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quarta-feira, 21 de outubro de 2009

JURID - Acesso à praia é livre. [21/10/09] - Jurisprudência


Condomínio não pode impedir acesso à praia.



AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 2009.72.00.006600-8/SC

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RÉU: MUNICÍPIO DE GOVERNADOR CELSO RAMOS e outros.

DECISÃO (liminar/antecipação da tutela)

Trata-se de ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal contra o Município de Governador Celso Ramos, a Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina - FATMA, o Condomínio Recanto das Marés Residence Club e demais particulares relacionados na inicial, num total de sessenta e sete (67), pretendendo, entre outras providências, a retirada de marina, garagem náutica, trapiches e outros equipamentos de lazer e edificações localizados em área de marinha, além do franqueamento ao livre acesso pela população à Praia da Figueira, localizada no Município de Governador Celso Ramos e onde se situa o referido condomínio. Alega o autor, em suma, que diversas praias no Município estão sendo utilizadas privativamente por particulares, impedindo o seu acesso da população em geral mediante o uso de cercas, muros, guaritas ou construções variadas, em afronta a disposições legais e constitucionais, as quais qualificam as praias como bem de uso comum do povo. Esclarece que as tentativas administrativas de solucionar o problema não lograram êxito, motivando o ajuizamento de uma ação civil pública contra o Município e a União, a fim de obrigá-los a exercer seu poder de polícia e impor aos particulares a retirada dos obstáculos. No caso específico da presente ação, relata que buscou sem sucesso compelir o condomínio a tornar livre o acesso público à praia, o qual hoje está impedido por um portão. Alega que o empreendedor, para fins de instalação do loteamento, postulou na FATMA licença ambiental e esta, apesar de constatar alguns impedimentos, expediu as licenças ambientais impondo apenas condicionantes, quando deveria ter exigido a adequação do projeto. Além disso, o cumprimento das condicionantes nunca foi exigido pelo órgão ambiental estadual, que, aliás, agiu ilegalmente também ao deixar de observar que o local abrigava área com promontório e vegetação de Mata Atlântica, ambos sujeitos a especial proteção legal. Sustenta que após a implantação do loteamento várias residências foram edificadas, com ocupação em área de promontório, supressão de vegetação em área de preservação permanente, inclusive em terras de marinha, bem de propriedade da União. Aduz que além das residências particulares, o condomínio instalou em área de marinha trapiche, marina, quadras de tênis e futebol, garagem para barcos, alojamento e restaurante, em evidente confronto com a destinação legal do bem público de uso comum do povo. Salienta que o responsável pelo empreendimento, à época do licenciamento, declarou que a obra não comprometeria terras de marinha e que criaria no local uma Reserva Particular do Patrimônio Natural - RPPN, a qual incluiria também um promontório denominado de Ponta do Mata-mata, situado no local e referido no plano diretor do município como área de preservação permanente. Além de não levar a efeito sua promessa, o promontório foi também parcialmente utilizado para construções, sem que a FATMA tenha tomado qualquer medida administrativa, como lhe competia; ao contrário, concedeu ao empreendimento as licenças ambientais de instalação e de operação (LAI e LAO). Relata situações de proprietários de lotes em relação aos quais houve a imposição de sanções por parte do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA e até mesmo do ajuizamento de ação criminal pelo uso indevido e ilegal dos recursos naturais; faz referência à legislação aplicável e, ao final, postula o deferimento da antecipação da tutela para que seja determinado:

1. Ao município e à FATMA que adotem as medidas de poder de polícia administrativa para impedir novas supressões de vegetação, interferências ou construções na área de uso comum do povo (praia) e nas áreas protegidas pela legislação, incluindo o promontório;

2. Ao responsável pelo Condomínio e aos condôminos que adotem as providências necessárias para demolição da garagem náutica/marina e do trapiche, bem como para a retirada de todos os equipamentos que ocupam bens da União naquele local;

3. Ao responsável pelo Condomínio Recanto das Marés que comprove a retirada integral de portões, guaritas ou qualquer forma de obstáculo ao livre e franco acesso à praia, bem público de uso comum do povo, através das vias de circulação, as quais constituem sistema viário público, podendo ser utilizadas por veículos motorizados, pedestres ou outros meios de transporte;

4. À FATMA que realize detalhada vistoria em todas as construções e atividades existentes nos processos erosivos e/ou poluidores que sejam constatados, especialmente em se cuidando do sistema de tratamento de efluentes domésticos, cuja execução e eficácia deverão ser comprovadas nos autos;

5. Seja averbada a existência desta ação no Cartório de Registro de Imóveis de Biguaçu, para ciência e para prevenir prejuízos para cidadãos que pretendam adquirir lotes no empreendimento;

A inicial veio acompanhada de documentos, muitos dos quais em forma de apenso.

A FATMA e o Município de Governador Celso Ramos foram intimados para se manifestar acerca do pedido de liminar, nos termos do art. 2º da Lei nº. 8.437/92. Apenas a FATMA se manifestou alegando que antes de conceder as licenças solicitou parecer do IBAMA, tendo em vista a proximidade do empreendimento com a Área de Proteção Ambiental de Anhatomirim, o qual afirmou que o empreendimento estava situado fora da referida APA, exceto uma faixa de terras de marinha, no promontório, alertando, ainda, para a necessidade de observância das áreas de proteção ambiental situadas no imóvel. Sustenta que nunca autorizou o uso das áreas protegidas existentes no imóvel, mas que tomará as providências para a "realização de atos de fiscalização ambiental na área" (fl. 349). Ressalta, por fim, a existência de litispendência, no que tange ao pedido de liberação do acesso às praias, haja vista já ter sido formulado na Ação Civil Pública n. 2008.72.00.006647-8.

É, em síntese, o relatório.

Decido.

I - Litispendência

Não há litispendência entre esta demanda e a Ação Civil Pública n. 2008.72.00.006647-8. A litispendência reclama identidade da lide. Isso ocorre quando são os mesmos os sujeitos que contendem a respeito do mesmo bem da vida e pela mesma causa (art. 301 do CPC).

Há, por conseguinte, uma tríplice identidade exigida para que se reconheça a identidade das lides: identidade dos sujeitos, identidade do pedido e identidade da causa de pedir. Faltando qualquer dessas identidades, não se pode cogitar de litispendência, nem de coisa julgada.

Na hipótese, não obstante pender de julgamento neste Juízo a ação civil pública antes referida, na qual o autor visa franquear o livre acesso às praias no Município de Governador Celso Ramos a toda a população, pedido que é repetido nesta ação, não há identidade de partes a impor o reconhecimento de litispendência. Naquela demanda o autor requer, entre outras providências, ordem para que os réus União e Município de Governador Celso Ramos tomem as providências necessárias à retirada dos obstáculos que impedem o livre acesso às praias e, nesta ação, o pedido é para que os réus particulares retirem a cerca e portão por eles instalados dentro do Condomínio, na área objeto da lide. Embora o bem da vida perseguido seja o mesmo, diferentes são partes, não sendo igual também a providência requerida, porquanto neste caso o que se pretende é obrigar diretamente os responsáveis pelos obstáculos colocados ao livre acesso à praia para que efetuem sua retirada.

Rejeito, assim, a preliminar.

II - Da inexistência de litisconsórcio necessário

A presente ação foi ajuizada contra a FATMA, o Município de Governador Celso Ramos, o Condomínio Recanto das Marés e todos os condôminos.

Observo que o resultado visado pelo autor pode ser resumido em: a) retirar cerca e portão do Condomínio que impedem o livre acesso à praia pela população; b) retirar estruturas e equipamentos (quadra de esportes, cadeiras, mesas, restaurante, alojamento etc) instalados sobre a área de marinha e de preservação permanente; c) recuperação das áreas degradadas; d) decretação de nulidade das licenças expedidas pela FATMA e imposição do dever de realizar novo licenciamento; e) nulidade da licença para construção concedida pelo Município de Governador Celso Ramos.

No que se refere aos pedidos envolvendo as áreas comuns do empreendimento, em que pese ser de todos os proprietários o interesse na solução do litígio, a representação em Juízo cabe ao Condomínio, pelo síndico (art. 12, IX, do CPC e art. 1.348, II, do CC), sem necessidade da citação de todos os condôminos.

Com efeito, a Lei n. 4.591, de 16 de dezembro de 1964, que regula o condomínio em edificações e incorporação imobiliária estabelece que "compete ao síndico representar ativa e passivamente, o condomínio, em juízo ou fora dêle, e praticar os atos de defesa dos interêsses comuns, nos limites das atribuições conferidas por esta Lei ou pela Convenção" (art. 22, §, a).

Os condôminos, como possíveis causadores dos danos apontados, podem, em tese, responder conjuntamente com o condomínio, visto que a responsabilidade por dano ambiental é solidária, cabendo ao autor a escolha de contra qual dos responsáveis deseja litigar. Trata-se, portanto, de litisconsórcio passivo facultativo, não necessário.

Com efeito, o instituto processual do litisconsórcio necessário está delineado no Código de Processo Civil, nos seguintes termos:

"Art. 47 - Há litisconsórcio necessário quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo."

O litisconsórcio necessário, assim, deve ser formado apenas quando a sentença deva ser uniforme para aqueles que terão sua esfera jurídica por ela afetada.

"O que, de fato, torna necessário o litisconsórcio é a forçosa incidência da sentença sobre a esfera jurídica de várias pessoas. Sem que todas elas estejam presentes no processo, não será possível emitir um julgado oponível a todos os envolvidos na relação jurídica material litigiosa e, consequentemente, não se logrará uma solução eficaz do litígio." (Humberto Theodoro Jr. Curso de Direito Processual Civil: Volume I. 34. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 98).

O caso em apreço, pela natureza de sua relação jurídica, não envolve litisconsórcio necessário, sendo desnecessária a citação de todos os proprietários de imóveis no empreendimento em questão, pois a lide não deverá ser decidida de forma uniforme para os adquirentes e para os demais réus (Condomínio e órgãos públicos).

De fato, não obstante o autor busque também responsabilizar direta e individualmente os proprietários que com suas edificações tenham ou estejam causando danos ao meio ambiente, trata-se, neste caso, de cumulação de pedidos contra réus diversos, que embora ligados por um mesmo fato - a criação do condomínio - são independentes, não dando ensejo a litisconsórcio necessário, e tampouco encontra respaldo no art. 292 do Código de Processo Civil, o qual trata da cumulação de pedidos e exige, entre os requisitos, que seja dirigida contra o mesmo réu.

A comunhão de obrigações que derivam dos fatos narrados na inicial admite, como já dito, o litisconsórcio facultativo (art. 46, I e II, do Código de Processo Civil). Todavia, nestes casos, o juiz poderá impor limites "quanto ao número de litigantes, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa". A razão do litisconsórcio facultativo é a economia processual, daí justificar-se a imposição de limites quando esta correr o risco de resultar comprometida, assim como a própria efetividade das decisões judiciais.

Sob a ótica do inc. IV, do art. 46, é imperativo dizer-se que não é recomendável dar-se elastério às expressões afinidade e ponto comum, sob pena delas ensejarem única demanda para a solução de todos os males da pessoa que se queixa de muitos. (Ac. Unân. Da 15ª Câm. Do TJSP, de 11.11.87, na Apel. n. 121.595-2, Rel. Dês. Roberto Stucchi: RTJSP, 114/168-169. In THEODORO JÚNIOR, Humberto. Código de Processo Civil Anotado. 11ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2007, p. 53).

No caso, o autor inclui como réus, além do próprio Condomínio e órgãos públicos relacionados com os danos ambientais, todos os proprietários de imóveis, num total de sessenta e sete (67), e contra estes os pedidos são para a desocupação de área de preservação permanente e sua recuperação, pretensões estas que podem ser buscadas em processos autônomos e independentes desta demanda.

A tramitação processual de uma ação civil pública, por vezes, já é bastante complexa, dado o grande número de documentos juntados e a quantidade de atos processuais exigidos tanto da Secretaria quanto do Juízo, por isso, a ampliação do pólo passivo deve se restringir às hipóteses em que a ausência da formação do litisconsórcio possa limitar os efeitos da sentença, o que não ocorre quando se trata de litisconsórcio passivo facultativo.

Além disso, o autor não postula o desfazimento do parcelamento (loteamento), mas apenas a sua regularização, inclusive quanto à licença ambiental, não havendo, também por esta razão, que se falar em potencial atingimento da esfera jurídica dos adquirentes dos lotes a impor a sua inclusão necessária no pólo passivo da relação processual.

Indefiro, pois, o litisconsórcio passivo, nos termos do art. 46, parágrafo único, do Código de Processo Civil, e excluo da lide os proprietários dos lotes, extinguindo em relação a eles o processo sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, XI, do mesmo Estatuto Processual.

III - Quanto ao direito invocado nesta ação, alega o Ministério Público Federal que o Condomínio estaria causando danos ao meio ambiente, ocupando áreas de marinha e de preservação permanente, bem como à população, por estar também impedindo o livre acesso à praia mediante a colocação de cerca e portões na propriedade e fazendo uso privativo dela. No que tange aos entes públicos, alega que têm sido omissos quanto aos atos dos particulares que impedem o uso da praia pela população, além de agirem ilegalmente ao conceder licenças para a instalação de loteamento em desconformidade com as normas aplicáveis.

A hipótese dos autos envolve várias questões, mas, em suma, trata do uso privativo de uma praia mediante a instalação de um condomínio.

Como ponto de partida, cabe analisar as normas jurídicas acerca do uso e ocupação do solo na Zona Costeira.

O art. 225, § 4º, da Constituição Federal, preceitua que "a Zona Costeira é patrimônio nacional e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto aos recursos naturais".

A Lei 7.661, de 16 de maio de 1988, que institui o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, estabelece:

Art. 1º. Como parte integrante da Política Nacional para os Recursos do Mar - PNRM e Política Nacional do Meio Ambiente - PNMA, fica instituído o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro - PNGC.

Art. 2º. Subordinando-se aos princípios e tendo em vista os objetivos genéricos da PNMA, fixados respectivamente nos arts. 2º e 4º da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, o PNGC visará especificamente a orientar a utilização nacional dos recursos na Zona Costeira, de forma a contribuir para elevar a qualidade da vida de sua população, e a proteção do seu patrimônio natural, histórico, étnico e cultural.

Parágrafo único. Para os efeitos desta lei, considera-se Zona Costeira o espaço geográfico de interação do ar, do mar e da terra, incluindo seus recursos renováveis ou não, abrangendo uma faixa marítima e outra terrestre, que serão definida pelo Plano.

Para o parcelamento do solo na Zona Costeira, a mesma Lei exige o licenciamento ambiental, o qual está condicionado à "elaboração do estudo de impacto ambiental e a apresentação do respectivo Relatório de Impacto Ambiental - RIMA, devidamente aprovado, na forma da lei" (§ 2º do art. 6 º).

No caso dos autos, ao menos de acordo com os documentos juntados pelo autor e pela própria FATMA (fls. 352/374), não foi exigido do empreendedor o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório respectivo, limitando-se o órgão ambiental a analisar o pedido a partir do Projeto de Implantação (fls. 2/8 do Apenso I), após manifestação do IBAMA dando conta de que apenas uma pequena parcela do imóvel estava inserida nos limites da Área de Preservação Ambiental de Anhatomirim, inobstante alertar sobre possíveis danos em APP's.

Embora a implantação de loteamentos não esteja expressamente relacionada na Resolução CONAMA n. 01/86, que trata da exigência de estudo de impacto e relatório ambiental para atividades potencialmente poluidoras ou causadoras de danos ambientais, tratando-se de parcelamento de solo em Zona Costeira, imprescindível sua realização, nos termos da Lei n. 7.661/88, mesmo porque o rol das atividades descritas na aludida resolução é meramente exemplificativo, como sugere o uso da expressão "tais como" por ela empregada (art. 2º, caput).

Além disso, na hipótese, o empreendimento está localizado em área de significativa importância paisagística, o que exigiria do órgão ambiental especial atenção.

Se, em princípio, a simples delimitação dos lotes não tivesse o condão de causar danos ao meio ambiente, era previsível que a ocupação pelos proprietários, com construções de casas, jardins etc, afetaria o meio ambiente e a paisagem local. Daí a importância do EIA/RIMA para delimitar as áreas e formas de aproveitamento com um mínimo de impactos, sobretudo pela dimensão do empreendimento, com 56 (cinqüenta e seis) lotes e demais obras de infraestrutura.

Por outro lado, o parcelamento do solo para fins urbanos é regulado pela Lei n. 6.766, de 20 de dezembro de 1979, que dispõe:

Art. 2º - O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes.

§ 1º - Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.

§ 2º - considera-se desmembramento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.


§ 3º (VETADO)

§ 4º Considera-se lote o terreno servido de infra-estrutura básica cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos definidos pelo plano diretor ou lei municipal para a zona em que se situe.
(Incluído pela Lei nº 9.785, 29.1.99)

5º A infra-estrutura básica dos parcelamentos é constituída pelos equipamentos urbanos de escoamento das águas pluviais, iluminação pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, energia elétrica pública e domiciliar e vias de circulação. (Redação dada pela Lei nº 11.445, de 2007).

§ 6º A infra-estrutura básica dos parcelamentos situados nas zonas habitacionais declaradas por lei como de interesse social (ZHIS) consistirá, no mínimo, de: (Incluído pela Lei nº 9.785, 29.1.99)

I - vias de circulação; (Incluído pela Lei nº 9.785, 29.1.99)

II - escoamento das águas pluviais; (Incluído pela Lei nº 9.785, 29.1.99)

III - rede para o abastecimento de água potável; e(Incluído pela Lei nº 9.785, 29.1.99)

IV - soluções para o esgotamento sanitário e para a energia elétrica domiciliar. (Incluído pela Lei nº 9.785, 29.1.99)

Para o parcelamento de um imóvel é imprescindível, entre outras coisas, a criação de vias de circulação, as quais passam a compor o domínio do Município desde o registro do loteamento, sendo de uso livre por toda a comunidade.

No caso em apreço, a instalação do condomínio decorreu da urbanização de dois terrenos distintos, compostos de área alodial e de marinha, totalizando 119.700,80 m², dos quais 36.425,00 m² foram divididos em 56 (cinqüenta e seis) lotes, permanecendo a área remanescente para uso comum dos condôminos.

O loteamento em condomínio, ou condomínio fechado, ressente-se de regulamentação específica no direito brasileiro, sendo invocada, como regra, pelas partes interessadas a aplicação do art. 8º da Lei n. 4.591/64, que trata do condomínio em edificações e das incorporações imobiliárias, a qual reconhece o direito ao uso privativo do bem em condomínio apenas pelos condôminos. Para se subsumir à aludida norma, no entanto, há obrigação de que as casas sejam edificadas pelo incorporador. Diferente é a hipótese, como no caso, em que o imóvel é loteado e vendido para receber edificações futuras, ainda que dentro de um determinado regramento.

Nos condomínios fechados ou loteamentos em condomínio, o que ocorre é a privatização de áreas, com o fechamento de vias de comunicação e espaços livres, que, de acordo com a Lei de Parcelamento do Solo, deveriam destinar-se ao uso público. Para que este uso privativo seja legítimo, é necessário que o Município, a quem cabe disciplinar a respeito do uso do espaço urbano, notadamente os públicos, autorize, mediante lei municipal, a desafetação da área. A possibilidade de desafetação, nestes casos, na verdade, sequer é pacífica na jurisprudência, havendo quem defenda a impossibilidade de posse particular do bem público, o qual só pode ser utilizado privativamente de forma excepcional, transitória e precária e desde que a utilização seja compatível com a destinação do bem (FREI, José Carlos de, Da Legalidade dos Loteamentos Fechados, in: http://www.ebooksbrasil.org/sitioslagos/documentos, acesso em: 03/09/09, p. 11).

Não há nos autos referência à existência de lei no âmbito do Município de Governador Celso Ramos disciplinando a instalação de condomínios dessa natureza. Independentemente disso, ainda que houvesse norma legal autorizando, ela não poderia estabelecer restrição ao acesso e uso da praia, bem de uso comum do povo, em confronto com a Constituição Federal e as disposições da Lei de Gerenciamento Costeiro.

Com efeito, a Lei n. 7.661/88 define o ecossistema praia e proíbe toda e qualquer forma de utilização do solo da Zona Costeira que impeça ou dificulte o acesso à praia e ao mar, nos seguintes termos:

"Art. 10 - As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica.

§ 1º - Não será permitida a urbanização ou qualquer forma de utilização do solo na Zona Costeira que impeça ou dificulte o acesso assegurado no caput deste artigo.

§ 2º - A regulamentação desta lei determinará as características e as modalidades de acesso que garantam o uso público das praias e do mar.

§ 3º - Entende-se por praia a área coberta e descoberta periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subseqüente de material detrítico, tais como areais, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema"

Leciona FREITAS que a praia, "sendo afetada ao patrimônio público, somente poderá ser apropriada por terceiro em caso de desafetação" (FREITAS, Mariana Almeida Passos de, Zona Costeira e Meio Ambiente - Aspectos Jurídicos. Curitiba: Juruá, 2006, p. 89). Referindo-se aos condomínios particulares e fechados na beira da praia, aos quais só tem acesso quem for proprietário, privatizando também a praia, pondera a autora:

"As praias devem ser de uso comum da população. A prática de privatizá-las, agora agravada e justificada pela falta de segurança, vai de encontro ao disposto na Constituição"

(...)


O § 2º do art. 10 da Lei 7.661, de 16.05.1988, determina que as características e as modalidades de acesso que garantam o uso público das praias e do mar devem ser previstas em sua regulamentação. Na verdade, isto nem precisava estar previsto. Pode-se perfeitamente, aqui, invocar preceitos constitucionais como o do art. 225, caput, combinado com o art. 5ª da Carta Magna, pois é justamente no fato de ser possível fruir em liberdade de bens ambientais, que o direito do acesso se realiza concretamente (obra citada, pp. 90/91).

Paulo Afonso Leme Machado, em sua obra "Direito Ambiental Brasileiro" (15ª Ed., Malheiros Editores, São Paulo: 2007, p. 900), ao tratar das praias, refere-se ao artigo 10 da Lei nº. 7.661/88, ressaltando a garantia constitucional de livre acesso a elas, como bem de uso comum do povo que são, alertando para a importância da atuação do Poder Público a fim de tornar efetiva a vontade do constituinte. Menciona decisão do Supremo Tribunal Federal no RE 94.253, prolatada antes mesmo da atual Constituição Federal e da Lei de Gerenciamento Costeiro, em que as tentativas de privatizar as praias ou o cometimento de atos objetivando impedir o seu acesso livre foram rechaçadas por aquela Corte, nos seguintes termos: "Não colhe, pois, a alegação de inconstitucionalidade da Lei Municipal 557/79, que não viola a Constituição Federal (art. 153, §§ 10 e 22), ao proibir a existência de obstáculos ao livre acesso dos terrenos de marinha, às praias etc. Pelo contrário, objetiva assegurar outros direitos constitucionalmente garantidos, como a liberdade de ir e vir, a utilização dos bens públicos ou de uso comum do povo etc. A prevalecer a pretensão dos impetrantes, esses direitos fundamentais de todos, ou da coletividade, haveriam de subordinar-se aos daqueles poucos, em compreensão ampliada e distorcida do direito de propriedade. Ao invés de se reconhecer a este, pela asseguração e uso individual sem dano social, antes compatibilizando-se com a função social que se reconhece, estar-se-ia a subordiná-lo ao critério pessoal dos indivíduos, em exacerbação que voltaria aos tempos remotos do absoluto "ius utendi, fruendi et abutendi", incompatível com a moderna concepção, constitucionalmente fixada no art. 160, III, da CF' (1ª T., rel. Min. Oscar Corrêa, julg. em 12/11/82).

Depreende-se dos autos, também, que o Condomínio, além de privatizar a praia, está fazendo uso indevido de terrenos de marinha, tratando a área toda, alodial e de marinha, como um bem único de uso privativo, estendendo-a até a faixa de praia e instalando sobre ela vários equipamentos, o que vai de encontro à destinação dos terrenos de marinha na legislação atual, sobretudo aqueles destinados à preservação ambiental (Lei n. 9.636/98, art. 9º, II).

Apesar de não constar dos autos prova de que os réus tenham registro de ocupação na SPU do terreno de marinha em questão, isto é irrelevante, pois, detendo ou não o direito de ocupação nos termos das normas em vigor, seu uso e destinação não podem impedir o livre acesso à praia por terceiros, quer seja por terra, quer seja pelo mar, tampouco agredir áreas de preservação permanente.

A Lei n. 9.636/98, que trata da regularização, administração, aforamento e alienação de bens imóveis de domínio da União, também estabelece que projetos de parcelamento e urbanização de áreas vagas, elaborados na forma da legislação pertinente, devem sempre levar em conta "a preservação e o livre acesso às praias marítimas, fluviais e lacustres e outras áreas de uso comum do povo" (art. 4º, § 1º).

A respeito do tema, já decidiu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTRUÇÃO IRREGULAR EM ÁREA DE MARINHA. ZONA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DEMOLIÇÃO. RECUPERAÇÃO DA ÁREA.

1. Além de configurar terreno de marinha, a área em que está situada a construção localiza-se em Zona de Preservação Permanente (ZPP) prevista na Lei Orgânica do Município de Laguna/SC, consoante informado pela Administração Municipal.

2. Embora prática temerária da Administração, a ausência de resposta aos pedidos efetuados pelo requerido junto do Serviço de Patrimônio da União, em face das normas citadas, cujos preceitos, sem sombra de dúvida são cogentes, não tem o condão de possibilitar ao particular que se apodere do bem, utilizando segundo seus próprios interesses. 3. As praias são bens públicos de uso comum, isto é, de utilização comum pela coletividade, devendo seu acesso ser garantido a todos e não podem ser objeto de apropriação privada, mesmo quando seus elementos constitutivos pertençam a particulares.

4. A apropriação e transformação da praia para interesses meramente individuais, vai em sentido diametralmente oposto à destinação comum dada pelo legislador, devendo essa atitude ser coibida pelas vias competentes, impedindo que um bem dessa natureza seja modificado a bel prazer de alguns, que acreditam que possuem direito exclusivo sobre ele.

5. Sob este prisma exsurge inarredável a necessária ingerência do Judiciário sobre o mundo fático. Ocorre que, num mundo como o atual, onde cada vez mais, os problemas ambientais vêm degradando a qualidade de vida, todos têm responsabilidades a assumir e o Poder Judiciário, uma vez provocado, deve fazer prevalecer os postulados constitucionais e a lei, voltando-se para uma interpretação comprometida com essa realidade, para a melhoria do ecossistema.

6. Impõe-se a demolição da construção irregular (imóvel de alvenaria) e condenação do réu em proceder à completa reparação da área, através da remoção dos detritos, bem como pela plantação da vegetação característica do local. (TRF4, AC 2002.72.07.008762-6, Quarta Turma, Relatora Marga Inge Barth Tessler, D.E. 27/08/2007)

III - Dos pedidos de antecipação de tutela:

Passo à análise dos pedidos de antecipação de tutela, separadamente:

"1. Ao município e à FATMA que adotem as medidas de poder de polícia administrativa para impedir novas supressões de vegetação, interferências ou construções na área de uso comum do povo (praia) e nas áreas protegidas pela legislação, incluindo o promontório";

A FATMA, em sua manifestação preliminar, já afirmou que tomará as providências para a "realização de atos de fiscalização ambiental na área" (fl. 349). Com efeito, tal providência solicitada pelo autor nada mais é do que o exercício do próprio poder de polícia de que são dotados os órgãos da Administração Pública. Porém, um provimento judicial para determinar-se genericamente o cumprimento da lei é totalmente inócuo, haja vista não estar dirigido especificamente a um caso concreto e identificado. Sendo assim, não há como analisar este pedido frente aos requisitos da antecipação da tutela, cuja concessão exige a presença, além da prova inequívoca e verossimilhança do direito alegado, também o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, o que não se pode inferir genericamente, dada a abrangência do pedido. Por outro lado, este pedido não é objeto do provimento final ou principal requerido na ação, o que significa dizer que o juiz não poderá antecipar os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, pois este sequer faz parte do pedido de mérito. Não se mostra necessário, também, como provimento judicial cautelar, pois pode ser atendido diretamente pela autoridade administrativa, quando identificado especificamente desrespeito à legislação ambiental e requisitada sua atuação pelo Ministério Público, o que denota inclusive falta de interesse de agir, neste ponto. Indefiro, portanto, o pedido.

"2. Ao responsável pelo Condomínio e aos condôminos que adotem as providências necessárias para demolição da garagem náutica/marina e do trapiche, bem como para a retirada de todos os equipamentos que ocupam bens da União naquele local;

3. Ao responsável pelo Condomínio Recanto das Marés que comprove a retirada integral de portões, guaritas ou qualquer forma de obstáculo ao livre e franco acesso à praia, bem público de uso comum do povo, através das vias de circulação, as quais constituem sistema viário público, podendo ser utilizadas por veículos motorizados, pedestres ou outros meios de transporte";

A manutenção dos obstáculos ao acesso à praia não se justificam, ante o notório confronto com a Constituição Federal e demais normas aplicáveis, já analisadas nesta decisão. Com efeito, a apropriação particular e exclusiva de bem público não encontra respaldo em nosso sistema jurídico e deve ser afastada. Não se pode tolerar a permanência de equipamentos sobre a praia e terreno de marinha que inviabilizem o acesso e uso público do local (mesas, cadeiras, quadras de tênis e futebol). Desnecessária, no entanto, de pronto, a retirada dos trapiches, garagens náuticas e das edificações que não estejam impedindo o acesso e uso da praia e também que sejam de grande dimensão, pois não há um potencial dano ao meio ambiente que se possa evitar, neste momento, com a concessão da tutela antecipada. Com efeito, não há perigo de ineficácia dessa medida, se concedida somente ao final, nem, como dito, um dano que se possa evitar por meio de deferimento liminar. Merecem, então, provimento parcial esses pedidos, a fim de que a população possa usufruir de bem de uso comum do povo, inclusive ante o início de mais uma temporada de verão, não se devendo postergar indevidamente a fruição de um direito constitucionalmente garantido.

"4. À FATMA que realize detalhada vistoria em todas as construções e atividades existentes nos processos erosivos e/ou poluidores que sejam constatados, especialmente em se cuidando do sistema de tratamento de efluentes domésticos, cuja execução e eficácia deverão ser comprovadas nos autos";

Da mesma forma que o exposto na fundamentação do item 1 do pedido antecipatório, mostra-se prescindível impor à FATMA a vistoria das construções no local no que respeita ao sistema de tratamento de efluentes domésticos, pois tal determinação já emana da lei. Além disso, as providências genéricas requeridas em sede de antecipação de tutela, embora possam remotamente estar relacionadas com o objeto da presente demanda, não constituem pressuposto para o reconhecimento do pedido de mérito contra a FATMA, tanto que, ao final, sequer são reproduzidas pelo autor. A tutela antecipatória não tem relação de pertinência com o pedido definitivo requerido, tampouco pode ser considerada um de seus efeitos. Por fim, não fosse isso, da narração dos fatos (que versam sobre impedimento de uso da praia e construções em áreas protegidas) não decorre logicamente o pedido de tutela ora formulado, o que implicaria inépcia da inicial. Indefiro, pois, o pedido.

"5. Seja averbada a existência desta ação no Cartório de Registro de Imóveis de Biguaçu, para ciência e para prevenir prejuízos para cidadãos que pretendam adquirir lotes no empreendimento";

No que tange à averbação da existência da presente demanda no registro imobiliário, trata-se de medida preventiva que visa resguardar direito de terceiros, não sendo, também, contrária à Lei n. 6.015/73, haja vista o inciso II do artigo 167 tratar das averbações obrigatórias, não excluindo outras hipóteses, desde que justificado o interesse público. No caso, esse interesse está voltado tanto para evitar maiores degradações por parte de eventuais terceiros que venham adquirir lotes e construir no local, como também para a defesa do interesse desses terceiros, a fim de que tomem conhecimento da presente demanda e de possíveis restrições ao uso do bem.

Ante o exposto:

a) indefiro o litisconsórcio passivo, nos termos do art. 46, parágrafo único, do Código de Processo Civil, e excluo da lide os proprietários dos lotes, extinguindo em relação a eles o processo sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, XI, do mesmo Estatuto Processual; e

b) defiro em parte o pedido de antecipação de tutela para determinar ao Condomínio Recanto das Marés Residence Club que efetue a retirada integral de portões, guaritas ou qualquer forma de obstáculo ao livre e franco acesso à praia pela população, inclusive mediante veículos, motorizados ou não. Deverá o réu, ainda, tomar as medidas necessárias para a demolição e retirada de todos os equipamentos que ocupam a praia e terreno de marinha, exceto o restaurante e alojamento. Prazo: 30 (trinta) dias, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais).

Oficie-se ao Cartório de Registro de Imóveis de Biguaçu para que averbe a existência da presente demanda junto à matrícula dos imóveis referidos às fls. 259/318.

Intimem-se.

Citem-se.

Corrija a Secretaria a autuação para que permaneçam como réus apenas o Município de Governador Celso Ramos, a Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina - FATMA e o Condomínio Recanto das Marés Residence Club.

Florianópolis, 13 de outubro de 2009.

Marjôrie Cristina Freiberger Ribeiro da Silva
Juíza Federal Substituta



JURID - Acesso à praia é livre. [21/10/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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