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quinta-feira, 1 de outubro de 2009

JURID - Direito à tratamento gratuito. [01/10/09] - Jurisprudência


Portadora de tumor ganha direito à tratamento gratuito.


Processo nº 001.08.007520-8

SENTENÇA:

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO. ADMINISTRAÇÃO COMPELIDA A GARANTIR O DIREITO À SAÚDE. INTELIGÊNCIA DO ART. 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E LEI FEDERAL 8.080/90. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. O direito à saúde encontra-se assegurado na Constituição da República, no artigo 196 e é dever do Estado, em sentido amplo, devendo ser entendido como Poder Público em suas três esferas, municipal, estadual e federal e trata-se de direito subjetivo, assegurado a todos de forma indistinta e irrevogável, não podendo ser inviabilizado por entraves burocráticos. Procedência do pedido.

I RELATÓRIO

RAIMUNDA GOMES SOBRINHA, devidamente qualificada e representada por advogado, ajuizou AÇÃO ORDINÁRIA com pedido de tutela antecipada em face do ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, alegando em síntese que é portadora de Linfoma não-Hodghin, sob o CID C 85 e necessita realizar tratamento com a medicação RITUXIMABE (Mabthera) 600 mg.

Assevera que a cada 21 dias o gasto com o medicamento alcançaria a soma de R$ 7.270,00 (sete mil duzentos e setenta reais) e o valor total do tratamento, totalizaria R$ 58.160,00 (cinquenta e oito mil cento e sessenta reais), não tendo a autora condições de custear o tratamento. Sustentou sua postulação no direito constitucional à saúde.

Depois da fundamentação, requereu a antecipação dos efeitos da tutela, nos termos do art. 273, inciso I do CPC, tendo em vista a verossimilhança do direito postulado e o perigo da demora na prestação jurisdicional, a fim de que o demandado forneça o medicamento que necessita ou o valor correspondente em pecúnia, conformando tal medida no mérito.

Juntou aos autos os documentos de fls. 7 a 14.

Antes de apreciar o pedido liminar, esse Juízo determinou a intimação prévia da parte ré, que pugnou pelo não deferimento da medida (fls. 17 a 35).

Em decisão interlocutória proferida nas fls. 37 a 42, esse juízo deferiu a antecipação dos efeitos da tutela requerida, no sentido de que o Estado do Rio Grande do Norte forneça o medicamento requerido, em benefício da autora.

Ao apresentar contestação (fls. 48 a 66) o Estado do Rio Grande do Norte arguiu em suma, preliminar de necessidade de formação de litisconsórcio passivo necessário e a incompetência absoluta superveniente, em face do ingresso da União no feito e, ainda, falta de interesse de agir superveniente em relação ao pedido de medicamento.

No mérito, teceu argumentos acerca do princípio administrativo da reserva do possível, ofensa ao princípio da legalidade orçamentária e requerendo ao final a improcedência total dos pedidos.

Juntou os documentos de fls. 67-71.

Em réplica à contestação, a parte autora se limitou a informar o descumprimento da decisão antecipatória por parte do réu (fls. 73-74).

Instado a se manifestar, o representante do Ministério Público apresentou parecer preliminar, opinando pela rejeição da matéria preliminar levantada na contestação e requerendo a intimação das partes para produzirem as provas que entenderem cabíveis e ainda, requereu a emissão de requisição dirigida à ANVISA, de certidão informando se há empresas autorizadas a fabricar e/ou comercializar drogas e materiais, do ponto de vista terapêutico, inclusive no que concerne a contra-indicações, interações medicamentosas, genéricos ou iguais (ainda que sob outra marca) àquele receitado ao autor (informando-se o mal que lhe foi diagnosticado e, em caso afirmativo quais são eles (fls. 76 a 83).

A parte autora apresentou nova reclamação de descumprimento da decisão interlocutória (fls. 84-85) e esse Juízo determinou a intimação do Secretário de Saúde, sob pena de pagamento da quantia de R$ 5.000,00 (fl. 86).

Através da petição de fl. 94-97, a parte autora requereu a execução da multa imposta.

Na decisão de fls. 99-107, esse Juízo rejeitou as preliminares ventiladas na contestação, indeferiu os pedidos de produção de prova e diligência formulado pelo Ministério Público e de execução da multa formulado pela parte autora.

O Ministério Público, com vista dos autos, apresentou parecer conclusivo pela procedência do pedido inicial (fl. 109).

É o que importa relatar.

Passo à fundamentação e decisão.

II FUNDAMENTAÇÃO:

A questão de mérito constitui matéria de direito e de fato, mas não exigindo produção de provas em audiência, circunstância que autoriza o julgamento antecipado da lide, nos moldes do artigo 330, I do CPC. "O dispositivo sob análise autoriza o juiz a julgar o mérito de forma antecipada, quando a matéria for unicamente de direito, ou seja, quando não houver necessidade de produção de prova em audiência. Mesmo quando a matéria objeto da causa for de fato, o julgamento antecipado é permitido se o fato for daqueles que não precisam ser provados em audiência, como, por exemplo, os notórios, os incontrovertidos etc. (CPC 334)". "Presentes as condições que ensejam o julgamento antecipado da causa, é dever do juiz, e não mera faculdade, assim proceder". "Constante nos autos elementos de prova documental suficiente para formar o convencimento do julgador, inocorre cerceamento de defesa se julgada antecipadamente a controvérsia".

O cerne do problema apresentado nos autos cinge-se à obrigação do Estado do RN em garantir o fornecimento do medicamento necessita a autora, de modo a restabelecer seu estado de saúde.

As razões apresentadas pelo demandante revelam-se convincentes e demonstradas documentalmente nos autos, de modo que o seu pedido deve ser acolhido.

A Constituição da República, em seu art. 196, diz que a saúde é "direito de todos e dever do Estado", o que deverá ser garantido através de políticas públicas que possibilitem o acesso universal e igualitário às ações e serviços.

A Constituição Estadual, por sua vez, em seu art. 125, diz que "a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário as ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação".

Bastam os referidos dispositivos previstos nos textos Constitucionais acima transcritos para que se tenha como dever da parte ré garantir o direito de todos à saúde.

Destarte, a Lei Federal nº 8.080/90, corroborando com o dispositivo Constitucional (art. 196), dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, prevendo o dever do Estado, ou seja, o Poder Público em todas as suas esferas, em promover as condições indispensáveis ao exercício pleno de tal direito.

A Constituição da República, com sua força normativa, deve influir na realidade, merecendo, neste aspecto, ser transcrita a seguinte lição de Konrad Hesse: "Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas. A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar esta ordem".

O dever da Administração de adquirir os medicamentos necessários ao atendimento de pessoas carentes e portadoras de doenças raras, bem como de pessoas que necessitam de tratamento continuado, imposto pela Constituição, não pode ser inviabilizado através de entraves burocráticos ou qualquer outra justificativa, como argumentado pelo Estado a ausência de previsão orçamentária, pois o que a Constituição impõe é a obrigatoriedade do Estado de garantir a saúde das pessoas, seja através de uma boa e eficiente qualidade do serviço de atendimento, seja pela aquisição de medicamentos.

Ressalte-se que o princípio da legalidade orçamentária existe não para inviabilizar a Administração de atender aos direitos constitucionalmente garantidos, mas sim para efetivá-los, uma vez que é através das leis orçamentárias que o Poder Executivo traça suas metas administrativas, ao mesmo tempo em que esclarece ao cidadão como o dinheiro público será investido.

Consoante a Lei Federal nº 8.080/90, existe no Brasil o Sistema Único de Saúde (SUS), em suas três esferas governamentais e o seu artigo 6º prevê o seguinte: "Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS): I - a execução de ações: (...) d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica; (...)". O Superior Tribunal de Justiça tem-se pronunciado da seguinte forma, a respeito do tema: "ADMINISTRATIVO - MOLÉSTIA GRAVE - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTO - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - DEVER DO ESTADO - DIREITO LÍQUIDO E CERTO DO IMPETRANTE. 1. Esta Corte tem reconhecido que os portadores de moléstias graves, que não tenham disponibilidade financeira para custear o seu tratamento, têm o direito de receber gratuitamente do Estado os medicamentos de comprovada necessidade. Precedentes. 2. O direito à percepção de tais medicamentos decorre de garantias previstas na Constituição Federal, que vela pelo direito à vida (art. 5º, caput) e à saúde (art. 6º), competindo à União, Estados, Distrito Federal e Municípios o seu cuidado (art. 23, II), bem como a organização da seguridade social, garantindo a "universalidade da cobertura e do atendimento" (art. 194, parágrafo único, I). 3. A Carta Magna também dispõe que "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação" (art. 196), sendo que o "atendimento integral" é uma diretriz constitucional das ações e serviços públicos de saúde (art. 198). 4. In casu, não havendo prova documental de que o remédio fornecido gratuitamente pela administração pública tenha a mesma aplicação médica que o prescrito ao impetrante - declarado hipossuficiente -, fica evidenciado o seu direito líquido e certo de receber do Estado o remédio pretendido. 5. Recurso provido. (RMS 17.425/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 14.09.2004, DJ 22.11.2004 p. 293)

"RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS. SUS. LEI N. 8.080/90. O v. acórdão proferido pelo egrégio Tribunal a quo decidiu a questão no âmbito infraconstitucional, notadamente à luz da Lei n.8.080, de 19 de setembro de 1990. O Sistema Único de Saúde pressupõe a integralidade da assistência, de forma individual ou coletiva, para atender cada caso em todos os níveis de complexidade, razão pela qual, comprovada a necessidade do medicamento para a garantia da vida da paciente, deverá ser ele fornecido. (destaque acrescido) Recurso especial provido. Decisão unânime". (RESP 212.346/RJ, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, julgado em 09.10.2001, DJ 04.02.2002 p. 321)

E o mesmo entendimento tem sido trilhado pelo Egrégio Tribunal do Rio Grande do Norte:

"EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE TUTELA ESPECÍFICA CONCEDIDO. MUNICÍPIO COMPELIDO A ADQUIRIR MEDICAMENTO NÃO COMERCIALIZADO NO PAÍS. INTELIGÊNCIA DO ART. 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. I O direito à vida e à saúde trata de direito subjetivo tutelado pela Constituição Federal e assegurado a todos de forma indistinta e irrevogável, não podendo ser violado, nem mesmo, inviabilizado por entraves burocráticos, máxime, por se tratar, no caso em questão, do direito à vida, haja vista ser o agravado portador de doença rara e congênita. (destaques acrescidos) II Agravo conhecido e improvido". (Ag. Instrumento 2000.002703-0 NATAL/RN, Rel. Dês. Amaury Moura Sobrinho, 1ª Câm. Cível, julgado em 26/08/2004, DOE/RN 18/09/2004).

Dessa forma, resta evidente o direito da autora a receber o medicamento necessário para o seu tratamento médico.

III DISPOSITIVO:

Pelos fundamentos acima expostos, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO constante na inicial, confirmando in totum a tutela antecipada antes proferida, para condenar o Estado do Rio Grande do Norte, a fornecer o medicamento RITUXIMABE (Mabthera) 600 mg, nos moldes e quantidades especificados no documento médico de fl. 10/11 dos autos.

Condeno o réu no pagamento das verbas sucumbenciais e honorários advocatícios, que fixo em 5% sobre o valor atribuído à causa.

Sentença sujeita sujeita ao reexame necessário (CPC, art. 475, I).

Escoado o prazo para interposição de recurso voluntário, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça deste Estado.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Natal/RN, 22 de setembro de 2009.

Aline Daniele Belém Cordeiro Lucas
Juíza de Direito Substituta.



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