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segunda-feira, 5 de outubro de 2009

JURID - Responsabilidade civil. Ação de indenização por danos morais [05/10/09] - Jurisprudência


Responsabilidade civil. Ação de indenização por danos morais. Município. Autorização para utilização de túmulos aparentemente abandonados para outros sepultamentos.
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Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC.

Apelação Cível n. 2009.035348-9, de Balneário Piçarras

Relator: Des. Luiz Cézar Medeiros

JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE - PROVA EXCLUSIVAMENTE DOCUMENTAL - CERCEAMENTO DE DEFESA - INOCORRÊNCIA

O Magistrado pode e deve exercer juízo crítico e aceitar como suficientes as provas documentais apresentadas, dispensando as outras, quando a tendência é que a lide seja julgada antecipadamente, conforme o previsto pelo Código de Processo Civil, art. 330, inc. I.

RESPONSABILIDADE CIVIL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - MUNICÍPIO - AUTORIZAÇÃO PARA UTILIZAÇÃO DE TÚMULOS APARENTEMENTE ABANDONADOS PARA OUTROS SEPULTAMENTOS - AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO ÀS FAMÍLIAS DOS FINADOS - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - CF, ART. 37, § 6º - DANO MORAL - OCORRÊNCIA

1 O Município tem o dever de ressarcir os danos a que deu causa ou deveria evitar. A responsabilidade é objetiva (CF, art. 37, § 6º) e dela somente se exonera o ente público se provar que o evento lesivo foi provocado por culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, caso fortuito ou força maior.

2 A autorização da Municipalidade para a utilização de túmulos aparentemente abandonados para outros sepultamentos sem a devida comunicação às famílias dos finados configura ilegalidade passível de ser indenizada.

3 Na fixação do valor dos danos morais deve o Julgador, na falta de critérios objetivos, estabelecer o quantum indenizatório com prudência, de modo a que sejam atendidas as peculiaridades do caso e a repercussão econômica da reparação, devendo esta guardar proporcionalidade com a gravidade do evento e das suas consequências.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2009.035348-9, da Comarca de Balneário Piçarras (2ª Vara), em que são apelantes e apelados Aderli Alaide Bastos e outro e o Município de Penha:

ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Público, por votação unânime, negaram provimento aos recursos. Custas na forma da lei.

RELATÓRIO

Aderli Alaide Bastos e Patrycia Godry ajuizaram ação de indenização por danos morais contra o Município de Penha, aduzindo que: (a) o réu expediu autorização para que os túmulos do cemitério público municipal abandonados há mais de 5 anos fossem utilizados para novos sepultamentos; (b) o túmulo do avô da segunda autora, que havia sido enterrado juntamente com a sua avó, foi aberto e lá foi enterrada a mãe da primeira autora; (c) as famílias não foram comunicadas do procedimento; (d) o acontecimento lhes trouxe profundo abalo moral, seja pela violação dos restos mortais do avô de Patrycia Godry, seja pela necessidade de remoção do corpo da mãe de Aderli Alaide Bastos para realização de novo sepultamento, em outro local.

Em julgamento antecipado, o Meritíssimo Juiz julgou procedente a pretensão inicial. Consta da parte dispositiva da sentença:

"De todo o exposto e do que mais dos autos consta JULGO PROCEDENTE PARA:

"A) CONDENAR o requerido ao pagamento de R$ 6.000,00 (seis mil reais) para cada autora, corrigido pelo INPC-IBGE a partir da presente (Súmula 362 STJ) e acrescido de juros legais de 1% (um por cento) ao mês (art. 406 da Lei 10.406/02 c/c art. 161, § 1º, do CTN) a partir de 26/01/2007 (vinte e seis de janeiro do ano de dois mil e sete).

"B) DETERMINAR ao Município que proceda ao desenterro da Sra. Ercilia Beque de Mattos do local onde se encontra e o sepultamento em um novo jazigo, a partir de 01/02/2010 (primeiro de fevereiro do ano de dois mil e dez), correndo por sua conta todas despesas necessárias.

"O réu é isento de custas processuais, conforme art. 35, alínea 'h', da Lei Complementar n° 156/97 com redação da Lei Complementar n° 161/97.

"Também condeno o réu no pagamento dos honorários advocatícios de 15% (quinze por cento) do valor da condenação (art. 20, § 4º, do CPC).

"Deixo de sujeitar ao duplo grau de jurisdição para reexame necessário em face do valor da condenação ser inferior a 60 (sessenta) salários mínimos (CPC, art. 475, § 2º).

"P. R. I. " (fls. 53/58).

Irresignado com o teor da decisão, o réu apelou. Alegou, em preliminar, o cerceamento do seu direito de defesa ante o julgamento antecipado da lide. No mérito, afirmou a inexistência de ilegalidade em sua autorização, uma vez que possui a propriedade do terreno onde se situa o cemitério em questão e o crescimento desordenado da população e, consequentemente, do número de falecimentos, impõe sejam tomadas medidas dessa natureza.

As autoras também apelaram, pugnando pela majoração da verba indenizatória para R$ 15.000,00.

Ofertadas as contrarrazões, ascenderam os autos a este Tribunal de Justiça.

VOTO

1 Inicialmente, cumpre analisar a prefacial de cerceamento de defesa em razão do julgamento antecipado da lide.

O réu, ora apelante, alega que teve cerceado o seu direito defesa, pois embora tenha requerido tempestiva e justificadamente a produção de prova oral, o feito foi julgado antecipadamente.

O inconformismo não prospera.

É relevante esclarecer que o Magistrado pode e deve exercer juízo crítico acerca da produção das provas pleiteadas, quando a tendência é que a lide seja julgada antecipadamente, conforme o previsto pelo Código de Processo Civil, art. 330, inc. I.

Sobre esse ponto, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery ensinam:

"O dispositivo sob análise autoriza o juiz a julgar o mérito de forma antecipada, quando a matéria for unicamente de direito, ou seja, quando não houver necessidade de fazer-se prova em audiência. Mesmo quando a matéria objeto da causa for de fato, o julgamento antecipado é permitido se o fato for daqueles que não precisam ser provados em audiência, como, por exemplo, os notórios, os incontrovertidos etc. (CPC 334)" (Código de Processo Civil Comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 826).

Como visto, a doutrina esclarece que ao Juiz é permitido o exercício de juízo crítico quanto ao deferimento da produção das provas, de acordo com sua relevância para a causa.

No mesmo rumo, colaciona-se o seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal:

"A necessidade da produção de prova em audiência há de ficar evidenciada para que o julgamento antecipado da lide implique cerceamento de defesa. A antecipação é legítima se os aspectos decisivos da causa estão suficientemente líquidos para embasar o convencimento do magistrado" (RE n. 101.171, Min. Francisco Rezek, RTJ 115/789).

E também o Superior Tribunal de Justiça:

"O art. 330 do CPC, impõe ao juiz o dever de conhecer diretamente do pedido, proferindo sentença, se presentes as condições que propiciem o julgamento antecipado da causa, descogitando-se de cerceamento de defesa" (REsp n. 112.427/AM, Min. José Arnaldo).

"Presentes as condições que ensejam o julgamento antecipado da causa, é dever do juiz, e não mera faculdade, assim proceder" (REsp n. 2832, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira).

"PROVA. CERCEAMENTO DE DEFESA.

"Sendo desnecessária a produção de prova em audiência, é permitido ao Juiz proferir o julgamento antecipado da lide.

"Recurso especial não conhecido" (REsp n. 5.525-RS, Min. Barros Monteiro).

A jurisprudência deste Tribunal também é pacífica quanto à dispensa de provas quando a questão é unicamente de direito ou versando sobre fatos, estes se encontrarem provados:

"Não incide em cerceamento de defesa a antecipação do julgamento dos embargos à execução, quando a prova testemunhal pretendida de produção tinha por fito evidenciar a origem ilícita do título e o pagamento do débito, mostrando-se completamente inadequada aos propósitos colimados" (AC n. 97.010587-8, Des. Trindade dos Santos).

"Não há se falar em cerceamento de defesa, decorrente do julgamento antecipado da lide, se a controvérsia gira em torno de matéria essencialmente de direito e os fatos estão comprovados documentalmente" (AC n. 98.015314-0, Des. Nilton Macedo Machado).

"Não se há falar em cerceamento de defesa com julgamento antecipado da lide quando o Juiz, à luz dos elementos nos autos, entender desnecessária a produção de outras provas, ex vi do art. 330, inc. I, do CPC" (AC n. 98.013600-8, Des. Éder Graf).

No caso concreto, a produção da prova testemunhal pleiteada pelo apelante apresenta-se absolutamente inócua para a solução da lide, que versa matéria de direito e de fato, esta última, no entanto, de comprovação exclusivamente documental.

Com efeito, o pedido de indenização por danos morais decorrentes da violação do túmulo do avô da segunda autora para que lá fosse enterrada a mãe da primeira autora, sem que o procedimento fosse informado aos familiares, prescinde da oitiva dos funcionários do cemitério, uma vez que os fatos restaram incontroversos nos autos, conforme adiante se verá.

Em outros termos, uma vez que inexiste controvérsia acerca da matéria de fato, não há que se falar em necessidade de produção de prova oral.

Nesse contexto, afasto a preliminar de cerceamento de defesa.

2 Cuida-se de pedido de indenização por danos morais formulado por Aderli Alaide Bastos e Patrycia Godry contra o Município de Penha.

Alegam as postulantes que sofreram profundo abalo psíquico em decorrência da violação do túmulo de Aldemiro Sizenando da Silva, avô da segunda autora, para que lá fosse enterrado o corpo de Ercília Beque de Mattos, mãe da primeira autora.

Referem que a violação resultou de autorização da Municipalidade para que fossem utilizadas as sepulturas do cemitério público municipal abandonadas há mais de 5 anos.

Asseveram que não foram comunicadas do procedimento.

A segunda autora aduz, ainda, que o túmulo do seu avô não estava abandonado e que o local havia sido escolhido para que o corpo fosse enterrado juntamente com o do de sua avó.

A primeira autora, por seu turno, afirma que não lhe restou outra saída que não determinar a retirada do corpo de sua mãe do local e a realizaçãode novo sepultamento.

2.1 Cumpre esclarecer, inicialmente, que o caso sub judice deve ser analisado sob a ótica da responsabilidade objetiva, que dispensa à vítima a prova da culpa do causador do dano. Este, por sua vez, só se exime da responsabilidade se comprovar que o evento danoso ocorreu por culpa do lesado ou de terceiro, caso fortuito ou força maior.

Essa conclusão deflui do disposto no § 6º do art. 37 da Constituição Federal, que preceitua: "as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".

Sobre a matéria, esclarece Hely Lopes Meirelles:

"A doutrina civilística ou da culpa civil comum, por sua vez, vem perdendo terreno a cada momento, com predomínio das normas de Direito Público sobre as regras de Direito Privado na regência das relações entre a Administração e os administrados.

"Resta, portanto, a teoria da responsabilidade civil sem culpa como a única compatível com a posição do Poder Público perante os cidadãos.

"Realmente, não se pode equiparar o Estado, com seu poder e seus privilégios administrativos, ao particular, despido de autoridade e de prerrogativas públicas. Tornaram-se, por isso, inaplicáveis em sua pureza os princípios subjetivos da culpa civil para a responsabilização da Administração pelos danos causados aos administrados. Princípios de Direito Público é que devem nortear a fixação dessa responsabilidade.

"A doutrina do Direito Público propôs-se a resolver a questão da responsabilidade civil da Administração por princípios objetivos, expressos na teoria da responsabilidade sem culpa ou fundados numa culpa especial do serviço público quando lesivo de terceiros.

"Nessa tentativa surgiram as teses da culpa administrativa, do risco administrativo e do risco integral, todas elas identificadas no tronco comum da responsabilidade objetiva da Administração Pública, mas com variantes nos seus fundamentos e na sua aplicação, sem se falar nas submodalidades em que se repartiram essas três correntes. Vejamos, em síntese, essas teorias objetivas, para verificarmos qual a acolhida pelo Direito Administrativo Atual.

"[...]

"Teoria do risco administrativo - A teoria do risco administrativo faz surgir a obrigação de indenizar o dano do só ato lesivo e injusto causado à vítima pela Administração. Não se exige qualquer falta do serviço público, nem culpa de seus agentes. Basta a lesão, sem o concurso do lesado. Na teoria da culpa administrativa exige-se a falta do serviço; na teoria do risco administrativo exige-se, apenas, o fato do serviço. Naquela, a culpa é presumida da falta administrativa; nesta, é inferida do fato lesivo da Administração.

"Aqui não se cogita da culpa da Administração ou de seus agentes, bastando que a vítima demonstre o fato danoso e injusto ocasionado por ação ou omissão do Poder Público. Tal teoria, como o nome está a indicar, baseia-se no risco que a atividade pública gera para os administrados e na possibilidade de acarretar dano a certos membros da comunidade, impondo-lhes um ônus não suportado pelos demais. Para compensar essa desigualdade individual, criada pela própria Administração, todos os outros componentes da coletividade devem concorrer para a reparação do dano, através do erário, representado pela Fazenda Pública. O risco e a solidariedade social são, pois, os suportes dessa doutrina, que, por sua objetividade e partilha dos encargos, conduz à mais perfeita justiça distributiva, razão pela qual tem merecido o acolhimento dos Estados modernos, inclusive o Brasil, que a consagrou pela primeira vez no art. 194 da CF de 1946.

"Advirta-se, contudo, que a teoria do risco administrativo, embora dispense a prova da culpa da Administração, permite que o Poder Público demonstre a culpa da vítima para excluir ou atenuar a indenização. Isto porque o risco administrativo não se confunde com o risco integral. O risco administrativo não significa que a Administração deva indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular; significa, apenas e tão-somente, que a vítima fica dispensada da prova da culpa da Administração, mas esta poderá demonstrar a culpa total ou parcial do lesado no evento danoso, caso em que a Fazenda Pública se eximirá integral ou parcialmente" (Direito administrativo brasileiro. 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 611-612).

E complementa o festejado doutrinador Rui Stoco:

"Não se pode deslembrar que a responsabilidade do Estado se assenta no risco administrativo e independe de prova da culpa, bastando que se demonstre o nexo causal entre o acidente e o dano.

"Aliás, sequer se exige a prova de culpa do servidor causador do dano.

"Em casos que tais o ônus da prova é invertido: ao Estado é que compete provar a existência de uma das causas de exclusão da responsabilidade, como a culpa exclusiva da vítima, o caso fortuito ou a força maior" (Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 282).

O mesmo entendimento é sufragado por esta Corte:

"As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis 'pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa' (CF, art. 37, § 6º). E, 'para obter a indenização, basta que o lesado acione a Fazenda Pública e demonstre o nexo causal entre o fato lesivo (comissivo ou omissivo) e o dano, bem como o seu montante. Comprovados esses dois elementos, surge naturalmente a obrigação de indenizar. Para eximir-se dessa obrigação incumbirá à Fazenda Pública comprovar que a vítima concorreu com culpa ou dolo para o evento danoso. Enquanto não evidenciar a culpabilidade da vítima, subsiste a responsabilidade objetiva da Administração. Se total a culpa da vítima, fica excluída a responsabilidade da Fazenda Pública; se parcial, reparte-se o quantum da indenização' (Hely Lopes Meirelles; REsp N. 38.666, Min. Garcia Vieira, in RSTJ 58/396)" (AC n. 2000.006852-7, Des. Newton Trisotto).

E, nesse âmbito, oportuna é a lição de Carlos Roberto Gonçalves:

"Nos casos de responsabilidade objetiva, não se exige prova de culpa do agente para que seja obrigado a reparar o dano. Em alguns, ela é presumida pela lei. Em outros, é de todo prescindível. (...)

"Há casos em que se prescinde totalmente da prova da culpa. São as hipóteses de responsabilidade independente de culpa. Basta que haja relação de causalidade entre a ação e o dano.

"Uma das teorias que procuram justificar a responsabilidade objetiva é a teoria do risco. Para esta teoria, toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiro. E deve ser obrigada repará-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa" (Responsabilidade Civil. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 18).

Por derradeiro, sobre a teoria do risco administrativo, argumenta Tupinambá Miguel Castro do Nascimento:

"No risco administrativo, há duas nuances fundamentais. Sua própria compreensão e a deslocalização do ônus probatório. Nele, basta o A. provar o dano sofrido e seu nexo causal com a atividade estatal prestada. O respeito à esfera jurídica alheia, patrimonial ou moral é que gera a obrigação de indenizar. A responsabilidade nasce de uma presunção: houve falta anônima da administração pública, o que, na doutrina francesa, se chama faute de service. O A. da ação não necessita comprovar qualquer culpa ou dolo, visto ser a responsabilidade objetiva, nem comprovar que existiu a falta anônima. Tanto a culpa quanto a falta do serviço são presumidas. A nosso sentir, trata-se, quanto à primeira, de presunção absoluta, não se admitindo prova em contrário; quanto à segunda, só se admitem específicas excludentes.

"'No entanto, a carga probatória, para se eximir da responsabilidade, passa a ser do Estado, e assim mesmo limitadamente. Não basta comprovar a inocorrência de culpa de seu agente, ou do próprio Estado, ou se pretender provar que não houve, concretamente, falta anônima da administração. Prova neste sentido é irrelevante e desimporta ao julgamento da causa ou à definição do ressarcimento. O que passa a ser ônus do Estado e, em compreensão, útil à isenção da responsabilidade é provar uma das excludentes admitidas: culpa exclusiva da vítima, ou de terceiro que não agente público em atividade, e caso fortuito ou força maior [...]" (Responsabilidade Civil do Estado. São Paulo: Aide, 1993. p. 19).

Dessa feita, em se tratando de argüição de responsabilidade do Estado com fulcro no risco administrativo, não se faz necessária, por parte do lesado, a investigação da culpa do agente público. Basta-lhe tão-somente a prova do evento danoso e da relação de causalidade com a atividade administrativa.

Na hipótese, como visto, as autoras afirmam que foram vítimas de profundo abalo moral em razão da conduta do réu, que autorizou a utilização do túmulo do avô da segunda autora para que lá fosse enterrado o corpo da mãe da primeira autora, sem que o procedimento fosse comunicado às famílias dos de cujus.

Compulsando os autos, percebe-se que a violação da sepultura de Aldemiro Sizenando da Silva, o recolhimento dos seus restos mortais em um saco plástico e o enterro de Ercília Beque de Mattos no mesmo local, mais precisamente em cima da ossada de Aldemiro, restaram incontroversos nos autos.

Com efeito, o Município réu se limitou a alegar que a sepultura estava abandonada, que possuía a propriedade do terreno e que a indigitada autorização para a utilização de covas abandonadas há mais de 5 anos foi a saída encontrada para suprir a demanda por túmulos em razão do aumento do número de falecimentos na cidade.

Ora, se é certo que a Municipalidade possui a propriedade dos terrenos do aludido cemitério, também é certo que as famílias possuíam cessão de uso dos chãos perpétuos e deveriam, por isso, ter sido comunicadas do procedimento. Pouco importa a tese de que a cova estaria abandonada e as respectivas taxas não estariam sendo quitadas regularmente.

Forçoso concluir que o réu deveria ao menos ter comunicado o procedimento às autoras para que, cientes do risco que corriam, pudessem tomar a melhor decisão no que diz respeito ao sepultamento de seus entes queridos.

Dessarte, presentes o nexo de causalidade entre a apontada ação do ente público e o resultado danoso, e ausente qualquer hipótese excludente, o reconhecimento da responsabilidade do Município de Penha pelos danos experimentados por Aderli Alaide Bastos e Patrycia Godry é medida que se impõe.

2.2 No que toca o alegado dano moral, entende-se que restou devidamente configurado.

Como cediço, os danos morais estão incutidos na esfera subjetiva da pessoa, cujo acontecimento tido como violador atinge o plano de seus valores em sociedade, repercutindo em aspectos referentes tanto à reputação perante os demais membros sociais ou mesmo no tocante à mera dor íntima.

A esse respeito, leciona Carlos Alberto Bittar, em sua obra "Reparação civil por danos morais":

"[...] na prática, cumpre demonstrar-se que, pelo estado da pessoa, ou por desequilíbrio e, sua situação jurídica, moral, econômica, emocional ou outras, suportou ela conseqüências negativas advindas do ato lesivo. A experiência tem mostrado, na realidade fática, que certos fenômenos atingem a personalidade humana, lesando os aspectos referidos, de sorte que a questão se reduz, no fundo, a simples prova do fato lesivo. Realmente, não se cogita, em verdade, pela melhor técnica, em prova de dor, ou de aflição, ou de constrangimento, porque são fenômenos ínsitos na alma humana como reações naturais a agressões do meio social. Dispensam, pois, comprovação, bastando, no caso concreto, a demonstração do resultado lesivo e a conexão com o fato causador, para responsabilização do agente" (São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 129/130).

No caso em apreço, as autoras tiveram os restos mortais de seus entes queridos violados, seja pela abertura do túmulo de Aldemiro Sizenando da Silva e pelo recolhimento de sua ossatura em um saco plástico, seja pelo enterro de Ercília Beque de Mattos no mesmo local e pela necessidade de retirada do seu corpo do túmulo de Aldemiro e realização de novo sepultamento.

Ou seja, não restam dúvidas que as demandantes foram vítimas de intenso sofrimento psíquico, haja vista o sentimento de ofensa íntima pelo desrespeito ao seu luto e à memória dos seus parentes.

2.3 Configurada a responsabilidade do requerido e a obrigação de indenizar os danos morais sofridos pelas requerentes, deve ser quantificada a verba para este fim.

Ainda que não seja possível fixar com exatidão a quantia que corresponda ao ressarcimento do abalo moral, a reparação deverá consistir numa justa compensação pelos danos sofridos. O quantum indenizatório deverá ser estabelecido de tal forma que desestimule a prática de ilícitos, recomendando-se ainda ao juiz que observe os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, não se descurando da apreciação de todos os elementos que concorreram para a causa da lesão, bem como das conseqüências advindas do dano.

Por isso, entende-se que, acompanhando a função compensatória, o montante da indenização possui também um sentido punitivo, que contém uma concepção de função preventiva e resulta na idéia de ressarcimento-prevenção. Isso faz com que os bens jurídicos ligados à personalidade da pessoa e tutelados pelo Estado não constituam simples valores abstratos dissociados da realidade hodierna.

Nessa alheta é a lição de Carlos Alberto Bittar:

"A indenização por danos morais deve traduzir-se em montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que se não se aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo advindo. Consubstancia-se, portanto, em importância compatível com o vulto dos interesses em conflito, refletindo-se, de modo expresso, no patrimônio do lesante, a fim de que sinta, efetivamente, a resposta da ordem jurídica aos efeitos do resultado lesivo produzido. Deve, pois, ser quantia economicamente significativa, em razão das potencialidades do patrimônio do lesante" (Reparação civil por danos morais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 205/206).

A respeito do tema Humberto Theodoro Júnior enfatiza:

"[...] resta, para a Justiça, a penosa tarefa de dosar a indenização, porquanto haverá de ser feita em dinheiro, para compensar uma lesão que, por sua própria natureza, não se mede pelos padrões monetários", acrescenta que "o problema haverá de ser solucionado dentro do princípio do prudente arbítrio do julgador, sem parâmetros apriorísticos e à luz das peculiaridades de cada caso, principalmente em função do nível sócio-econômico dos litigantes e da menor ou maior gravidade da lesão" (Alguns aspectos da nova ordem constitucional sobre o direito civil. Revista dos Tribunais. v. 662, p. 7-17, dez. 1990).

In casu, o Meritíssimo Juiz entendeu que R$ 6.000,00 seriam suficientes para compensar a dor das autoras, que viram os restos mortais e a memória dos seus entes queridos violados pelo réu.

Analisadas as peculiaridades do caso e os parâmetros usualmente praticados por este Tribunal de Justiça, entendo que a sentença deve ser confirmada.

A despeito do sentimento de ofensa íntima causado às famílias dos falecidos, o equívoco poderá ser revertido e os seus parentes poderão prestar as devidas homenagens e vivenciar o seu luto.

3 Ante o exposto, nego provimento aos recursos.

DECISÃO

Nos termos do voto do relator, por votação unânime, negaram provimento aos recursos.

O julgamento, realizado no dia 18 de agosto de 2009, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Pedro Manoel Abreu, com voto, e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargador Luiz Cézar Medeiros e Desembargadora Sônia Maria Schmitz.

Florianópolis, 19 de agosto de 2009.

Luiz Cézar Medeiros
RELATOR

Publicado em 21/09/09




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