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terça-feira, 6 de outubro de 2009

JURID - Desaforamento. Pedido formulado pelo magistrado. [06/10/09] - Jurisprudência


Desaforamento. Pedido formulado pelo magistrado. Dúvida quanto à imparcialidade do júri. Procedência.
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Tribunal de Justiça do Mato Grosso - TJMT.

TURMA DE CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS

DESAFORAMENTO DE JULGAMENTO Nº 100416/2008 - CLASSE CNJ - 432 - COMARCA DE JUARA

REQUERENTE: JUÍZO DA PRIMEIRA VARA DA COMARCA DE JUARA

REQUERIDO: GILBERTO BATISTA CÂMARA

REQUERIDO: APARECIDO DIAS DO NASCIMENTO

REQUERIDO: JOSÉ MARCOLINO ALVES, VULGO "DEDEZÃO"

Número do Protocolo: 100416/2008

Data de Julgamento: 06-8-2009

EMENTA

DESAFORAMENTO - PEDIDO FORMULADO PELO MAGISTRADO - DÚVIDA QUANTO À IMPARCIALIDADE DO JÚRI - PROCEDÊNCIA.

Evidenciado por dados objetivos, inclusive pelas informações do Magistrado, ser fundada a dúvida quanto à imparcialidade dos Jurados, consoante o disposto no art. 427 do Código de Processo Penal, não resta outra solução senão autorizar o desaforamento do julgamento. Pedido Deferido.

R E L A T Ó R I O

EXMO. SR. DES. RUI RAMOS RIBEIRO

Egrégia Câmara:

Aparecido Dias do Nascimento, José Marcolino Alves e Gilberto Batista Câmara, qualificados, foram pronunciados como incursos no artigo 121, parágrafo 2º, incisos I, III e IV, da Lei Material Penal, por três vezes, nos autos da ação penal condenatória nº 101/2006, em trâmite no juízo da 2ª Vara da Comarca de Juara/MT, pelos fatos ocorridos na noite de 15 de janeiro de 1988, tendo como vítimas Ademir Marques Ramos, Luiz Carlos Andrade dos Santos e João Batista da Silva, que foram retirados do presídio da cidade de Porto dos Gaúchos/MT, e levados para a Praça dos Colonizadores, na cidade de Juara/MT, onde foram mortos (fls. 2288 a 2309).

O douto magistrado representou pelo desaforamento do julgamento dos pronunciados, nos termos do artigo 424 do Código de Processo Penal, sob os argumentos de ser considerável o número de réus, pessoas tradicionais da sociedade local, onde se percebe existir um senso comum pela absolvição; vários funcionários da justiça no local que seriam parentes dos réus; na primeira reunião do Conselho de Sentença daquela Comarca uma jurada se declarou suspeita, e um jurado compromissado manifestou-se pela absolvição, o que gerou a dissolução do corpo de jurados; em uma segunda tentativa, por não comparecerem número suficiente de jurados, e, ouvido o Parquet, se pronunciou imparcial, assim, diante da manifesta imparcialidade dos jurados da Comarca de Juara, submete os fatos à apreciação desta E. Corte para decisão sobre a conveniência e necessidade do desaforamento (fls. 2420 a 2426).

A defesa dos pronunciados (fls. 2427 a 2460) pleiteia a manutenção do julgamento perante o Tribunal do Júri da Comarca de Juara/MT, local onde os fatos aconteceram e, caso se opere desaforamento, pleiteia a realização do julgamento pelo Conselho de Sentença da Comarca de Porto dos Gaúchos, a mais próxima, ou então da Comarca de Tabaporã/MT.

Expõe serem infundados os motivos expostos na representação para o desaforamento, qual seja a vítima do latrocínio, João Batista Câmara, que desencadeou o linchamento, seria pessoa querida pela sociedade local, pois o Conselho de Sentença é formado por cidadãos de reputação ilibada, devidamente compromissados e juramentados pela imparcialidade, não tendo presenciado os fatos, ocorridos há mais de duas décadas, inexistindo demonstração que possuam amizade ou parentesco com os pronunciados. No que se refere a quantidade de réus, por serem pessoas tradicionais da sociedade e existirem servidores do fórum parentes de réus, explicita que tais circunstâncias não se enquadram nas hipóteses descritas no artigo 424 do Código de Processo Penal; quanto ao "sentimento generalizado de necessidade de absolvição", nenhuma prova há neste sentido, bem como de que um jurado tenha se pronunciado pela absolvição, e quanto ao fato de uma jurada ter se declarado suspeita, não colocaria a parcialidade dos demais jurados sob suspeita, e o não comparecimento de 14 (catorze) jurados na segunda reunião do Conselho de Sentença, encontraria justificativa pela não intimação ou localização dos demais.

Desta forma, sem razão o pedido de desaforamento, haja vista não haver qualquer espécie de animosidade entre os munícipes, ou dúvida quanto parcialidade do Conselho de Sentença da Comarca de Juara, ressaltando que a regra é que sejam os pronunciados submetidos ao Júri Popular do local onde os fatos ocorreram.

Às folhas 2544 TJ/MT, determinou-se que os autos fossem encaminhados a instância de origem para cumprimento do disposto no item 7.35.3.1, alínea "e", da Consolidação das Normas Gerais da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Mato Grosso, haja vista ter sido indevido o envio dos autos principais para conhecimento da representação.

Diante da determinação do juízo singular de encaminhar os autos originais ao arquivo provisório, foi determinado à instância singela o regular prosseguimento dos trâmites da ação penal originária (fls. 2554 TJ/MT).

Nesta instância a douta Procuradoria Geral de Justiça, em Parecer da lavra do eminente Procurador de Justiça Mauro Viveiros, opinou pelo deferimento do desaforamento. Explicitou inicialmente que embora transcorridos mais de 20 (vinte) anos dos fatos, não se operou a prescrição da pretensão punitiva. No que se refere à representação para desaforamento, ressaltou que o crime envolve quase 60 (sessenta) pessoas, identificadas por si mesmas, o que denota a dificuldade de se obter um julgamento imparcial, diante do sentimento de que a morte das vítimas significou um ato de justiça, o que restaria evidenciado pelo tempo transcorrido entre os fatos e a data da pronúncia, quase 19 (dezenove) anos após, tendo inclusive sido enfatizado pelo magistrado ao afirmar a existência de um sentimento generalizado pela absolvição.

Destaca-se que a parcialidade está objetivamente demonstrada e o desaforamento, como instrumento de defesa da imparcialidade e isenção no julgamento, não se submete a conveniência das partes, ressaltando ainda que a dissolução do Conselho de Sentença na primeira sessão de julgamento e o fato de que para a segunda somente compareceram 14 (catorze) jurados, denotam uma ação com o fim de procrastinar o julgamento e, por conseqüência, a extinção da pretensão punitiva do Estado.

Assim, o desaforamento se justifica, e não se mostra viável que o seja para Comarca na própria região de Juara, haja vista que não atenderia a finalidade legal, de modo que o julgamento deve ser desaforado para a Capital do Estado.

A douta revisão foi realizada a fls. 2578 TJ/MT.

É o relatório.

P A R E C E R (ORAL)

O SR. DR. MAURO VIVEIROS

Ratifico o parecer escrito.

VOTO

EXMO. SR. DES. RUI RAMOS RIBEIRO (RELATOR)

Egrégia Câmara:

No vertente, os fatos narrados como comprometedores da imparcialidade dos jurados elencados pelo Magistrado encontram-se demonstrados pelo sentimento generalizado no meio social daquela comunidade pela absolvição, pela dissolução da primeira sessão do Tribunal do Júri, quando uma jurada sorteada declarou-se suspeita e um jurado, durante o julgamento, manifestou-se pela absolvição, e pelo fato de que na segunda sessão do Tribunal do Júri apenas 14 (catorze) jurados compareceram, sendo que um pronunciou parcialidade junto ao Ministério Público, demonstrando eventual parcialidade dos jurados naturais.

Insta salientar que o desaforamento é medida de exceção ao princípio geral da competência em razão do lugar, e implica em derrogação da regra geral de que o réu deve ser julgado no distrito da culpa. Por este motivo, o seu deferimento está condicionado à pré-existência de uma ou mais das hipóteses previstas no atual artigo 427 do Código de Processo Penal, após as modificações efetuadas pela novel Lei nº 11.689, de 9 de junho de 2008, quais sejam, o interesse da ordem pública ou alguma dúvida acerca da imparcialidade do júri ou da segurança do réu.

Segundo consta da sentença de pronúncia (fls. 2288 a 2309), em 12 de janeiro de 1988, as vítimas praticaram o crime de latrocínio contra João Batista Câmara, taxista da cidade de Juara. Presos, foram encaminhados para a cadeia pública da cidade de Porto dos Gaúchos, ante a revolta da população local. Por volta das vinte e uma horas, os requeridos, juntamente como outras pessoas daquela comunidade, foram até a cidade vizinha, e após reprimirem o carcereiro, retiraram as vítimas da cela, passando a torturá-las, levando-as para a praça da cidade de Juara, onde foram mortas e os corpos pendurados de cabeça para baixo e deixados expostos enquanto soltavam fogos de artifício pela cidade.

Necessário destacar que a Comarca de Juara, segundo o Instituto Brasileiro de Geográfica e Estatística, em 1º de julho de 2008, possuía 33.040 (trinta e três mil e quarenta) habitantes e, consoante informações veiculadas no site do Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Mato Grosso, 17.224 (dezessete mil, duzentos e vinte e quatro) eleitores.

O douto magistrado, ao formular a representação para o desaforamento, explicitou ser "(...) irrevogável e manifesta imparcialidade dos jurados (...)" (sic fls. 2425), ante a elevada quantidade de réus, estes pessoas de reputação tradicional na sociedade local, por persistir um sentimento generalizado pela absolvição, além da existência de vários servidores do fórum local serem parentes de réus, por duas vezes restar frustrada a realização da sessão de julgamento e ter ocorrido manifestação de membro do Conselho de Sentença pela absolvição.

Certo é que, na época dos fatos delituosos em tela, ao que parece, existia um clima de perene revolta dos munícipes, em razão das vítimas terem ceifado a vida de um membro querido da sociedade local, apto a ensejar a possibilidade de alteração da isenção de ânimo de alguns jurados ou prejulgamento de valor a respeito da questão, o que certamente levaria à dúvida acerca da imparcialidade dos jurados.

Com efeito, a dúvida sobre a imparcialidade do Júri para autorizar a derrogação da regra geral da competência territorial deve ser comprovada nos autos de maneira irrefutável. Não basta a dúvida de caráter meramente subjetivo do réu, da defesa, da acusação ou do Juiz.

Analisando os autos, tem-se que no dia dos fatos houve uma mobilização de pessoas da comunidade de Juara a fim de buscarem as vítimas e executarem o linchamento em praça pública como forma de desforro pelo assassinato de uma pessoa, ao que parece bem quista pela sociedade local, tendo sido ofertada denúncia contra 59 (cinquenta e nove) pessoas.

Das declarações prestadas pelas testemunhas ouvidas após aproximadamente 05 (cinco) anos do fato, se observa a persistência de certa reserva, revelando-se as informações evasivas.

A testemunha de acusação, ouvidas em 15 de abril de 1994, Antonio Tadeu Dalpiaz (fls. 1744), declarou não saber quem participou do linchamento e, por não ter assistido a execução, ainda que soubesse não delataria, e João Severino de Luna (fls. 1747) declarou que não estava na cidade no dia dos fatos, somente vindo a ter conhecimento no dia seguinte, de que "(...) se tratava de um linchamento contra as pessoas que assassinaram o taxista João Batista Câmara; que o depoente não sabe dizer quem participou do linchamento, e sobre o assunto também ninguém fala." (sic).

Ouvido também como testemunha de acusação Osvaldo Dorta de Oliveira, disse que no dia dos fatos passava pela praça quando escutou barulho de fogos de artifício, porém o local estava vazio, deixou uma amiga em casa e ao retornar já havia grande número de pessoas na praça e os corpos estavam dependurados, tendo ficado observando de longe, contudo, "(...) não reconhece quaisquer das pessoas arroladas na denúncia que estivessem no local; (...)" (fls. 1752).

No caso, é o próprio juiz, com a firmeza dos bons magistrados, quem faz a representação pelo desaforamento, dizendo categoricamente que não há condições para que o Júri da Comarca de Juara possa ser imparcial.

Oportuno os julgados do Pretório Excelso:

"HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. JÚRI. DESAFORAMENTO. PREFEITO MUNICIPAL. INFLUÊNCIA SOBRE OS JURADOS. 1. Pedido de desaforamento fundado na possibilidade de o paciente, ex-prefeito municipal, influenciar jurados admitidos em caráter efetivo na gestão de um dos acusados. Influência não restrita aos jurados, alcançando, também, toda a sociedade da Comarca de Serra/ES. 2. Não é necessária, ao desaforamento, a afirmação da certeza da imparcialidade dos jurados, bastando o fundado receio de que reste comprometida. Precedente. Ordem denegada." (HC 96785, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 25-11-2008, DJe-094 DIVULG 21-05-2009, PUBLIC 22-05-2009, EMENT VOL-02361-04, PP-00792).

"JÚRI - DESAFORAMENTO. O desaforamento pressupõe quadro que revele impróprio o julgamento na comarca em que cometido o crime, sendo relevantes as informações prestadas pelo juiz presidente do Tribunal do Júri." (HC 93939, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 21-10-2008, DJe-025 DIVULG 05-02-2009, PUBLIC 06-02-2009, EMENT VOL 02347-03, PP-00574).

Assim, evidenciada nos autos a existência de fundada dúvida acerca da imparcialidade do Júri, não resta outra solução senão acolher o pedido ora manifestado.

Voto, portanto, pela procedência da presente representação, para que o julgamento seja efetuado pelo Tribunal do Júri da Comarca de Sinop/MT.

Pelo exposto, acolho a representação e determino o desaforamento do julgamento dos requeridos Gilberto Batista Câmara, Aparecido Dias do Nascimento e José Marcolino Alves para a Comarca de Sinop/MT.

Custas na forma da lei.

É como voto.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TURMA DE CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DES. JOSÉ JURANDIR DE LIMA, por meio da Turma Julgadora, composta pelo DES. RUI RAMOS RIBEIRO (Relator), DES. JUVENAL PEREIRA DA SILVA (Revisor), DES. GÉRSON FERREIRA PAES (1º Vogal), DES. LUIZ FERREIRA DA SILVA (2º Vogal), DES. TEOMAR DE OLIVEIRA CORREIA (3º Vogal), DES. JOSÉ JURANDIR DE LIMA (4º Vogal), DES. PAULO INÁCIO DIAS LESSA (5º Vogal), DES. JOSÉ LUIZ DE CARVALHO (6º Vogal) e DR. CARLOS ROBERTO C. PINHEIRO (7º Vogal convocado), proferiu a seguinte decisão: JULGARAM PROCEDENTE O PEDIDO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR, DESLOCANDO O JULGAMENTO PARA O JUÍZO DA COMARCA DE SINOP, EM CONSONÂNCIA COM O PARECER.

Cuiabá, 06 de agosto de 2009.

DESEMBARGADOR JOSÉ JURANDIR DE LIMA - PRESIDENTE DA TURMA DE CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS

DESEMBARGADOR RUI RAMOS RIBEIRO - RELATOR

PROCURADOR DE JUSTIÇA

Publicado em 29/09/09




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