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terça-feira, 6 de outubro de 2009

JURID - Embargos infringentes e de nulidade. Furto e lesão corporal. [06/10/09] - Jurisprudência


Embargos infringentes e de nulidade. Furto combinado com lesão corporal grave e roubro impróprio. Diferenciação.
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Tribunal de Justiça do Distrito Federal e seus Territórios - TJDFT.

Órgão: Câmara Criminal

Classe: EIR- EMBARGOS INFRINGENTES CRIMINAIS

Processo N.: 2005.01.1.113406-5

Embargante: MARCIEL DE OLIVEIRA COELHO

Embargado: MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS

Relator: SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS

EMENTA

PENAL E PROCESSO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE. FURTO COMBINADO COM LESÃO CORPORAL GRAVE E ROUBRO IMPRÓPRIO. DIFERENCIAÇÃO. INTENÇÃO DO AGENTE DE REALIZAR APENAS A SUBTRAÇÃO. VIOLÊNCIA EMPREGADA EM RESPOSTA À PECHA DE LADRÃO LANÇADA PELA VÍTIMA CONTRA O RÉU DIANTE DE TESTEMUNHAS PRESENCIAIS. PREVALÊNCIA DO VOTO MAIS BENÉFICO. PROVIMENTO DO RECURSO.

1. Não há que falar em roubo impróprio (art. 157, § 1º, CP), se o conjunto probatório indica que a violência empregada pelo agente significou mera resposta à pecha de ladrão lançada pela vítima, na presença de várias testemunhas.

2. Configura-se o crime de furto (art. 155, caput, CP), combinado com lesão corporal de natureza grave (art. 129, § 1º, I, CP), se, além da subtração da res, o agente provoca na vítima lesões significativas.

3. Recurso provido para fazer prevalente o voto mais benéfico ao embargante.

A C Ó R D Ã O

Acordam os Senhores Desembargadores da CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS - Relator, SÉRGIO ROCHA - Revisor, ARNOLDO CAMANHO - Vogal, MARIO MACHADO - Vogal, GEORGE LOPES LEITE - Vogal, ROBERVAL CASEMIRO BELINATI - Vogal, sob a Presidência da Senhora Desembargadora SANDRA DE SANTIS, em proferir a seguinte decisão: DAR PROVIMENTO AOS EMBARGOS, POR MAIORIA, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 24 de agosto de 2009.

SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS
Relator

RELATÓRIO

São embargos infringentes e de nulidade interpostos por MARCIEL DE OLIVEIRA COELHO, com fundamento no voto vencido da eminente Desembargadora revisora SANDRA DE SANTIS (fls. 190-195), mais benéfico, em face do v. acórdão que, por maioria de votos (Desembargadores GISLENE PINHEIRO e EDSON SMANIOTTO), deu parcial provimento ao recurso apelatório do réu com supedâneo no voto médio do eminente Desembargador vogal (fls. 195-198).

Eis a ementa do v. acórdão:

"PENAL - ROUBO IMPRÓPRIO - FURTO - VOTO MÉDIO: ROUBO SIMPLES - LAUDO PERICIAL - LESÃO CORPORAL DE NATUREZA GRAVE - PERÍCIA TARDIA.

1. O exame complementar, que permite o reconhecimento da gravidade da lesão pela incapacitação para as ocupações habituais por mais de trinta dias, deve ser feito ainda durante a incapacitação, para que se confira esse elemento objetivo. Se o laudo complementar é feito em um ano e quarenta e seis dias depois do fato delituoso e se, ao ser realizado, não há a constatação da lesão, não existem elementos para afirmar a sua gravidade, até porque a vítima em seu depoimento não trouxe este dado.

2. Ausência de suporte probatório suficiente para admitir a gravidade das lesões.

3. Desclassificação de roubo agravado pelo resultado lesão grave para o crime de roubo simples" (fl. 182).

O embargante evocou, em resumo (fls. 204-208), a fundamentação explicitada pela d. prolatora do voto mais benéfico, Desembargadora revisora SANDRA DE SANTIS, que desclassificou o delito imputado na denúncia e confirmado na r. sentença, de roubo qualificado pelo resultado - lesão corporal de natureza grave -, para furto (art. 155, caput, c/c art. 129, § 1, I, CP).

Nesta instância, a Doutora EUNICE PEREIRA AMORIM CARVALHIDO, ilustre Procuradora de Justiça, opinou pelo conhecimento e desprovimento do presente recurso (fls. 209-214).

Recurso recebido (fl. 216).

É o relatório do necessário.

VOTOS

O Senhor Desembargador SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS - Relator

Conheço do recurso.

É de se registrar que o recorrente pretende fazer prevalente o voto mais benéfico, proferido pela douta Desembargadora SANDRA DE SANTIS, que procedeu à desclassificação da imputação contida na denúncia, de roubo agravado pelo resultado (art. 157, § 3º, primeira parte, CP) para o crime de furto simples, associado ao delito de lesão corporal de natureza grave (art. 155, caput, c/c art. 129, § 1º, I, CP), em contrapartida ao d. voto médio, preferido pelo ilustre Desembargador vogal EDSON SMANIOTTO, que desclassificou o crime para aquele previsto no caput, do art. 157, do Código Penal.

Renomada doutrina e farta jurisprudência, no âmbito do Direito Penal, recomendam, diante de dúvida acerca dos fatos narrados, milite, em favor do acusado, o favor rei, isto é, o princípio in dubio pro reo.

Considero, nesta esteira, que o presente recurso deverá ser provido, a fim de que prevaleça o d. voto mais benéfico ao embargante, ou seja, aquele exarado pela insigne Desembargadora revisora.

Parto de premissa lançada pela própria vítima, quando do seu depoimento perante a d. autoridade judiciária de primeiro grau (fl. 93), que peço vênia para novamente colacionar:

"(...) que saiu da festa por volta das cinco horas da manhã; que se dirigiu ao estacionamento do clube motonáutica; que os acusados estavam próximos ao seu veículo e puxaram conversa com o depoente; que não desconfiou dos acusados, pois a festa era para ser só para amigos; que em determinado momento retirou a chave do carro, a máquina e seu celular que se encontravam em seu bolso; que o acusado Bruce pegou o celular e o acusado Marciel pegou a câmera de sua mão e começaram a elogiar os objetos; que Bruce começou a simular uma ligação em seu celular enquanto Marciel começou a se afastar do local em poder de sua câmera; que pediu que Bruce lhe devolvesse seu celular e como ele não o fez, resolveu retirá-lo da mão de Bruce; que logo após foi em direção de Marciel para tentar recuperar a sua câmera; que pediu que Marciel lhe devolvesse a máquina, mas ele se negou e ficou 'enrolando'; que começou a conversar com Marciel indo em direção aos seguranças da festa; que quando chegou perto dos seguranças falou que Marciel estava tentando roubar sua câmera; que Marciel se ofendeu e lhe desferiu um soco no rosto; que o segurança tentou afastar Marciel, mas não conseguiram, situação pela qual Marciel lhe desferiu outros socos; que não viu o que Marciel fez com a máquina quando ele lhe desferiu outro muro; que não conseguiu recuperar a máquina; que não sabe se a mesma foi levada por Marciel ou por outras pessoas; que se lembra que logo após as agressões sofridas apareceu um veículo no qual os acusados entraram e saíram do local; que uma pessoa anotou a placa do veículo e entregou ao depoente; que em razão das agressões precisou fazer um tratamento de canal em três dentes de cima e dois de baixo, mas acabou perdendo dois dentes de cima e acabou tendo de fazer implante; que fora os hematomas precisou tomar ponto nos lábios; que vendo os acusados pelo visor da sala de audiências tem a dizer que reconhece ambos como envolvidos nos fatos, tendo dúvidas inicialmente somente quanto ao acusado Bruce em razão do decurso do tempo, mas depois o reconheceu; (...); que não conhecia nenhum dos acusados antes dos fatos; que apenas conversou com os acusados normalmente; que não viu nenhuma briga quando saiu da festa; que só Marciel lhe agrediu; que em nenhum momento Bruce lhe agrediu, apenas ficou próximo ao depoente e Marciel quando das agressões; que não sabe se Bruce levou a máquina fotográfica; que o segurança Maurício viu parte da briga, mas não sabe se viu tudo...". Destaquei.

Visando apurar a vontade (animus) do agente, no caso em apreciação, colhe-se do depoimento da própria vítima, DIOGO VELOSO COURI, que MARCIEL desferiu-lhe o primeiro soco porque "SE OFENDEU", após ser rotulado de ladrão pelo ofendido na presença de outras pessoas, na saída da malsinada festa no Clube Motonáutica.

Preservada a opinião do respeitado Desembargador vogal, EDSON SMANIOTTO, autor do d. voto médio vencedor, não se pode afirmar a ocorrência do crime de roubo, ainda que impróprio, haja vista que o réu não se utilizou da violência com a finalidade de assegurar a detenção da coisa para si ou para terceiro (art. 157, § 1º, CP).

Sua intenção consistiu, conforme depoimentos coligidos aos autos, em aplicar uma refrega na vítima, a par da pecha de ladrão por ela lançada.

Neste sentido, precedente do Egrégio TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO, Relator Des. MOACIR PESSOA DE ARAÚJO, Processo Nº 2008.050.04687, Primeira Câmara Criminal, julgado em 17-novembro-2008, assim ementado:

"ROUBO IMPRÓPRIO - CONCEITO DESCLASSIFICAÇÃO - FURTO - RESISTÊNCIA - PENA REGIMEO roubo impróprio se tipifica quando o sujeito, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro. Objetiva o agente inicialmente a prática do furto e depois progride para o delito maior de roubo, ocorrendo a chamada progressão criminosa. A questão de difícil avaliação é identificar o limite temporal da expressão logo depois. Penso que a melhor posição é a que delimita este espaço de tempo à consumação do delito inicial de furto. Consumado o delito de furto inicialmente desejado, a violência ou grave ameaça empregada em seguida constitui crime autônomo, não se podendo falar em roubo impróprio, sendo esta a hipótese dos autos. Desclassificação que se opera para os crimes de furto qualificado e resistência. Doutrina.O Juiz possui manifesta discricionariedade no calibre da pena base, devendo observar os elementos moduladores previstos no artigo 59 do Código Penal, atento ao critério trifásico estatuído no artigo 68 do mesmo diploma legal. Na hipótese, as circunstâncias da infração autorizam o incremento das penas, bem como justificam a não substituição por restritivas de direitos e a escolha de regime de pena mais gravoso do que o permitido pelo quantum aplicado". Negritei.

Veja bem que o conjunto probatório demonstra que o furto, em si, ainda não havia sido concretizado, vez que a vítima tentava insistentemente reaver sua máquina fotográfica, pois o embargante estava "enrolando", talvez porque esperava sua carona para dali sair com a res furtiva, sem, todavia, ter que usar de violência contra a vítima do furto.

Ocorre que a vítima o chamou de "ladrão" na frente de outras pessoas, e o recorrente, indignado, na sequência, desferiu os socos na vítima.

Na delegacia, a vítima esclareceu (fls. 17 e 18):

"(...) Pediu a câmara a MARCIEL, que se recusou a devolvê-la. BRUCE chegou no local e tentou afastar o declarante, dizendo 'vamos conversar ali'. O declarante e os indiciados começaram a andar. O declarante foi em direção a um local onde haviam seguranças da festa e os indiciados o acompanharam. Perto dos seguranças, o declarante avisou que MARCIEL estava de posse da sua câmera, e depois avisou que MARCIEL estava roubando o declarante. Os seguranças nada fizeram. Neste momento, MARCIEL partiu para cima do declarante e deu um morro (sic) no rosto do declarante. Os seguranças tentaram afastar MARCIEL, e mesmo assim MARCIEL ainda desferiu mais dois murros no rosto do declarante. Não tinha a visão de BRUCE. Percebeu os indiciados correndo em direção a um VW/GOL de cor clara. MARCIEL levou a câmera digital. (...)". Grifos não originais.

A violência foi empregada não para assegurar a posse do bem subtraído, mas para aplicar corretivo na vítima que havia acusado o recorrente de ladrão.

Desta forma, entendo que a desclassificação do delito de roubo impróprio para o de furto, combinado com lesão corporal de natureza grave, constitui a melhor solução para a presente persecução penal.

ISTO POSTO, dou provimento ao recurso para considerar prevalente o d. voto da Desembargadora revisora SANDRA DE SANTIS, pedindo respeitosas vênias aos demais julgadores.

É o voto.

O Senhor Desembargador SÉRGIO ROCHA - Revisor

SUMÁRIO

Crime: art. 157, § 1º do CP (roubo impróprio).

Pena em abstrato do roubo - de 4 (quatro) a 10 (dez) anos de reclusão e multa.

Réu: Marciel de Oliveira Coelho, nascido em 02/10/77 (com 27 anos à época dos fatos), afirma que trabalha como vigilante. Registros no INI e no site do TJDFT: 1) art. 129, caput, do CP (lesões corporais leves) - termo circunstanciado arquivado por falta de condição para o exercício da ação penal (fato posterior); 2) art. 129, caput, do CP (lesões corporais leves) - declarada extinta a punibilidade pela composição civil (fato anterior); 3) art. 309 da Lei 9.503/97 (direção de veículo automotor sem habilitação) - declarada extinta a punibilidade pelo cumprimento de transação penal (fato anterior); 4) art. 33 da Lei 11.343/2006 (tráfico de drogas) - processo em andamento (fato posterior).

Pena fixada: 4 (quatro) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, em regime inicial aberto.

Réu solto (fl. 142).

Prescrição: não

Fato - 15/05/2005 (fl. 03)

Recebimento da denúncia - 25/01/2007 (fl. 60)

Sentença condenatória recorrível - 24/10/2007 (fl. 136).

Acórdão condenatório recorrível - 30/10/2008 (fl. 182).

Confissão - não (fls. 69/70).

Menoridade - não.

Reincidência - não.

DOS FATOS

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios denunciou BRUCE CÔRTES ALVES REGO e MARCIEL DE OLIVEIRA COELHO pela prática do crime previsto no art. 157, § 3º, 1ª parte, do CP (roubo que resulta em lesão corporal grave). Consta da denúncia que:

"No dia 15/05/2005, POR VOLTA DAS 05HS00MINS, no estacionamento do Clube Motonáutica, Asa Norte, Brasília/DF, BRUCE CÔRTES ALVES REGO E MARCIEL DE OLIVEIRA COELHO, com vontades livres e conscientes, dotados de ânimo de assenhoreamento definitivo, e mediante unidade de desígnios e divisão de tarefas entre si, SUBTRAÍRAM, EM PROVEITO DE AMBOS, COISA ALHEIA MÓVEL, uma máquina fotográfica digital da marca 'CANON', modelo 'SD-10' de propriedade de Diogo Veloso Couri (qualificado às fls. 17 do IP), TENDO USADO VIOLÊNCIA, PARA ASSEGURAR A DETENÇÃO DO OBJETO SUBTRAÍDO PARA SI, logo após a subtração, MARCIEL DE OLIVEIRA COELHO DESFERIU SOCOS NO ROSTO DA VÍTIMA, gerando as lesões descritas nos laudos de exame de corpo de delito às fls. 15 e 51-52 do procedimento informativo, tendo com referida conduta causado na vítima INCAPACIDADE PARA EXERCER SUAS OCUPAÇÕES HABITUAIS POR MAIS DE TRINTA DIAS.

No local, dia e hora acima listados, a vítima saia de uma festa e dirigiu-se ao local onde havia estacionado seu automóvel. Próximo ao automóvel estavam BRUCE CÔRTES ALVES REGO E MARCIEL DE OLIVEIRA COELHO que 'puxaram conversa' com o ofendido. Para abrir o veículo, a vítima tirou de seu bolso seu aparelho de telefonia celular e sua câmera fotográfica digital, além das chaves do carro. Então, BRUCE tomou das mãos do ofendido o aparelho de telefonia celular e MARCIEL tomou das mãos do ofendido sua câmera fotográfica digital.

A vítima tomou de volta o aparelho de telefonia celular e passou a pedir de volta sua câmera fotográfica digital, tendo MARCIEL negado. Então BRUCE tentou afastar o ofendido do local, chamando-o 'para conversar'.

Ao se aproximarem de um local onde estavam vários seguranças, a vítima foi buscar auxílio de um deles, e então, para assegurar a posse da máquina, MARCIEL desferiu um soco no rosto da vítima. Os seguranças tentaram preservar o ofendido, mas MARCIEL conseguiu socá-lo mais vezes no rosto.

Em seguida, MARCIEL E BRUCE fugiram juntos no veículo do último, apoderando-se definitivamente do bem tomado."

DA SENTENÇA (FLS. 125/135)

A r. sentença de primeiro grau absolveu o réu Bruce Côrtes Alves do Rego (CPP 386 VI)(1) e condenou o réu Marciel de Oliveira Coelho como incurso nas penas do art. 157, § 3º, primeira parte, do CP (roubo que resulta em lesões corporais graves) a 7 (sete) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 10 (dez) dias-multa.

DO ACÓRDÃO EMBARGADO (fls. 182/198)

Interposta apelação pelo réu Marciel de Oliveira Coelho, a Egrégia 1ª Turma Criminal (Relatora: Des. Gislene Pinheiro de Oliveira, Revisora: Des. Sandra de Santis, Vogal: Des. Edson Alfredo Smaniotto), deu provimento parcial ao apelo, nos termos do voto médio do eminente Des. Edson Alfredo Smaniotto, para desclassificar a conduta do réu para o crime previsto no art. 157, § 1º, do CP (roubo impróprio). Eis a ementa do julgado:

"PENAL - ROUBO IMPRÓPRIO - FURTO - VOTO MÉDIO: ROUBO SIMPLES - LAUDO PERICIAL - LESÃO CORPORAL DE NATUREZA GRAVE - PERÍCIA TARDIA.

1. O exame complementar, que permite o reconhecimento da gravidade da lesão pela incapacitação para as ocupações habituais por mais de trinta dias, deve ser feito ainda durante a incapacitação, para que se confira esse elemento objetivo. Se o laudo complementar é feito em um ano e quarenta e seis dias depois do fato delituoso e se, ao ser realizado, não há a constatação da lesão, não existem elementos para afirmar a sua gravidade, até porque a vítima em seu depoimento não trouxe este dado.

2. Ausência de suporte probatório suficiente para admitir a gravidade das lesões.

3. Desclassificação de roubo agravado pelo resultado lesão grave para o crime de roubo simples."

A eminente Des. Gislene Pinheiro de Oliveira, Relatora, negou provimento ao apelo do réu, e a eminente Des. Sandra de Santis, Revisora, deu provimento parcial ao apelo do réu para desclassificar sua conduta para os crimes previstos nos art. 155, caput, c/c art. 129, § 1º, inc. I do CP (furto simples e lesão corporal grave), condenando-o a 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, no regime aberto, e 12 (doze) dias-multa.

DOS EMBARGOS INFRINGENTES (FLS. 204/208)

O réu, Marciel de Oliveira Coelho, opõe embargos infringentes, requerendo a prevalência do voto da eminente Desembargadora Sandra de Santis, ao argumento de que as lesões corporais sofridas pela vítima não se prestaram para assegurar o resultado do furto, mas, se deram em virtude dos xingamentos da vítima dirigidos aos envolvidos na celeuma, conforme afirmou a própria vítima.

DAS CONTRA-RAZÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO (fls. 209/214)

Em contra-razões, o Ministério Público pugnou pelo improvimento dos embargos infringentes.

PARECER DA PROCURADORIA DE JUSTIÇA (fl. 223v)

A d. Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento e improvimento dos embargos infringentes, nos termos das contra-razões apresentadas.

É o breve relato.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos embargos.

A questão debatida no presente embargos infringentes cinge-se à análise da intenção do réu/embargante, Marciel de Oliveira Coelho, ao lesionar a vítima após a subtração de sua máquina fotográfica.

A eminente Des. Sandra de Santis entendeu que o réu/embargante "atingiu a vítima após ser chamado de ladrão (aliás com motivos), e não para garantir a posse da res furtiva ou a impunidade", razão pela qual tipificou o crime como sendo furto e lesões corporais graves (art. 155 c/c art. 129, § 1º, inc. I do CP).

Por outro lado, o eminente Des. Edson Alfredo Smaniotto entendeu que "o apelante teria usado de violência contra a vítima ou para assegurar a detenção física da coisa ou, no mínimo, para assegurar a impunidade do crime, já que ele não concordava com aquela afirmação de que estava subtraindo os pertences da vítima", razão pela qual tipificou a conduta do réu como roubo impróprio (art. 157, § 1º do CP), pois entendeu não estar comprovada a lesão grave.

Em que pese o respeito e admiração que nutro pela eminente Des. Sandra de Santis, dela ouso divergir, para manter o entendimento esposado pelo eminente Des. Edson Alfredo Smaniotto.

Isso porque, analisando o modo como os fatos ocorreram, tenho que o motivo da violência empregada pelo réu não foi a simples ofensa por ser chamado de ladrão pela vítima, mas sim, a intenção de manter o bem subtraído e de assegurar a impunidade do crime cometido, tanto que fugiu logo em seguida à agressão e o bem subtraído não foi encontrado.

Confira-se, neste ponto, as declarações judiciais da vítima Diogo Veloso (fl. 93), in verbis:

"que saiu da festa por volta das cinco horas da manhã; que se dirigiu ao estacionamento do clube motonáutica; que os acusados estavam próximos ao seu veículo e puxaram conversa com o depoente; que não desconfiou dos acusados, pois a festa era para ser só para amigos; que em determinado momento retirou a chave do carro, a máquina e seu celular que se encontravam em seu bolso; que o acusado Bruce pegou o celular e o acusado Marciel pegou a câmera de sua mão e começaram a elogiar os objetos; que Bruce começou a simular uma ligação em seu celular enquanto Marciel começou a se afastar do local em poder de sua câmera; que pediu que Bruce lhe devolvesse seu celular e como ele não o fez, resolveu retirá-lo da mão de Bruce; que logo após foi em direção de Marciel para tentar recuperar a sua câmera; que pediu que Marciel lhe devolvesse a máquina, mas ele se negou e ficou 'enrolando'; que começou a conversar com Marciel indo em direção aos seguranças da festa; que quando chegou perto dos seguranças falou que Marciel estava tentando roubar sua câmera; que Marciel se ofendeu e lhe desferiu um soco no rosto; que o segurança tentou afastar Marciel, mas não conseguiram, situação pela qual Marciel lhe desferiu outros socos; que não viu o que Marciel fez com a máquina quando ele lhe desferiu outro muro; que não conseguiu recuperar a máquina; que não sabe se a mesma foi levada por Marciel ou por outras pessoas; que se lembra que logo após as agressões sofridas apareceu um veículo no qual os acusados entraram e saíram do local; que uma pessoa anotou a placa do veículo e entregou ao depoente; que em razão das agressões precisou fazer um tratamento de canal em três dentes de cima e dois de baixo, mas acabou perdendo dois dentes de cima e acabou tendo de fazer implante; que fora os hematomas precisou tomar ponto nos lábios; que vendo os acusados pelo visor da sala de audiências tem a dizer que reconhece ambos como envolvidos nos fatos, tendo dúvidas inicialmente somente quanto ao acusado Bruce em razão do decurso do tempo, mas depois o reconheceu; (...); que não conhecia nenhum dos acusados antes dos fatos; que apenas conversou com os acusados normalmente; que não viu nenhuma briga quando saiu da festa; que só Marciel lhe agrediu; que em nenhum momento Bruce lhe agrediu, apenas ficou próximo ao depoente e Marciel quando das agressões; que não sabe se Bruce levou a máquina fotográfica; que o segurança Maurício viu parte da briga, mas não sabe se viu tudo..."

Nota-se, pois, que, se a intenção do réu fosse apenas revidar à alegada ofensa proferida pela vítima, teria lhe devolvido imediatamente a máquina fotográfica, o que, como visto, não ocorreu.

Ademais, o réu agrediu a vítima assim que esta buscou ajuda com os seguranças da festa e fugiu logo após a agressão, o que comprova sua intenção de assegurar a impunidade da subtração perpetrada.

Ante o exposto, nego provimento aos embargos infringentes opostos pelo réu, Marciel de Oliveira Coelho, mantendo sua condenação pelo crime previsto no art. 157, § 1º do CP (roubo impróprio).

É como voto.

O Senhor Desembargador ARNOLDO CAMANHO - Vogal

Senhora Presidente, vou pedir vênia ao eminente Revisor para acompanhar o voto do eminente Relator ao argumento de que o depoimento da vítima, transcrito no voto minoritário de V. Ex.a ao ensejo do julgamento do recurso de apelação, nos permite ter acesso ao que, de fato, teria ocorrido, pela voz da vítima, no momento da prática do fato criminoso.

De acordo com o que se lê do voto de V. Ex.a, tem-se que, segundo a vítima Diogo, a violência que teria sido aplicada pelo recorrente não se deveu ao propósito de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da culpa para si ou para terceiro.

O Senhor Desembargador MARIO MACHADO - Vogal

Eminente Desembargador Arnoldo Camanho, permita-me uma intervenção para fazer a seguinte pergunta: se não tivesse havido a agressão com a lesão corporal na vítima, o embargante teria saído do local de posse da câmera? Mas a vítima não estava reclamando, pedindo de volta a câmera, e não pediu o auxílio dos seguranças quando foi agredida?

O Senhor Desembargador SÉRGIO ROCHA - Revisor

Excelência, para esclarecimento dos nobres Colegas, foi exatamente o seguinte o que a vítima disse:

"Que pediu que Marciel devolvesse a máquina, mas ele negou ou ficou enrolando; que começou a conversar com Marciel, indo em direção ao segurança da festa; que, quando chegou perto do segurança, falou que Marciel estava tentando roubar a sua câmera; que Marciel se ofendeu e desferiu um soco no rosto; que o segurança tentou afastar, mas não conseguiu, situação pela qual Marciel desferiu outros socos."

Ele saiu gravemente lesionado, perdeu vários dentes. Se não houvesse a violência, a vítima teria recuperado a câmera. Ele disse que Marciel estava tentando roubar a câmera; se não estivesse, Marciel diria que não estava tentando, que estava só olhando, e devolveria a câmera. A violência foi o que garantiu a subtração do objeto.

O Senhor Desembargador ARNOLDO CAMANHO - Vogal

Agradeço a intervenção de todos os eminentes integrantes da egrégia Câmara, mas, ao interpretar as palavras da própria vítima, penso que o recorrente teria se ofendido com a afirmação de que estaria tentando roubar a câmera da vítima e que, em razão dessa ofensa, teria praticado a violência. A violência, então, de acordo com o que consta no depoimento da própria vítima, não teria sido empregada para assegurar a impunidade ou a detenção da coisa para si ou para terceiros, o que faria caracterizar a ocorrência de roubo impróprio.

O Senhor Desembargador SÉRGIO ROCHA - Revisor

V. Ex.a me permite mais um aparte? Se fosse esse o caso, o réu teria devolvido a câmera e agredido a vítima, e não agredido a vítima e sumido com a câmera.

O Senhor Desembargador ARNOLDO CAMANHO - Vogal

Não tenho dúvida, Desembargador Sérgio Rocha, de que houve violência.

Há nos autos o laudo de lesões corporais que confirma que as lesões resultaram em incapacidade para ocupações habituais por mais de trinta dias e que, além disso, a vítima teria perdido os dentes, abalados pelos socos que teria recebido.

Não há dúvida de que houve violência. Entretanto, na minha interpretação dos fatos, da forma como foram descritos pela vítima, essa violência, que inegavelmente houve, não teria o propósito de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si, no caso para o acusado Marciel. O motivo da violência teria sido outro; por isso, no equacionamento da conduta imputada ao recorrente, tenho que o voto da eminente Desembargadora Sandra De Santis é o que melhor tipifica o fato, como tendo sido um crime do art. 155, caput, cumulado com art. 129, § 1º, inciso I, do Código Penal.

Então, Senhora Presidente, em conclusão, e agradecendo as oportunas e esclarecedoras intervenções dos integrantes da egrégia Câmara, peço vênia ao eminente Revisor para acompanhar o voto do eminente Relator.

O Senhor Desembargador MARIO MACHADO - Vogal

Senhora Presidente, verifico no voto escoteiro o seguinte:

O recorrente, ao subtrair a máquina fotográfica, não agiu mediante ameaça ou violência à pessoa, só pediu para ver a máquina e não a devolveu, ficou só enrolando.

O apelante praticou furto seguido de lesões corporais, atingiu a vítima após ser chamado de ladrão, aliás, com motivos e não para garantir a posse da res furtiva ou a impunidade, confira depoimento da vítima em juízo.

E é transcrito o depoimento da vítima, em que destaco o seguinte trecho:

Que o acusado Bruce pegou o celular e o acusado Marciel pegou a câmera de sua mão e começaram a elogiar os objetos.; que Bruce começou a simular uma ligação em seu celular, enquanto Marciel começou a se afastar do local em poder de sua câmera; que pediu que Bruce lhe devolvesse seu celular e, como ele não o fez, resolveu retirá-lo da mão de Bruce; que logo após foi em direção de Marciel para tentar recuperar sua câmera; que pediu que Marciel lhe devolvesse a máquina, mas ele se negou e ficou enrolando; que começou a conversar com Marciel indo em direção aos seguranças da festa; que, quando chegou perto dos seguranças, falou que Marciel estava tentando roubar sua câmera; que Marciel se ofendeu e lhe desferiu um soco no rosto; que o segurança tentou afastar Marciel, mas não conseguiram, situação pela qual Marciel lhe desferiu outros socos.

Destaco ainda do voto minoritário:

Apesar de as testemunhas terem dito que o apelante saiu do local sem a máquina fotográfica, o fato em nada interfere para caracterizar o crime. A configuração do furto exige a posse da res furtiva pelo agente, mesmo que por breve instante, independentemente de ser tranquila ou não.

Apoio-me nos próprios fatos constantes do voto escoteiro para concluir que houve, na realidade, roubo, e não furto, porque, se não se exige para o furto a posse tranquila da coisa, o mesmo acontece em termo do roubo.

E destaco que a interpretação que se faz do depoimento da vítima no sentido de que foi agredida, porque, no caso, o embargante teria se sentido ofendido, é totalmente contrário ao conjunto fático que se extrai dos autos. Está muito claro que o embargante, contra a vontade da vítima, se afastou do local em poder do objeto subtraído. A vítima recorreu aos seguranças para tentar reaver seu objeto, já que o embargante não se dispunha a devolver objeto, o que caracteriza fortemente o dolo de subtração do mesmo. E aí a vítima é agredida violentamente.

No caso, o embargante em nenhum momento cogita de devolver o bem móvel que subtraíra. Ora, evidente que essa agressão se deu no contexto para a própria consumação do crime de roubo: objetivava assegurar tanto a posse como a impunidade, porque em seguida se afastaram os agressores do local e a câmara sumiu. E não releva se sumiu em poder do embargante e seu comparsa ou não, porque, como o próprio voto escoteiro deixa claro, para a caracterização do crime tanto de furto como de roubo não releva que haja posse tranquila, mas basta que tenha havido apoderamento do bem e com isso se caracteriza o crime.

Por isso, peço vênia ao eminente Relator e acompanho o voto do eminente Revisor, negando provimento ao recurso.

O Senhor Desembargador GEORGE LOPES LEITE - Vogal

Senhora Presidente, a questão aqui se apresenta um tanto quanto confusa. Nesse quadro nebuloso, parece-me que o mais razoável mesmo, até em razão do princípio do favor rei ou do in dubio pro reo, é a posição mais consentânea com a liberdade individual.

Portanto, peço vênia ao eminente Revisor e aos que o seguiram, mas voto com o Relator.

O Senhor Desembargador ROBERVAL CASEMIRO BELINATI - Vogal

Peço vista.

D E C I S Ã O

APÓS VOTOS DIVERGENTES DOS INTEGRANTES DA CÂMARA CRIMINAL, PEDIU VISTA O DESEMBARGADOR ROBERVAL CASEMIRO BELINATI.

PEDIDO DE VISTA

O Senhor Desembargador ROBERVAL CASEMIRO BELINATI - Vogal

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Cuida-se de EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE (fls. 204/208) opostos pela Defesa de Marciel de Oliveira Coelho contra o acórdão da Primeira Turma Criminal que, por voto médio, deu parcial provimento à apelação criminal interposta pelo ora embargante, nos termos da seguinte ementa:

"PENAL - ROUBO IMPRÓPRIO - FURTO - VOTO MÉDIO: ROUBO SIMPLES - LAUDO PERICIAL - LESÃO CORPORAL DE NATUREZA GRAVE - PERÍCIA TARDIA.

1. O exame complementar, que permite o reconhecimento da gravidade da lesão pela incapacitação para as ocupações habituais por mais de trinta dias, deve ser feito ainda durante a incapacitação, para que se confira esse elemento objetivo. Se o laudo complementar é feito em um ano e quarenta e seis dias depois do fato delituoso e se, ao ser realizado, não há a constatação da lesão, não existem elementos para afirmar a sua gravidade, até porque a vítima em seu depoimento não trouxe este dado.

2. Ausência de suporte probatório suficiente para admitir a gravidade das lesões.

3. Desclassificação de roubo agravado pelo resultado lesão grave para o crime de roubo simples."

A denúncia narra os fatos nos seguintes termos (fls. 02/05):

"[...] No dia 15/05/2005, por volta das 05h, no estacionamento do Clube Motonáutica, Asa Norte, Brasília/DF, BRUCE CORTÊS ALVES REGO e MARCIEL DE OLIVEIRA COELHO, com vontades livres e conscientes, dotados de ânimo de assenhoramento definitivo, e mediante unidade de desígnios e divisão de tarefas entre si, subtraíram, em proveito de ambos, coisa alheia móvel, uma máquina fotográfica digital da marca "CANON", modelo "SD-10" de propriedade de Diogo Veloso Couri (qualificado às fls. 17 do IP), tendo usado violência, para assegurar a detenção do objeto subtraído para si, pois logo após a subtração, MARCIEL DE OLIVEIRA COELHO desferiu socos no rosto da vítima, gerando as lesões descritas nos laudos de exame de corpo de delito às fls. 15 e 51-52 do procedimento informativo, tendo com referida conduta causado na vítima incapacidade para exercer suas ocupações habituais por mais de trinta dias.

No local, dia e hora acima listados, a vítima saía de uma festa e dirigiu-se ao local onde havia estacionado seu automóvel. Próximo ao automóvel estavam BRUCE CORTÊS ALVES REGO e MARCIEL DE OLIVEIRA COELHO, que 'puxaram conversa' com o ofendido. Para abrir o veículo, a vítima tirou de seu bolso seu aparelho de telefonia celular e sua Câmera fotográfica digital, além das chaves do carro. Então BRUCE tomou das mãos do ofendido o aparelho de telefonia celular e MARCIEL tomou das mãos do ofendido sua câmara fotográfica digital.

A vítima tomou de volta o aparelho de telefonia celular e passou a pedir de volta sua câmera fotográfica digital, tendo Marciel negado. Então BRUCE tentou afastar o ofendido do local, chamando-o 'para conversar'.

Ao se aproximarem de um local onde estavam vários seguranças, a vítima foi buscar auxílio de um deles, e então, para assegurar a posse da máquina, MARCIEL desferiu um soco no rosto da vítima. Os seguranças tentaram preservar o ofendido, mas MARCIEL conseguiu socá-lo mais uma vez no rosto.

Em seguida MARCIEL e BRUCE fugiram juntos no veículo do último, apoderando-se definitivamente do bem tomado [...]"

O MM. Juízo da Quinta Vara Criminal da Circunscrição Judiciária de Brasília-DF julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva estatal para absolver Bruce Cortês Alves Rego e condenar Marciel de Oliveira Coelho como incurso nas penas do artigo 157, § 3º, primeira parte, do Código Penal, cominando-lhe a pena definitiva de 07 (sete) anos de reclusão, em regime inicial semi-aberto, e 10 (dez) dias-multa, no valor legal mínimo (fls. 125/135).

Inconformada com a condenação, a Defesa de Marciel interpôs recurso de apelação (fl. 138). O recurso foi provido em parte, nos termos do voto médio do eminente Vogal, Desembargador Edson Alfredo Smaniotto, o qual desclassificou a conduta praticada pelo réu de roubo agravado pelo resultado lesão corporal grave para roubo impróprio.

A eminente Relatora, Desembargadora Gislene Pinheiro, negou provimento ao apelo, votando pela manutenção da condenação pelo crime de roubo qualificado pelo resultado lesão corporal grave.

A eminente Revisora, Desembargadora Sandra de Santis, entendeu que a conduta praticada pelo réu melhor se enquadrava no artigo 155, caput, combinado com o artigo 129, § 1º, inciso I, do Código Penal (furto e lesão corporal grave).

Em face deste acórdão, a Defesa interpôs os presentes embargos infringentes e de nulidade, pugnando pela prevalência do voto da eminente Desembargadora Sandra de Santis (fls. 204/208).

O Ministério Público do Distrito Federal, através da ilustre Procuradora de Justiça, Dra. Eunice Pereira Amorim Carvalhido, apresentou contra-razões aos embargos infringentes, sustentando que a conduta praticada se adéqua ao crime de roubo. Pugna, portanto, pelo não provimento do recurso (fls. 209/214).

O parecer da douta Procuradoria de Justiça ratifica as contra-razões ministeriais (fl. 223, verso).

Em sessão de julgamento, realizada no dia 10/08/2009, o eminente Relator, Desembargador Silvânio Barbosa dos Santos, proferiu voto no sentido de dar provimento aos embargos, argumentando que a violência empregada pelo réu contra a vítima não teve a finalidade de assegurar a detenção da coisa para si, sendo que o soco desferido foi, em verdade, uma reação ao fato de a vítima o ter chamado de ladrão. Dessa forma, entendeu o eminente Relator que o réu deve ser condenado pela prática dos crimes de furto simples e de lesão corporal grave.

O eminente Revisor, Desembargador Sérgio Rocha, abriu divergência, negando provimento aos embargos. Asseverou que "o motivo da violência empregada pelo réu não foi a simples ofensa por ser chamado de ladrão pela vítima, mas sim, a intenção de manter o bem subtraído e de assegurar a impunidade do crime cometido, tanto que fugiu logo em seguida à agressão e o bem subtraído não foi encontrado".

Os ilustres primeiro e terceiro Vogais, Desembargadores Arnoldo Camanho e George Lopes Leite, acompanharam o eminente Relator, e o eminente segundo Vogal, Desembargador Mário Machado, acompanhou o Revisor.

Pedi vista dos autos para poder melhor examinar a divergência.

Rogando vênia ao eminente Relator e aos que o seguiram, acompanho o voto do eminente Revisor.

Com efeito, os elementos presentes nos autos, a meu juízo, são suficientes para concluir que a violência empregada pelo réu teve como objetivo assegurar a detenção da res furtiva e a impunidade do crime cometido, enquadrando-se a conduta no artigo 157, § 1º, do Código Penal.

A vítima esclareceu os fatos perante a autoridade judicial, nos seguintes termos (fl. 93):

"[...] que saiu da festa por volta de cinco horas da manhã; que se dirigiu ao estacionamento do clube Motonáutica; que os acusados estavam próximo ao seu veículo e puxaram conversa com o depoente, que não desconfiou dos acusados, pois a festa era para ser só para amigos; que em determinado momento retirou a chave do carro, a máquina e seu celular se encontravam em seu bolso; que o acusado Bruce pegou o celular e o acusado Marciel pegou a câmara de sua mão e começaram a elogiar os objetos; que Bruce começou a simular uma ligação em seu celular enquanto Marciel começou a se afastar do local em poder de sua câmara; que pediu que Bruce lhe devolvesse seu celular e como ele não o fez, resolveu retirá-lo da mão de Bruce; que logo após foi em direção de Marciel para tentar recuperar a sua câmera; que pediu que Marciel lhe devolvesse a máquina, mas ele se negou e ficou 'enrolando'; que começou a conversar com Marciel, indo em direção aos seguranças da festa; que quando chegou perto dos seguranças falou que Marciel estava tentando roubar sua câmera; que Marciel se ofendeu e lhe desferiu um soco no rosto; que o segurança tentou afastar Marciel, mas não conseguiu, situação pela qual Marciel lhe desferiu outros socos; que não viu o que Marciel fez com a máquina quando ele lhe desferiu outro murro; que não conseguiu recuperar a máquina; que não sabe se a mesma foi levada por Marciel ou por outras pessoas; que se lembra que logo após as agressões sofridas apareceu um veículo no qual os acusados entraram e saíram do local [...]"

A testemunha Maurício de Oliveria, que trabalhou na bilheteria do evento e que presenciou os fatos, disse (fl. 94):

"[...] que por volta das cinco horas da manhã a festa tinha acabado e Rogério, o organizador da festa, solicitou que os funcionários retirassem os veículos do estacionamento para que pudessem fechar os portões do clube; que em determinado momento vieram a vítima e os dois acusados pelo estacionamento, momento em que Diogo solicitou ajuda, pois um dos acusados havia furtado a sua máquina; que Diogo apontou para o mais baixo, salvo engano Marciel; que os funcionários ficaram próximos aos três tentando apurar o que realmente tinha acontecido; que Marciel negou ter subtraído a câmera de Diogo; que nesse momento começou um bate-boca entre Diogo e Marciel, enquanto Bruce ficou mais próximo aos dois; que em determinado momento Marciel desferiu um soco em Diogo [...] que saiu do local para resolver uma outra briga e quando retornou a vítima já tinha sido ajudada por um popular e Bruce e Marciel já não se encontrava no local [...]"

Ora, a vítima foi buscar ajuda, junto aos seguranças, para reaver sua máquina fotográfica e, ao invés de devolver a res furtiva, "o réu negou tê-la pegado e, ainda, desferiu socos na vítima, evadindo-se do local logo em seguida," sendo que a máquina não foi recuperada. Está claro que a violência foi utilizada para manter o bem subtraído e assegurar a impunidade do crime cometido, pois, se a agressão não tivesse existido, muito provavelmente a vítima, com a ajuda dos seguranças, teria conseguido reaver sua câmera fotográfica, subtraída pelo réu.

É certo que a vítima declarou que, ao comunicar aos seguranças que Marciel havia subtraído sua câmera, esse se "ofendeu" e lhe desferiu um soco no rosto. Em verdade, dessume-se do conjunto probatório dos autos, que a violência utilizada pelo réu contra a vítima não foi por que ele se sentiu ofendido ao ser chamado de ladrão pela vítima, mas usou da violência contra a vítima, desferindo-lhe um violento soco, para manter o bem subtraído (a máquina fotográfica) e para assegurar-lhe a impunidade do crime cometido.

Ressalte-se que em nenhum momento o réu, ora embargante, cogitou devolver a máquina fotográfica, o que demonstra que realmente tinha a intenção de se apoderar de coisa alheia.

Assim, não há dúvida de que a conduta praticada pelo embargante está tipificada no § 1º do artigo 157 do Código Penal.

Portanto, estou de acordo com o voto do eminente Desembargador Edson Alfredo Smaniotto, do qual transcrevo o seguinte excerto (fl. 197):

"[...] entendo que a tipicidade permite pelo menos a hipótese de roubo impróprio, que contém a narrativa na denúncia, porque se ele, após a subtração da coisa, na expressão exata do § 1º, exerce violência ou grave ameaça contra a pessoa com o intuito de assegurar a detenção da coisa ou a impunidade do crime, penso que estaríamos diante exatamente dessa configuração do § 1º do artigo 157, que estabelece a figura do roubo impróprio. Ou seja, o apelante teria usado de violência contra a vítima ou para assegurar a detenção física da coisa ou, no mínimo, para assegurar a impunidade do crime, já que ele não concordava com aquela afirmação de que estava subtraindo os pertences da vítima [...]'

Registre-se, por fim, que o embargante está sendo processado também por outro crime (artigo 33 da Lei nº 11.343/2006 - tráfico de drogas), conforme anota o sítio eletrônico deste Tribunal (processo nº 2009.01.1.013543-2), o que demonstra que o crime de roubo impróprio, ora em apreço, não é um fato isolado em sua vida.

Diante do exposto, pedindo vênia ao eminente Relator, Desembargador Silvanio Barbosa dos Santos, acompanho o voto do eminente Revisor, Desembargador Sérgio Rocha, para negar provimento aos embargos e fazer prevalecer a condenação do réu, ora embargante, pelo crime previsto no artigo 157, § 1º, do Código Penal (roubo impróprio).

É como voto.

A Senhora Desembargadora SANDRA DE SANTIS - Presidente e Vogal

Peço vênia aos Desembargadores que negaram provimento para dar provimento, nos termos do voto do eminente Relator, de acordo com o voto que já proferi nesta Turma.

D E C I S Ã O

DAR PROVIMENTO AOS EMBARGOS, POR MAIORIA.

DJ-e: 29/09/2009



Notas:

1 - Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:(...)
VI - não existir prova suficiente para condenação. [Voltar]




JURID - Embargos infringentes e de nulidade. Furto e lesão corporal. [06/10/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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