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segunda-feira, 5 de outubro de 2009

JURID - Direito a tratamento público. [05/10/09] - Jurisprudência


Portadora de glaucoma receberá tratamento público.


PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

JUÍZO DE DIREITO DA 3ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DO NATAL
FÓRUM "DESEMBARGADOR MIGUEL SEABRA FAGUNDES"
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Ação Ordinária nº 001.08.020984-0

Autor: Alzira Moreira de Melo
Advogado: Maria do Disterro Palitot Villar
Réu: Estado do Rio Grande do Norte
Procurador: Antenor Roberto Soares de Medeiros

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DO INTERESSE DE AGIR SUPERVENIENTE. REJEIÇÃO. ADMINISTRAÇÃO COMPELIDA A GARANTIR A REALIZAÇÃO DE PROCEDIMENTO MÉDICO NA AUTORA. INTELIGÊNCIA DO ART. 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E LEI FEDERAL 8.080/90. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

O direito à saúde encontra-se assegurado na Constituição da República, no artigo 196 e é dever do Estado, em sentido amplo, devendo ser entendido como Poder Público em suas três esferas, municipal, estadual e federal e trata-se de direito subjetivo, assegurado a todos de forma indistinta e irrevogável, não podendo ser inviabilizado por entraves burocráticos.

Procedência do pedido.

I - RELATÓRIO

ALZIRA MOREIRA DE MELO, devidamente qualificada e representada pela Defensoria Pública, ajuizou AÇÃO ORDINÁRIA com pedido de tutela antecipada em face do ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTA, alegando em síntese que tem sérios problemas de visão, sendo portadora de glaucoma e necessita fazer uso contínuo dos seguintes medicamentos: Sinvastatina 20 mg, CO-Enoprotec 20/12 5 mg, Onlodipino 5 mg, Travelan 0,004%, Azopt 1%, Hidrocloritiazida 20 mg, Maleato de Ebaloprim 10 mg e ao procurar a sistema de saúde local foi informada da inexistência da medicação para fornecimento. Como não possui condições financeiras de custear o tratamento, ajuizou a presente demanda, objetivando o recebimentos dos medicamentos.

Sustentou sua postulação no direito constitucional à saúde. Depois da fundamentação, requereu a antecipação dos efeitos da tutela, nos termos do art. 273, inciso I do CPC, tendo em vista a verossimilhança do direito postulado e o perigo da demora na prestação jurisdicional, a fim de que o demandado forneça os medicamentos que necessita.

Juntou aos autos os documentos de fls. 9 a 18.

Em decisão interlocutória proferida nas fls. 19 a 24, este juízo deferiu a antecipação dos efeitos da tutela requerida.

Ao apresentar contestação (fls. 34 a 38) o Estado do Rio Grande do Norte se limitou a arguir preliminar de falta de interesse de agir, por já ter fornecido os medicamentos requeridos.

Em réplica à contestação, a parte autora refutou a preliminar e reiterou o pedido inicial (fls. 44 a 50).

Instado a se manifestar, a representante do Ministério Público apresentou parecer de estilo (fls. 52 a 60).

É o que importa relatar. Passo à fundamentação e decisão.

II - FUNDAMENTAÇÃO:

II.1 DA MATÉRIA PRELIMINAR

DA FALTA DE INTERESSE DE AGIR


O Estado do Rio Grande do Norte aduziu a preliminar de ausência de interesse processual da parte autora, por já ter fornecido os medicamentos requeridos.

Por se encontrar presente o binômio necessidade/adequação na presente demanda, tal preliminar não há de se prosperar, uma vez que foi necessário o ajuizamento da demanda para o fornecimento dos medicamentos em tela, sendo preciso um pronunciamento de mérito acerca do caso, uma vez que a tutela antecipada não pode subsistir em si mesma..

Tratando das condições gerais da ação e reproduzindo doutrina de Liebman, Humberto Theodoro Júnior ensina que:

"o interesse que se reclama para a admissibilidade da ação não é o interesse substancial, ou primário, para cuja proteção se intenta a mesma ação. O interesse de agir, que é instrumental e secundário, surge da necessidade de obter através do processo a proteção ao interesse substancial. Entende-se, dessa maneira, que há interesse processual se a parte sofre um prejuízo, não propondo a demanda e daí resulta que, para evitar esse prejuízo, necessita exatamente da intervenção dos órgãos jurisdicionais" (Processo cautelar, nº 17, pág. 35, 2ª edição, 1976).

Rejeito, assim, a preliminar suscitada.

II.2. DA APRECIAÇÃO DO MÉRITO:

A questão de mérito constitui matéria de direito e de fato, mas não exigindo produção de provas em audiência, circunstância que autoriza o julgamento antecipado da lide, nos moldes do artigo 330, I do CPC.

"O dispositivo sob análise autoriza o juiz a julgar o mérito de forma antecipada, quando a matéria for unicamente de direito, ou seja, quando não houver necessidade de produção de prova em audiência. Mesmo quando a matéria objeto da causa for de fato, o julgamento antecipado é permitido se o fato for daqueles que não precisam ser provados em audiência, como, por exemplo, os notórios, os incontrovertidos etc. (CPC 334)"(1).

"Presentes as condições que ensejam o julgamento antecipado da causa, é dever do juiz, e não mera faculdade, assim proceder"(2).

"Constante nos autos elementos de prova documental suficiente para formar o convencimento do julgador, inocorre cerceamento de defesa se julgada antecipadamente a controvérsia"(3).

O cerne do problema apresentado nos autos cinge-se à obrigação do Estado do Rio Grande do Norte em fornecer os medicamentos que a autora necessita para tratar a patologia que a acomete, qual seja, o glaucoma.

As razões apresentadas pela demandante revelam-se convincentes e demonstradas documentalmente nos autos, de modo que o seu pedido deve ser acolhido.

A Constituição da República, em seu art. 196, diz que a saúde é "direito de todos e dever do Estado", o que deverá ser garantido através de políticas públicas que possibilitem o acesso universal e igualitário às ações e serviços.

Basta o referido dispositivo previsto no texto Constitucional acima transcrito para que se tenha como dever da parte ré garantir o direito de todos à saúde.

Destarte, a Lei Federal nº 8.080/90, corroborando com o dispositivo Constitucional (art. 196), dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, prevendo o dever do Estado, ou seja, o Poder Público em todas as suas esferas, em promover as condições indispensáveis ao exercício pleno de tal direito.

A Constituição da República, com sua força normativa, deve influir na realidade, merecendo, neste aspecto, ser transcrita a seguinte lição de Konrad Hesse:

"Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas. A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar esta ordem"(4).

O dever da Administração de prestar a assistência à saúde de pessoas carentes e portadoras de doenças raras, bem como de pessoas que necessitam de tratamento continuado, imposto pela Constituição, não pode ser inviabilizado através de entraves burocráticos ou qualquer outra justificativa, como argumentado pelo Estado a ausência de previsão orçamentária, pois o que a Constituição impõe é a obrigatoriedade do Estado de garantir a saúde das pessoas, seja através de uma boa e eficiente qualidade do serviço de atendimento, seja pela aquisição de medicamentos.

Ressalte-se que o princípio da legalidade orçamentária existe não para inviabilizar a Administração de atender aos direitos constitucionalmente garantidos, mas sim para efetivá-los, uma vez que é através das leis orçamentárias que o Poder Executivo traça suas metas administrativas, ao mesmo tempo em que esclarece ao cidadão como o dinheiro público será investido.

Consoante a Lei Federal nº 8.080/90, existe no Brasil o Sistema Único de Saúde (SUS), em suas três esferas governamentais e o seu artigo 6º prevê o seguinte:

"Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):

I - a execução de ações:

(...)

d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;

(...)".

O Superior Tribunal de Justiça tem-se pronunciado da seguinte forma, a respeito do tema:

"ADMINISTRATIVO - MOLÉSTIA GRAVE - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTO - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - DEVER DO ESTADO - DIREITO LÍQUIDO E CERTO DO IMPETRANTE.

1. Esta Corte tem reconhecido que os portadores de moléstias graves, que não tenham disponibilidade financeira para custear o seu tratamento, têm o direito de receber gratuitamente do Estado os medicamentos de comprovada necessidade. Precedentes.

2. O direito à percepção de tais medicamentos decorre de garantias previstas na Constituição Federal, que vela pelo direito à vida (art. 5º, caput) e à saúde (art. 6º), competindo à União, Estados, Distrito Federal e Municípios o seu cuidado (art. 23, II), bem como a organização da seguridade social, garantindo a "universalidade da cobertura e do atendimento" (art. 194, parágrafo único, I).

3. A Carta Magna também dispõe que "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação" (art. 196), sendo que o "atendimento integral" é uma diretriz constitucional das ações e serviços públicos de saúde (art. 198).

4. In casu, não havendo prova documental de que o remédio fornecido gratuitamente pela administração pública tenha a mesma aplicação médica que o prescrito ao impetrante - declarado hipossuficiente -, fica evidenciado o seu direito líquido e certo de receber do Estado o remédio pretendido.

5. Recurso providoh.

(RMS 17.425/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 14.09.2004, DJ 22.11.2004 p. 293)

"RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS. SUS. LEI N. 8.080/90.

O v. acórdão proferido pelo egrégio Tribunal a quo decidiu a questão no âmbito infraconstitucional, notadamente à luz da Lei n.8.080, de 19 de setembro de 1990.

O Sistema Único de Saúde pressupõe a integralidade da assistência, de forma individual ou coletiva, para atender cada caso em todos os níveis de complexidade, razão pela qual, comprovada a necessidade do medicamento para a garantia da vida da paciente, deverá ser ele fornecido. (destaque acrescido)

Recurso especial provido. Decisão unânime".

(RESP 212.346/RJ, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, julgado em 09.10.2001, DJ 04.02.2002 p. 321)

E o mesmo entendimento tem sido trilhado pelo Egrégio Tribunal do Rio Grande do Norte:

"EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE TUTELA ESPECÍFICA CONCEDIDO. MUNICÍPIO COMPELIDO A ADQUIRIR MEDICAMENTO NÃO COMERCIALIZADO NO PAÍS. INTELIGÊNCIA DO ART. 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

I - O direito à vida e à saúde trata de direito subjetivo tutelado pela Constituição Federal e assegurado a todos de forma indistinta e irrevogável, não podendo ser violado, nem mesmo, inviabilizado por entraves burocráticos, máxime, por se tratar, no caso em questão, do direito à vida, haja vista ser o agravado portador de doença rara e congênita. (destaques acrescidos)

II - Agravo conhecido e improvido".

(Ag. Instrumento 2000.002703-0 - NATAL/RN, Rel. Dês. Amaury Moura Sobrinho, 1ª Câm. Cível, julgado em 26/08/2004, DOE/RN 18/09/2004).

Dessa forma, resta evidente o direito da autora em receber os medicamentos que necessita, às expensas do réu, devendo o feito ser julgado procedente.

III - DISPOSITIVO:

Pelos fundamentos acima expostos, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO constante na inicial, confirmando in totum a tutela antecipada antes proferida, para condenar o Estado do Rio Grande do Norte a fornecer à autora os medicamentos Sinvastatina 20 mg, CO-Enoprotec 20/12 5 mg, Onlodipino 5 mg, Travelan 0,004%, Azopt 1%, Hidrocloritiazida 20 mg, Maleato de Ebaloprim 10 mg, na quantidade prevista nas prescrições médicas de fls. 12-16, enquanto perdurar a sua necessidade.

Condeno o réu no pagamento das verbas sucumbenciais e honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor atribuído à causa, a ser revertido em favor do Fundo de Aparelhamento da Defensoria Pública..

Sentença não mais sujeita ao reexame necessário (CPC, art. 475, § 2º).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Com o trânsito em julgado, arquive-se.

Natal/RN, 29 de setembro de 2009.

Aline Daniele Belém Cordeiro Lucas
Juíza de Direito Substituta



Notas:

1 - JUNIOR, Nelson Nery & NERY, Rosa Maria de Andrade. In: Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 7ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. [Voltar]

2 - STJ, 4a Turma, Resp 2.832-RJ, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j. 14.08.90, negaram provimento, v. u., DJU 17.09.90. [Voltar]

3 - STJ, 4a Turma, Ag 14.952-DF- AgRg, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j. 4.12.91, negaram provimento, v. u., DJU de 3.2.92. [Voltar]

4 - Apud GILMAR FERREIRA MENDES; apresentação à monografia A FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO de KONRAD HESSE; Sérgio Antonio Fabris Editor: Porto Alegre; 1991.; pág. 19. [Voltar]



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