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quinta-feira, 8 de outubro de 2009

JURID - Apelação criminal. Pai tortura filha de 11 anos. Mãe auxilia [08/10/09] - Jurisprudência


Apelação criminal. Pai tortura filha de 11 anos. Mãe auxilia. Desclassificação para maus tratos. Impossibilidade.


Tribunal de Justiça do Distrito Federal e seus Territórios - TJDFT.

Órgão 1ª Turma Criminal

Processo N. Apelação Criminal 20040110488572APR

Apelante(s) LEVI JOAQUIM DE ALMEIDA E OUTROS

Apelado(s) MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS

Relatora Desembargadora SANDRA DE SANTIS

Revisor Desembargador EDSON ALFREDO SMANIOTTO

Acórdão Nº 378.557

E M E N T A

APELAÇÃO CRIMINAL - PAI TORTURA FILHA DE 11 ANOS - MÃE AUXILIA - DESCLASSIFICAÇÃO PARA MAUS TRATOS - IMPOSSIBILIDADE.

I. As agressões físicas, abusivas e cruéis, perpetradas pelo pai à filha de 11 anos, com ajuda e anuência da mãe, ultrapassam todos os limites do animus corrigendi.

II. Desclassificação para maus tratos incabível. O excesso foi além do ato de correção, como ficou claro pelo laudo de lesões corporais.

III. Apelo improvido.

A C Ó R D Ã O

Acordam os Senhores Desembargadores da 1ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, SANDRA DE SANTIS - Relatora, EDSON ALFREDO SMANIOTTO - Revisor, GEORGE LOPES LEITE - Vogal, sob a Presidência da Senhora Desembargadora SANDRA DE SANTIS, em proferir a seguinte decisão: Desprovidos os recursos. Unânime, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 17 de setembro de 2009

Certificado nº: 44357DDA22/09/2009 - 19:35

Desembargadora SANDRA DE SANTIS
Relatora

R E L A T Ó R I O

Apelação interposta por LEVI JOAQUIM DE ALMEIDA E ELIZABETH MARQUES SATELES DE ALMEIDA contra sentença que os condenou a 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, no regime aberto, pelo crime do art. 1º, inciso II, c/c §4º, inciso II, da Lei 9.455/97.

Narra a denúncia que, no dia 01.04.04, por volta das 18h, na Qd. 05, Conj. B, Lote 33, Estrutural/DF, LEVI com ajuda de ELIZABETH castigou a filha MARINA, com 11 anos à época, a intenso sofrimento físico. Os pais amarraram as mãos da criança para trás com fios elétricos e LEVI desferiu-lhe incontáveis golpes pelo corpo e rosto com um pedaço de fio elétrico, que ocasionaram as lesões corporais produzidas por meio cruel, conforme laudo de corpo de delito (fl. 35).

Requerem a desclassificação para maus tratos. Alegam que queriam apenas "educar, corrigir a filha". Sustentam que "por força do hábito da criação que tiveram, acabaram por fazê-lo de modo excessivo."

Contrarrazões às fls. 320/325.

A Procuradoria de Justiça opina pelo improvimento do apelo.

É o relatório.

V O T O S

A Senhora Desembargadora SANDRA DE SANTIS - Relatora

Recurso tempestivo, cabível e regularmente processado. Dele conheço.

Os apelantes foram condenados pelo crime de tortura à filha, à época com 11 anos.

Negam. Requerem a desclassificação para maus tratos. Alegam que a intenção era apenas corrigi-la, educá-la, pois suspeitavam que a filha estivesse surrupiando dinheiro da família.

Razão não lhes assiste.

Os apelantes foram condenados pelo art. 1º, inciso II, c/c §4º, inciso II, da Lei 9.455/97.

"Art. 1º. Constitui crime de tortura:

II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) a

§4º. Aumenta-se a pena de 1/6 (um sexto) até 1/3 (um terço):

II - se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de deficiência, adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos;" Grifos nossos.

O art. 136 do Código Penal dispõe sobre o crime de maus-tratos:

"Art. 136. Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina:

Pena - detenção, de 2 (dois) meses a 1 (um) ano, ou multa. Grifos nossos.

O abuso dos meios de correção ou disciplina pelos pais configura o crime de maus-tratos. Os genitores atuam com o animus corrigendi ou disciplinandi. Abusar é ir além do permitido. Segundo Rogério Greco, in Código Penal Comentado, 2ª edição, 2008, p. 473, "a palavra utilizada pelo tipo penal do art. 136, vale dizer abuso, diz respeito ao excesso nos meios de correção ou disciplina. Assim, os pais não estão impossibilitados de corrigir seus filhos moderadamente, mas sim, completamente proibidos de abusar desse direito, sob pena de serem responsabilizados criminalmente."

Guilherme de Souza Nucci in Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, 3ª Edição, 2008, p. 1088 e 1092, entende "por tortura qualquer método de submissão de uma pessoa a sofrimento atroz, físico ou mental, contínuo e ilícito, para a obtenção de qualquer coisa ou para servir de castigo por qualquer razão.(Grifei)" O dolo exigido para a caracterização do crime de tortura, segundo o doutrinador, "não é o de submeter alguém a uma situação de mero maltrato, mas, sim, ir além disso, atingindo uma forma de ferir com prazer ou outro sentimento igualmente reles para o contexto. (Grifei)"

Rogério Greco, na obra citada acima, p. 477, diz que "não existe coincidência de motivação entre o delito de tortura, previsto no inciso II do art. 1º da Lei 9.455/97 e o crime de maus-tratos. Neste, o agente atua para fins de educação, ensino, tratamento ou custódia; naquele, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo."

Pela leitura dos autos percebe-se que estão presentes todos os elementos do crime de tortura, qualificado por ter sido praticado contra uma criança de 11 (onze) anos. As agressões físicas, abusivas e cruéis, perpetradas pelo pai e com ajuda e anuência da mãe ultrapassam todos os limites da tolerância.

As agressões sofridas estão registradas no laudo de exame de lesões corporais:

"Apresenta incontáveis equimoses e escoriações com aspecto de faixa, com um centímetro de largura e com comprimento variado, compatíveis com lesões produzidas pelo instrumento citado. As lesões estão amplamente distribuídas nos membros superiores, coxas, nádegas, pés, flancos e principalmente no dorso ao nível de ambas as regiões escapulares, onde percebe-se com toda a evidência que foram desferidos incontáveis golpes. Além das lesões citadas há grande edema na face direita, escoriações em placa com sete por quatro centímetros na região mandibular esquerda e com cinco por quatro centímetros na região zigomática esquerda. Está com limitação moderada na abdução do braço esquerdo. Durante o exame encontramos fragmentos alaranjado de fio elétrico, que se desprendeu do cabelo da pericianda. O fragmento foi entregue ao policial que acompanhava a pericianda.

A multiplicidade, a variedade topográfica , a intensidade, a grande quantidade de lesões na região dorsal e a idade da pericianda não deixa dúvidas de que o agressor agiu com instinto de crueldade." (fl.39) Grifos nossos.

LEVI não nega que surrou MARINA. No interrogatório declarou:

"(...) são verdadeiros os fatos narrados na denúncia, eis que os praticou. Desconfiou que Marina estava subtraindo dinheiro da família, razão pela qual resolveu puni-la. Apanhou um pedaço de fio de telefone em uma dispensa e, durante dois ou três minutos, agrediu a criança com o fio. Aplicou diversos golpes nas costas e, possivelmente, nas pernas da garota. Em dado momento, Marina caiu e se machucou na testa ou no rosto. Antes de iniciar a agressão, amarrou as mãos de Marina com um pedaço de fio. (...) Elizabeth não o ajudou, ao contrário, chegou a dizer para o interrogando: 'não benzinho, ela não vai confessar, chega'. (...) A garota foi abrigada durante aproximadamente um ano, (...) Marina ficou com uma mancha vermelha permanente nas costas, em virtude da agressão" (fls. 90/92) Grifos nossos.

LEVI tentou livrar a esposa das responsabilidades pelo crime, mas ELIZABETH confessou que o ajudara:

"(...) são verdadeiro os fatos narrados na denúncia, eis que os praticou. Apanhou dois pedaços de fio e, com um deles, ajudou LEVI a amarrar as mãos da garota, após que LEVI passou a agredi-la, nas costas, com o outro pedaço de fio. A agressão durou mais de um minuto. (...) Marina ficou com uma cicatriz permanente das costas. (fls. 93/94) Grifos nossos.

Importantes as declarações da testemunha ADRIANA LIMA DE ALMEIDA, Conselheira do Conselho Tutelar de Brasília:

"(...) Tomou conhecimento dos fatos através de populares, que foram ao Conselho Tutelar solicitar ajuda. Rapidamente sua equipe foi até a casa da vítima e a encontrou com diversos hematomas na cabeça, nas pernas e nas costas. A criança estava desacordada em virtude das agressões sofridas.(...)" (fl. 122) Grifos nossos.

Pelas declarações prestadas pelos filhos do casal (fls. 12/17; 37/38), percebe-se que LEVI punia severamente todas as crianças quando era contrariado. Os infantes relataram que sempre apanhavam do pai, ora de cinto, ora de fio de eletricidade, ora de mangueira e acrescentaram que eram colocados de castigo ajoelhados às vezes em feijões, pedras e em algumas oportunidades, eram obrigados a ficar no local durante um dia e uma noite inteiros. Eram privados de comer, dormir ou ir ao banheiro.

Mas contra MARINA foram ultrapassados todos os limites permitidos para educar um filho. Nos minutos de agonia, agiram com grande crueldade. Não se tratou de atitude que tão-somente visava a correção do comportamento. Os genitores tinham a intenção de causar intenso sofrimento físico, desde o primeiro momento quando amarraram as mãos da criança.

A justificativa apresentada para as agressões, "por força do hábito da criação que tiveram, acabaram por fazê-lo de modo excessivo", não os isenta do crime cometido. O excesso foi muito além do ato de correção, que ficou claro pelo laudo de lesões corporais.

A conduta dos apelantes é a descrita no art. 1º, II, e 4º, II da Lei 9.455/97. Não há como desclassificá-la para maus tratos.

Neste sentido a jurisprudência:

"EMBARGOS INFRINGENTES CRIMINAIS - CRIME DE TORTURA - PAI QUE IMPINGE INTENSO SOFRIMENTO AO FILHO, BEBÊ DE CINCO MESES, CONSISTENTE EM INÚMERAS MORDIDAS E FRATURA DA PERNA DIREITA. O dolo exigido para a caracterização do crime de tortura não é o de submeter alguém a uma situação de mero maltrato, mas, sim, ir além disso, atingindo uma forma de ferir com prazer ou outro sentimento igualmente reles para o contexto. A presença de diversas mordidas em múltiplos locais, sem a menor preocupação de ser a atitude comedida, demonstra que em cada um dos atos praticados pelo pai havia um sentimento além da correção intrínseca ao pátrio poder." (20010710152450EIR, Relator EDSON ALFREDO SMANIOTTO, Câmara Criminal, julgado em 17/11/2008, DJ 08/01/2009 p. 17)

Nego provimento ao apelo. Mantenho a sentença monocrática.

O Senhor Desembargador EDSON ALFREDO SMANIOTTO - Revisor

Com a Relatora.

O Senhor Desembargador GEORGE LOPES LEITE - Vogal

Com o Relator.

D E C I S Ã O

Desprovidos os recursos. Unânime.

DJ-e: 30/09/2009




JURID - Apelação criminal. Pai tortura filha de 11 anos. Mãe auxilia [08/10/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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