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quinta-feira, 8 de outubro de 2009

JURID - Ação de indenização por danos morais e materiais. Enchente. [08/10/09] - Jurisprudência


Apelação cível. Recurso adesivo. Reexame necessário. Ação de indenização por danos morais e materiais. Enchente.
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Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - TJRS.

Apelação Reexame Necessário

Sexta Câmara Cível - Regime de Exceção

Nº 70021188412

Comarca de Canoas

APRESENTANTE JUIZ DE DIREITO DA 5ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE CANOAS

APELANTE/RECORRIDO ADESIVO MUNICIPIO DE CANOAS

RECORRENTES ADESIVOS/APELADOS EUNICE JOHANN E NELSON JOHANN

APELAÇÃO CÍVEL. RECURSO ADESIVO. REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. ENCHENTE. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO ESTADO. DEVER DE INDENIZAR RECONHECIDO.

Em casos como o dos autos, em que se está diante de dano causado por fenômeno da natureza, importa, para o reconhecimento do dever de indenizar, a demonstração de que a omissão ou atuação deficiente da Administração Pública concorreu de forma decisiva para o evento, deixando de realizar obras que razoavelmente lhe seriam exigíveis, além do dano causado ao particular e do nexo de causalidade entre o primeiro e o segundo requisitos.

Caso concreto em que restou caracterizado, pela prova pericial, que uma das causas determinantes da inundação do imóvel do autor residia no fato de que a rede de esgoto e arrecadação de chuvas não estava concluída, sendo insuficiente o sistema para o escoamento da precipitação pluviométrica.

DANOS MORAIS. CARACTERIZAÇÃO. DANO IN RE IPSA.

Quantum razoavelmente arbitrado pelo juízo a quo em R$ 15.200,00 (doze mil reais), que vai mantido.

DANOS MATERIAIS. DEMONSTRAÇÃO. A prova pericial confirma os danos causados aos rodapés e parquês da residência, bem como aos móveis, eletrodomésticos e utensílios dos autores. Também identifica, de forma clara, a desvalorização do imóvel decorrente do alagamento.

PEDIDO COMINATÓRIO. Descabe a imposição de multa para caso incidência de nova inundação no imóvel. Necessidade do devido processo legal. O nexo causal não pode ser presumido e antecipado.

RECURSOS DE APELAÇÃO E ADESIVO DESPROVIDOS. SENTENÇA MANTIDA EM REEXAME NECESSÁRIO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Sexta Câmara Cível - Regime de Exceção - do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento à apelação e ao recurso adesivo, e em manter integralmente a sentença, em reexame necessário.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores DES.ª MARILENE BONZANINI BERNARDI E DES. TASSO CAUBI SOARES DELABARY.

Porto Alegre, 25 de novembro de 2008.

DES. JOSÉ AQUINO FLÔRES DE CAMARGO,
Relator.

RELATÓRIO

Des. José Aquino Flôres de Camargo (RELATOR)

Trata-se de recursos de apelação e adesivo interpostos, de um lado, pelo MUNICÍPIO DE CANOAS e, de outro, por NELSON JOHANN e EUNICE JOHANN, da sentença que, nos autos da AÇÃO DE INDENIZAÇÃO/REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS manejada pelos últimos contra o primeiro, julgou procedente, em parte, a pretensão deduzida na inicial, para o efeito de condenar o réu a pagar aos autores, a título de dano moral, R$ 6.991,57 e R$ 10.463,00, corrigidos monetariamente pelo IGP-M a partir de março de 2007 e dezembro de 2007, respectivamente. O demandado ainda foi condenado ao pagamento de indenização por dano moral, em quantia equivalente a R$ 15.200,00, atualizada desde a data da decisão e acrescida de juros legas a contar da citação. Ante a sucumbência mínima dos demandantes, o réu foi condenado ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, arbitrados em 17% sobre o valor da condenação (fls. 419-421).

Em suas razões, o Município de Canoas afirmou não estarem preenchidos os requisitos necessários ao reconhecimento do dever indenizar. Referiu, a propósito, que o nivelamento do imóvel dos autores é mais baixo que o da rua, o que facilita a ocorrência de alagamentos. Salientou, também, que o sistema de escoamento de água é bastante eficaz, o que minimizaria os prejuízos causados por inundações. Disse, por outro lado, que o índice pluviométrico atingido em 25.12.1997 foi superior ao equivalente a um mês de chuva, de modo que, se estando diante de fato da natureza, não haveria como imputar ao ente público a responsabilidade pelos danos. Nesses termos, pugnou pelo provimento do recurso (fls. 424-429).

Os recorrentes adesivos, por sua vez, esgrimiram inconformidade contra não ter sido apreciado o pedido de cominação de pena para a hipótese de nova inundação. Advogaram, entretanto, que a questão pode ser apreciada desde logo, com base no permissivo contido no § 1º do art. 515 do CPC. Requereram, então, o provimento do recurso (fls. 435-439).

Apresentadas as contra-razões (fls. 448-458, pelos autores; e fls. 459-461, pelo réu), subiram os autos a esta Corte e, por redistribuição, vieram-me conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTOS

Des. José Aquino Flôres de Camargo (RELATOR)

Apreciarei os recursos conjuntamente.

Como sabido, o sistema jurídico brasileiro adota a responsabilidade objetiva do Estado sob a forma da Teoria do Risco Administrativo. É o que se verifica pela simples leitura do § 6º do art. 37 da Constituição da República, que assim dispõe:

"Art. 37. [...].

§ 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos caso de dolo ou culpa."

Diante disso, para que incida a responsabilidade objetiva, em razão dos termos da norma constitucional em destaque, há necessidade de que o dano causado a terceiros seja provocado por agentes estatais nessa qualidade. Abordando o tema, Sergio Cavalieri Filho elucida que "a Administração Pública gera risco para os administrados, entendendo-se como tal a possibilidade de dano que os membros da comunidade podem sofrer em decorrência da normal ou anormal atividade do Estado. Tendo em vista que essa atividade é exercida em favor de todos, seus ônus devem ser também suportados por todos, e não apenas por alguns. Conseqüentemente, deve o Estado, que a todos representa, suportar os ônus da sua atividade, independentemente de culpa de seus agentes. Em apertada síntese, a teoria do risco administrativo importa atribuir ao Estado a responsabilidade pelo risco criado pela sua atividade administrativa"(1).

Em casos como o dos autos, porém, em que se está diante de dano causado por fenômeno da natureza, importa, para o reconhecimento do dever de indenizar, a demonstração de que a omissão ou atuação deficiente da Administração Pública concorreu de forma decisiva para o evento, deixando de realizar obras que razoavelmente lhe seriam exigíveis, além do dano causado ao particular e do nexo de causalidade entre o primeiro e o segundo requisitos.

Daí que a responsabilidade do Estado somente pode ser reconhecida quando evidenciada a existência de comportamento estatal que tenha contribuído para o dano pretendido indenizar. E, na hipótese sob exame, está plenamente caracterizada a responsabilidade do Estado em indenizar os autores pelos fatos descritos na inicial. Ainda que se trate de dano decorrente de fenômeno da natureza, não resta dúvida de que a atuação deficiente do ente estatal contribuiu de forma decisiva para o evento danoso. Mesmo que se admita a concorrência de causas para o evento danoso, não há falar em exclusão da responsabilidade estatal.

Ora, a perícia realizada no processo (fls. 262-269 e 368-373) indica que, na época dos fatos, apenas dois terços da tubulação que recebe as águas das chuvas estava ligada à rede cloacal. A evidenciar que, no dia 25.12.1997, a rede de coleta pluvial não estava concluída. Assim:

"De conformidade com o LEVANTAMENTO DE REDE PLUVIAL, juntado aos autos do processo em fls. 351 e 352, a maior parcela (2/3) da tubulação que recebe o esgoto cloacal do lado par da rua Oswaldo Cruz desemboca numa canalização de 0,6m de diâmetro que segue pela rua Dom Pedro II em direção à rua 11 de Junho, a menor parcela (1/3) desemboca numa canalização de 0,5m de diâmetro que segue pela rua Conde Porto Alegre, indo em direção à Rua 11 de Junho.

Do lado ímpar da rua Oswaldo Cruz, desemboca numa canalização de 0.6m de diâmetro que segue pela rua Dom Pedro II em direção à rua 11 de Junho.

[...] como as redes de esgoto cloacal não estão concluídas, não funcionam na maior parte do Município. Desta forma, a solução sanitária (esgoto cloacal) é feita por fossa e sumidouro ou é canalizada junto à rede de coleta pluvial.

[...] um maior dimensionamento do sistema coletor pluvial poderia colaborar melhor com o escoamento das águas pluviais. É importante dizer que qualquer tipo de obstrução dos coletores pode gerar entupimento e ineficácia do sistema.

Observe-se que nos autos do processo, no documento de folhas nºs 81 à 87, datadas de 09/09/1999, se observa que alguns coletores pluviais (bocas de lobo) não encontravam-se ligados a rede pluvial na época do alagamento. Ou seja, pelo o que indica o Laudo Técnico elaborado pelo Eng. Juarez da Silva, CREA 67.851-D, a rede de coleta pluvial não estava concluída na data em que a unidade do autor foi alagada.

[...].

Cabe salientar que se a situação retratada no documento de folhas nºs 81 à 87 (onde alega-se que as bocas de lobo não encontravam-se ligadas à rede pluvial na época do alagamento) confere com a realidade, consideramos que seria fator determinante a colaborar com o alagamento na unidade do autor."

Daí que, embora o terreno de propriedade dos autores esteja localizado em nível inferior ao da rua, é evidente que o fato de a rede de esgoto e arrecadação de chuvas não estar concluída no dia em que ocorreu a inundação contribuiu decisivamente para o alagamento ocorrido em decorrência das fortes chuvas de 25.12.1997. Era dever da Administração Pública ter concluído as obras de drenagem da área. Assim não procedendo, deve responder pelos prejuízos causados pelos autores.

Não bastasse isso, como bem salientado pelo Ministério Público, "a prova pericial confirma os danos causados aos rodapés e parquês da residência, bem como aos móveis, eletrodomésticos e utensílios dos autores. Também identifica de forma clara a desvalorização do imóvel decorrente do alagamento". De sorte que deve ser mantida a condenação imposta a título de indenização por dano material, nos termos da sentença.

Da mesma forma, são incontestáveis os danos de ordem moral suportados pelos demandantes. Que decorrem da angústia, da aflição e do sentimento de impotência experimentados em razão dos estragos causados em sua moradia e nos bens que guarneciam o local.

No caso sob exame, o fato fala por si, dispensando prova nesse sentido. Ele - o dano - é mesmo presumido, independente de resultado. Aqui, a diferença entre o dano moral e o material. A jurisprudência, de forma reiterada, assim tem entendido em situação como a dos autos. A hipótese está contemplada no texto constitucional (art. 5º, X). Não se trata de pecunia doloris ou pretium doloris, que não se pode avaliar, mas satisfação de ordem moral, que representa o reconhecimento pelo direito do valor e importância desse bem.

Assim, configurada a existência do dano, pende a análise, em reexame necessário, do valor a ser fixado a título de indenização, baseado no prudente arbítrio judicial. No que diz com o valor da indenização por dano moral, é questão que remete à subjetividade, haja vista a ausência de critérios legais para o arbitramento do quantum. Nesse escopo, a doutrina e a jurisprudência têm construído paradoxos materiais acerca do intuito da reparação pretendida, pautados pelo equilíbrio, mormente não havendo mensuração específica. O dano não pode ser fonte de lucro. Ao revés, deve estar pautado pela razoabilidade.

De modo que, sopesados, de forma objetiva, a gravidade potencial da falta cometida, além das circunstâncias do fato - e considerando o duplo caráter da indenização (punitivo-pedagógico) -, tenho que o valor arbitrado na sentença, equivalente a R$ 15.200,00 (quinze mil e duzentos reais), revela-se adequado e proporcional ao dano reclamado. Mantidos, igualmente, os critérios de correção monetária e a taxa de juros de mora fixados pelo juízo a quo.

Por fim, assiste razão aos recorrentes adesivos quanto à alegação de que a sentença seria citra petita, porque não apreciado o pedido de cominação de pena para a hipótese de nova inundação em sua residência. Isso, contudo, não implica a nulidade do decisum, porque possível a aplicação, na espécie, da regra contida no § 1º do art. 515 do CPC(2).

Apesar disso, não merece acolhida a pretensão dos autores. A questão, inclusive, foi apreciada de forma irrepreensível pelo Ministério Público, ao referir que "caso haja nova inundação que venha a acarretar prejuízos aos autores, deverão estes buscar posterior responsabilização do Município por possível omissão em nova demanda, respeitando-se, assim, o devido processo legal. Não resta dúvida de que não há como se imputar responsabilidade futura à municipalidade por evento que sequer ocorreu, considerando-se, ainda, que, conforme consta dos autos, já foram adotadas providências a evitar novos alagamentos, mediante a realização de obras no sistema de drenagem".

Diante de todo o exposto, nego provimento à apelação e ao recurso adesivo e mantenho integralmente a sentença, em reexame necessário.

É o voto.

Des.ª Marilene Bonzanini Bernardi (REVISORA) - De acordo.

Des. Tasso Caubi Soares Delabary - De acordo.

DES. JOSÉ AQUINO FLÔRES DE CAMARGO - Presidente - Apelação Reexame Necessário nº 70021188412, Comarca de Canoas: "NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO E AO RECURSO ADESIVO. SENTENÇA MANTIDA EM REEXAME NECESSÁRIO. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: TELMO DOS SANTOS ABECH



Notas:

1 - In "Programa de Responsabilidade Civil", 5ª ed., Malheiros Editores Ltda., São Paulo/SP, 2003, p. 239. [Voltar]

2 - "Art. 515. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. § 1º Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro." [Voltar]




JURID - Ação de indenização por danos morais e materiais. Enchente. [08/10/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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