Anúncios


quarta-feira, 21 de outubro de 2009

JURID - Agente prisional é condenado. [21/10/09] - Jurisprudência


Agente prisional é condenado por vender drogas em presídio.


COMARCA DE ITUPORANGA - 1ª VARA

Autos n° 035.09.002209-7 AÇÃO PENAL

Autor: Ministério Público

Réu: Edgar Rodrigues de Lima

Vistos etc.

I - RELATÓRIO:

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina, por sua representante em exercício neste Juízo, com base em inquérito policial, ofereceu denúncia contra EDGAR RODRIGUES DE LIMA, brasileiro, casado, agente prisional, nascido em 30.04.1960, filho de Ivanir Pereira de Lima, residente e domiciliado na rua Hugo Haverroth, nº 128, bairro Boa Vista, município de Ituporanga/SC, dando-o como incurso nas sanções do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06 e dos arts. 317 e 319-A, ambos do Código Penal, pelas práticas continuadas dos fatos delituosos narrados na exordial acusatória.

Concluiu requerendo a condenação do réu nas penas correspondentes aos crimes imputados. Anexou o rol de testemunhas (fl. V) e o respectivo caderno indiciário (fls. 01/316).

De registrar que o acusado foi preso preventivamente ainda no curso das investigações policiais (autos nº 035.09.001726-3 em apenso).

Notificado pessoalmente (fl. 340), o réu apresentou, a tempo e modo, defesa preliminar (fls. 342/348).

A denúncia, então, foi recebida e designada data para a audiência de instrução e julgamento (fl. 350).

No dia e hora marcados, citado e requisitado, o réu compareceu ao ato. Na ocasião, ouviram-se oito testemunhas da acusação, sendo o interrogatório postergado com a concordância da defesa (fls. 373/374 e 375/387).

Findos os prazos das cartas precatórias expedidas, designou-se data para o interrogatório do réu (fl. 433).

Nesse ínterim, foi juntada aos autos a deprecata contendo o depoimento de outra testemunha da acusação, em relação à qual o representante do parquet não havia desistido (fls. 449 e 450/451).

Em seguida, procedeu-se ao interrogatório do réu, na presença de sua defensora e com a observância das formalidades legais. Diante da complexidade da causa, os debates orais foram substituídos por alegações finais escritas (fls. 458 e 459/462).

Entregues, sucessivamente, os memoriais, o Dr. Promotor de Justiça instou pela condenação do réu, atribuindo-lhe as práticas dos crimes definidos no art. 33, caput, c/c art. 40, II e III, da Lei nº 11.343/06 e art. 69 do CP (por duas vezes), e no art. 317, § 1º, c/c art. 69 do CP (por três vezes). Por outro lado, pugnou pela absolvição do agente em relação à conduta descrita na denúncia consistente em solicitar dinheiro para repassar aos familiares de presos, bem como pela absorção do delito capitulado no 319-A pelo do art. 317 do CP. Requereu, por fim, a perda da função pública, com fulcro no art. 92, I, "a", do CP (fls. 481/502).

A defensora, por sua vez, pleiteou a total absolvição do acusado, em face da precariedade da prova, devendo ser aplicado ao caso o princípio do in dubio pro reo. Do contrário, requereu a diminuição de pena contida no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06 quanto ao crime de tráfico (fls. 505/520). Colacionou documentos (fls. 521/529).

Consigna-se que, durante a instrução processual, com a anuência das partes, foi determinada a destruição de dois DVD's, considerados como prova ilícita (fls. 373, item "1" e 419).

É o relatório.

II - FUNDAMENTAÇÃO:

2.1.
Cuida-se de ação penal pública incondicionada deflagrada pelo Ministério Público estadual contra Edgar Rodrigues de Lima, acusado das práticas dos crimes de tráfico de drogas (Lei nº 11.343/06, art. 33, caput), corrupção passiva (CP, art. 317) e prevaricação na modalidade especial introduzida pela Lei nº 11.466/07 (CP, art. 319-A), em continuidade delitiva (CP, art. 71).

Convém anotar que os requerimentos formulados pelo representante do parquet em alegações finais, mormente quanto à condenação do réu pelas práticas de dois crimes de tráfico de drogas, em concurso material (CP, art. 69), em nada alteram a acusação, haja vista que, se o juiz não está adstrito à capitulação dada na denúncia, o mesmo se aplica ao promotor de justiça. Isso porque, como é cediço, o agente se defende dos fatos e, no caso concreto, estes não foram modificados por elemento ou circunstância não contidos na acusação.

Inexistindo preliminares a serem resolvidas, passa-se à análise do mérito.

2.1.1. Do tráfico de drogas

A materialidade do delito está amplamente demonstrada pelos boletins de ocorrência (fls. 31 e 70), pelos termos de apreensão e exibição (fls. 38 e 71) e pelos laudos periciais de constatação definitiva da droga (fls. 42/45 e 73/75), dos quais é possível vislumbrar a presença da substância química Cannabis Sativa Linneu, vulgarmente conhecida como "maconha", em quantidades de 3,3 g (primeira apreensão realizada em 10.09.2008) e 15,7 g (segunda apreensão realizada em 16.03.2009).

Já a autoria, embora contestada pelo réu, encontra-se comprovada pela robusta prova oral coligida ao longo de toda a persecução criminal.

Antes de examinar os depoimentos prestados, ao contrário do que pretende fazer crer a defesa, a produção de prova oral em casos desta similitude, envolvendo atos praticados por agente prisional, no exercício da função, não é tarefa fácil, por razões óbvias. Daí por que deve ser enaltecido o trabalho desenvolvido pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, logrando êxito em reunir extenso material cognitivo, formado por depoimentos de detentos, ex-detentos e outros agentes prisionais, todos estes que, apesar do medo e da falta de medidas oficiais de proteção à integridade física - já que, infelizmente, o Estado não dispõe de meios eficazes para garantir a segurança daqueles que colaboram com a Justiça -, não se calaram, como soi acontecer, diante das muitas irregularidades cometidas pelo denunciado.

O argumento da defensora de que os fatos só vieram à tona em virtude de benefícios indevidamente concedidos, pelas autoridades então competentes, o Promotor de Justiça, Dr. Adalberto Exterkötter, e o Juiz de Direito, Dr. Rafael Sandi, na execução penal do reeducando Jeferson Esteves, é digna de imediato e proverbial reproche.

Além de a defensora não juntar aos autos um único documento da indigitada execução penal tendente a fazer prova de sua afirmação, não se pode macular todo um processo com base em mera conjectura de que dois dos mais cultos e brilhantes profissionais do Ministério Público e da Magistratura catarinense resolveram agir, ao arrepio da lei, com a deliberada intenção de prejudicar o réu.

Aliás, essa censurável - e única - estratégia de defesa se repete em relação a todos aqueles que foram ouvidos durante a instrução, cujos depoimentos, de alguma forma, incriminam o réu. Todos, incluídos seus colegas de trabalho, aparentemente, não são dignos de credibilidade, já que "possuíam desentendimentos anteriores com o acusado" (fl. 510). Ora, a defesa poderia, ao menos, ter apontado um motivo, uma razão para justificar tamanho ódio e o tão bem organizado complô contra o agente!

A par disso, nem o réu, em seu interrogatório (fls. 459/462), nem a defensora conseguiram demonstrar, com clareza, os tais "desentendimentos anteriores" havidos com as testemunhas, cingindo-se, novamente, a deduzir alegações evasivas e inespecíficas.

Vale acrescentar que todas as testemunhas ouvidas em juízo foram compromissadas, sem que nenhuma contradita tivesse sido oposta pela defesa. Além de agentes prisionais que trabalhavam com o réu, prestaram depoimentos os policiais militares responsáveis pela segurança externa do estabelecimento prisional, o delegado de polícia que conduziu o inquérito, detentos e ex-detentos. E só a circunstância de os referidos depoimentos convergirem para a mesma direção, isto é, para a culpa do acusado, já lhes dá maior credibilidade.

Por derradeiro, é importante ressaltar que, segundo a nova redação do art. 155 do Código de Processo Penal (dada pela Lei nº 11.690/08), "o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas" (grifou-se). Em outras palavras: no sistema da persuação racional, pode o julgador, para a formação de seu convencimento, valer-se, sim, de provas produzidas licitamente na fase indiciária, valorando-as adequadamente no cotejo com os demais elementos probatórios. A condenação só não poderá estar lastreada exclusivamente na prova indiciária, sob pena de nulidade.

Pois bem. Na pequena e ainda tranqüila Unidade Prisional Avançada - UPA de Ituporanga/SC, cuja população carcerária gira em torno de 35 presos, duas apreensões de droga, em curto espaço de tempo, desde logo lançaram a suspeita de que alguém, mais especificamente um agente prisional, estivesse facilitando, de algum modo, a entrada de entorpecente ("maconha") no referido ergástulo. Isso porque são inerentes a todo estabelecimento prisional normas rígidas de segurança, notadamente quanto à revista de presos e visitantes e ao controle dos objetos que são entregues aos segregados.

Talvez se o réu tivesse agido, da maneira como agiu, em um grande presídio ou penitenciária, não fosse descoberto ou, quem sabe, pudesse beneficiar-se com a dúvida, recaindo a suspeita sobre outros agentes prisionais. Porém, na menor unidade prisional do Estado de Santa Catarina, suas atitudes, até pela repetição desmedida, despertaram a atenção de seus próprios colegas de trabalho.

Nesse contexto, o agente prisional Laércio Fernando Kamers declarou em juízo (fl. 377) que, certo dia, quando estava de plantão, sentiu odor característico de "maconha" vindo do interior da galeria, razão pela qual, sob a orientação do Supervisor de Segurança Marcelo Maurício Becker, procedeu a um "pente-fino" nas celas, encontrando uma bucha do estupefaciante na boca do preso Carlos Roberto de Souza. Ato contínuo, o preso Saulo dos Santos contou que o agente prisional Edgar estava favorecendo a entrada de droga na UPA, fato esse que foi confirmado também pelo preso Uesley Clemente da Silva.

Extrai-se do depoimento judicial de Saulo dos Santos (fl. 383):

"[...] que resolveu 'denunciar' Edgar porque não aguentava mais tanta humilhação, referindo-se às operações pentes-finos que estavam sendo realizadas no presídio por culpa dele; que tinha medo que algo pudesse estourar, pois os 'vendedorzinhos' de drogas já estavam começando a brigar entre sí; que a situação estava ficando perigosa e aí resolveu dizer para o Diretor do Presídio Marcelo que Edgar estava colocando droga para dentro; que Edgar utilizava o telefone sem fio do presídio para ligar para os parentes dos traficantes e solicitar drogas; que quando ele não ligava, levava o telefone sem fio até os presos [...]." (Grifou-se)

E do depoimento judicial de Uesley Clemente da Silva (fl. 385):

"[...] que vários presos contribuíram para que Edgar trouxesse maconha e celular; que contribuiu com R$ 20,00; que ao todo Edgar cobrou R$ 70,00 pela maconha e pelo celular; que, no entanto, daquela vez só entrou o celular; que em quase todos os plantões de Edgar ele deixava entrar drogas no presídio; [...] que o preso Neuri Schmauch comprava droga de Edgar; [...] que não sabe se os outros agentes prisionais faziam coisas erradas lá dentro, já Edgar era 'escancarado'; que 'o que mandasse Edgar entregar ele estava empurrando para dentro', referindo-se a objetos trazidos por familiares e conhecidos de presos; que Edgar cobrava fiado quando os presos não tinham como pagar pelos favores; [...] que nunca teve problemas com o agente prisional Edgar; que Edgar nunca lhe entregou diretamente drogas; que ouviu comentários de que Edgar entregava drogas para Neuri; que, pessoalmente, nunca viu Edgar entregando drogas [...]." (Grifou-se)

Mas não é só!

O ex-detento Osnir Antunes, ao ser ouvido em juízo, via carta precatória, repetiu o que dissera à autoridade policial no que tange à entrada de droga na UPA. Destaca-se (fl. 450):

"[...] que o depoente viu o acusado Edgar facilitar a entrada de drogas, bebida, lanche e celular no 'X' em que estava, isto é, na cela em que estava preso; que não se recorda do nome do preso que recebia droga; [...] que o acusado Edgar chegou a entregar droga para um preso; que quiseram que o depoente assumisse a droga, pois a 'cadeia' do depoente era pequena, mas o depoente não quis assumir, sofrendo retaliação por parte dos presos [...]." (Grifou-se)

Concernente às contradições apontadas entre as declarações prestadas por estas testemunhas nas fases policial e judicial, é sabido que pequenas divergências não bastam para invalidá-las, principalmente se, no que toca à descrição do fato principal, guardam coerência entre si e com os demais elementos probatórios carreados aos autos. Não se pode olvidar que, afora o lapso temporal decorrido entre um depoimento e o outro, cada qual foi tomado por autoridades distintas (o delegado e o juiz), de sorte que uma resposta pode ser mais específica ou completa do que a outra, conforme a formulação da pergunta.

A propósito, Uesley Clemente da Silva, diferentemente do que aduziu a defesa, não disse, na Delegacia (fl. 259), que viu o agente prisional Edgar entregando droga, mas sim que tinha conhecimento de que era ele quem fornecia o entorpecente aos presos, inclusive cobrando por isso, versão que confirmou neste Fórum.

Já Saulo dos Santos simplesmente não soube declinar quem era a pessoa que lhe havia ameaçado supostamente a mando de Edgar, esclarecendo que ouviu tal comentário de terceiros. À toda evidência, nenhuma contradição há nisso, mesmo porque se trata de questão periférica.

Igualmente a divergência nos valores que Edgar teria se locupletado às custas de Osnir Antunes, aspecto que, além de estar relacionado a outro delito, em nada prejudica os depoimentos prestados por este, pelo que, no tocante ao fato principal, não destoam do contexto probatório.

Se não bastasse, tem-se ainda a declaração extrajudicial do ex-detento Jeferson Esteves (fls. 08/09), dando conta de que o agente prisional Edgar era quem entregava "maconha" ao preso Antônio Carlos Pereira Muniz ("Toninho"), bem como de que, certa feita, combinou com o acusado que, durante seu plantão, ao retornar de saída temporária, entraria com droga na UPA, o que só não ocorreu porque outro agente prisional estava cuidando do portão naquele momento.

Gize-se que Jeferson Esteves não foi ouvido em juízo porquanto não encontrado (fl. 426v). Sem embargo, a declaração acima é válida, na medida em que se mostra em perfeita harmonia com as provas produzidas em contraditório judicial, a exemplo do depoimento do Supervisor de Segurança Marcelo Maurício Becker, textual (fl. 381):

"[...] que Jeferson estava com muito medo da reação de "Toninho", que era um preso perigoso, e de Edgar; que Jeferson Esteves disse 'tudo isso que estava acontecendo', referindo-se aos constantes pentes-finos, 'era culpa de Edgar'; [...] que Jeferson Esteves também contou que, durante uma saída temporária, combinou com o agente prisional Edgar que iria retornar para a UPA trazendo drogas; que, no entanto, Jeferson Esteves, na terceira tentativa de entrar na UPA, acabou sendo revistado pelo agente prisional Laércio, que encontrou a droga em sua cueca; que este foi um dos motivos que levou Jeferson a querer entregar Edgar, pois Edgar não teria cumprido o acordo feito com ele [...]." (Grifou-se)

Sendo assim, não se há falar em insuficiência de provas ou dúvida que recomende a absolvição, quando os elementos contidos neste caderno processual formam um conjunto probatório sólido, dando certeza sobre a autoria imputada ao réu.

No tocante à tipicidade, prescreve o caput do art. 33 da Lei nº 11.343/06:

"Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar"

O dispositivo focalizado define o crime de tráfico de substância entorpecente, tipo penal de ação múltipla (ou conteúdo variado) que visa tutelar a saúde pública (objetividade jurídica). Como assinala Fernando Capez, "para a existência do delito não há necessidade da ocorrência do dano. O próprio perigo é presumido em caráter absoluto, bastando para a configuração do crime que a conduta esteja subsumida em um dos verbos previstos. Trata-se, portanto, de infrações de mera conduta, nas quais a configuração ou caracterização da figura típica decorre da mera realização do fato, independentemente de este ter causado perigo concreto ou dano efetivo a interesses da sociedade" (Legislação Penal especial, vol. II. 4ª ed. São Paulo: Damásio de Jesus, 2005. p. 126).

Na hipótese, a conduta do réu, ao facilitar a entrada de droga, mais propriamente "maconha", na Unidade Prisional Avançada - UPA de Ituporanga/SC, entregando-a diretamente aos presos em troca de dinheiro, quer por ação, quer por omissão (CP, art. 13, § 2º, "a"), subsume-se de forma mediata à norma penal (em branco) incriminadora, combinada com seu elemento de extensão (Portaria SVS/MS nº 344, de 12.05.1998, atualizada pela RDC nº 15, de 01.03.2007 - Lista F1), impondo-lhe a condenação como autor do crime sub examine.

Incontestes são também as causas de aumento de pena apontadas nas alegações finais do Ministério Público, pois, como visto alhures, a infração penal era praticada pelo réu prevalecendo-se de sua função pública de agente prisional e nas dependências do próprio estabelecimento prisional onde estava lotado (Lei nº 11.343/06, art. 40, II e III).

Por outro lado, em que pese a certeza de que a droga encontrada nas duas operações pentes-finos realizadas, a primeira em 10.09.2008, e a segunda em 16.03.2009, tenha sido fornecida pelo réu, aliada aos fortes indícios de que tal prática era constante, como é possível inferir dos depoimentos dos detentos e ex-detentos já mencionados, tais elementos não são suficientes para caracterizar a fictio juris da continuidade delitiva (CP, art. 71), eis que não se conhecem em detalhes as condições de tempo e o modus operandi empregado pelo agente.

É relevante observar que, malgrado o delito de tráfico, nas modalidades de venda e de fornecimento, não exija habitualidade criminosa, na prática, não se tem aplicado a figura da continuidade delitiva naqueles casos em que o agente é denunciado pelo tráfico de droga cometido em determinado lapso de tempo, justamente pelas dificuldades de se individualizar as condutas e, assim, verificar os requisitos dessa majorante.

Com mais razão, não se há cogitar em dois crimes de tráfico de droga praticados em concurso material (CP, art. 69), haja vista que a simples circunstância de o entorpecente haver sido apreendido em duas ocasiões distintas, com considerável intervalo de tempo entre uma operação pente-fino e a outra, não significa, necessariamente, que o material tenha sido fornecido pelo réu nos mesmos períodos.

De seu turno, deve ser aplicada à espécie a causa de diminuição de pena requerida pela defesa, uma vez que o agente é primário, não possui antecedentes e tampouco restou comprovado nos autos que ele integre organização criminosa (Lei nº 11.343/06, art. 33, § 4º).

Fundamentado o crime, com todas as suas circunstâncias, depreende-se que a culpabilidade, pressuposto de aplicação da pena (teoria finalista da ação), é manifesta, porquanto o réu era maior de 18 anos de idade na época dos fatos, mentalmente são, tinha consciência da ilicitude de seus atos, dele podendo ser exigida conduta diversa.

Por tudo isso é que Edgar Rodrigues de Lima deve ser condenado e apenado por infração ao disposto no art. 33, caput, c/c arts. 33, § 4º, e 40, II e III, todos da Lei nº 11.343/06.

2.1.2. Da corrupção passiva e da prevaricação

A materialidade de mais estes delitos igualmente está demonstrada pelos boletins de ocorrência (fls. 03, 80 e 114/115), pelos termos de exibição e apreensão (fls. 04 e 81) e pelo auto de constatação (fls. 60/65), corroborados pela extensa prova oral arregimentada ao longo da persecução criminal (abaixo transcrita).

A autoria, por sua vez, é certa, convergindo diretamente para o réu, apesar de sua negativa.

Afastada a teoria da conspiração levantada pela defesa (item 2.1.1 supra), novamente há que se dar crédito às declarações dos poucos detentos e ex-detentos que tiveram coragem de "denunciar" as práticas escusas do agente prisional Edgar, mesmo correndo sérios riscos de retaliações por parte deste e dos demais segregados que, de alguma forma, beneficiavam-se daquela situação.

Nessa linha, são os depoimentos judiciais dos ex-detentos Saulo dos Santos, Uesley Clemente da Silva e Osnir Antunes.

Saulo dos Santos foi categórico ao afirmar que Edgar permitia a entrada de lanches na UPA, exigindo, em contrapartida, dinheiro. Também mencionou o encontro íntimo mantido entre um preso e uma presa, com a conivência do acusado (fl. 383):

"[...] que Edgar permitia a entrada de coca-cola, pizza e outros lanches para presos que tinham dinheiro para pagar por isso; [...] que o preso 'Aranha' tinha liberdade para se encontrar com uma presa; que inclusive viu marcas de 'chupão' no pescoço dele; que Edgar recebia em troca desses encontros íntimos não permitidos; [...] que Edgar cobrava pelos lanches que entravam no presídio [...]." (Grifou-se)

Uesley Clemente da Silva, além de se referir aos lanches e encontros íntimos facilitados por Edgar, também foi taxativo quando disse que o réu permitiu que os presos tivessem acesso a aparelho celular dentro da galeria, mediante o pagamento de certa quantia em dinheiro (fl. 385):

"[...] que vários presos contribuíram para que Edgar trouxesse maconha e celular; que contribuiu com R$ 20,00; que ao todo Edgar cobrou R$ 70,00 pela maconha e pelo celular; que, no entanto, daquela vez só entrou o celular; [...] que uma vez Edgar deixou entrar pizza, cachorro-quente, coca-cola, fanta e nega-maluca; que Edgar cobrava R$ 30,00 pelo lanche; [...] que Edgar cobrava R$ 30,00 para facilitar encontros íntimos de uma presa com um preso na sala de aula da UPA; que viu Edgar 'tirando o rapaz e colocando ele e a menina lá dentro'; [...] que Edgar cobrava fiado quando os presos não tinham condições de pagar pelos favores; [...] que, pessoalmente, nunca viu Edgar entregando drogas; que, no entanto, já viu Edgar passando o celular pela portinhola." (Grifou-se)

Não destoa o que relatou Osnir Antunes (fl. 450):

"[...] que o depoente viu o acusado Edgar facilitar a entrada de drogas, bebida, lanche e celular no 'X' em que estava, isto é, na cela em que estava preso; [...] que, com relação ao celular, tinha celular na cela do depoente, que inclusive foi achado em uma revista; que no começo o acusado Edgar entregava o celular, que ficava na cela, cobrando certa quantia; que depois que apreenderam o celular na cela, o acusado Edgar começou a mudar o sistema, entregando o celular no período da noite, nos plantões dele, recolhendo o celular no dia seguinte [...]." (Grifou-se)

Desnecessário repetir que pequenas contradições não invalidam as declarações acima, tanto mais porque, em relação aos fatos principais, guardam coerência entre si e com as demais provas produzidas nos autos, a exemplo do depoimento prestado em juízo pelo policial militar Ivo Irineu Kammer, descrevendo em detalhes o episódio envolvendo a entrega de uma pizza na UPA durante o plantão de Edgar, textual (fls. 375/376):

"[...] que, no dia 25/10/2008, estava de serviço na UPA; que o outro policial de serviço era o soldado Jairo Bilk, que se encontrava no interior de seu veículo, com o banco reclinado, de modo que tinha plena visão da frente da área prisional; que o soldado Bilk lhe contou que viu uma moto entregando uma pizza para o agente prisional Edgar, ora acusado; que a moto era descaracterizada, ou seja, não continha identificação de pizzaria alguma; que assim que foi comunicado do fato pelo soldado Bilk, pediu que este permanecesse na frente da UPA; que, então, subiu até em cima da máxima, de onde não conseguia ver, mas podia ouvir tudo o que se falava dentro da cela máxima; que tomou cuidado para não ser percebido pelos presos, pisando bem de leve; que ouviu vozes do preso 'Toninho' e do agente prisional Edgar; que 'Toninho' reclamava do preço da pizza e Edgar apenas exclamava 'pois é, é isso'; que tem certeza que se tratava da voz de 'Toninho', pois este já tinha sido seu vizinho; que também tem certeza que o outro interlocutor era Edgar; que, logo em seguida, ouviu uma terceira voz, a qual não pode identificar; que dali para frente mudou-se o rumo da conversa; que não ouviu mais a voz de Edgar; que parecia que 'Toninho' estava disfarçando, talvez alertado da presença do depoente no telhado; que escutou alguém caminhando em direção à frente da UPA; que pode ver o instante em que Edgar saiu pelo portão e foi até o soldado Jairo Bilk; que segundo Bilk, Edgar tinha ido reclamar que ouviu um barulho nos fundos da UPA, tendo inclusive feito um gesto como se alguém estivesse tentando fazer um buraco no muro para fugir; que a história de Edgar não conferia porque o depoente já estava durante todo aquele período lá nos fundos, onde fica o teto da máxima; que durante todo o período em que lá esteve não escutou nenhum barulho, fora a conversa acima relatada; que depois de conversar com o soldado Bilk, retornou para a guarita, de onde pode escutar os presos falando um para o outro 'pô, passa uma aí, você nem gosta disso'; que os presos estavam numa alegria só, como se houvesse uma festa; que, então, retornou para cima da máxima; que de lá conseguiu escutar o telefone fixo do presídio tocando; que, na seqüência, escutou a campanhia do presídio tocar; que pode ver Edgar abrindo uma parte do portão com o controle remoto e receber de uma menina que estava lá fora um pacote [...]." (Grifou-se)

Para variar, os policiais Kammer e Bilk, segundo a defesa, "também possuíam problemas de ordem pessoal com o acusado" (fl. 513), assim como todas as testemunhas, o delegado, o promotor, o juiz etc.

Nesse ponto, chama a atenção o fato de o réu, no interrogatório judicial (fls. 460/462), haver admitido que encomendou uma pizza e um litro de coca-cola naquela noite, os quais se destinavam, no entanto, a seu consumo. Esclareceu, ainda, que, além do motoqueiro da pizzaria, as únicas pessoas que estiveram no portão, cerca de 30 minutos a 1 hora mais tarde, foram seu filho e o amigo dele, justamente para buscar o restante da pizza e do refrigerante. Todavia, nenhuma prova nesse sentido foi produzida pela defesa, que sequer arrolou os referidos álibis para serem ouvidos. E, como é da jurisprudência, "aquele que invoca um álibi tem que comprová-lo satisfatoriamente, de modo a excluir seguramente a possibilidade de ter sido o autor da infração. Álibi não cumpridamente provado equivale à confissão de crime" (TJSC, Ap.Crim. nº 2004.000954-2, de Sombrio, rel. Des. Solon d'Eça Neves, j. 29.06.2004; e mais, Ap.Crim. nº 2003.023339-3, de Blumenau, rel. Des. Newton Janke, j. 29.06.2004).

Outra circunstância que não pode ser desprezada é que o aparelho celular mencionado pelos ex-detentos ouvidos, não por acaso, foi encontrado e apreendido em uma das operações pentes-finos realizadas na UPA (fls. 114/115), que contou com a participação do Supervisor de Segurança Marcelo Maurício Becker (fls. 381/382) e do Delegado de Polícia Civil Leonardo Marcondes Machado (fls. 386/387).

Como se vê, há prova suficiente para embasar o decreto condenatório. A única versão que se encontra isolada do contexto probatório é aquela apresentada pelo réu, o qual, claramente, tenta se passar por "coitadinho", vítima de uma bem organizada (e inexplicável) armação.

A defesa, que não arrolou qualquer testemunha e se limitou a impugnar genericamente os depoimentos prestados em juízo, como último recurso, argumenta que nem todos os agentes prisionais e policiais militares presenciaram as irregularidades praticadas pelo réu.

Data venia, trata-se de raciocínio lógico-dedutivo por demais simplista. O silogismo, a essência do discurso dialético do Direito, é muito mais do que isso. Trocando em miúdos: os crimes ora versados eram praticados intramuros, clandestinamente, sendo natural que nem todos os agentes prisionais ou policiais militares lotados na UPA de Ituporanga/SC tivessem presenciado alguma irregularidade; não descartada a hipótese daqueles que simplesmente por amizade, medo ou por não querer se envolver diretamente com os fatos - algo que ficou bem evidente neste processo -, preferiram se omitir. Daí por que, frise-se, deve-se dar valor àqueles que não se calaram e colaboraram com a Justiça na persecução da verdade real.

A par disso tudo, ainda milita em desfavor do réu a circunstância de ele estar respondendo a processo-crime, na comarca vizinha de Rio do Sul, por delito praticado também na condição de agente prisional (autos nº 054.03.005452-8) e o fato de, após sua prisão preventiva, a situação interna da Unidade Prisional Avançada - UPA de Ituporanga/SC haver mudado bastante, nas palavras do Supervisor de Segurança Marcelo Maurício Becker, "para melhor" (fl. 382).

Enfim, a autoria destes delitos ora apreciados deve mesmo ser atribuída ao réu.

Já a tipicidade, quer em relação ao crime de corrupção passiva, previsto no art. 317 do Código Penal, quer em relação ao crime de prevaricação, previsto no art. 319-A do mesmo Diploma Legal, desponta dos autos.

Dispõe o caput do art. 317 do Código Penal:

"Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem"

Para Fernando Capez, "procura-se com o dispositivo penal impedir que os funcionários públicos passem, no desempenho de sua função, a receber vantagens indevidas para praticar ou deixar de praticar atos de ofício. A corrupção afeta o correto desempenho da função pública e, por conseguinte, o desenvolvimento regular da atividade administrativa. Busca, portanto, o dispositivo proteger o funcionamento normal da Administração Pública, de acordo com os princípios da probidade e moralidade". E, mais adiante, complementa: "O tipo penal não exige que o funcionário pratique ou se abstenha da prática do ato funcional. Se isso suceder, haverá mero exaurimento do crime, o qual constitui condição de maior punibilidade (causa de aumento de pena prevista no § 1º do art. 317)" (Curso de direito penal: parte especial, vol. III. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 430-431 e 437).

Com efeito, a conduta do réu consistente em solicitar e receber dos presos pequenas quantias em dinheiro, em razão da função que exercia (agente prisional), para, em troca, fornecer-lhes alimentos, tais como pizza e coca-cola, e até mesmo facilitar encontros íntimos no interior da sala de aula da Unidade Prisional Avançada - UPA de Ituporanga/SC, práticas essas flagrantemente proibidas e que ele tinha o dever funcional de evitar, subsume-se de forma imediata ao aludido preceito incriminador, revelando sua vontade consciente de obter para si vantagem indevida, aproveitando-se do cargo administrativo que ocupava.

Uma vez que a conduta do réu foi além da solicitação e do recebimento da vantagem indevida, eis que, em conseqüência, quando ele entregou aos presos alimentos e permitiu encontros íntimos não autorizados, praticou atos infringindo dever funcional - exaurimento do delito que exaspera a pena -, imperiosa torna-se a aplicação da causa de aumento apontada pelo representante do Ministério Público em alegações finais (CP, art. 317, § 1º).

Por outro lado, também está sendo atribuída ao réu a prática do crime de prevaricação, na modalidade especial contida no art. 319-A do Código Penal, introduzida pela Lei nº 11.466/07, in verbis:

"Deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente público, de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo"

In casu, a conduta do réu consubstanciada, primeiro, em entregar aos presos, e depois, em permitir que fizessem uso de aparelhos celulares dentro da UPA, recebendo, para tanto, determinada importância em dinheiro, em que pese o respeitável entendimento do membro do parquet, ajusta-se mais perfeitamente ao tipo penal introduzido pela Lei nº 11.466/07, o qual, na espécie, pode ser considerado especial em relação ao delito de corrupção passiva já analisado.

Vale lembrar que, no conflito aparente de normas, se uma delas puder ser considerada como especial em relação à outra, deve o julgador aplicá-la (princípio da especialidade). Victor Eduardo Rios Gonçalves, a propósito, ensina que "considera-se norma especial aquela que possui todos os elementos da lei geral e mais alguns, denominados 'especializantes" (Direito penal: parte geral, vol. VII. 8ª ed. Coleção Sinopses Jurídicas. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 17).

Sem dúvida que o crime definido no art. 319-A do Código Penal é especial em relação ao contido no art. 317 do mesmo Estatuto Legal, pois visa punir especificamente a conduta do agente prisional que, como o réu, deixa de cumprir seu dever de vedar aos presos o acesso a aparelho celular, equipamento utilizado, na maioria das vezes, para que continuem a praticar delitos por meio das organizações criminosas a que pertencem.

Dessa feita, referente à solicitação e ao recebimento de vantagem indevida para, em razão da função, favorecer a entrada de alimentos e encontros íntimos entre presos, deve o réu responder pelo disposto no art. 317, § 1º, do Código Penal (corrupção passiva); e referente ao descumprimento do dever do agente prisional de vedar o acesso aos presos a aparelhos celulares, deve o réu responder pelo disposto no art. 319-A do mesmo Diploma Normativo (prevaricação), sem que isso configure bis in idem.

No que pertine à continuidade delitiva, não obstante a certeza, pela prova oral coligida, de que cada uma das duas condutas típicas acima examinadas ocorreram mais de uma vez, deixa-se de aplicá-la ao caso em espécie, pelas mesmas razões consignadas na abordagem do crime de tráfico (item 2.1.1 supra).

De outro vértice, há de ser considerado o concurso material entre um delito de corrupção passiva (CP, art. 317, § 1º) e um de prevaricação (CP, art. 319-A), cujas condutas, como visto alhures, não se confundem.

A culpabilidade, por fim, é indiscutível, já que o réu era maior de 18 anos de idade na época dos fatos, mentalmente são, tinha consciência da ilicitude de seus atos, dele podendo ser exigida conduta diversa.

Vai daí que Edgar Rodrigues de Lima também deve ser condenado e apenado por infração ao disposto no art. 317, § 1º e no art. 319-A, c/c art. 69, todos do Código Penal.

Por outro lado, quanto à conduta descrita na denúncia consistente em solicitar dinheiro para repassar aos familiares de presos, o réu deve ser absolvido, adotando-se na íntegra, como razão de decidir, o bem lançado parecer da lavra do ilustre Promotor de Justiça, Dr. Fabiano Francisco Medeiros, cujos fundamentos são abaixo transcritos (fls. 499/500):

"[...] essa conduta imputada ao denunciado não se amolda na figura típica prevista no artigo 317 do Código Penal.

"Isso porque é indispensável para a caracterização do ilícito em estudo que a prática do ato tenha relação com a função do sujeito ativo. Não se tipifica a infração se o pagamento feito ou prometido não é feito ratione oficii, podendo nesse caso ocorrer crime de exploração de prestígio, de estelionato etc. (Mirabete, Julio Fabbrini. Código Penal interpretado. São Paulo: Atlas, 1999. p. 1718)

"No caso em tela, a solicitação de dinheiro por parte do denunciado aos detentos da Unidade Prisional Avançada - UPA de Ituporanga/SC caracteriza, em tese, o crime de furto qualificado pela fraude, porquanto o dolo de subtrair numerário dos detentos é anterior a sua posse, logo, não há que se falar em apropriação indébita e, como dito alhures, não tem relação com a sua função (agente prisional).

"Entretanto, embora durante a instrução processual tenha ficado cabalmente comprovado que o denunciado Edgar, por diversas vezes, subtraiu dinheiro dos detentos mediante fraude, não há como aplicar o instituto da emendatio libelli, uma vez que este fato não está adstrito na denúncia.

"Em razão disso, o denunciado Edgar Rodrigues de Lima deve ser absolvido da imputação que lhe foi atribuída (corrupção passiva por solicitar dinheiro aos detentos."

2.2. Segue, então, a aplicação da pena (CP, art. 68).

2.2.1. Para o crime de tráfico de drogas

Da análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, primeira fase da dosimetria da pena, observadas, ainda, as disposições do art. 42 da Lei nº 11.343/06, infere-se que a culpabilidade, entendida como a reprovabilidade do ato, foi acentuada, pois cometido o delito nas dependências de estabelecimento prisional e justamente por aquele que tinha o dever de ofício de garantir a ordem interna. Tais condições, entretanto, já servem como causas de aumento de pena, pelo que não serão consideradas nesta etapa. O réu não registra antecedentes, os quais compreendem, malgrado respeitáveis e substanciosos posicionamentos em sentido contrário, "apenas as condenações criminais com trânsito em julgado que não são aptas a gerar reincidência" (Guilherme de Souza Nucci. Código Penal comentado. 4ª ed. São Paulo: RT, 2003. p. 264). Inexistem nos autos elementos para aferir sua personalidade e conduta social. Os motivos do crime, dificuldades financeiras e o desejo de obter vantagem econômica fácil, mediante a exploração da desgraça alheia, são próprios à espécie, assim como suas circunstâncias e conseqüências. Não se há cogitar aqui do comportamento da vítima (a sociedade) para o resultado.

Dessa forma, fixa-se a pena base no mínimo legal, isto é, 5 anos de reclusão, e 500 dias-multa.

Na segunda fase da dosimetria, não há agravantes e atenuantes a serem consideradas.

Derradeiramente, na terceira fase, à vista das duas causas especiais de aumento reconhecidas nesta sentença (Lei nº 11.343/06, art. 40, II e III), majora-se a reprimenda em 1/4 (critério fracionário objetivo = 1 + 1). Por outro lado, considerando-se a causa especial de diminuição igualmente acolhida (Lei nº 11.343/06, art. 33, § 4º), reduz-se a pena em 2/3, totalizando-a em 2 anos e 1 mês de reclusão, e 208 dias-multa.

2.2.2. Para o crime de corrupção passiva

Da análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, primeira fase da dosimetria da pena, tem-se que a culpabilidade, entendida como a reprovabilidade do ato, foi acentuada, pois cometido o delito nas dependências de estabelecimento prisional e justamente por aquele que tinha o dever de ofício de garantir a ordem interna. Tais condições, entretanto, já servem como causa de aumento de pena, pelo que não serão consideradas nesta etapa. O réu não registra antecedentes criminais. Inexistem nos autos elementos para aferir sua personalidade e conduta social. O motivo do crime, lucro fácil, é próprio à espécie, assim como suas circunstâncias e conseqüências. O comportamento da vítima (a sociedade) em nada contribuiu para o resultado.

Dessa forma, fixa-se a pena base no mínimo legal, isto é, 2 anos de reclusão, e 10 dias-multa.

Na segunda fase da dosimetria, não há agravantes e atenuantes a serem consideradas.

E na terceira fase, diante da causa especial de aumento reconhecida nesta sentença (CP, art. 317, § 1º), majora-se a reprimenda em 1/3, totalizando-a, na ausência de causa de diminuição, em 2 anos e 8 meses de reclusão, e 13 dias-multa.

2.2.3. Para o crime de prevaricação

Da análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, primeira fase da dosimetria da pena, denota-se que a culpabilidade, considerada a reprovabilidade do ato, foi normal à conduta. O réu não registra antecedentes criminais. Inexistem nos autos elementos para aferir sua personalidade e conduta social. O motivo do crime, lucro fácil, é próprio à espécie, assim como suas circunstâncias e conseqüências. O comportamento da vítima (a sociedade) em nada contribuiu para o resultado.

Dessa forma, fixa-se a pena base no mínimo legal, isto é, 3 meses de detenção, e 10 dias-multa.

Na segunda fase da dosimetria, não há agravantes e atenuantes a serem consideradas.

Por fim, na terceira fase, à mingua de causas de aumento e de diminuição, mantém-se a pena em 3 meses de detenção, e 10 dias-multa.

2.2.4. Concurso material

Havendo concurso material entre os crimes de tráfico de drogas (Lei nº 11.343/06/06), corrupção passiva (CP, art. 317, § 1º) e prevaricação (CP, art. 319-A), nos termos do art. 69 do Código Penal, as sanções devem ser cumuladas, executando-se primeiro a de reclusão.

A pena privativa de liberdade deverá ser cumprida no regime inicial fechado, consoante a nova redação do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, dada pela Lei nº 11.464/07, computando-se, para a primeira progressão de regime, apenas o tempo da condenação referente ao crime de tráfico.

Incabível sua substituição por penas restritivas de direitos ou a concessão do benefício do sursis, haja vista que o quantum das condenações somadas ultrapassa o limite de 4 anos (CP, arts. 44, I e 77, caput). Ademais, com relação ao crime de tráfico, há vedação expressa no Estatuto de regência (Lei nº 11.343/06, art. 44, caput).

Atribui-se a cada dia-multa, segundo as condições do agente, o valor de 1/30 do salário mínimo vigente na época dos fatos delituosos, corrigido monetariamente desde então (CP, art. 50; e Lei nº 11.343/06, art. 43).

2.2.5. Perda do cargo público

Prescreve o art. 92, I, "a", do Código Penal:

"Art. 92. São também efeitos da condenação:

"I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:

"a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a 1 (um) ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública"

Sobre esse efeito secundário da condenação, de natureza extrapenal (efeito administrativo), explica Julio Fabrini Mirabete que "para a aplicação do dispositivo deve considerar-se não só o conceito de funcionário público previsto no art. 327 do CP, como também examinar-se se o fato ocorreu no exercício das funções do agente. Inaplicável é o dispositivo se não estão implicados o desvalor das atribuições que lhe são próprias da incumbência que lhe foi confiada pelo Estado e a quebra das obrigações pertinentes à relação jurídico-funcional. Incide, portanto, nos crimes funcionais próprios e impróprios, previstos nos arts. 312 a 326 do CP, como nos demais delitos em que ocorreu o abuso de poder ou a violação do dever (arts. 289, § 3º, 290, parágrafo único, 295, 296, § 2º etc.), mas não se o sujeito agiu na qualidade de particular, fora de suas funções" (Manual de direito penal: parte geral, vol I. 22ª ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 353).

No caso, levando-se em conta tão somente os crimes funcionais cometidos pelo réu (CP, arts. 317, § 1º e 319-A), cujas penas somadas são superiores a 1 ano, não há como deixar de decretar a perda do cargo público por ele exercido, eis que nada justifica seus atos, nem o alcoolismo.

É certo que o réu - que se vendia por ninharia, na ilusão de que assim, talvez, pudesse passar incólume - não causou nenhum desfalque de grande monta aos cofres púbicos. Não é menos certo, todavia, que a corrupção e a prevaricação, no desempenho direto da função de agente prisional que exercia, provocam sérias e perigosas conseqüências, na medida em que o incorreto funcionamento da atividade estatal na custódia de seus presos, além de transformar-se em fonte de insatisfação e de revolta para os segregados, subvertendo-se a ordem, contribui decisivamente para o fracasso do processo de reinserção social preconizado pelo sistema penal. Daí por que a quebra do juramento um dia feito pelo acusado, com atitudes que violam dever de ofício e são consideradas crimes contra a Administração Pública, merece punição exemplar, com todos os seus efeitos.

Se não bastasse, a perda do cargo também decorre do disposto na alínea "b" do inciso I do artigo suso mencionado, já que as penas privativas de liberdade somadas excedem a 4 anos.

III - DISPOSITIVO:

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a denúncia e, em conseqüência:

- ABSOLVO o réu EDGAR RODRIGUES DE LIMA, qualificado nos autos, da acusação consistente em solicitar dinheiro para repassar aos familiares de presos, o que faço com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal;

- CONDENO o réu EDGAR RODRIGUES DE LIMA, qualificado nos autos, ao cumprimento de 5 (cinco) anos de pena privativa de liberdade, sendo 2 (anos) e 1 (um) mês de reclusão, por infração ao disposto no art. 33, caput, c/c arts. 33, § 4º, e 40, II e III, todos da Lei nº 11.343/06; 2 (dois) anos e 8 (oito) meses também de reclusão, por infração ao disposto no art. 317, § 1º, do Código Penal; e 3 meses de detenção, por infração ao disposto no art. 319-A do Código Penal, na forma do art. 69 do mesmo Diploma Legal; além do pagamento de 231 dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente na época dos fatos delituosos, corrigido monetariamente desde então.

Fixo o regime fechado para o início do cumprimento da pena privativa de liberdade, devendo apenas o tempo da condenação referente ao crime de tráfico de drogas ser computado na primeira progressão de regime.

A multa, por sua vez, deverá ser paga na forma e condições estipuladas no art. 50 do Código Penal.

Decreto, como efeito específico e permanente da condenação, a perda do cargo público de agente prisional exercido pelo réu, ex vi do prescrito no art. 92, I, "a" e "b", do Código Penal.

Condeno-o, ainda, ao pagamento das despesas processuais (CPP, art. 804).

Nego-lhe o direito de recorrer em liberdade, na medida em que respondeu preso durante todo o processo, não havendo fato novo capaz de elidir os motivos que ensejaram a prisão cautelar. A garantia da ordem pública, neste caso, salta os olhos, a uma, por envolver crime previsto na Lei Antidrogas e que, dado o mal que causa a sociedade, exige uma tutela penal diferenciada; a duas, pela própria natureza das condutas praticadas pelo agente, de quem se espera justamente o contrário; a três, e por último, porque não tenho dúvidas de que, solto, ele voltará a delinquir, pondo em risco a comunidade local, assim como a própria credibilidade da Justiça.

Interposta a apelação, antes da remessa dos autos à superior instância, forme-se o processo de execução criminal provisório, nos moldes do art. 321 do CN/CGJ-SC, interpretado de acordo com a Resolução nº 19/06 do CNJ (TJSC, Agravo nº 2006.013141-9, de Blumenau, rel. Des. Alexandre D'Ivanenko, J. 26.06.2008).

Após o trânsito em julgado para ambas as partes:

- lance-se o nome do réu no rol dos culpados;

- forme-se o processo de execução criminal definitivo e expeça-se guia de recolhimento, requisitando-se vaga em penitenciária;

- oficie-se, com cópia desta sentença, ao superior hierárquico do réu, comunicando-lhe sobre a decretação da perda do cargo público;

- procedam-se às comunicações administrativas recomendadas pela CGJ-SC, em especial à Justiça Eleitoral, para os fins do art. 15, III, da Constituição Federal;

- providencie-se a incineração das substâncias entorpecentes apreendidas, preservada a fração destinada à eventual contraprova, já reservada conforme constam nos laudos periciais juntados aos autos, nos termos do arts. 32, §§ 1º e 2º, e 58, § 1º, da Lei nº 11.343/06;

- promova-se a cobrança da multa penal e das custas processuais, na forma dos arts. 353, 514 e seguintes do CN/CGJ-SC, arquivando-se os autos ao final.

Ituporanga (SC), 14 de outubro de 2009.

Leandro Katscharowski Aguiar
Juiz de Direito



JURID - Agente prisional é condenado. [21/10/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário