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quinta-feira, 8 de outubro de 2009

JURID - Habeas corpus. Produção de provas contra si mesmo. [08/10/09] - Jurisprudência


Habeas corpus. Constrangimento ilegal. Exame de identificação biométrica e perícia videográfica. Produção de provas contra si mesmo. Ordem denegada.


Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro - TJRJ.

QUINTA CÂMARA CRIMINAL

HABEAS CORPUS N° 2009.059.05388

IMPETRANTE: DR. EDUARDO DE SOUZA GOMES

PACIENTE: WAGNER BARRETO DE ALENCAR

AUTORIDADE COATORA: JUÍZO DE DIREITO DA TRIGÉSIMA SEXTA VARA CRIMINAL DA COMARCA DA CAPITAL

RELATOR: DES. CAIRO ÍTALO FRANÇA DAVID

EMENTA

Habeas Corpus. Foi alegado constrangimento ilegal, ao argumento de que o ato de tirar fotos do paciente para a realização do exame de identificação biométrica e perícia videográfica importaria em obrigar o imputado a produzir provas contra si mesmo. 1. Em verdade os exames periciais não obrigam o paciente a realizar qualquer conduta positiva e também não o sujeitam a nenhum processo invasivo. Trata-se, na verdade, de uma prova similar ao reconhecimento pessoal, só que mais minuciosa e sofisticada, possuindo maiores possibilidades de acerto, impedindo, destarte, a incriminação de um inocente. Os fotogramas destinam-se a ser confrontados com as fotografias que já existem nos autos, com o escopo de dirimir dúvidas a respeito da identificação de pessoa que integrava o tráfico de drogas e andava fortemente armada. 2. Entendo, com todas as vênias, que não se está a violar qualquer direito do paciente e só se deseja uma produção probatória mais segura e mais afinada com os avanços tecnológicos. A lei não pode colocar-se na contramão da evolução científica. 3. Não se vislumbra qualquer ilegalidade ou arbitrariedade. 4. Ordem denegada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus nº 2009.059.05388, em que é impetrante o DR. EDUARDO DE SOUZA GOMES, advogado inscrito na OAB/RJ sob o número 95.179, paciente WAGNER BARRETO DE ALENCAR e autoridade coatora o JUÍZO DE DIREITO DA TRIGÉSIMA SEXTA VARA CRIMINAL DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM os Desembargadores que integram a Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por maioria, em denegar a ordem, nos termos do voto do Relator, divergindo o Des. Geraldo Prado, que a concedia.

Sessão de julgamento, 20 de agosto de 2009.

DES. CAIRO ÍTALO FRANÇA DAVID
Relator

RELATÓRIO

Habeas Corpus impetrado em favor de WAGNER BARRETO DE ALENCAR, sendo apontada como autoridade coatora o JUÍZO DE DIREITO DA TRIGÉSIMA SEXTA VARA CRIMINAL DA COMARCA DA CAPITAL.

Em suma, o impetrante argumenta estar o paciente na iminência de sofrer constrangimento ilegal, na medida em que a autoridade coatora, mesmo com o pronunciamento contrário da defesa, invocando para tanto o princípio da auto não-incriminação, determinou fosse o acusado submetido a exame de identificação biométrica e perícia videográfica.

Esclareceu que se trata de princípio implícito e com sede constitucional, mas decorrente do Pacto de São José da Costa Rica, firmado pela nação, que estabelece que ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo, consagrando a premissa acima citada.

Finalizou requerendo que se impeça, in limine, "que o paciente seja obrigado a produzir prova contra si mesmo, impedindo que o mesmo seja fotografado, bem como impedir que tirem suas medidas". No mérito, postulou a concessão da ordem.

A inicial veio desacompanhada de qualquer documento, o que levou ao indeferimento da liminar, fl. 05.

Posteriormente o impetrante juntou as peças de fls.08/14.

A autoridade apontada como coatora prestou informações às fls. 15/16, esclarecendo que de fato determinou a realização da perícia com base no artigo 156, inciso II do Código de Processo Penal, eis que não exige qualquer comportamento ativo do acusado, sendo, caso necessário, mera captação de sua imagem, e a seu ver, não ofende qualquer direito invocado pelo paciente no presente "writ", mas é absolutamente indispensável para segurança da convicção judicial acerca do meritum causae.

A Procuradora de Justiça, DR.ª VANDA MENEZES ROCHA, opinou às fls. 56/58, salientando que a decisão monocrática encontra-se suficientemente fundamentada e que a pretensão defensiva apoiada no artigo 8º, letra "g" do Pacto de São José da Costa Rica não a impede, eis que a coleta da imagem do paciente nada tem de ilícito.

Finalizou no sentido da denegação da ordem.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de habeas corpus preventivo com o intuito de ver impedida, caso necessário, a coleta de dados biométricos e a imagem do paciente, suficientes à realização de uma possível identificação através de perícia videográfica, com as pessoas retratadas nas fotos e filmagens colhidas pelo serviço de inteligência da Polícia Civil e constantes dos autos principais.

Fica esclarecido que tais películas retratariam integrantes de uma quadrilha, fortemente armada, de narcotraficantes pertencentes à facção "Comando Vermelho" e que à época dominava a comunidade de Vigário Geral, razão pela qual responde o paciente pelos crimes descritos nos artigos 35 da Lei n° 11.343/06 e artigo 16 da Lei n° 10.826/03, em concurso material.

Registre-se que a liminar foi indeferida, eis que o "writ" encontrava-se desacompanhado de qualquer documento comprobatório das alegações deduzidas na inicial.

A Procuradora de Justiça opinou contrariamente ao pedido.

Primeiramente deve ser consignado que a realização desse tipo de exame, decorrente do confronto pericial entre a imagem de um suposto agente criminoso, com aquela retratada numa película e capturada num local de crime, é matéria relativamente nova e que tende a se proliferar diante do avanço tecnológico e aparelhamento das polícias e nos cabe adaptar esse tipo de prova à legislação que temos à mão, ficando em aberto a possibilidade da edição de uma lei nova específica sobre o tema.

Afora isso, frise-se que vivemos, com todas as vênias, numa espécie de reality show, sendo raros os momentos em que não estamos sendo filmados, retratados e observados por diversas câmeras espalhadas nas ruas, lojas e prédios públicos, mas, nem por isso, podemos alegar a violação à nossa imagem. Só há vulneração ao bem juridicamente tutelado, quando há o seu uso indevido e não quando ela é captada.

No caso presente, a defesa técnica insurge-se contra a decisão que determinou a realização dessa perícia, ao argumento de que ela viola o princípio da não-incriminação disposto no artigo 8°, inciso II, letra "g" do Pacto de São José da Costa Rica, o que estaria em perfeita harmonia com o preceito contido no artigo 5º, inciso LVI da Constituição da República, que inadmite no processo, a utilização de provas obtidas por meio ilícitos, ou seja, produzidas em desrespeito a regras de direito material.

Todavia, neste caso não há qualquer ofensa à integridade da imagem do paciente já que não existe a necessária má utilização. Ora, o paciente em seu interrogatório adota a tese de negativa de autoria, e segundo o mesmo declarou "realmente já integrou o tráfico de drogas na Ilha do Governador, mas nunca esteve em Vigário Geral", não havendo razões para se opor a coleta de seus dados biométricos e de sua imagem, pois malgrado não possua o ônus da prova, ele, em tese, seria o maior interessado em afastar tal acusação e provar sua inocência.

Além disso, recentemente a Lei n° 11.690/08, deu nova roupagem ao artigo 156 do Código de Processo Penal, acrescentando ao caput dois incisos, sendo que o segundo autoriza ao juiz de oficio determinar, antes de proferir a sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida "sobre ponto relevante". Isto significa que o princípio da verdade real não foi suprimido como pensam alguns.

Ao que tudo parece, vários indivíduos foram filmados e fotografados no interior da comunidade portando armas de diversos calibres em apoio bélico ao tráfico de drogas existente naquela localidade, sendo de suma importância a realização do respectivo exame pericial, evitando-se assim a eventual punição de algum inocente.

Não vejo aqui qualquer indício de que a realização da prova importará num comportamento de autoincriminação. Em verdade teremos um exame similar ao reconhecimento pessoal, só que mais minucioso e sofisticado, possuindo menos possibilidades de ser cometido um erro de identificação em relação ao autor de uma infração penal.

Não vislumbro também a necessidade de que o paciente realize qualquer ação positiva ou a sua sujeição a um processo invasivo, não havendo, destarte, violação ao seu direito individual.

Posiciono-me, por conseguinte, pela denegação da ordem.

É como voto.

Sessão de Julgamento, 20 de agosto de 2009.

DES. CAIRO ÍTALO FRANÇA DAVID
Relator

Publicado em 07/10/09




JURID - Habeas corpus. Produção de provas contra si mesmo. [08/10/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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