ver a empresa municipal interromper o fornecimento de água de seu comércio, sob a alegação de falta de pagamento.

Inobstante a isso, o autor Aledir Lázaro foi preso em "flagrante", acusado pela recorrente de furto de água, sob alegação de que ele havia violado o registro de consumo de água que ficava instalado na Rua, como de fato fica até hoje. Ainda, consta que o hidrômetro foi arrancado e retirado do local pela empresa apelante, sem a presença do apelado.

Necessário salientar, que apesar da necessidade da notificação prévia para o caso de descontinuidade do serviço por inadimplemento do usuário, instituído pela Lei nº 8.987/1995, artigo 6º, parágrafo 3º, II, a empresa apelante não cumpriu com esta determinação legal, fato que corrobora com sua responsabilidade.

Observa-se, por oportuno, que este aspecto não foi o único relevante de modo a consubstanciar a pretensão do consumidor. Com efeito, comprovou-se que a interrupção no fornecimento de água se deu de modo irregular porquanto as faturas estavam quitadas e, mesmo assim, o autor teve seu hidrômetro retirado e sua água cortada.

O fornecimento de água é um serviço público de natureza essencial, conforme disposto no artigo 10, da Lei n.º 7.783/89, verbis:

"Art.10 - São considerados serviços ou atividades essenciais:

I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; (...)."

Ainda, o Código de Defesa do Consumidor, Lei n.º 8.078/90, legislação posterior à anteriormente citada, em seu artigo 22, dispõe:

"Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumprilas, e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código."

Em comentário ao princípio da continuidade do serviço público, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, menciona que:

"A segunda inovação importante é a determinação de que os serviços essenciais - e só eles - devem ser 'contínuos', isto é, não podem ser interrompidos.

Cria-se para o consumidor um direito á continuidade do serviço.

Tratando-se de serviço essencial e não estando ele sendo prestado com continuidade, o consumidor pode postular em juízo que se condene a Administração a fornecê-lo." (Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor, Coordenador Juarez de Oliveira, São Paulo: Editora Saraiva, 1991, p. 110).

Com efeito, é pacífico na jurisprudência que, em se tratando o fornecimento de água de um serviço público essencial, prestado por concessionária, deve ser oferecido adequadamente de forma eficiente e contínua, só podendo ser interrompido nos termos previstos na legislação, e em caso de inadimplência, somente após o aviso prévio. Se a dívida que ensejou a interrupção no fornecimento de água já estava quitada na data do desligamento e não houve prévia notificação do consumidor, configura-se a responsabilidade civil da concessionária pelos danos sofridos pelo usuário.

Com a suspensão ilegal do fornecimento de água pela empresa apelante, o dano moral sofrido pelo consumidor, está presumido - é o dano moral in re ipsa -, reconhecido pelos tribunais pátrios.

O corte de água, por conseguinte, como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade, uma vez que o direito de o cidadão se utilizar dos serviços públicos essenciais para a sua vida em sociedade deve ser interpretado de modo a beneficiar a quem deles se utiliza.

A exploração de serviços públicos essenciais, mediante concessão pública, destina-se, em primeiro plano, a atender às necessidades da população.

Segundo Hely Lopes Meirelles, serviços públicos "são aqueles que a Administração presta diretamente à comunidade, por reconhecer sua essencialidade e necessidade para a sobrevivência do grupo social. (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 23º edição, 2ª tiragem. Malheiros, 1998, p. 287)

A Lei nº. 8.987/95, que dispõe acerca da concessão e permissão de serviços públicos prescreve em seu artigo 6º, caput, "que toda a concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários".

Por seu turno, o parágrafo 1º do citado artigo estabelece que "serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas".

Quanto à impossibilidade de corte no fornecimento de serviços essenciais, como a água, a energia elétrica, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

"Corte no fornecimento de energia elétrica. Inadimplência do consumidor. Ilegalidade. 1. É ilegal a interrupção no fornecimento de energia elétrica, mesmo que inadimplente o consumidor, à vista das disposições do Código de Defesa do Consumidor que impedem seja o usuário exposto ao ridículo. 2. Deve a concessionária de serviço público utilizar-se dos meios próprios para receber os pagamentos em atrasos. 3. Recurso não conhecido" (STJ - Recurso Especial n.º 122812 - Primeira Turma - Relator Milton Luiz Pereira - DJ 26-3-2001 - pág. 369).

No caso, a prova do dano se restringe à existência do próprio ilícito, porque o dano moral puro atinge, fundamentalmente, bens incorpóreos, a exemplo da imagem, da honra e da privacidade.

A extensão dos danos está evidenciada pelas circunstâncias do fato, porque a conduta da empresa de Departamento de Água e Esgoto de Várzea Grande ocasionou diversos transtornos e aborrecimentos ao requerente. Qualquer pessoa precisa de água para as atividades mais comuns inerentes ao cotidiano, ainda mais em se tratando de um estabelecimento comercial do ramo da alimentação, como era o do autor que, em razão da falta de água por vários dias, se viu obrigado a fechar o seu restaurante. Assim, ser privado do fornecimento de água, em razão de débito inexistente, por si só, já é suficiente para caracterizar o abalo moral.

Dessa forma, uma vez apurada a culpa e o nexo causal, configurada a prática de ato irregular e ilegal pela empresa apelante, não há como afastar a ocorrência do dano sofrido pelo Autor, cabendo à autarquia recompensá-lo justamente pelos danos sofridos, sobretudo por aquele decorrente de sua prisão ilegal.

É inegável que qualquer pessoa de bem, ao ser abordado pela Polícia Militar, conduzido a Delegacia, onde foi acusado da prática do crime de furto de água e preso em flagrante delito, tendo sido liberado somente no dia seguinte, após ter contratado um advogado, sofra abalo moral, dor psíquica, dor na alma, vexame, sensação de humilhação de ser apontado como bandido, quando efetivamente não o é.

Impende anotar que, quando se trata de indenização por dano moral, aferir o quantum indenizatório se torna bem mais complexo, uma vez que o bem lesado, qual seja, o nome, a honra, o sentimento, outros mais, não se medem monetariamente, vale dizer que não possuem dimensão econômica ou patrimonial.

Quanto à fixação do quantum da reparação por dano moral, segundo orientação jurisprudencial e doutrinária dominante, deve ser fixado prudentemente pelo julgador, para que não se transforme em fonte de enriquecimento sem causa do ofendido, mas que também não seja aviltante.

Ressalta-se que o arbitramento em danos morais deve levar em conta as circunstâncias do caso concreto, as condições das partes, o grau de culpa e, principalmente, a finalidade da reparação do dano moral, que é a de compensar o dano ocorrido, bem como inibir a conduta abusiva.

Nesse tocante, deve ser mantida a condenação do Departamento De Água e Esgoto De Várzea Grande - DAE/VG.

Quanto ao recurso adesivo interposto por Aledir Lázaro, há inconformismo com a decisão monocrática por considerar ínfimo o valor fixado a título de indenização e honorários advocatícios.

Sob tais considerações, vê-se que o valor fixado de R$10.375,00 (dez mil trezentos e setenta e cincos reais) na presente demanda, não atendeu ao critério da equidade, que deve ter em conta o justo e razoável, razão pela qual, observa-se que o recurso adesivo merece prosperar, ante aos princípios basilares da proporcionalidade e razoabilidade.

No caso, vislumbra-se que além do corte ilegal de água, pois as faturas estavam todas quitadas, existe a ilegalidade da prisão do Autor, em razão da inexistência de situação de flagrante delito, ante a constatação de denúncia ofertada com base em acusação falsa, bem como da inexistência de ordem judicial para tanto.

Portanto, configura-se ilegal toda prisão que não está em consonância com o artigo 5º, inciso LXI, da Constituição Federal, que estabelece que "ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar, definidos em lei."

Dessa forma, conclui-se necessário majorar a verba arbitrada, a título de indenização por danos morais, razão pela qual, obedecendo aos princípios basilares da proporcionalidade, razoabilidade e equidade, arbitro-a no valor, justo e suficiente, a importância de R$23.250,00 (vinte e três mil duzentos e cinqüenta reais), equivalente a cinqüenta salários mínimos, a ser pago de uma única vez.

Da mesma forma, vislumbra-se razão para majorar a verba honorária ante a evidência de relevância do trabalho efetuado pelo causídico ante a peculiaridade do caso concreto. Assim, arbitro o valor de R$4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais) a ser pago de uma única vez, a título de honorários advocatícios.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso de apelação interposto pelo Departamento De Água e Esgoto De Várzea Grande - DAE/VG e dou provimento ao recurso adesivo interposto por ALEDIR LÁZARO, para reconhecer a procedência dos pedidos e, de conseqüência condenar a Ré ao pagamento de uma indenização a título de dano moral, que fixo na importância de R$23.250,00 (vinte e três mil duzentos e cinqüenta reais), que deve ser corrigida monetariamente pelo INPC/IBGE, índice oficial da CGJ/MT a incidir a partir do presente julgamento, acrescido de juros legais, bem como ao pagamento da importância de R$4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais) a ser pago de uma única vez, a título de honorários advocatícios. No mais, mantenho inalterada a r. sentença singular.

É como voto.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DES. JOSÉ TADEU CURY, por meio da Câmara Julgadora, composta pelo DES. EVANDRO STÁBILE (Relator), DES. JOSÉ TADEU CURY (Revisor) e DR. CIRIO MIOTTO (Vogal), proferiu a seguinte decisão: À UNANIMIDADE, IMPROVERAM O RECURSO DO DEPARTAMENTO DE ÁGUA E ESGOTO DE VÁRZEA GRANDE - DAE/VG E DERAM PROVIMENTO AO RECURSO DE ALEDIR LÁZARO.

Cuiabá, 28 de setembro de 2009.

DESEMBARGADOR JOSÉ TADEU CURY - PRESIDENTE DA TERCEIRA CÂMARA CÍVEL

DESEMBARGADOR EVANDRO STÁBILE - RELATOR

Publicado em 07/10/09




JURID - Interrupção do fornecimento de água. Bem essencial. [07/10/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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