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quarta-feira, 14 de outubro de 2009

JURID - Responsabilidade civil. Hospital. Recém-nascido. [14/10/09] - Jurisprudência


Responsabilidade civil. Hospital. Recém-nascido. Retinopatia da prematuridade.


Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - TJRS.

Apelação Cível

Nona Câmara Cível

Nº 70030588370

Comarca de Porto Alegre

APELANTE IRMANDADE DA SANTA CASA DE MISERICORDIA DE PORTO ALEGRE

APELADO VITOR KASSIO DE ANCELMO GONCALVES

APELADO GISELIA DE ANCELMO DE OLIVEIRA MARIENSE

RESPONSABILIDADE CIVIL. HOSPITAL. RECÉM-NASCIDO. RETINOPATIA DA PREMATURIDADE. FALHA NO ACOMPANHAMENTO POR OFTALMOLOGISTA. CEGUEIRA SUPERVENIENTE. CARGA DINÂMICA DA PROVA. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. DANOS MATERIAIS E MORAIS.

No caso dos autos, o erro se tipificou basicamente na forma omissiva, qual seja, no fato de não ser providenciado exame oftalmológico no recém nascido prematuro o qual, estatisticamente, seja pelo peso ao nascer, seja pelo tempo gestacional, se inseria entre aqueles com maior incidência da chamada retinopatia da prematuridade, cuja possibilidade de tratamento, com resultados satisfatórios, está ligada ao tempo do diagnóstico em sua fase inicial e a implementação do tratamento necessário, o qual, se não inibe algum defeito visual, pode impedir que se instale a cegueira, como consequência possível e provável de um descolamento de retina total.

A dúvida que não restou esclarecida, e nesse ponto o ônus de provar a correta prestação de serviços seria da ré, é se haveria ou não condições de o menor suportar algum procedimento oftalmológico dadas as suas precárias condições de saúde.

O que é certo é que não houve registro dessa impossibilidade no prontuário e esta condição haveria de resultar de consenso entre os especialistas. E mais ainda, tudo isso pressuponha que houvesse sido no mínimo disponibilizado esse acompanhamento, e isso, sem dúvidas, não aconteceu.

Frisa-se, outrossim, a inexistência de certeza quanto à cura, mas a chance que adviesse, o que, entretanto, não retira a gravidade da doença (retinopatia da prematuridade - ROP) e suas reservas quanto à evolução da visão, sendo que em muitos casos outros prejuízos, tais como miopia, estrabismo são percentualmente significativos no quadro. Típico caso, pois de responsabilidade por perda de uma chance, havendo os danos serem estabelecidos por arbitramento, sopesando-se, sobremaneira, que não se indeniza a cegueira, ou perda da visão, mas sim a perda da oportunidade de cura.

A indenização deve ser graduada tendo em vista a probabilidade da cura, que, como se viu, não se mostrava aleatória.

Perda da chance que se aplica tanto aos danos materiais como aos morais, indenizando-se a probabilidade e não o dano final.

Quantificação dos danos morais. Readequação dos valores, que são reduzidos.

Pensionamento ajustado.

Apelação parcialmente provida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, dar parcial provimento ao apelo da ré.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA (PRESIDENTE) E DES. MÁRIO CRESPO BRUM.

Porto Alegre, 02 de setembro de 2009.

DES.ª MARILENE BONZANINI BERNARDI,

Relatora.

RELATÓRIO

Des.ª Marilene Bonzanini Bernardi (RELATORA)

Trata-se de recurso de apelação interposto por IRMANDADE DE SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE PORTO ALEGRE, nos autos da ação de indenização por dano material permanente c/c dano moral e pedido de antecipação de tutela, que lhe move VITOR KASSIO DE ANCELMO GONÇALVES e GISELIA DE ANCELMO DE OLIVEIRA MARIENSE.

De saída transcrevo o relatório constante da sentença:

VITOR KASSIO DE ANCELMO GONÇALVES, menor impúbere, e GISÉLIA DE ANCELMO DE OLIVEIRA MARIENSE, genitora do autor, propuseram ação de indenização por dano material permanente c/c dano moral e pedido de antecipação de tutela contra SERVIÇO DE OFTALMOLOGIA DO HOSPITAL IRMANDADE SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE PORTO ALEGRE.

Narrou a parte demandante que o autor Vitor nasceu prematuro, em 02 de dezembro de 2002, no Hospital réu, onde a autora Gisélia estava internada. Que o bebê teve diagnóstico, confirmado após poucas semanas de vida, de retinopatia da prematuridade severa ao nascer, necessitando de cuidados especiais. Mencionou que o bebê aguardou leito para cirurgia, a fim de que voltasse a enxergar, até que completasse os 40 dias de vida. Ressaltou que o bebê recebeu alta do hospital aos 108 dias sem que fosse efetuado o procedimento médico para salvar sua visão que, de perfeita, foi comprometida com a retinopatia não tratada. Destacou que a situação clínica do bebê era tão grave que foi motivo de correspondência entre a médica responsável e o Conselho Municipal de Saúde. Argüiu que tão estranhos acontecimentos ensejaram em solicitação ao Chefe do Serviço de Oftalmologia do hospital inquirindo sobre a causa da não realização da cirurgia e que a resposta da assessora jurídica da Santa Casa foi de que o equipamento não existe no Serviço de Oftalmologia, sendo o paciente orientado a buscar o posto de marcação de consultas. Salientou que o Coordenador Júlio Boehl, não satisfeito com as respostas, propôs duas questões: uma sobre a possibilidade de perda ou prejuízo da visão do paciente, devido à demora no atendimento, e a outra, indagando sobre a omissão ocorrida, tendo em vista que, no mesmo ano, o Conselho Municipal de Saúde verificou a existência do equipamento para tal procedimento. Frisou que a cegueira do primeiro autor é completa e incurável por absoluta desídia do responsável, sendo que o gestor público havia pago a cirurgia, provando a ocorrência de ilícito penal típico da parte da demandada. Fundamentou seu pedido de tutela antecipada na necessidade imediata de recursos financeiros para enfrentar e suportar os gastos que advêm da cegueira do primeiro postulante. Provou a 1ª autora que seu sofrimento é tremendo, que provoca mudanças radicais em sua vida. Requereu a total procedência da ação, ou seja, indenização por dano material e moral, em caráter permanente. Solicitou AJG. Juntou documentos.

Aditou em fls. 21/23, a parte autora, a inicial esclarecendo que pretende ser indenizada, no que tange aos danos materiais, na ordem de R$ 1.371.680,00. Quanto aos danos morais, deixou a cargo do Juízo.

Foi deferida a AJG e, indeferido o pedido liminar feito pelo autor, conforme decisão de fls. 28.

Manifestou-se a ré, fls. 34/35, requerendo a regularização do pólo passivo tendo em vista estar indefinido.

Contestou a parte ré em fls. 41/64. Afirmou que as condições da situação, como peso do recém-nascido de 960g e a idade gestacional da co-autora de 27 anos, equivalem a um grau extremo de prematuridade, sendo mais severa a retinopatia. Argüiu que, no interregno da UTI neonatal, o paciente sofreu uma série de complicações decorrentes da imaturidade de seus órgãos vitais. Ressaltou que, à época da internação do bebê co-autor, não era realizado na instituição ré a cirurgia necessária. Frisou não ter havido nenhum pedido de internação para o menino e, muito menos, qualquer pagamento pelo SUS. Mencionou que, decorrido mais de um mês do encaminhamento do paciente ao Banco de Olhos feito pelo Hospital réu, o mesmo ainda não havia se submetido à cirurgia. Entendeu não ter outro destino a demanda que não seja o julgamento de improcedência, tendo em vista a ausência dos pressupostos ensejadores da responsabilidade civil. Invocou o art. 188 do Código Civil para reforçar a inexistência do ato ilícito de sua parte. Insistiu que a obrigação do médico é de meio, assim como a ciência médica tem limites que só poderes divinos poderão suprir. Apresentou jurisprudência no sentido do art. 14, § 3º, I do CDC que exclui a responsabilidade médica ou hospitalar no caso dos autos. No que tange ao quantum indenizatório, argüiu que o mesmo foi transformado em dano hipotético e em lucros cessantes, sem qualquer respaldo fático ou jurídico. Impugnou a pretensão de antecipação de tutela feito pela parte autora. Requereu a improcedência da ação. Solicitou AJG. Juntou documentos.

Replicou a parte autora em fls. 79/82. Argüiu que a ré evita tratar, em sua peça contestacional, sobre o dano permanente e irreversível no primeiro autor e as conseqüências inafastáveis para sua mãe. Afirmou que a ré não apresentou provas para ratificar suas alegações. Requereu oitiva de testemunha.

Foi deferida a produção de provas em despacho de fls. 722.

As partes apresentam quesitos e testemunhas.

Durante a instrução foi prestado depoimento pessoal pela autora e foram inquiridas as testemunhas. Foi deferida a realização de perícia por médico oftalmologista e pediatra, com pagamento pelo Tribunal de Justiça, pois os autores gozam de AJG.

Nomeado perito oftalmológico em audiência, esse não foi intimado para realizar a perícia e as partes não se manifestaram.

O autor agravou decisão que indeferiu a tutela antecipada, sendo a decisão mantida, fl. 857.

O laudo pericial foi apresentado pelo perito-médico, pediatra Eduardo Jaeger, fls. 867/868.

O Hospital demandado concordou com resultado da perícia médica em manifestação de fls. 874/883.

Encerrada a instrução, o debate foi substituído por memoriais.

Em memoriais de fls. 888/896, o réu reiterou que a conduta dos profissionais restou comprovada como correta, não havendo ato ilícito danoso, seja dos médicos ou do hospital, nem nexo causal entre a ação dos profissionais e o acontecido com o paciente. Requereu a total improcedência da ação.

O autor apresentou memoriais nas fls. 898/902. Salientou que, conforme depoimento das testemunhas médicas, ficou registrada, como incontroversa, a irreversibilidade da cegueira do autor. Argüíu, novamente, negligência do corpo médico. Requereu a condenação da ré conforme os pedidos da inicial.

O Ministério Público, em parecer de fls. 905/918, afirma que houve desistência da perícia oftalmológica requerida pelo réu, pois não insistiu na sua realização por ocasião da audiência de fl. 833, quando nomeado o médico que faria a perícia pediátrica, bem como nada requereu quando intimado do laudo pericial juntado e quando do encerramento da instrução. Diz que também não fez qualquer referência à perícia oftalmológica em memoriais, percebendo-se que ficou satisfeito com o laudo do pediatra. Fez análise da prova e se manifestou pela procedência da ação bem como pela antecipação da tutela, embora tenha ela a finalidade de antecipar os efeitos da sentença.

Sobreveio sentença colocando o dispositivo nos seguintes termos:

Em razão do exposto, JULGO PROCEDENTE a ação de indenização proposta por VITOR KASSIO DE ANCELMO GONÇALVES, menor impúbere, e GISÉLIA DE ANCELMO DE OLIVEIRA MARIENSE, sua mãe, contra o HOSPITAL IRMANDADE DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE PORTO ALEGRE.

CONDENO o réu a pagar ao autor Vítor indenização por danos materiais, na forma de pensionamento mensal vitalício, no valor de UM SALÁRIO MÍNIMO mensal federal, no período de 02.12.2002, até 02.12.2020, data em que completará 18 anos de idade e, a partir dessa data, o valor do pensionamento mensal e vitalício passará a ser de DOIS SALÁRIOS MÍNIMOS Federal. Fará jus o autor Vítor ao pagamento de 13º salário sobre o pensionamento fixado.

CONDENO o réu a pagar à autora GISÉLIA indenização por danos materiais, na forma de pensionamento mensal no valor de DOIS SALÁRIOS MÍNIMOS Federal, iniciando em 02.12.2002 até a idade de 70 anos. Não fará jus a autora ao 13º salário, pois não comprovada a existência de vínculo empregatício.

CONDENO o réu a pagar a cada um dos autores indenização por danos morais sofridos no valor correspondente a CEM SALÁRIOS MÍNIMOS Federal, totalizando o valor da indenização em DUZENTOS SALÁRIOS MÍNIMOS Federal.

O valor do salário mínimo é o atual, sendo que sua atualização, a contar desta data, será feita com base no IGP/M-Foro, incidindo juros de mora, desde 02.12.2002, no percentual de 6% ao ano, de 02.12.2002 até a entrada em vigor do novo CCB, em 11.01.2003, data a partir da qual o percentual passa a ser de 12% ao ano.

CONDENO o réu a pagar as custas e despesas processuais, entre elas os honorários do perito que fixo em R$ 1.000,00, bem como os honorários advocatícios do procurador dos autores que fixo em 15% sobre o valor das pensões vencidas, atualizadas, e sobre uma anuidade das pensões vincendas, considerando o trabalho realizado e a demora na tramitação, com base no art. 20, parágrafo terceiro do CPC.

Os valores serão apurados por cálculo aritmético.

Intime-se o réu, por seu representante legal, por mandado, para cumprimento da antecipação da tutela deferida.

Inconformado, apelou o réu.

Em suas razões recursais, alegou que deve ser evidenciado que não houve a inversão do ônus da prova. Salientou que a prova dos autos demonstra de forma luminar que não houve erro médico ou conduta irregular dos profissionais que atenderam ao paciente, como igualmente, se demonstra que todo serviço prestado foi tecnicamente correto e adequado, dentro da melhor medicina e da prática médica prevista na literatura especializada, decorrendo disso, não houve qualquer defeito do serviço, seja médico ou hospitalar que possa caracterizar a responsabilidade civil da ré, seja também pela inexistência do nexo causal entre a ação dos profissionais e o fato acontecido com a paciente. Enfatizou que a prova dos autos, tanto a testemunhal, quanto a pericial e documental, é uníssona em comprovar que em face da gravidade do quadro de extrema prematuridade apresentada pelo recém-nascido, toda conduta médica inicial foi com escopo exclusivo de recuperar, estabilizar e preservar a vida do bebê, haja vista que qualquer outra conduta médica, em razão da gravidade das condições clínicas do prematuro, poderia levá-lo a morte. Sustentou que não tem como ser caracterizada a responsabilidade do hospital que prestou corretamente seus serviços, nem tampouco pode ser verificada ou apontada qualquer ação culposa dos profissionais médicos no atendimento e tratamento do apelado, devendo ser reformada a sentença para eximir o hospital de responder pelo fato havido com o apelado Vitor. Ressaltou que o hospital deve ser eximido do pagamento da pensão em favor da apelada Gisélia. Destacou que a pensão deve ser reduzida pela metade após a data em que o filho completaria vinte e cinco, quando possivelmente constituiria família própria, reduzindo a sua colaboração no lar primitivo. Argumentou que a responsabilidade do hospital resultado do contrato de prestação de serviços médicos firmado com o paciente confirma que a relação estabelecida entre o paciente e o hospital e entre o paciente e o médico é uma relação contratual, incidindo aqui, quanto aos juros moratórios, o previsto no artigo 219 do CPC c/c o artigo 405 do CC, determinando-se o cômputo dos juros moratórios a partir da citação. Colacionou ampla jurisprudência. Assim, pediu provimento para que a sentença seja reformada para que seja eximida de qualquer responsabilidade frente aos fatos narrados na ação ajuizada, pela inexistência de qualquer falha ou defeito na prestação do serviço hospitalar prestado ou mesmo, pela não comprovação de qualquer conduta médica culposa e por serem esses os melhores entendimentos que se coadunam com a atualizada doutrina, jurisprudência e com todo conjunto das provas existentes no feito. Asseverou que caso mantida a condenação sentencial por danos morais, o termo inicial dos juros de mora e da correção monetária deve ser a data da fixação do quantum indenizatório ou então, no mínimo, sejam os juros moratórios fixados a partir da citação e a correção monetária a partir da fixação do quantum indenizatório, devendo a sentença ser reformada quanto a esta questão, eis que aquela decisão fixou juros moratórios a partir da data de nascimento do apelado Vitor.

Não foram ofertadas contrarrazões.

O Ministério Público, neste grau de jurisdição, opinou pelo parcial provimento do recurso.

Vieram conclusos.

É o relatório.

VOTOS

Des.ª Marilene Bonzanini Bernardi (RELATORA)

Eminentes Colegas.

O caso é tormentoso e, a bem de melhor situar o litígio e o universo probatório, peço vênia para transcrever os fundamentos da douta sentença, de lavra da operosa magistrada MUNIRA HANNA, in verbis:

"Postulam os autores indenização por dano material permanente cumulado com dano moral contra o réu, alegando que a criança Vitor nasceu prematuro em 02 de Dezembro de 2002, no Hospital da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, onde a genitora estava internada. Alegam que teve diagnóstico de retinopatia da prematuridade severa ao nascer, dizendo que o diagnóstico foi confirmado após poucas semanas de vida. Como necessitava de cuidados especiais, continuou internado no mesmo hospital. Alegam que foi indicado como paciente típico para cirurgia, a fim de corrigir o problema e voltar a enxergar, dizendo que sua visão era boa ao nascer. Afirmam que a criança aguardou leito para a intervenção cirúrgica que tinha prazo para se realizar até que o bebê completasse quarenta dias de vida. Afirmam que, ao receber alta hospitalar em 20.03.2003, aos 108 dias, sem que fosse efetuado o procedimento médico para salvar sua visão, ressaltando que essa era perfeita ao nascer e foi comprometida com a retinopatia não tratada.

O réu sustenta que a inicial revela contradição, ao dizer que a criança "Recebeu alta do hospital sem que fosse efetuado o procedimento médico para salvar sua visão, que, ao nascer era perfeita e foi comprometida com a retinopatia não tratada". Diz que se evidenciam paradoxais as alegações iniciais que ora sustentam de que a criança teve retinopatia diagnosticada ao nascer, ora que sua visão era perfeita ao nascer.

Esclarece o réu que as causas da retinopatia da prematuridade são multifatoriais, estão ligadas à própria prematuridade do neonato, fundamentalmente ao peso de nascimento e à idade gestacional, isto é, quanto menor a idade gestacional e menor o peso de nascimento, mais severa será a retinopatia. Diz que o recém-nascido apresentava ao nascer peso de 960 gramas e a co-autora idade gestacional de 27 semanas, o que equivale a um grau extremo de prematuridade.

Também afirma que outros fatores estão associados à origem da retinopatia da prematuridade, como os níveis de oxigênio a que os neonatos são submetidos na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTI neonatal), afirmando que o paciente Vitor permaneceu 108 dias na UTI Neonatal da Santa Casa, tendo sido exposto a prolongado período de ventilação mecânica.

Alega o réu que o recém-nascido sofreu uma série de complicações decorrentes da imaturidade de seus órgãos vitais, em razão da prematuridade, todas, adequadamente tratadas, com o fito prioritário de salvar sua vida. Relata que Vitor nasceu em 02.12.2002 e permaneceu em ventilação mecânica até 25.12.2002, em um quadro que foi complicado por sepsis (infecção generalizada), crises compulsivas, entre outras graves intercorrências médicas, o que fez com que o mesmo tivesse um acompanhamento multidisciplinar pneumológico, neurológico, visando ao restabelecimento apropriado de suas condições vitais.

A mãe de Vitor, em depoimento pessoal, fl. 751, confirma que esse nasceu em 02.12.02, de uma gestação de 27 semanas, e permaneceu internado no Hospital da Santa Casa por três meses e dezoito dias, vindo a ser diagnosticado a retinopatia de prematuridade ao receber alta hospitalar. Relata o pouco caso com que foi tratada a situação do autor pelo serviço de Oftalmologia do Hospital réu, o que redundou na cegueira completa e incurável, dizendo que essa poderia ter sido evitada, caso realizada a cirurgia na retina do autor. Alegam desídia por parte do responsável, destacando como fato grave o fato do gestor público já haver pago a cirurgia, provando a ocorrência de de ilícito penal típico. Alega a falta de interesse da ré pelo paciente.

Registro o esclarecimento do réu, quanto ao pagamento da cirurgia pelo Gestor público, ao dizer que "... a leitura correta do texto da conclusão da auditoria, fl. 17, é de que o Gestor Municipal paga por tal procedimento (isto é, está dentro do rol de procedimentos cobertos pelo SUS), mas o mesmo documento atesta, também, inexistir nenhum pedido de internação para o menino Vitor". Concluo que não houve pagamento do procedimento pelo Gestor Municipal, pois não existiu nenhuma internação do autor para tal fim.

De acordo com o réu, em contestação, o menino Vitor nasceu em 02.12.2002 e, tão logo apresentou condições clínicas, pôde ser examinado pela equipe de Oftalmologia da Santa Casa, em 12.03.03, ocasião em que se verificou a retinopatia da prematuridade, confirmada no dia seguinte, 14.03.03. Afasta o réu a hipótese de negligência de sua equipe médico-hospital pelo fato da cirurgia não ter sido realizada no Complexo Hospitalar da Santa Casa. Esclarece o réu, fl. 43, que, no período em que o paciente permaneceu internado, de 02.12.03 a 20.03.03, não foi realizado na Santa Casa cirurgia de vitrectomia, porque o Serviço não reunia as condições técnicas indispensáveis para a realização do procedimento. Destaca que, em 24.09.2003, seis meses após a alta do paciente, foi constatado, por auditoria realizada pelo Gestor Municipal do Sistema Único de Saúde, a existência de vitreógafo, o qual, mesmo nessa época, ainda não estava em funcionamento, o que somente veio a ocorrer no final de 2003.

A alegação do réu é de que, mesmo tendo o aparelho, o Serviço de Oftalmologia do Hospital não realizava o procedimento, dizendo serem necessários instrumentos especiais bem como capacitação técnica da equipe cirúrgica. Por isso, alega que houve o encaminhamento do paciente ao Banco de Olhos em 19.03.2003.

O réu chama a atenção para o fato do co-autor ter permanecido 108 dias na UTI neonatal por não ter condições de sobrevivência por questões outras, dada a imaturidade de todo o seu sistema vital, em especial, o sistema pulmonar e neurológico, que demandavam atenção prioritária. Verifico que a mãe da criança confirma que essa foi mantida com respiração artificial e que o período de tempo era bem controlado, com o médico sempre por perto. Diz também que a criança era muito bem acompanhada e que o respirador era controlado para que essa não tivesse nenhum problema. Atesta o bom atendimento que foi prestado à criança na UTI neonatal.

Como bem destacado pelo representante do Ministério Público, é oportuno mencionar que "... em se tratando de hospital, caracterizado como fornecedor de serviços no Código de Defesa do Consumidor, não se perquire a respeito da culpa, bastando, para efeito de responsabilização civil, a prestação defeituosa do serviço e que dele resulte um evento danoso (art. 14, CDC)".

Passo a analisar a prova dos autos, a fim de verificar se houve falha no atendimento prestado à criança Vitor durante o atendimento recebido no Hospital da Santa Casa.

De acordo com o médico Sérgio Pilla Grossi, fl. 754, representante do réu, chefe do serviço de neonatologia, a prioridade no atendimento do prematuro é mantê-lo com vida antes de qualquer outra coisa. Diz que a respiração é um problema básico e que há uma série de procedimentos a serem observados e o uso do oxigênio é fundamental. Afirma que, assim como esse salva a criança, seu uso também pode trazer problemas, desde lesões pulmonares que ficam crônicas até alterações visuais por deslocamento de retina, o que se chama de retinopatia da prematuridade.

Esclarece o médico Sérgio Grossi, que fez a revisão da situação, que a criança foi atendida corretamente, mas não foi possível fazer um atendimento mais específico da retinopatia, porque a criança ficou muito tempo na UTI com respiradouro, sob oxigênio, sem condições de ser submetida a diversos outros exames que pudessem esclarecer melhor o caso e, a partir daí, também não foi possível a realização de outros procedimentos de que necessitava em condições mais adequadas. Diz que a criança que está no respiradouro não tem condições de sair dali para ir a uma sala de cirurgia e, por isso, não pode fazer nenhum procedimento, sendo mantida com vida.

Segundo o médico, o prematuro com menos de um quilo, com vinte e sete semanas de gestação, é um prematuro de altíssimo risco, primeiro pela sobrevivência, pois são poucos que conseguem sobreviver; segundo, a sobrevivência com uma vida saudável, esclarecendo que, no entanto, esse tipo de seqüelas acontece em todo o mundo. Diz que a avaliação foi feita pelo serviço de oftalmologia que encaminhou a criança ao Banco de Olhos para fazer a cirurgia de retinopatia, pois a Santa Casa, em Janeiro ou Fevereiro de 2003, não estava fazendo essa cirurgia.

A partir do relato do médico Sérgio Grossi, podemos perceber que o atendimento na UTI neonatal procurou manter a criança com vida, fazendo uso de respiradouro, prestando-lhe todo o atendimento para sobreviver. Não relata atendimento pelo serviço de oftalmologia até 12.03.03, afirmando que, somente após essa data houve o atendimento e encaminhamento ao Banco de Olhos, quando diagnosticada a retinopatia de prematuridade, pois o Hospital réu não estava realizando tal cirurgia na época.

O médico Ítalo Mundialino Marcon, chefe do serviço de oftalmologia do Hospital réu, foi inquirido em audiência, fl. 759 e seguintes. Faz a seguinte definição sobre prematuridade, dizendo que é, pela leitura dos prontuários, o quadro clínico apresentado pelo autor, neurológico, infeccioso, que, provavelmente, determinou que ficasse com risco de vida durante todo o tempo em que ficou na UTI. Afirma que o oftalmologista é chamado para acompanhar o caso, quando a criança apresenta condições clínicas. Afirma que o exame oftalmológico foi realizado em 14.04.03 e que foi revisto no dia 15, ocasião em que foi diagnosticada a necessidade de cirurgia. Relata que a criança foi encaminhada ao Banco de Olhos no dia 19.03.03, sendo enviada uma correspondência ao Gestor, para que providenciasse a transferência e o atendimento naquele hospital. Afirma que teve um encaminhamento por uma médica do serviço quatro dias após o diagnóstico, pois o Hospital réu não tinha condições de realizar a cirurgia da prematuridade. Enfatiza que o diagnóstico foi feito só depois que a criança estava em condições de ser examinada. Informa que é o pediatra que tem condições de avaliar a criança e acionar o serviço de oftalmologia, sendo que esse foi acionado em 14.03.03, conforme consta do prontuário, e que, no dia 19.03.03, a criança foi encaminhada ao Banco de Olhos com pedido de urgência ao gestor.

Esclarece o oftalmologista Ítalo Marcon que a retinopatia da prematuridade não ocorre ao nascer, mas, no mínimo, dois meses após. Afirma que o oftalmologista não examina a criança antes da sexta semana de vida, independente das condições clínicas que a criança tenha. Diz que é padrão não examinar essas crianças antes de seis semanas de vida, sendo essa uma rotina mundial. Acredita que o autor não foi examinado antes, porque não tinha condições clínicas, provavelmente, teria risco de vida. Esclarece que o deslocamento da retina é uma evolução do quadro.

Afirma o médico Ítalo Marcon que o oftalmologista vai duas vezes por semana no berçário ver crianças prematuras, dizendo que, se a criança Vitor tivesse condições, teria sido examinada. Em resposta ao questionamento do representante do Ministério Público, se o diagnóstico seria feito após quarenta dias, respondeu que "Essa criança, quando foi vista por nós pela primeira vez, foi feito um diagnóstico de retinopatia".

O depoimento do oftalmologista Ítalo Marcon esclarece a metodologia de trabalho de atendimento aos prematuros que se encontram na UTI do Hospital réu. Fica claro que o serviço de oftalmologia deve ser acionado pelo médico pediatra que atende a UTI neonatal, informando que, quando tal ocorre, o paciente é submetido à avaliação e, como no caso do autor, foi diagnosticada a doença, sendo encaminhado imediatamente para o procedimento adequado. Ou seja, no primeiro momento em que tiveram contato com a criança, foi diagnosticado o problema de retinopatia da prematuridade, com exigência de cirurgia para a solução do caso. Também restou esclarecido que a equipe de oftalmologia vai duas vezes por semana ao berçário ver as crianças prematuras.

A conclusão a que se chega é de que o serviço de oftalmologia não foi acionado no período de seis semanas de vida da criança Vitor. Esse nasceu em 02.12.2002 e foi submetido a exame oftalmológico em 14.03.03, com revisão em 15.03.03 e encaminhamento para cirurgia no Banco de Olhos em 19.03.03.

Observo que, em 11.04.03, o paciente consultou no Banco de Olhos e, em 30.04.03, foi solicitada a realização de cirurgia, fl. 18, porém decorrido mais de um mês da consulta, a cirurgia não foi realizada.

Em análise ao laudo pericial, fl. 867/8, diz o médico pediatra Eduardo Jaeger que "A retinopatia de prematuridade é uma das maiores causas de cegueira infantil e atinge proporções epidêmicas em vários países latinos americanos, incluindo o Brasil". Esclarece que os programas de triagem neonatal foram implantados depois dos anos de 1990 e que as diretrizes Brasileiras para a triagem neonatal foram estabelecidas em 2002. Afirma que foi determinada, então, a triagem neonatal nos prematuros de peso menor ou igual a 1500gr e/ou idades gestacional menor ou igual a 32 (trinta e duas) semanas, sob oftalmoscopia binocular indireta e dilatação das pupilas, entre a quarta e a sexta semana de vida no Centro de Neonatologia. Devem ser repetidas as avaliações de acordo com o estabelecimento da Retinopatia da Prematuridade encontrado ou em função dos fatores de risco identificados para cada paciente.

Afirma o perito que "Os pacientes classificados com retinopatia grau 2(dois) ou 3 (três) deverão realizar exames semanais para garantia de que nenhum caso de doença limiar passe despercebida e sem tratamento (doença limiar: definida classicamente como o momento ideal para o tratamento, a partir do qual o risco de um desfecho funcional não favorável ou de progressão para cegueira ocorre em 50% dos pacientes)".

Sob o ponto de vista do neonatologista, afirma o perito que "... o ideal é realizar o exame oftalmológico até a sexta semana de vida". Analisando o caso do autor, a partir do prontuário do paciente, constatou o perito que "... se tratava de um paciente extremamente grave, ou seja, prematuro extremo, peso de nascimento 960 gramas (baixo peso) que teve graves complicações devido a esta extrema prematuridade, com a ventilação mecânica prolongada, crises convulsivas, sepses, displasia bronco-pulmonar, ductus. Sendo que devido a estas todas complicações, inerentes desta prematuridade extrema, só conseguiu fazer o exame neurológico no dia 14 de março, com 14 semanas de vida quando relatam que foi possível ser sedada e manipulada, e não sendo possível ser examinada antes".

A partir do prontuário, diz o perito que não existe informação de que o paciente estivesse cego na sexta semana de vida; consta o exame do paciente em 13.03.03, ocasião em que o oftalmologista diagnosticou a retinopatia; constatada essa, houve o imediato encaminhamento ao Banco de Olhos; o paciente foi avaliado no dia 13 e 14 de março na Santa Casa; dia 18 de março houve conversa com a mãe para avaliar possibilidade de antecipar a cirurgia; dia 19 de março consta que o médico oftalmologista decidiu realizar cirurgia após a alta; dia 20 de março o paciente tem alta e é encaminhado à cirurgia pediátrica e ao oftalmologista; na página 9 do processo consta em receituário que o paciente foi encaminhado com urgência ao Posto de Saúde para que este fosse encaminhado com urgência ao Banco de Olhos por apresentar descolamento total da retina e retinopatia da prematuridade grau 3. Na mesma página consta que foi atendido dia 28 de março no Hospital Petrópolis pelo Dr. Ricardo Nunes.

Esclarece o perito que é responsabilidade do Hospital e do médico encaminhar o paciente a outro hospital para realização do procedimento se neste hospital não tem condições de ser realizado.

Em análise ao depoimento do médico oftalmologista Ricardo Rodrigues Nunes, que atendeu a criança Vitor no Banco de Olhos, fl. 838, foi dito que "Ele chegou com descolamento total de retina, onde o único tratamento seria uma cirurgia com uma chance muito pequena de tentar dar algum grau de melhora". Esclareceu na fl. 834 que o prematuro, dependendo da idade que nasça e o baixo peso, ele pode desenvolver uma alteração no fundo do olho que se chama retinopatia da prematuridade que tem vários estágios, de um a cinco. Diz que, nos dois primeiros estágios só se faz observação e, a partir do estágio três, dependendo das características do fundo do olho, pode-se fazer laser ou, ainda, observar um pouco. Afirma que, normalmente, a partir do estágio três já se faz tratamento com laser para prevenir o deslocamento da retina. Esclarece que o tipo de tratamento depende muito de cada paciente, dizendo que é muito particular de cada caso. Afirma que, quando diz que não tem o que fazer é porque a criança está no estágio cinco que é o deslocamento total da retina. Diz que, em alguns casos, se opera e, em outros, não, afirmando que as chances de recolar a retina são muito pequenas.

Ao analisar a rotina de atendimento de um prematuro, afirma o médico Ricardo Nunes, fl. 837, que ao nascer prematuro, ele vai para o setor de recuperação e vai fazer exames periódicos. Diz que o oftalmologista vai e faz os exames periódicos e vai cadastrando a retinopatia de cada prematuro de 1 a 5. Então vai sendo monitorado, com monitorações periódicas. Na hora em que chegou no estágio 3, tem que ser encaminhado para tratamento, dizendo que este é o protocolo normal. Pela rotina médica, afirma que o prematuro tem que ser examinado regularmente e acompanhado. Diz que, na hora em que chegar no estágio que se chama proliferativo, acima de tantos graus de proliferação, a indicação é laser.

Concluo, através do depoimento do médico oftalmologista Ricardo Nunes que o prematuro deveria ter sido examinado e acompanhado por oftalmologista, enquanto permaneceu na UTI neonatal, o que não ocorreu. Como afirma o representante do Ministério Público, fl. 912, "No caso, ficou evidente que este monitoramento não ocorreu. O bebê somente foi examinado pela equipe de oftalmologia da Santa Casa no mês de março, quatro meses após o parto. A esta altura, a perda da visão já era irreversível".

Em resumo, afirma o Ministério Público que "... não houve monitoramento permanente de um oftalmologista, não houve intercâmbio de informações entre o oftalmologista e o neonatologista, como também não houve a aferição do momento em que o tratamento da retinopatia teria que ser feito, sob pena de o bebê perder a visão".

Pela prova produzida, bem afirma o Ministério Público que "Não há prova efetiva nos autos de que Vítor não pudesse ter tido o acompanhamento oftalmológico necessário, considerando que, como já dito antes, era ele prematuro e a retinopatia é uma complicação freqüente nos bebês que nascem antes do tempo".

Comprovado nos autos que não houve o devido acompanhamento do prematuro Vítor por oftalmologista, enquanto estava internado na UTI neonatal da Santa Casa, resta provado o atendimento defeituoso do requerido, cabendo a esse, como fornecedor de serviços, responder pelos danos causados ao paciente, independentemente da existência de culpa, por defeito relativos à prestação dos serviços por seus prepostos, conforme dispõe o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor.

Observo que o Hospital, ao dispor de um corpo de médicos, seus empregados, assume a obrigação de prestar serviços médicos e, por isso, responde por atos culposos dos mesmos ou, ainda, por atos de seu pessoal auxiliar, respondendo na forma do art. 932, III, do CCB, que assim dispõe: "São também responsáveis pela reparação civil: III- o empregador, ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele".

Nos termos do art. 14 do CDC, a responsabilidade civil do hospital é de ordem objetiva, não cabendo investigação de culpa de seus prepostos. Diz o art. 14 do CDC que

"Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes, ou inadequadas sobre suas função e riscos.

§ 3º - O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I- que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II- a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro".

Observo que o atendimento da pediatria da UTI neonatal do Hospital réu foi muito bom, pois resultou na preservação da vida do paciente Vítor, o que também foi constatado pela própria mãe da criança. A deficiência de seu serviço, que restou provada, foi quanto à não-adoção dos procedimentos recomendados para o tratamento da retinopatia de prematuridade que contribuiu para a cegueira da criança Vítor.

Verifico que o réu não se desincumbiu de provar que era absolutamente impossível que Vítor fosse submetido a exames oftalmológicos, enquanto se encontrava na UTI neonatal, como bem afirma o Ministério Público, o que lhe incumbia, como dispõe o § 3º do art. 14 do CDC.

Em razão do exposto, procedem os pedidos de indenização por danos materiais e morais, de forma cumulada, formulados pelos autores na inicial.

Quanto aos danos materiais, restou plenamente provado que existiram, pois a criança Vítor teve perda total da visão que é irreversível, devendo ser indenizado na forma do art. 950 do CCB/02. Os danos causados devem ser indenizados através de pensionamento mensal vitalício, no valor de UM SALÁRIO MÍNIMO mensal federal, no período correspondente à data de seu nascimento, ocorrido em 02.12.2002, até 02.12.2020, data em que completará 18 anos de idade. Esse valor deverá corresponder ao atendimento de suas necessidades básicas, sendo que, aumentando as suas exigências a partir dessa idade, o pensionamento passará a ser de DOIS SALÁRIOS MÍNIMOS Federal, fazendo jus a ele enquanto viver. Observo que o pensionamento deverá servir para atender às suas necessidades básicas e não para desestimulá-lo à prática profissional. Apesar da cegueira irreversível, entendo que Vítor poderá desenvolver suas outras potencialidades, o que hoje já podemos constatar em nossa sociedade. O objetivo do pensionamento é justamente de proporcionar-lhe condições de inserção na sociedade e não de exclusão.

Quanto ao pensionamento à mãe da criança Vítor, observo que ela trabalhava como faxineira, sem vínculo empregatício, não restando provado documentalmente seus rendimentos. Por isso, adoto a média de valor que usualmente é paga por esse tipo de trabalho, o que leva a concluir que poderia estar percebendo, se pudesse desempenhar seu trabalho, rendimentos em torno de dois salários mínimos federal. Constato que a autora dependia de seu trabalho para sustento próprio e de seus filhos e que ficou impossibilitada de trabalhar em razão da dependência de seu filho Vítor, decorrente de sua perda visual. Conforme declaração de fl. 27, a autora Gisélia recebe pensão alimentícia de seu ex-marido, pai de dois de seus filhos, no valor de R$ 200,00, que não serve para atendimento de todas as necessidades desses dois filhos, quanto mais de toda a família. Por isso, dependia de seu trabalho para o sustento de sua prole.

Não há como negar a dificuldade financeira enfrentada pela autora Gisélia, uma vez que o seu filho Vítor necessita de atendimento e vigilância constante, em razão da perda de visão. Por isso, entendo cabível o pagamento de pensão mensal pelo requerido, no valor de DOIS SALÁRIOS MÍNIMOS Federal, levando em conta a remuneração que a autora poderia perceber por seu trabalho de diarista, se não tivesse impossibilitada de fazê-lo em razão da deficiência visual de seu filho. Não fará jus a autora ao 13º salário, pois não comprovada a existência de vínculo empregatício.

Em razão do tempo de vida estimado à população gaúcha, o pagamento da pensão a que a autora faz jus, deverá ser pago desde o nascimento de Vítor em 02.12.2002 até a idade de 70 anos da autora Gisélia.

Quanto ao pedido de indenização por dano moral, procede o pedido dos autores, pois não há dúvida quanto ao abalo moral sofrido, registrando ainda que esse persistirá enquanto Vítor viver, pois a cegueira o acompanhará por toda a vida. Como bem afirmado pelo Ministério Público, "... o abalo moral prescinde de prova, é o dano in re ipsa, inerente ao próprio fato ocorrido". Tanto Vítor como sua mãe tem legitimidade para postular a indenização por danos morais. Não há como negar o sofrimento e o abalo moral em suas vidas decorrente do fato ocorrido.

Cumpre, no entanto, destacar que o valor da indenização não deverá proporcionar enriquecimento ilícito aos autores, mas tão-só indenizá-los pela dor, pelo sofrimento. Porém o valor não poderá ser tão pouco, pois tem o objetivo de desestimular o ofensor à prática de ações da mesma natureza.

Observo, para a quantificação da indenização por dano moral, que deve ser levada em conta a situação financeira dos autores, assim como o abalo moral sofrido que persistirá em suas vidas, bem como o potencial econômico do réu, destacando, no entanto, o caráter assistencial do serviço que presta à comunidade. Por isso, entendo como suficiente o pagamento pelo réu de indenização por dano moral a cada um dos autores no valor correspondente a CEM SALÁRIOS MÍNIMOS Federal, totalizando o valor da indenização em DUZENTOS SALÁRIOS MÍNIMOS Federal.

Tratando-se de verba alimentar e necessária ao suprimento das necessidades básicas e urgentes dos autores, entendo presentes os requisitos ensejadores da antecipação da tutela pretendida, com base no art. 273 do CPC. Por isso, CONCEDO a antecipação da tutela pretendida pelos autores e DETERMINO ao réu que, de imediato, independente do trânsito em julgado da decisão, pague, mensalmente, aos autores o valor correspondente ao pensionamento fixado acima, ou seja, DOIS SALÁRIOS MÍNIMOS Federal à autora e UM SALÁRIO MÍNIMO Federal ao autor Vítor. Para o caso de descumprimento, fixo a multa diária de R$ 150,00, com limite de R$ 4.500,00."

No caso dos autos, conforme bem apreendido pela douta magistrada, o erro se tipificou basicamente na forma omissiva, qual seja, o fato de não ser providenciado exame oftalmológico no recém nascido prematuro o qual, estatisticamente, seja pelo peso ao nascer, seja pelo tempo gestacional, se inseria entre aqueles com maior incidência da chamada retinopatia da prematuridade, cuja possibilidade de tratamento, com resultados satisfatórios, está ligada ao tempo do diagnóstico em sua fase inicial e a implementação do tratamento necessário, o qual, se não inibe algum defeito visual, pode impedir que se instale a cegueira, como consequência possível e provável de um descolamento de retina total.

Segundo Viviane Levy Lermann, em dissertação de mestrado em medicina pediátrica sobre o tema - Retinopatia da Prematuridade, em 2006, junto a UFRGS(1):

"(...)

1.5 - Incidência

A ROP(2) é inversamente proporcional à idade gestacional e ao peso ao nascimento.

Um terço dos RN(3) com peso de nascimento inferior a 1.500g pode apresentar ROP. Dos nascidos com peso inferior a 1.251g, 65,8% podem desenvolver ROP, enquanto que, dos recém-nascidos com peso inferior a 1.000g, 81,6% podem desenvolver a doença. Dos RN com peso entre 1.000 - 1.500g, 2,2% desenvolverão alterações cicatriciais como complicações da ROP e 0,5% ficarão cegos (Allinsson, 2002). (...)"

A mesma autora registra que o diagnóstico precoce é fator crucial e determinante no grau de sucesso da intervenção, "pois o prognóstico não depende apenas do grau de acometimento da lesão, mas também da época do diagnóstico e tratamento."

E o exame, segundo consenso na literatura, deve ser realizado até a sexta semana de vida por oftalmologista capacitado, permanecendo o prematuro em acompanhamento rotineiro pelo profissional até a completa vascularização da retina.

Registra a profissional que para o exame inicial é necessário uma midríase adequada, vale dizer, dilatação da pupila, através do uso de colírios, não acarretando o exame riscos para o paciente, podendo ser realizado dentro da própria incubadora em que se encontra o recém-nascido, na UTI Neonatal, dispensando sedação.

A sedação, por óbvio, se fará necessária em casos da necessidade de intervenção corretiva, evitando a evolução do quadro com o total descolamento da retina, como foi o caso dos autos.

O que se observa, pois, que ao recém-nascido foi retirada a chance de tratamento curativo ou, no mínimo, mitigador, já que os registros médicos não apontam que houvesse sido oportunizado no mínimo o exame oftalmológico inicial, que já se sabe de rotina nas UTIs neonatais, tanto que o próprio médico responsável assim declarou por ocasião de seu depoimento.

Quando o exame foi realizado, pelo que se viu, já havia um grau de descolamento que reduzia a um percentual ínfimo as chances de preservação da visão.

Por certo que há se considerar que as condições do menino, nascido com peso inferior a 1Kg, e com 27 semanas de gestação, por si só, já o incluíam em um percentual estatístico de risco, já que, consoante literatura, tais dados o inseriam nos mais de 80% que tendem a desenvolver a doença, e nesse percentual com risco de se alcançar a pior das conseqüências desta, qual seja, a cegueira.

Outras variantes certamente em muito influenciaram, já que a necessidade de oxigenação mecânica, com o fito de salvar a vida, em muito agrava os riscos de lesões da espécie, e pelo prontuário, no quanto inteligível, a ventilação mecânica se estendeu por quase três meses (fl. 577, registra retirada de oxímetro no dia 22/02/03).

A dúvida que não restou esclarecida, e nesse ponto o ônus de provar a correta prestação de serviços seria da ré, é se haveria ou não condições de o menor suportar algum procedimento oftalmológico dadas as suas precárias condições de saúde.

O que é certo é que não houve registro dessa impossibilidade no prontuário e esta condição haveria de resultar de consenso entre os especialistas. E mais ainda, tudo isso pressuponha que houvesse sido no mínimo disponibilizado esse acompanhamento, e isso, sem dúvidas, não aconteceu.

Perfeitamente aplicável, portanto, a teoria da perda de uma chance, que surge na doutrina da responsabilidade civil justamente para determinar a existência do dever de indenizar quando, em que pese a impossibilidade de comprovar um nexo de causalidade entre a conduta e o dano, estiver demonstrado que o réu deixou de empreender todas as diligências possíveis para minimizar a possibilidade de ocorrência do evento danoso.

Segundo Sérgio Savi, fazendo uma tradução livre dos ensinamentos do italiano Adriano De Cupis:(4)

"A vitória é absolutamente incerta, mas a possibilidade de vitória, que o credor pretendeu garantir, já existe, talvez em reduzidas proporções, no momento em que se verifica o fato em função do qual ela é excluída: de modo que se está em presença não de um lucro cessante em razão da impedida futura vitória, mas de um dano emergente em razão da atual possibilidade de vitória que restou frustrada."

E prossegue, dizendo, à luz do entendimento de De Cupis que a chance de vitória, por certo, sempre terá valor menor que a vitória futura, o que se reflete no montante da indenização, tanto que nem todos os casos de perda de chance são indenizáveis. Citando o também italiano Bocchiola(5), refere que se trabalha com um juízo de probabilidade, já que "o provável e o aleatório, apesar de conceitos absolutamente distintos e quase contrapostos, não são sempre bem definidos em seus limites", não sendo problema de natureza, mas de graduação.

E assim menciona para justificar a inserção da indenização por perda de uma chance como danos emergentes, e não lucros cessantes, pois nestes se têm a certeza do dano, ou do resultado, e na chance se têm a probabilidade, já que a demonstração do resultado efetivo que se obteria com a conduta imputada é indemonstrável.

Contudo, a confusão classificatória, tanto na doutrina como na jurisprudência brasileiras persistem, como menciona Sérgio Savi, não sendo poucos os julgados que muitas vezes aplicam a teoria mais como um agregador do dano moral.

E em se tratando de aplicação na área médica, segundo a doutrina italiana, no pensamento de Bochiola, há que se atentar que a chance preexista, sem que se possa ter certeza do resultado favorável, no caso, a cura, ou do desfavorável, no caso, a morte, que seriam decorrentes do ato lesivo imputado.(6)

No direito brasileiro, a aplicação da teoria, francesa por nascimento, e em cuja escola tem se norteado seus defensores, têm encontrado mais e mais adeptos e seguidores, inclusive na jurisprudência, tendo sido os gaúchos novamente precursores. De voto proferido pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior(7), conquanto vencido em outros aspectos, extrai-se os ensinamentos de Geneviève Viney, arguta defensora da responsabilização:

"(...) o caráter futuro do dano não se constitui em empecilho para que se admita a responsabilidade civil, sendo comum nos casos de danos contínuos, como na indenização por incapacidade física, ou por morte do obrigado a prestar alimentos, etc. A oportunidade, a chance de obter uma situação futura é uma realidade concreto, ainda que não o seja a real concretização dessa perspectiva; é um fato do mundo, um dado da realidade, tanto que o bilhete de loteria tem valor, o próprio seguro repousa sobre a idéia de chance. A dificuldade de sua avaliação não é maior do que avaliar o dano moral pela morte de um filho, ou o dote devido à mulher agravada em sua honra (art. 1548 do CC). É preciso, porém, estabelecer linhas limitadores: a chance deve ser real e séria; o lesado estar efetivamente em condições pessoais de concorrer à situação futura esperada; deve haver proximidade de tempo entre a ação do agente e o momento em que seria realizado o ato futuro; a reparação deve necessariamente ser menor do que o valor da vantagem perdia (Viney, Geneviève, La responsabilité, in Traité de Droit Civil, Jacques Ghestin, LGDJ, 1982, 341 e seguintes).

A respeito da aplicação da teoria, permito-me trazer também a doutrina de Sílvio de Salvo Venosa:

Quando vem a baila o conceito de chance, estamos em face de situações nas quais há um processo que propicia uma oportunidade de ganhos a uma pessoa no futuro. Na perda da chance ocorre a frustração na percepção desses ganhos. A indenização deverá fazer uma projeção dessas perdas, desde o momento do ato ou fato jurídico que lhe deu causa até um determinado tempo que pode ser uma certa idade para a vítima, um certo fato ou a data da morte. Nessas hipóteses, a perda da oportunidade constitui efetiva perda patrimonial e não mera expectativa. O grau de probabilidade é que fará concluir pelo montante da indenização (Noronha, 2003:666)(8).

Sobre o nexo da causalidade na responsabilidade civil, a teoria acolhida em nosso país é a da causalidade adequada, a teor do que dispõe o art. 403 do Código Civil, in verbis: "Ainda que a inexecução resulte do dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato". Ressalta-se, no ponto, que "efeito direto e imediato" não indica necessariamente a causa temporalmente mais ligada ao evento, mas sim a mais direta, a mais adequada a produzir concretamente o resultado danoso. Logo, no âmbito da responsabilidade civil, nem todas as condições que contribuíram para o evento são equivalentes, (como ocorre com a responsabilidade penal), mas somente aquela que foi a mais idônea a produzir o resultado. Por aplicação do artigo 402, do CC, firmado o princípio da reparação integral, não há como se negar a inclusão da reparabilidade dos danos emergentes, assim se qualificando, segundo a doutrina majoritária os danos decorrentes da perda de uma chance.

Judith Martins-Costa(9), que admite a aplicação da teoria também nos casos de responsabilidade civil médica, não vislumbrando óbice na leitura do dispositivo citado, em comentários ao artigo 403, do CC, assim se posiciona:

"Embora a realização da chance nunca seja certa, a perda da chance pode ser certa. Por estes motivos não vemos óbice à aplicação criteriosa da teoria. O que o art. 403 afasta é o dano meramente hipotético, mas se a vítima provar a adequação do nexo causal entre a ação culposa e ilícita do lesante e o dano sofrido (a perda da probabilidade séria e real), configurados estarão os pressupostos do dever de indenizar."

Nesse sentido Rafael Pettefi da Silva, em obra específica, também se posiciona.

Igualmente Miguel Kfouri Neto, de cujas lições me valho mais especificamente no que tange à quantificação dos danos, que se dá por arbitramento, na linha do pensamento de Judith Martins-Costa, com escudo nas lições de Araken de Assis(10).

E nesse sentido têm-se os seguintes julgados, destacando-se que no primeiro a quantificação foi remetida à liquidação, e no segundo, o arbitramento se fez judicialmente:

RESPONSABILIDADE CIVIL. FALHA DO ATENDIMENTO HOSPITALAR. PACIENTE PORTADOR DE PNEUMONIA BILATERAL. TRATAMENTO DOMICILIAR AO INVÉS DE HOSPITALAR. PERDA DE UMA CHANCE. 1. E RESPONSÁVEL PELOS DANOS, PATRIMONIAIS E MORAIS, DERIVADOS DA MORTE DO PACIENTE, O HOSPITAL, POR ATO DE MÉDICO DE SEU CORPO CLÍNICO QUE, APÓS TER DIAGNOSTICADO PNEUMONIA DUPLA, RECOMENDA TRATAMENTO DOMICILIAR AO PACIENTE, AO INVÉS DE INTERNÁ-LO, POIS, DESTE MODO, PRIVOU-O DA CHANCE (PERTE D'UNE CHANCE) DE TRATAMENTO HOSPITALAR, QUE TALVEZ O TIVESSE SALVO. 2. APELAÇÃO PROVIDA. VOTO VENCIDO. (Apelação Cível Nº 596070979, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Araken de Assis, Julgado em 15/08/1996).

RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. IMPROPRIEDADE DE PERGUNTA FORMULADA EM PROGRAMA DE TELEVISÃO. PERDA DA OPORTUNIDADE.

1. O questionamento, em programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade.

2. Recurso conhecido e, em parte, provido.

(REsp 788.459/BA, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 08.11.2005, DJ 13.03.2006 p. 334)

Assentado, pois, o fundamento da responsabilização da demandada, pelo descumprimento de obrigação fundamental do contrato pactuado, qual seja, de atendimento célere e utilização de meios recomendáveis à situação que se vislumbrava, privando com sua desídia a chance de cura do paciente, consignado pelos médicos que o atendimento é tanto ou mais efetivo quanto mais precoce, sendo que o retardo, certamente, eleva as chances já débeis de sucesso.

Frisa-se, outrossim, a inexistência de certeza quanto à cura, mas a chance que adviesse, o que, entretanto, não retira a gravidade de sua doença (retinopatia da prematuridade - ROP) e suas reservas quanto à evolução da visão, sendo que em muitos casos outros prejuízos, tais como miopia, estrabismo são percentualmente significativos no quadro. Típico caso, pois de responsabilidade por perda de uma chance, havendo os danos serem estabelecidos por arbitramento, sopesando-se, sobremaneira, que não se indeniza a cegueira, ou perda da visão, mas sim a perda da oportunidade de cura.

Com esses parâmetros, não vejo como sustentar o estabelecimento de pensionamento como se a cura fosse certa, e a cegueira conseqüência direta do descumprimento da obrigação de atendimento. A indenização deve ser graduada tendo em vista a probabilidade da cura, que, como se viu, não se mostrava aleatória.

Na ausência de outros parâmetros, estimo essa probabilidade em 75%, pelo que restrinjo redimensiono as verbas indenizatórias fixadas pela magistrada, notadamente as atinentes ao pensionamento.

Sinalo, outrossim, que não desconheço o entendimento jurisprudencial e doutrinário que pugna no sentido da não-indenizabilidade dos danos materiais, "exatamente pelo fato de não se ter certeza de que o paciente sobreviveria,"(11) contudo, tenho que a proporcionalidade das probabilidades não inibe a indenização também por danos materiais, sob pena de se sobrepujar a qualificação de dano emergente, transformando a indenização pela perda da chance em mero agregador da quantificação dos danos morais.

Havia uma grande probabilidade que pelo menos a visão ainda que parcialmente se recuperasse, o que certamente já mudaria o curso da história de vida do prematuro.

Registro, no sentido do cabimento da aplicação também em se tratando de danos materiais, o seguinte acórdão emanado do STJ, sendo relatora a Ministra Nancy Andrighi:

PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE DE ADVOGADO PELA PERDA DO PRAZO DE APELAÇÃO. TEORIA DA PERDA DA CHANCE. APLICAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. ADMISSIBILIDADE. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. NECESSIDADE DE REVISÃO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7, STJ. APLICAÇÃO.

- A responsabilidade do advogado na condução da defesa processual de seu cliente é de ordem contratual. Embora não responda pelo resultado, o advogado é obrigado a aplicar toda a sua diligência habitual no exercício do mandato.

- Ao perder, de forma negligente, o prazo para a interposição de apelação, recurso cabível na hipótese e desejado pelo mandante, o advogado frusta as chances de êxito de seu cliente. Responde, portanto, pela perda da probabilidade de sucesso no recurso, desde que tal chance seja séria e real. Não se trata, portanto, de reparar a perda de "uma simples esperança subjetiva", nem tampouco de conferir ao lesado a integralidade do que esperava ter caso obtivesse êxito ao usufruir plenamente de sua chance.

- A perda da chance se aplica tanto aos danos materiais quanto aos danos morais.

- A hipótese revela, no entanto, que os danos materiais ora pleiteados já tinham sido objeto de ações autônomas e que o dano moral não pode ser majorado por deficiência na fundamentação do recurso especial.

- A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial. Aplicação da Súmula 7, STJ.

- Não se conhece do Especial quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles. Súmula 283, STF.

Recurso Especial não conhecido. (grifo nosso)

(RESP Nº 1.079.185 - MG)

Consigno, ainda, que dada a irrepetibilidade dos alimentos, não vejo como compensar parcelas já pagas com parcelas futuras.

O pensionamento estabelecido, como já dito, merece ajustamentos, sopesando-se as dificuldades que sobrevieram, a chance de cura perdida, pelo que já de antemão se deixa consignado que a indenização repõe em parte os danos, mas certamente não de todo.

Por primeiro, o termo inicial do pensionamento em favor da mãe, por óbvio, não deve ser a data do nascimento do filho, que, aliás, permaneceu quase quatro meses hospitalizado, mas sim apenas a data de sua alta.

De outro lado, o objetivo do pensionamento é proporcionar cuidados ao filho enquanto menor, já que portador de necessidades e educação especiais, de modo que, ainda com limitações severas venha a se integrar socialmente, justificando-se pois a remuneração mínima da mãe para que possa a esse dispensar esses cuidados, o que pressupõe certamente reservas quanto a sua atuação laborativa, justificando o estabelecimento de verba em seu favor, em que pese limitada.

Nesse prisma, e tendo em conta que a autora não comprovou o exercício de atividade remunerada, o pensionamento deve se restringir a um salário mínimo mensal, cessando na data em que, em tese, poderia o menor iniciar atividade laborativa, qual seja, quatorze anos, desvinculando-se ainda que em parte dos cuidados da mãe.

Ao menor também, desde a alta médica justifica-se o pagamento de pensionamento, e no montante também de um salário mínimo, somente sendo majorado para dois a partir dos quatorze anos, quando iniciaria hipoteticamente atividade laborativa. Ou seja, pelas necessidades especiais, percebe um salário mínimo desde a data da alta médica, passando a dois salários mínimos, a contar dos quatorze anos de idade, e de forma vitalícia, sustando-se nessa época o pensionamento à mãe.

Sendo o pensionamento ajustado em razão das necessidades especiais do filho, e não elevado o valor, apenas melhor equacionado entre os autores, não se tipifica reformatio in pejus.

As parcelas vencidas deverão ser pagas com atualização monetária desde cada vencimento e com juros de mora a contar da citação, dado o fato de se tratar de responsabilidade contratual.

Há necessidade da constituição de fundo de molde a garantir a renda, que, no caso, poderá ser substituída pela inclusão dos autores em folha de pagamento.

No que concerne aos danos morais, observadas as idênticas premissas e sopesando que não se está indenizando a cegueira, mas a dor e indignação pela perda da chance de preservação da visão, tenho que a quantificação da magistrada se mostrou adequada, merecendo, entretanto, pequeno ajuste no que tange à incidência dos juros moratórios, os quais, consoante entendimento sacramentado nesta Câmara, objetivando maior transparência ao valor de indenização e valorando analogicamente a regra contida no artigo 407, do CC, devendo o termo inicial ser estabelecido na data do arbitramento, qual seja, da sentença, termo inicial também da incidência de correção monetária sobre o valor em espécie.

Voto, pois, pelo parcial provimento do apelo da ré.

Des. Mário Crespo Brum (REVISOR) - De acordo.

Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira (PRESIDENTE) - De acordo.

DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA - Presidente - Apelação Cível nº 70030588370, Comarca de Porto Alegre: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DA RÉ.

UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: MUNIRA HANNA

Publicado em 18/09/09



Notas:

1 - http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/8492 [Voltar]

2 - ROP = Retinopatia da Prematuridade [Voltar]

3 - RN = Recém Nascidos [Voltar]

4 - SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006, p. 11. [Voltar]

5 - SAVI, Sérgio. Op. Cit. P.14. [Voltar]

6 - Ibidem p. 24. [Voltar]

7 - REsp 57.529, STJ, 07/11/95. [Voltar]

8 - VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 5ª edição. São Paulo: Atlas, vol. 4, . 41/42. [Voltar]

9 - MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil, v. V, tomo II: Do inadimplemento das Obrigações, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 362. [Voltar]

10 - MARTINS-COSTA, Judith. Os danos à pessoa no direito brasileiro e a natureza de sua reparação, in A reconstrução do Direito Privado, São Paulo, RT, 2002, p.35. [Voltar]

11 - KFOURI NETO, Miguel. Culpa Médica e ônus da prova: presunções, perda de uma chance, cargas probatórias dinâmicas, etc. São Paulo, RT, 2002, p. 118. [Voltar]




JURID - Responsabilidade civil. Hospital. Recém-nascido. [14/10/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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