Anúncios


segunda-feira, 19 de outubro de 2009

JURID - Estupro. Aumento previsto no art. 9º da Lei nº 8.072/90. [19/10/09] - Jurisprudência


Recurso especial. Estupro. Aumento previsto no art. 9º da Lei nº 8.072/90.


Superior Tribunal de Justiça - STJ.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.102.005 - SC (2008/0257085-1)

RELATOR: MINISTRO FELIX FISCHER

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

RECORRIDO: ROBERTO DA SILVA (PRESO)

ADVOGADO: ELOÍSE SONZA - DEFENSORA DATIVA

EMENTA

PENAL. RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO. AUMENTO PREVISTO NO ART. 9º DA LEI Nº 8.072/90. VIOLÊNCIA REAL E GRAVE AMEAÇA. INCIDÊNCIA. SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 12.015/2009.

I - Esta Corte firmou orientação de que a majorante inserta no art. 9º da Lei nº 8.072/90, nos casos de presunção de violência, consistiria em afronta ao princípio ne bis in idem. Entretanto, tratando-se de hipótese de violência real ou grave ameaça perpetrada contra criança, seria aplicável a referida causa de aumento. (Precedentes).

II - Com a superveniência da Lei nº 12.015/2009 restou revogada a majorante prevista no art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos, não sendo mais admissível a sua aplicação para fatos posteriores à sua edição. Não obstante, remanesce a maior reprovabilidade da conduta, pois a matéria passou a ser regulada no art. 217-A do CP, que trata do estupro de vulnerável, no qual a reprimenda prevista revela-se mais rigorosa do que a do crime de estupro (art. 213 do CP).

III - Tratando-se de fato anterior, cometido contra menor de 14 anos e com emprego de violência ou grave ameaça, deve retroagir o novo comando normativo (art. 217-A) por se mostrar mais benéfico ao acusado, ex vi do art. 2º, parágrafo único, do CP.

Recurso parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso e lhe dar parcial provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho e Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 29 de setembro de 2009.(Data do Julgamento).

MINISTRO FELIX FISCHER
Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO FELIX FISCHER: Trata-se de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, com fulcro no art. 105, inciso III, alíneas a e c, da Lex Fundamentalis, contra v. julgado do e. Tribunal de Justiça daquele Estado, nos autos da Apelação Criminal nº 2006.027758-2.

Depreende-se dos autos que o recorrido foi condenado como incurso nas sanções do art. 213, caput (inúmeras vezes), c/c o art. 226, inciso II, ambos do Código Penal, à pena de 21 (vinte e um) anos, 10 (dez) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime inicial fechado.

Irresignada, a defesa apelou. O e. Tribunal a quo, por maioria, deu provimento ao apelo para afastar o aumento previsto no art. 9º da Lei nº 8.072/90, reduzindo a pena para 13 (treze) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, mantidas as demais cominações de primeiro grau.

Daí o presente apelo nobre, no qual aponta o Parquet, a par de divergência jurisprudencial, violação ao art. 9º da Lei 8.072/90, sob o argumento de que a causa de aumento de pena prevista no dispositivo em comento deve incidir à espécie, haja vista que a vítima, à época dos fatos, era menor de 14 anos e tendo em conta, ainda, a ocorrência efetiva de violência e grave ameaça. Requer, ao final, o provimento do recurso, para que seja restabelecida a pena fixada em primeiro grau.

Apresentadas as contra-razões, o recurso não foi admitido na origem (fls. 320/322). Ao dar provimento ao agravo de instrumento, determinei a subida dos autos.

A douta Subprocuradoria-Geral da República manifestou-se pelo provimento do recurso (fl. 332).

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO FELIX FISCHER: Requer o recorrente, em síntese, a aplicação do aumento previsto no art. 9º da Lei nº 8.072/90.

Na espécie, constato que o caso trata de grave ameaça. Estupro praticado contra menor de 14 anos, à época. Não é o caso de violência ficta em que não há dissenso da ofendida. Aqui, ela foi constrangida.

Esta Corte, a propósito do tema, firmou orientação no sentido de que referida causa de aumento incidiria nos crimes cometidos contra as pessoas arroladas no art. 224 do Código Penal, desde que cometidos mediante violência ou grave ameaça, pouco importando se da conduta decorreriam lesões de qualquer natureza.

Neste sentido:

"PENAL. HABEAS CORPUS. ESTUPRO. AUMENTO PREVISTO NO ART. 9º DA LEI Nº 8.072/90. CRIME HEDIONDO. PROGRESSÃO DE REGIME. POSSIBILIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ART. 2º DA LEI Nº 8.072/90 DECLARADA PELO STF.

I - Se a violência é presumida, inadequado falar-se de lesão grave ou morte. Contudo, pode haver violência real ou grave ameaça contra vítima que esteja entre as indicadas no art. 224 do Código Penal, como ocorreu na espécie.

II - Esta Corte tem entendido que o reconhecimento da majorante do art. 9º da Lei 8.072/90, nos casos de presunção de violência, consistiria em afronta ao princípio ne bis in idem. Entretanto, tratando-se de hipótese de violência real ou grave ameaça perpetrada contra criança, tem-se como aplicável a referida causa de aumento. (Precedentes do Pretório Excelso e desta Corte)

(...)

Ordem parcialmente concedida"

(HC 79.422/RJ, 5ª Turma, de minha relatoria, DJU de 19/11/2007).

Entretanto, a superveniência da Lei nº 12.015/2009 alterou o tratamento a ser conferido à matéria em exame.

É que, a partir da vigência do mencionado diploma normativo, o estupro praticado contra menor de 14 (catorze) anos passou a ter uma regulação autônoma, em um novo tipo, o art. 217-A do CP, que trata do estupro de vulnerável, assim redigido:

"Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

§ 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessária discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

§ 2º (Vetado)

§ 3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.

§ 4º Se da conduta resulta morte:

Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos."

Vê-se, portanto, um maior rigor na punição do crime em foco quando praticado contra menor de 14 (catorze) anos, em decorrência da elevação do patamar da reprimenda prevista ao tipo básico: 8 (oito) a 15 (quinze) anos. Já o estupro praticado contra vítimas não alcançadas pelo artigo citado remanesce, no preceito secundário, com as mesmas balizas.

A dúvida que surge diz respeito ao próprio objeto deste recurso, consistente na indagação se ainda teria aplicação a causa de aumento prevista no art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos. Conforme já destacado, tal majorante teria incidência nos crimes cometidos contra as pessoas referidas no art. 224 do CPP, mediante violência real ou grave ameaça.

Tenho para mim, uma vez remoldurado o quadro normativo dos denominados crimes sexuais, não ser mais admissível sua aplicação. Isso porque a conduta narrada no novo tipo que trata do estupro contra os vulneráveis já prevê, como ressaltado, uma reprimenda mais rigorosa.

Não bastasse isso, o art. 9º da Lei nº 8.072/90 está revogado, conforme aponta a doutrina (Guilherme de Souza Nucci in "Crimes contra a dignidade sexual - Comentários à Lei 12.015, de 7 de agosto de 2009", Editora Revista dos Tribunais, São Paulo: 2009, pág. 35 e João José Leal e Rodigo José Leal in "Novo Tipo Penal de Estupro Unificado: Considerações sobre as causas de aumento de pena e ação penal" - www.uj.com.br).

Assim, para os fatos posteriores à edição da Lei nº 12.015/2009 não há mais como se cogitar sua aplicação.

Se se entendesse que ela seria possível incidir no próprio art. 217-A do Código Penal, nos casos de violência real ou grave ameaça que não implicasse as lesões graves ou morte da vítima, a pena restaria maior (mínimo de 12 anos) do que se configurada as referidas lesões graves (mínima de 10 anos). Portanto, uma inafastável contradição.

Por maior razão, não haveria como pretender-se aplicá-la no caput do art. 213. Aqui a vítima não é menor de 14 anos. Além disso, o próprio art. 217-A prevê formas em que se emprega violência na conduta criminosa, como quando advém da conduta lesões graves. Assim, não haveria justificativa para tal deslocamento.

Remanesce, então, a necessidade de se averiguar qual a lei, no caso, deve ser aplicada. A anterior com a incidência da majorante revogada, ou o novel diploma. Tendo em vista a necessidade de retroatividade da lei posterior, no caso de ser mais benéfica, deve retroagir a Lei 12.015/09, ex vi do art. 2º, parágrafo único, do CP.

Neste sentido:

"Antes da Lei 12.015/2009, se o estupro ou atentado violento ao pudor de pessoa vulnerável fosse praticado sem violência real, incidia a presunção do art. 224 do CP, respondendo o agente pelo art. 213 ou 214, a depender do caso, com pena de 6 a 10 anos, não incidindo, de acordo com a maioria, o aumento de 1/2 trazido pelo art. 9º da Lei 8.072/90 (evitando bis in idem). A nova Lei, portanto, nessa hipótese, é mais gravosa, não alcançando fatos anteriores. Havendo violência real, dispensava-se a presunção do art. 224, respondendo o agente pelo crime do art. 213 ou 214, conforme a conduta, majorado de 1/2 de acordo com a determinação prevista no art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos, gerando uma baliza punitiva de 9 a 15 anos. A nova pena é mais benéfica (8 a 15 anos), retroagindo (art. 2º, parágrafo único, do CP)." (Rogério Sanches Cunha, Luiz Flávio Gomes e Valério de Oliveira Mazzuoli in "Comentários à reforma criminal de 2009 e à Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados", Editora RT, São Paulo, 2009, p. 51)

Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso para determinar ao Tribunal que proceda a aplicação da pena nos termos aqui delineados.

É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUINTA TURMA

Número Registro: 2008/0257085-1 REsp 1102005 / SC

MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 20060277582 20060277582000101 200800768560 28040019931

PAUTA: 17/09/2009 JULGADO: 29/09/2009

Relator
Exmo. Sr. Ministro FELIX FISCHER

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. BRASILINO PEREIRA DOS SANTOS

Secretário
Bel. LAURO ROCHA REIS

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

RECORRIDO: ROBERTO DA SILVA (PRESO)

ADVOGADO: ELOÍSE SONZA - DEFENSORA DATIVA

ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes contra os Costumes - Estupro

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso e lhe deu parcial provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator."

Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho e Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 29 de setembro de 2009

LAURO ROCHA REIS
Secretário

Documento: 915703

Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 19/10/2009




JURID - Estupro. Aumento previsto no art. 9º da Lei nº 8.072/90. [19/10/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário