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quarta-feira, 7 de outubro de 2009

JURID - Apelação cível. Ação de indenização por danos materiais. [07/10/09] - Jurisprudência


Apelação cível. Ação de indenização por danos materiais, c/c ressarcimento de valores. Autora que pretende indenização sob argumento de haver sofrido danos em razão do tratamento inadequado a que foi submetida.


Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul - TJMS.

28.9.2009

Terceira Turma Cível

Apelação Cível - Ordinário - N. 2008.021415-3/0000-00 - Campo Grande.

Relator - Exmo. Sr. Des. Ildeu de Souza Campos.

Apelante - Paulo Dorsa.

Advogado - José do Couto Vieira Pontes.

Apelada - Ana Maria Marçal Alves.

Advogada - Sinara Alessio Pereira.

E M E N T A - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, C/C RESSARCIMENTO DE VALORES - AUTORA QUE PRETENDE INDENIZAÇÃO SOB ARGUMENTO DE HAVER SOFRIDO DANOS EM RAZÃO DO TRATAMENTO INADEQUADO A QUE FOI SUBMETIDA - RESPONSABILIDADE DO PROFISSIONAL DA SAÚDE CONFIGURADO - PROVAS CONCLUSIVAS NOS AUTOS - RECURSO IMPROVIDO.

A responsabilidade dos ortodontistas, a par de contratual, é também obrigação de resultado, a qual, descumprida, acarreta o dever de indenizar do prestador pelo prejuízo eventualmente causado.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Terceira Turma Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade, negar provimento ao recurso.

Campo Grande, 28 de setembro de 2009.

Des. Ildeu de Souza Campos - Relator

RELATÓRIO

O Sr. Des. Ildeu de Souza Campos

Trata-se de apelação cível interposta por PAULO DORSA, contra sentença prolatada às fls. 305/317, cujo magistrado, nos autos da Ação de Indenização, c/c Ressarcimento de Valores, ajuizada por ANA MARIA MARÇAL ALVES, julgou parcialmente procedente o pedido formulado na inicial, condenando o requerido/apelante, ao pagamento em favor da autora/apelada, da quantia de: a) R$800,00 (oitocentos reais), como indenização por danos materiais, pagos por ela pelo aparelho ortodôntico, b) R$1.830,00 (mil, oitocentos e trinta reais), referentes às mensalidades do tratamento dentário, c) R$9.450,00 (nove mil, quatrocentos e cinquenta reais), valor necessário para custear os implantes, próteses e tratamento reparador a que deverá ela submeter-se, mais, d) R$8.750,00 (oito mil, setecentos e cinquenta reais), como indenização por danos morais, e, e) pagamento de 3/4 das custas processuais e 3/4 de honorários advocatícios, fixados estes em 15% (quinze por cento) do valor da condenação.

Ao que se colhe dos autos, a apelada ajuizou ação de indenização contra o apelante, alegando, em síntese, que contratou os serviços do requerido para a realização de tratamento ortodôntico, objetivando corrigir o desalinhamento de sua arcada dentária e problema de mordida cruzada, por ele diagnosticados, mas que, entrentanto, não teria ele desenvolvido o serviço a contento, descumprindo o resultado prometido, além de extrair-lhe dois dentes sadios, cuja falta veio a lhe causar perda óssea na boca, ocasionando-lhe danos morais e materiais.

Em suas razões recursais, pretende o apelante a reforma da sentença, sob o argumento de haver ele agido dentro dos padrões que a profissão requer, e que os problemas advindos à autora, ela mesma os causou, por que não seguiu ela as instruções e recomendações que lhe foram feitas, além do fato de que não comparecia ela às consultas.

Alega que as conclusões e pareceres da perita nomeada são inseguros e controvertidos, e não afirmam com segurança a responsabilidade do apelante.

Aduz, ainda, ser a apelada respiradora bucal, o que causa anomalia nas arcadas dentárias, que não pode ser imputada ao requerido.

Sustenta que não cabe, no caso, qualquer indenização por danos materiais ou morais.

Por fim, ressalta que a responsabilidade dos ortodontistas é de meio e não de resultado, e que a eficácia do tratamento não depende somente do profissional da saúde, como também do paciente, o que não ocorreu no caso dos autos.

Devidamente intimada, a apelada apresentou contra-razões às fls. 332/344, pugnando pelo não provimento do recurso.

V O T O (EM 14.9.2009)

O Sr. Des. Ildeu de Souza Campos (Relator)

É de manter-se a sentença singular, por seus próprios fundamentos(1), razão porque transcreve-se a seguir, parte dela, para embasar este julgado. Assim vejamos:

"01) Da responsabilidade do réu.

Sustenta a autora, basicamente, que contratou os serviços do réu para a realização de um tratamento ortodôntico, visando corrigir o desalinhamento de sua arcada dentária e também um problema de mordida cruzada, diagnosticado pelo réu, mas que este não teria desenvolvido o serviço a contento, não cumprindo o resultado prometido, além de extrair-lhe dois dentes sadios, cuja falta lhe veio a causar perda óssea na boca. Em decorrência disso, afirma ter sofrido danos materiais e morais e pretende indenização.

O dano moral, que "é o efeito não patrimonial da lesão de direito"1, é, como o dano material, elemento da responsabilidade civil, instituto, assim, sobre o qual se funda a pretensão da autora.

Todavia, não se cuida de responsabilidade aquiliana, fundada na prática de ato ilícito, mas sim de responsabilidade contratual, haja vista a existência de contrato entre as partes e de ter o réu agido, supostamente, ferindo um dever positivo de adimplir o que foi objeto da avença, ou seja, a prestação regular dos serviços contratados, através da utilização dos meios apropriados e, especialmente, a consecução do resultado prometido à autora.

Isso porque a responsabilidade dos ortodontistas, a par de contratual como a dos médicos, impõe uma obrigação de resultado, como a dos cirurgiões plásticos, especialmente quando o tratamento se inicia por razões estéticas, como no caso da autora.

Uma vez descumpridas essas obrigações, está-se diante de verdadeiro inadimplemento contratual, acarretando a responsabilidade do prestador pelo prejuízo eventualmente causado, nos moldes do art. 389 do Código Civil.

Como esclarece CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, "Quando há contrato, existe um dever positivo do contratante, dever específico relativamente à prestação, o que só por si lhe impõe a responsabilidade. Basta ao demandante trazer a prova da infração, para que se estabeleça o efeito, que é a responsabilidade do faltoso, uma vez que os demais extremos derivam do inadimplemento mesmo, pressupondo-se o dano e o nexo causal, a não ser que o acusado prove a razão jurídica de seu fato, ou a escusativa da responsabilidade".2

Daí decorre, também, que, ao contrário da responsabilidade aquiliana, em que o lesado deve provar a presença de todos os elementos etiológicos da responsabilidade civil (erro de conduta, nexo causal e dano), a responsabilidade contratual basta ao autor provar o descumprimento do contrato pelo réu, invertendo-se o onus probandi com relação aos demais requisitos, cuja presença é presumida.

Essa responsabilidade contratual é ainda qualificada, na espécie, pela relação de consumo existente entre as partes, fazendo incidir o disposto no art. 14 do CDC, que trata dos danos em razão de defeitos intrínsecos e extrínsecos da prestação de serviços, impondo a responsabilidade objetiva do prestador, independentemente da existência de culpa.

Ainda que essa regra seja mitigada, no caso do autor, pelo art. 14, § 4º, do CDC, cujo preceito estabelece que a responsabilidade do profissional liberal depende da verificação da culpa, o fato de se tratar de uma nítida relação de consumo faz inverter o ônus da prova, consoante já destacado na decisão de fls. 92/93:

"Com efeito, não obstante o art. 14, § 4º, do DCD, estabeleça que a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais não é objetiva, dependendo da verificação da culpa, isso não afasta a relação de consumo existente entre as partes. Por isso, como menciona ZELMO DENARI, 'Se o dispositivo comentado afastou, na espécie sujeita, a responsabilidade objetiva, não chegou a abolir a aplicação do princípio da inversão do ônus da prova. Incumbe ao profissional provar, em juízo, que não laborou em equívoco, nem agiu com imprudência ou negligência no desempenho de sua atividade' (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, vários autores, Forense, 7ª edição, pág. 176)" (destacamos).

Acresça-se que, em relações como as da espécie, é nítida a hipossuficiência do consumidor frente ao profissional de saúde, capaz de justificar a inversão do ônus probatório, nos termos do art. 6º, inciso VIII, do CDC.

Senão pelo prisma econômico-financeiro, ao menos pela falta de conhecimento técnico sobre o objeto da relação de consumo, aspecto que também se encontra presente dentro do conceito legal de hipossuficiência.

Deveras, "o outro pressuposto que determina a inversão do ônus da prova a favor do consumidor, a hipossuficiência, não deve ser analisada somente quanto ao plano econômico ou financeiro. A hipossuficiência também se verifica no campo cultural (lato sensu), v.g., a falta de conhecimento técnico sobre o objeto de uma relação de consumo (produto ou prestação de serviço)".3

Sucede que o réu, em sua contestação, não refuta que tenha realizado tratamento ortodôntico na autora, nem que lhe tenha extraído os dentes mencionados na inicial. Também não nega, expressamente, que o tratamento não obteve bons resultados. Simplesmente alega que a culpa foi da própria autora, que teria agido com negligência, deixando de comparecer às consultas regulares de manutenção e procurando sem necessidade outros profissionais.

Não o provou, entrementes, quando poderia perfeitamente fazê-lo, através da apresentação da ficha clínica da autora, da qual, presume-se, constariam as datas dos comparecimentos da paciente e os procedimentos realizados. Por outro lado, se essa ficha clínica é o documento de fls. 22/23 dos autos, juntado pela própria autora, cumpre registrar que embora dela se percebem algumas poucas faltas da autora a consultas, o réu não demonstrou em que, exatamente, possam ter prejudicado o tratamento ou, ainda, que tenham sido causa determinante dos problemas acontecidos.

Também não trouxe aos autos, consoante salientado pela Srª Perita Judicial às fls. 296, a documentação inicial do tratamento, isto é, "rx panorâmico, telerradiografia lateral com traçado, modelos de estudo, fotos, etc.", prejudicando a avaliação sobre a conveniência, na ocasião, dos procedimentos escolhidos pelo réu.

Considerando que, conforme já ressaltado, era do réu o ônus de provar a correção de seu procedimento, a falta dessa documentação resulta, evidentemente, em prejuízo a ele próprio, conforme ensina CHIOVENDA:

"Se não se ministra a prova, ou não logra êxito, o efeito dessa falta de prova repercute sobre a parte que - segundo os princípios acima expendidos - tinha o encargo de produzi-la. Essa parte perderá a causa. (...). Mesmo se a prova for insuficiente, deverá aplicar-se normalmente o mesmo princípio".4

Por fim, a única prova oral que produziu, consistente no depoimento do cirurgião-dentista Sílvio Augusto Franco, em nada lhe auxiliou, uma vez que a referida testemunha afirmou, logo de início, que nada sabia sobre o tratamento realizado pelo réu na autora, "exceto o que lhe foi relatado pelo próprio réu" (fls. 196), não tendo sequer dado consulta à autora ou analisado, pessoalmente, seu caso.

Outrossim, o laudo pericial deixou assente, dentre outras coisas, que existe perda óssea na raiz dos dentes próximos aos excluídos (resposta ao quesito "C") e que esses dentes devem ser repostos, através de próteses ou implantes (resposta ao quesito "A") - fls. 297.

O mesmo laudo ainda afirma que "conforme já comprovado através de exames apresentados no processo, a extração dos elementos n. 35 e 46 provocaram inclinação irregular na arcada inferior e, para correção ortodôntica, será necessário reimplantá-los".

Doutro vértice, a resposta aos quesitos apresentados pelo réu não são bastantes a mudar a sorte do decisum, porquanto conforme se infere do item 3, a ausência da documentação inicial impede a confirmação de que a perda óssea não esteja diretamente relacionada ao tratamento ministrado pelo réu na autora, conforme pretende o mesmo.

Assim, em que pese a discussão acerca de estar ou não a extração dos dentes da autora na origem das dores de cabeça que ela afirma sentir, a conclusão do laudo indica, suficientemente, que o tratamento escolhido pelo réu, além de não ter surtido o resultado esperado - o que o réu, frise-se novamente, não nega em sua contestação, aduzindo, apenas, mas sem o provar devidamente, que o insucesso se deu em razão da desídia da própria autora - foi equivocado e causou danos à autora, tanto é que os dentes extraídos terão que ser recolocados, através de próteses.

Como afirma AGUIAR DIAS, ao versar sobre a responsabilidade dos cirurgiões-dentistas, "os erros de tratamento podem consistir: a) na escolha de tratamento defeituoso ou impróprio; b) no tratamento mal orientado de cáries e canais; c) no emprego de instrumentos inadequados, nas intervenções, ou de materiais impróprios, nas obturações, restaurações e trabalhos de prótese; d) na má colocação destes ou na sua defeituosa confecção técnica; e) no emprego de remédios perigosos ou trocados; f) na extração leviana, imprudente ou desnecessária; g) na má interpretação de radiografias claras; h) na imperícia no uso dos aparelhos radiológicos e fisioterápicos; i) na omissão de providências, cautelas e conselhos que devem acompanhar o tratamento, nos fatos das coisas ou instrumentos utilizados e, em geral, nos fatos dos prepostos (enfermeiras, protéticos etc.) que de qualquer forma o auxiliam ou intervêm no tratamento".5

Deduz-se, também, dos mesmos elementos, que ainda que a obrigação do réu, como ortodontista, fosse de meios6, teria ele faltado com o dever de cuidado e de emprego da técnica adequada, impondo igualmente sua responsabilidade.

Acrescente-se, por fim, que os depoimentos das testemunhas Ana Claudia de Oliveira (fls. 194) e Hellen Fernandes Gondim (fls. 195), que também foram pacientes do réu, indicam que a insatisfação com o trabalho do réu não é privilégio da autora e que o caso desta parece não ser isolado.

02) Dos danos materiais.

Presente, portanto, o descumprimento contratual nos moldes já mencionados, se deve averiguar o dano.

Conforme resulta da doutrina de JOSÉ AGUIAR DIAS, "o conceito de dano é único, e corresponde a lesão de direito"7. Os efeitos do ato ilícito praticado é que podem ser patrimoniais ou não, acarretando a divisão entre danos materiais e morais.

O dano material é aquele que atinge a vítima no conjunto das suas relações jurídicas apreciáveis em dinheiro. Por isso, o seu ressarcimento visa à recomposição do patrimônio lesado.

O critério para a sua indenização se encontra previsto no art. 402 do novo Código Civil, o qual praticamente repetiu o art. 1.059 do Código Civil de 1.916, dizendo que se incluem nas perdas e danos o que o credor efetivamente perdeu (danos emergentes) e o que ele razoavelmente deixou de lucrar (lucros cessantes).

A autora não pleiteia lucros cessantes, mas requer indenização pelo que despendeu com o tratamento danoso - típico dano emergente, posto que representa "a diferença entre o patrimônio que a vítima tinha antes do ato ilícito e o que passou a ter depois"8 - e o montante necessário para reparar suas conseqüências, o que também caracteriza dano emergente, como se dá, por exemplo, com as despesas com o conserto de um veículo acidentado. É o que emerge, aliás, do princípio do restitutio in integrum na responsabilidade civil, pelo qual o ofendido faz jus a tudo ao que gastou e gastará para repor a coisa danificada no statu quo ante.

O réu, em sua resposta à ação, embora refute, como antes ressaltado, que tenha agido com culpa e que tenha causado dano, não contesta, em nenhum momento, os valores apresentados pela autora, relativos ao gasto que esta teve com o tratamento e ao que terá para refazê-lo. Não se desincumbiu, assim, do seu ônus de impugnação específica, estabelecido no art. 302 do Código de Processo Civil.

Logo, esses valores devem ser aceitos como verdadeiros e precisos, cabendo ao réu satisfazê-los à autora, como indenização pelos danos materiais.

São eles, de acordo com a inicial: R$ 800,00 (oitocentos reais) pagos pelo aparelho em uma entrada e mais quatro parcelas, desembolsadas, respectivamente, em 14.11.96, 06.12.96, 26.12.96, janeiro de 1997 e 18.01.97, no valor cada uma de R$ 150,00 (cento e cinqüenta reais), com exceção da última, que foi de R$ 200,00 (duzentos reais); R$ 1.830,00 (mil, oitocentos e trinta reais) de mensalidades, pagas todo dia 15, de dezembro de 1996 a junho de 2002, no valor de R$ 30,00 (trinta reais) cada; e R$ 9.450,00 (nove mil, quatrocentos e cinqüenta reais) para custear os implantes, próteses e tratamento reparador.

03) Dos danos morais.

Quanto aos danos morais, estes abrangem todo sofrimento ou dor humanas, causados por ofensa a direito da personalidade da vítima e que não se revistam de um caráter de perda pecuniária, mas nasçam de "todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade legítima, ao seu pudor, à sua segurança e tranqüilidade, ao seu amor-próprio estético, à integridade de sua inteligência, a suas afeições, etc".9

No dizer de YUSSEF SAID CAHALI, "Na realidade, multifacetário e ser anímico, tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral".10

Dentro, pois, da miríade de causas possíveis para o dano moral, é inquestionável que a conduta do réu - ao extrair desnecessariamente da autora dois dentes, possivelmente causando-lhe perda óssea na boca e outros problemas associados, além de submetê-la a um longo tratamento ortodôntico, sem resultados - ofendeu severamente direitos da personalidade da autora (direitos subjetivos que têm por objeto bens e valores essenciais da pessoa humana), concernentes a sua integridade e higidez física, causando-lhe sofrimento psíquico e moral, passível de reparação.

O dano moral, no caso, é presumido, decorrendo do simples fato da violação do direito da personalidade da autora (danum in re ipsa).

No tocante à sua liquidação, esta se faz por arbitramento, nos termos do art. 946 do Código Civil, c.c. o art. 606, II do CPC, devendo o juiz, através de critérios de prudência e equidade, encontrar valor que sirva de punição ao infrator e, embora não seja o pretium doloris, possa outorgar à vítima uma satisfação qualquer, mesmo que de cunho material.

Por outro lado, esse valor não pode ser tão baixo que seja irrelevante para o condenado e nem alto a ponto de ocasionar o enriquecimento sem causa do beneficiário.

No caso decidendo e considerando os critérios antes traçados, entendo como justa uma indenização equivalente a 25 (vinte) vezes o valor de um salário mínimo, perfazendo, nesta data, a quantia de R$ 8.750,00 (oito mil, setecentos e cinqüenta reais), razoavelmente suficiente para satisfazer a autora e punir o réu.

04) Dos "danos físicos".

Se faz jus a autora à indenização pelos danos materiais e morais mencionados, não o faz, porém, pelos alegados "danos físicos", cuja indenização estima, na inicial, em dez vezes o valor necessário para corrigir os problemas ocasionados pelo tratamento feito pelo réu.

É que não existe tal espécie de dano. Trata-se de uma criação da autora. O suposto "dano físico" mencionado, ou bem deve se subsumir em dano material, por eventualmente incapacitá-la para o trabalho, ou em dano moral.

Sua indenização, se cabível, se dará sempre sob a rubrica ou do dano patrimonial (material) ou do dano extrapatrimonial, que corresponde ao conceito genérico de dano moral.

Considerando que a autora não demonstrou que, em decorrência dos fatos, lhe tenha advindo incapacidade total ou parcial para o trabalho e tendo em vista que a ofensa à sua integridade física, já foi considerada na análise e liquidação do dano moral, incabível se faz o arbitramento de valor autônomo, para indenizá-la por esses supostos "danos físicos". Assim, o pedido, nesse particular, é improcedente.

Pelo exposto, julgo procedente em parte os pedidos formulados na inicial, para o fim de condenar o réu a pagar à autora os seguintes valores: a) como indenização por danos materiais, os R$ 800,00 (oitocentos reais) pagos pelo aparelho e os R$ 1.830,00 (mil, oitocentos e trinta reais) de mensalidades, corrigidos desde cada desembolso feito pela autora, conforme mencionado na fundamentação supra, bem como os R$ 9.450,00 (nove mil, quatrocentos e cinqüenta reais) necessários para custear os implantes, próteses e tratamento reparador, corrigidos desde a data do orçamento de fls. 31; b) como indenização por danos morais, a quantia de R$ 8.750,00 (oito mil, setecentos e cinqüenta reais), corrigida a partir da presente sentença. Os juros de mora contar-se-ão a partir da citação.

Havendo sucumbência recíproca e considerando que a autora decaiu de apenas um de seus quatro pedidos, condeno o réu ao pagamento de ¾ (três quartos) das custas processuais e de ¾ (três quartos) dos honorários advocatícios, fixando estes em 15% (quinze por cento) do valor da condenação, atendendo aos critérios do art. 20, § 3º, c.c. o art. 21 do CPC. Condeno a autora ao pagamento das custas e dos honorários restantes, cuja cobrança, entrementes, fica condicionada à hipótese do art. 12 da Lei nº 1.060/50, eis que a autora é beneficiária da justiça gratuita". (fls. 308/317)

Pois bem. O recorrente insurge-se contra o que restou decidido na sentença vergastada, alegando haver ele atuado dentro dos padrões que a profissão exige para o tratamento da agravada, não devendo ser responsabilizado pelos danos causados a ela, tendo em vista que foi a própria recorrida que não seguiu as instruções e recomendações que lhe foram feitas.

Em que pesem suas argumentações, tenho não merecerem elas respaldo. Isso porque, segundo doutrina Rui Stoco (in, "Tratado de Responsabilidade Civil". São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 7ª ed., 2007, p. 521), "quando a obrigação do cirurgião-dentista for apenas de meios, de sorte que se propõe a atuar com diligência, cuidado, atenção e melhor técnica, mas sem poder assegurar um resultado específico em razão da natureza da intervenção e da álea que o tratamento ou intervenção sugeria, sua responsabilidade contratual se escora na culpa, mas caberá a quem pretende reparação fazer prova dessa culpa. Quando, entretanto, cuidar-se de obrigação de resultado, posto que houve - "ad exemplum" - promessa de correção da arcada dentária mediante aparelho ortodôntico ou de implante, não há necessidade de o paciente comprovar o atuar culposo do profissional, pois presume-se a sua culpa e inverte-se o ônus da prova. Nesta hipótese, caberá ao profissional fazer prova de que não agiu com culpa (negligência, imprudência ou imperícia) ou que exsurgiu causa excludente da sua responsabilidade, sob pena de ter de reparar".

Nesse sentido, o E. Tribunal de Justiça de São Paulo, já decidiu que, "verbis":

"Indenização. Responsabilidade civil. Dentista. Execução insatisfatória dos serviços, obrigando o autor a refazê-los, bem como a pagá-los novamente a outro profissional. Condenação do réu na devolução da quantia recebida. Embargos rejeitados". (TJSP - 17ª C. - EInfrs. - Rel. Hermes Pinotti - j. 22.02.94 - JTJ - LEX 159/250)

"A incorreção de tratamento odontológico, realizado por profissional imperito, enseja a indenização por dano material. Dessa forma, os valores despendidos no serviço inadequado devem ser reembolsados, bem como devem ser pagas as despesas efetuadas com o novo tratamento protético que foi realizado por outro dentista especializado". (TJSP - 5ª C. - Ap. 138.521-4/4 - Rel. Rodrigues de Carvalho - j. 05.06.2003 - RT 818/199)

Nesse sentido, estando suficientemente provado, nos autos, haver nexo causal entre a conduta do apelante e os danos ocasionados na apelada, entendo não merecer reforma a sentença recorrida.

Diante do exposto, conheço do recurso interposto por Paulo Dorsa, mas nego-lhe provimento, mantendo inalterada a sentença ora guerreada, por seus próprios fundamentos.

O Sr. Des. Fernando Mauro Moreira Marinho (Revisor)

De acordo com o revisor.

CONCLUSÃO DE JULGAMENTO ADIADA EM FACE DO PEDIDO DE VISTA DO VOGAL, DES. RUBENS B. BOSSAY. O RELATOR E O REVISOR NEGAVAM PROVIMENTO AO RECURSO.

V O T O (EM 28.9.2009)

O Sr. Des. Rubens Bergonzi Bossay (Vogal)

Trata-se de apelação cível interposta por Paulo Dorsa, por não se conformar com a sentença prolatada pelo Juiz da 5ª Vara Cível da Comarca de Campo Grande, nos autos da Ação de Indenização que lhe move Ana Maria Marçal Alves, objetivando a reforma da sentença que julgou "procedente em parte os pedidos formulados na inicial, para o fim de condenar o réu a pagar à autora os seguintes valores: a) como indenização por danos materiais, os R$ 800,00 (oitocentos reais) pagos pelo aparelho e os R$ 1.830,00 (mil, oitocentos e trinta reais) de mensalidades, corrigidos desde cada desembolso feito pela autora, conforme mencionado na fundamentação supra, bem como os R$ 9.450,00 (nove mil, quatrocentos e cinquenta reais) necessários para custear os implantes, próteses e tratamento reparador, corrigidos desde a data do orçamento de fls. 31; b) como indenização por danos morais, a quantia de R$ 8.750,00 (oito mil, setecentos e cinquenta reais), corrigida a partir da presente sentença. Os juros de mora contar-se-ão a partir da citação." (f. 316/317)

Segundo entendimento doutrinário, a responsabilidade do profissional de odontologia deve ser analisada em conformidade com a sua obrigação.

Quando a obrigação do cirurgião dentista for apenas de meio, atuando com diligência, cuidado, atenção e melhor técnica, mas sem poder assegurar um resultado específico em razão da natureza da intervenção e do tratamento, caberá a quem pretende a reparação fazer prova dessa culpa.

Porém, quando a obrigação for de resultado, o profissional se obriga a alcançar o fim e, com isto, basta ao lesado demonstrar, que não obteve o resultado prometido.

Por oportuno, trago à balia os ensinamentos doutrinários de Rui Stoco, in Tratado de Responsabilidade Civil, doutrina e jurisprudência, 7.ª ed. Ed. RT, pág. 169/170 e 521:

"Para Demongue, idealizador da teoria, a distinção está no estabelecer a quem incumbe o ônus da prova quando essa obrigação for de meio ou quando for de resultado.

É o próprio Demogue quem nos esclarece sobre a matéria dizendo que há obrigação de meios, quando a própria prestação nada mais exige do devedor do que pura e simplesmente o emprego de determinado meio sem olhar o resultado. Como exemplo cita os serviços profissionais do médico que se obriga a usar de todos os meios indispensáveis para alcançar a cura de todos os meios indispensáveis para alcançar a cura do doente, porém sem jamais assegurar o resultado, isto é, a própria cura.

Esse tipo de obrigação é o que aparece em todos os contratos de prestação de serviços de médicos, advogados, publicitários etc., onde é a própria atividade do devedor que está sendo objeto de contrato. Esta atividade tem que ser desempenhada da melhor maneira possível, com a diligência necessária para o melhor resultado, mesmo que este não seja conseguido.

Na obrigação de resultado o devedor se obriga a alcançar determinado fim sem o qual não terá cumprido sua obrigação. Ou consegue o resultado avençado, ou deve arcar com as consequências.(...)

(...)Guimarães Menegale, citado por Aguiar Dias, observa com propriedade que o compromisso profissional do cirurgião-dentista envolve mais acentuadamente uma obrigação de resultados porque "a patologia das infecções dentárias corresponde etiologia específica e seus processos são mais regulares e restritos, sem embargo das relações que podem determinar com desordens patológicas gerais; consequentemente, a sintomatologia, a diagnose e a terapêutica são muito mais definidas e é mais fácil para o profissional comprometer-se a curar" (responsabilidade profissional do cirurgião-dentista. RF 80/47; Aguiar Dias, ob. cit., p. 332, n. 121)

No caso em questão, denota-se pelos fatos narrados tanto na inicial como na contestação, que a autora realizou tratamento odontológico para corrigir o desalinhamento de sua arcada dentária e também um problema de "mordida cruzada", diagnósticada pelo ora apelante. Sendo que para tanto, teve que ser submetida a colocação de aparelho ortodôntico, porém, antes de tal procedimento, entendeu necessária a extração de 02 (dois) dentes.

Tanto que assim afirma o apelante em sua contestação:

"Com efeito, o profissional ora requerido laborou com competência e eficiência, respeitando todas as técnicas profissionais que o caso requeria. Diagnosticou a necessidade e extração de dois dentes, a fim de fixar o aparelho ortodôntico, empregado para a devida correção que o tratamento contratado demandava.

O tratamento, de fato, resumia-se no seguinte:

a) Tinha como principal objetivo a obtenção de uma oclusão ideal, tanto do ponto de vista estético e funcional, como das condições periodontais satisfatórias, e uma mastigação eficiente com estabilidade dos resultados alcançados.(...)." (f. 53)

Portanto, em razão da própria afirmação do apelante, verifica-se que sua obrigação era de resultado.

Por sua vez, ao analisar a prova pericial acostada aos autos, verifica-se que a apelada, em razão da extração de seus dentes, acabou sofrendo outras sequelas, ex vi:

"4. Parecer

Conforme explicação do item anterior, a avaliação precisa das consequências do tratamento ao qual foi submetida a periciada somente poderia ser feita através de comparação da documentação inicial com a documentação final, que parte é encontrada nos autos do processo.

No entanto, conforme já comprovado através de exames apresentados no processo, a extração dos elementos n. 35 e 46 provocaram inclinação irregular na arcada inferior e, para correção ortodôntica, será necessário reimplantá-los.

Resposta aos quesitos formulados pela autora, conforme petição de fls. 95-96 dos autos:

A) É necessário o implante prótese nos dentes ausentes (35 e 46)? Em caso positivo. De que modo é realizado tal procedimento? Qual é o custo aproximado do procedimento?

R. É necessário a realização de implantes e ou próteses destes dentes e para isto é preciso a instalação do aparelho fixo superior e inferior para a abertura e preparo dos espaços. O custo aproximado das próteses e implantes é de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

B) Para a realização do implante ou prótese é necessário o uso de aparelho ortodôntico? Em caso positivo. Por quanto tempo aproximadamente.

R. Sim. Por um tempo aproximado de 30 meses.

C) Existe perda óssea na raiz de dentes próximos aos dentes ausentes? Qual a consequência que isto pode acarretar no paciente?

R. Sim. Poderá causar sensibilidade dentinária, por exposição excessiva da raiz do dente.

D) A ausência dos dentes 35 e 46 pode causar distúrbios na mastigação e na fala do paciente e ou problemas como enxaquecas e cefaléias?

R. Pode causar somente problemas como enxaquecas e cefaléia pelos contatos prematuros.

E) Há possibilidade de estabelecer a data em que foram extraídos os dentes 35 e 46?

R. Não

F) O exame emitido pela Master Clinica datado de 14/10/2003 indica a necessidade de tratamento? Em caso positivo qual o tratamento sugerido? Qual a consequência a curto e longo prazo para o paciente se este não realizar o tratamento?

R. Somente como o RX panorâmico não tem como estabelecer o plano ou a possível necessidade de tratamento.

Resposta aos quesitos formulados pelo réu, conforme petição de fls. 124 dos autos:

(...)

5) O profissional agiu de acordo com as técnicas ortodônticas?

R: O que podemos avaliar e verificar através das documentações e relatos do Dr. é a presença de má oclusão de classe III onde temos 2 tipos de tratamento a ser indicado: cirurgia ortognática ou tratamento por compensação dentária envolvendo ou não extrações dentárias. Neste caso, observa-se que foi executado o tratamento por compensação com extrações e que estes espaços não foram completamente fechados e os elementos vizinhos encontram-se inclinados para o local da extração fato este que ocorre por fechamento muito rápido do espaço e, além disso, pode ocorrer formação excessiva de tecido mole que, às vezes, pode impedir o fechamento adequado de um espaço ou provocar a reabertura do espaço de extração. Para confirmar se o caso da paciente em questão era com extração ou não necessitaríamos da documentação inicial para verificarmos o nível de discrepância relacionados à posição e inclinação dos incisivos inferiores." (fls. 296/299)

Portanto, consoante vê-se do laudo pericial realizado, o tratamento escolhido pelo apelante além de não ter surtido o resultado esperado, foi equivocado, causando danos à apelada, uma vez que terá de reimplatar os dentes extraídos, através de próteses.

Pelo exposto, acompanho o Relator, para negar provimento ao recurso.

DECISÃO

Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:

POR UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.

Presidência do Exmo. Sr. Des. Oswaldo Rodrigues de Melo.

Relator, o Exmo. Sr. Des. Ildeu de Souza Campos.

Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Ildeu de Souza Campos, Fernando Mauro Moreira Marinho e Rubens Bergonzi Bossay.

Campo Grande, 28 de setembro de 2009.

Publicado em 06/10/09



Notas:

1 - A propósito: "AGRAVO REGIMENTAL. FUNDAMENTAÇÃO. AUSÊNCIA DE NULIDADE. OMISSÃO INEXISTENTE. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. É lícito ao Tribunal a quo adotar os fundamentos da sentença como suporte do acórdão que a confirme. (...)".(STJ, 3ª Turma, AgRg no AG 517299 / MT, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 29.05.2006, p. 230). [Voltar]




JURID - Apelação cível. Ação de indenização por danos materiais. [07/10/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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