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terça-feira, 20 de outubro de 2009

JURID - Direito civil. Família. Recurso especial. Concubinato. [20/10/09] - Jurisprudência


Direito civil. Família. Recurso especial. Concubinato. Casamento simultâneo.


Superior Tribunal de Justiça - STJ.

RECURSO ESPECIAL Nº 872.659 - MG (2006/0103592-4)

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE: M A R

ADVOGADO: GERALDO DIAS MOURA OLIVEIRA E OUTRO(S)

RECORRIDO: A DO A T - ESPÓLIO

REPR. POR: D C T - INVENTARIANTE

ADVOGADO: JULIANA GONTIJO E OUTRO(S)

EMENTA

Direito civil. Família. Recurso especial. Concubinato. Casamento simultâneo. Ação de indenização. Serviços domésticos prestados.

- Se com o término do casamento não há possibilidade de se pleitear indenização por serviços domésticos prestados, tampouco quando se finda a união estável, muito menos com o cessar do concubinato haverá qualquer viabilidade de se postular tal direito, sob pena de se cometer grave discriminação frente ao casamento, que tem primazia constitucional de tratamento; ora, se o cônjuge no casamento nem o companheiro na união estável fazem jus à indenização, muito menos o concubino pode ser contemplado com tal direito, pois teria mais do que se casado fosse.

- A concessão da indenização por serviços domésticos prestados à concubina situaria o concubinato em posição jurídica mais vantajosa que o próprio casamento, o que é incompatível com as diretrizes constitucionais fixadas pelo art. 226 da CF/88 e com o Direito de Família, tal como concebido.

- A relação de cumplicidade, consistente na troca afetiva e na mútua assistência havida entre os concubinos, ao longo do concubinato, em que auferem proveito de forma recíproca, cada qual a seu modo, seja por meio de auxílio moral, seja por meio de auxílio material, não admite que após o rompimento da relação, ou ainda, com a morte de um deles, a outra parte cogite pleitear indenização por serviços domésticos prestados, o que certamente caracterizaria locupletação ilícita.

- Não se pode mensurar o afeto, a intensidade do próprio sentimento, o desprendimento e a solidariedade na dedicação mútua que se visualiza entre casais. O amor não tem preço. Não há valor econômico em uma relação afetiva. Acaso houver necessidade de dimensionar-se a questão em termos econômicos, poder-se-á incorrer na conivência e até mesmo estímulo àquela conduta reprovável em que uma das partes serve-se sexualmente da outra e, portanto, recompensa-a com favores.

- Inviável o debate acerca dos efeitos patrimoniais do concubinato quando em choque com os do casamento pré e coexistente, porque definido aquele, expressamente, no art. 1.727 do CC/02, como relação não eventual entre o homem e a mulher, impedidos de casar; a disposição legal tem o único objetivo de colocar a salvo o casamento, instituto que deve ter primazia, ao lado da união estável, para fins de tutela do Direito.

Recurso especial do Espólio provido.

Recurso especial da concubina julgado prejudicado.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Massami Uyeda, por unanimidade, dar provimento ao recurso do espólio e julgar prejudicado o recurso de M. A. R., nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina e Paulo Furtado votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 25 de agosto de 2009(Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

RELATÓRIO

Recurso especial interposto por M. A. R., com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, contra acórdão exarado pelo TJ/MG.

Ação: de indenização por serviços domésticos prestados, ajuizada por M. A. R. em face do Espólio de A. do A. T., representado por sua viúva e inventariante, D. C. T. Alude, na inicial, que viveu em concubinato "público e notório", com o falecido, pelo período compreendido entre o ano de 1966 até a data do óbito, que ocorreu em 14/3/1994, o que totalizou 27 anos de união de afeto, da qual adveio o nascimento de E. C. R. T., em 10/1/1976, voluntariamente reconhecida como filha pelo então concubino. Afirma que o falecido a assediava incansavelmente e que era também conhecido pelo apelido de "Coelho". Na época em que iniciaram a relação amorosa, contava com 17 anos de idade e trabalhava na "Fazenda Marimbondo" de propriedade do falecido, onde efetuava serviços domésticos eventualmente. Destaca que contribuiu decisivamente e de forma direta, para a formação do patrimônio do falecido, por meio do exercício de sua profissão de costureira e do labor doméstico a ele prestado, durante 27 anos, devendo ser ressarcida, "desde que a Autora não se habilitou nos autos do inventário" (fl. 5). Esclarece que jamais recebeu do falecido qualquer compensação, oferecendo, ao companheiro, "assistência afetiva, promovendo ambiente sadio e tranquilo, cuidando da casa, da filha, enfim, dos afazeres do lar, sem dele nada exigir, eis que, como costureira que tinha como clientes várias lojas em Belo Horizonte, dele nada exigia para sua manutenção e da casa, esta de propriedade da Autora, embora ele assistisse carinhosamente a filha E." (fl. 5). Pleiteia, por fim, que seja o Espólio do falecido condenado a pagar-lhe o valor correspondente a 4 salários mínimos, contados a partir do mês de fevereiro de 1966, até a data do falecimento do inventariado (14/3/1994), como indenização pelos serviços domésticos que lhe prestou durante o concubinato, com o pagamento de uma só vez, valor corrigido até o efetivo cumprimento do quanto for decidido em Juízo.

Decisão (fl. 39): por entender o i. Juiz que a ação deveria ser ajuizada em face dos herdeiros do falecido e não do Espólio, assinou prazo de 10 dias a M. A. para que aditasse a inicial com vistas a regularizar o pólo passivo.

Manifestação de M. A. (fls. 42/45): arrazoou no sentido de que os herdeiros não respondem pelas dívidas e obrigações do falecido quando ainda não houver sido ultimada a partilha, respondendo, isto sim, o seu patrimônio, que é, por conseguinte, representado pelo Espólio, o que foi acolhido pelo i. Juiz.

Declaração (fl. 47): em que se atesta que M. A. recebe a pensão por morte do falecido, no valor, à época (25/3/1998), de R$ 331,35 (trezentos e trinta e um reais e trinta e cinco centavos).

Contestação (fls. 58/82): alega o Espólio que, casados - a inventariante e o inventariado - desde 1945 até a morte deste, sem nenhuma ruptura, de cuja união advieram 11 filhos, um já falecido, a M. A. somente cabe reputar a ocorrência de relacionamento que "nunca passou do campo clandestino e meramente sexual, típico dos popularmente chamados amantes, que mantém encontros eventuais e esporádicos para fins libidinosos" (fl. 60). Faz alusão à "doação indireta de valiosíssimo imóvel e da instalação de uma fábrica de confecção pelo falecido A(...)" (fl. 61), além de "maquinário (existente até hoje) para que ela [a concubina] pudesse trabalhar no ramo de confecções" (fl. 62). Sustenta que atualmente M. A. "reside no andar superior desta casa e aluga as duas lojas do primeiro andar, de tal forma que este imóvel que recebeu do falecido A. como doação indireta, além de lhe dar teto próprio, ainda proporciona excelente rendimento!" (fl. 63). Assevera que o valor pretendido por M. A. corresponde a mais de 60% de toda a herança que o inventariado deixou, sendo que a casa que ele construiu para ela já possui um valor aproximado de R$ 150.000,00. Na mera hipótese de procedência do pedido, afirma que M. A. sairia com um patrimônio de R$ 305.520,00 - produto da soma da indenização por ela pleiteada e da casa, já incorporada definitivamente em sua propriedade. Por fim, assegura que a escalada patrimonial do falecido passou a decair a partir do momento em que se iniciou a construção da residência de M. A., à qual atribui a dilapidação do patrimônio da família. Argúi, ao final, a prescrição das prestações pretendidas por M. A., que devem ser limitadas aos últimos 5 anos.

Houve réplica da concubina às fls. 109/117, logo após, manifestação de ambas as partes, respectivamente, às fls. 131/137 e 143/146, com audiência de conciliação à fl. 151, tendo ainda sido, por duas vezes, adiada a audiência de instrução, com juntada de atestado médico, justificando a ausência da viúva às fls. 244/245 e 267/268.

Petição do Espólio: pleiteia, em razão do estado de saúde debilitado da inventariante, à época com 76 anos de idade, com dificuldades de locomoção e acometida de cardiopatia isquêmica, com o objetivo de "obstar situação exacerbadamente constrangedora, que poderia geral um mal maior" (fl. 278), que fosse ela ouvida em sua residência, em data e horário previamente designados, pedido que foi indeferido pelo i. Juiz (fl. 279).

Audiência de instrução (fls. 283/307): colhidos os depoimentos pessoais das partes e das testemunhas.

Petição de M. A. (fls. 316/317): considerando o termo do arrolamento dos bens do inventariado, pleiteia, em sua garantia, que seja averbada à margem da matrícula de imóvel de transcrição n.º 18.104, do Livro 3-S, Fls. 242, do Cartório de Registro de Imóveis de Divinópolis, a existência da presente ação de indenização, o que foi deferido pelo i. Juiz (fl. 316).

Sentença (fls. 401/408): o pedido foi julgado parcialmente procedente, para arbitrar a indenização a ser paga pelo Espólio em favor da concubina no valor correspondente a um salário mínimo mensal, pelo período incontroverso e comprovado do concubinato, ou seja, de 23 anos, a partir de janeiro de 1971 até o óbito.

Embargos de declaração (fl. 430 e v.): opostos pelo Espólio, foram rejeitados.

Acórdão (fls. 534/543): acolhendo preliminar de prescrição quinquenal, para fixar o termo inicial da indenização em cinco anos anteriores à distribuição da petição inicial, ao entendimento de que se trata de contrato de prestação de serviços, em que "a recorrente está a pretender o recebimento de salários pelos serviços que entende ter prestado ao seu companheiro" (fl. 537), o TJ/MG, porém, arbitrou em três salários mínimos a indenização devida à concubina, esclarecendo que o termo final é a data do óbito do inventariado.

Embargos de declaração (fls. 566/570 e 571/575): interpostos por ambas as partes, foram rejeitados.

Recurso especial de M. A. (fls. 578/588): interposto sob alegação de ofensa ao art. 177 do CC/16 e dissídio jurisprudencial. Admitido às fls. 900/903.

Recursos especial e extraordinário, ambos interpostos pelo Espólio: às fls. 618/647 e 731/760, respectivamente, os quais não foram admitidos na origem (fls. 904/907 e 908/909), e admitido, o recurso especial, neste ato, por meio do Ag 796.818.

O recurso especial do Espólio, foi interposto com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, sob alegação de ofensa aos arts. 1.566, I, II, V, 1.573, I, IV, VI, e 1.710, do CC/02; 13 da Lei 5.478/68; às Leis 8.971/94 e 9.278/96; e dissídio jurisprudencial.

Parecer do MPF (fls. 937/954): da lavra do i. Subprocurador-Geral da República, Henrique Fagundes Filho, no sentido de que seja provido o recurso especial de M. A.

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

A lide versa sobre pedido indenizatório, por alegados 23 anos de serviços domésticos prestados, deduzido pela concubina em face do Espólio do concubino, em concubinato mantido concomitantemente com casamento.

O Espólio, representado pela viúva, hoje com 84 anos de idade, pretende debater acerca do cabimento do pedido indenizatório em si, enquanto que a concubina busca discutir qual o prazo prescricional aplicável à sua pretensão: se de cinco ou vinte anos.

Preliminarmente, é preciso bem fixar a distinção acerca da terminologia conferida a cônjuges, companheiros e concubinos, bem como delimitar os efeitos decorrentes dos institutos do casamento, união estável e concubinato.

O casamento, protegido constitucionalmente e pela lei civil, como a instituição mais adequada de tutela da Família - base da sociedade -, tem seus efeitos jurídicos e patrimoniais plenamente regulados e solidificados, conferindo-se aos cônjuges status social relevante, com direitos efetivamente assegurados.

À união estável, por sua vez, ao ser alçada pela CF/88, como entidade familiar, e que pressupõe ausência de impedimentos para o casamento, ou, pelo menos, que esteja presente a separação de fato, são conferidos efeitos similares aos do casamento, o que permite aos companheiros a salvaguarda de seus direitos patrimoniais, dentre outros, conforme definido em lei.

Contudo, ao concubinato, entendido como a relação que abrange convivências à margem do casamento e que vulneram, portanto, os impedimentos existentes para a concretização de nova relação matrimonial, como as que existem em quebra do dever de fidelidade, quando, por exemplo, uma pessoa casada mantém vida concubinária simultânea à conjugal, não é conferido efeito jurídico, marcadamente de cunho patrimonial, porquanto em confronto direto com o objetivo maior de proteção da CF/88, que é o casamento. O concubino, por ser aquele que se une, clandestinamente ou não, a outra pessoa comprometida, legalmente impedida de se casar, fica destituído de específicas tutelas de direito, exatamente porque adviriam em frontal prejuízo ao do outro cônjuge do casamento não desfeito, popularmente concebido como aquele que foi "traído".

Ante a prejudicialidade entre as teses contrapostas, será analisado primeiramente o recurso especial interposto pelo Espólio.

- Recurso especial do Espólio.

- Da violação aos arts. 1.566, I, II, V, 1.573, I, IV, VI, e 1.710, do CC/02; 13 da Lei 5.478/68; às Leis 8.971/94 e 9.278/96; e do dissídio jurisprudencial.

Ainda que não haja o efetivo prequestionamento das matérias jurídicas vertidas nos arts. 1.566, I, II, V, 1.573, I, IV, VI, e 1.710, do CC/02; e 13 da Lei 5.478/68; bem como não seja possível examinar alegação de ofensa genérica a lei, tal como acontece quando menciona o Espólio a violação às Leis 8.971/94 e 9.278/96, considere-se que o dissídio jurisprudencial, notadamente quanto aos 3º e 4º acórdãos alçados a paradigma, e ainda ao julgado oriundo este Tribunal - TJ/DF, Apelação Cível, 004668697, Rel. Des. Eduardo Alberto de Moraes Oliveira, DJ de 11/3/98; TJ/DF, Apelação Cível, 0039761.96, Rel. Des. Eduardo Alberto de Moraes Oliveira, DJ de 11/9/1996; e STJ, o REsp 5.202/CE, 4ª Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 29/4/1991 - encontra-se perfeitamente demonstrado, o que permite a abertura desta via especial.

Assevera o Espólio que "não há como reconhecer direito indenizatório ou trabalhista de cunho pecuniário para uma relação afetiva e sexual que inclusive gerou uma filha em comum, dentro do atual estágio do Direito" (fl. 627). Quando a própria recorrida instruiu sua inicial com documentos e buscou meios probatórios no sentido de assegurar a existência de relacionamento amoroso, o TJ/MG reconheceu que ela era "diarista" e "prestava serviços" para o falecido, o que, no seu entender, demonstra que o acórdão impugnado encontra-se equivocado na interpretação dos fatos e teses jurídicas.

Menciona, por fim, aspecto do comportamento de M. A. que reputa como malicioso, por ter esperado o termo do "prazo decadencial para argüição de anulação da doação indireta do imóvel que o falecido amante construiu e mobiliou para ela e para a filha E(...), - de forma a ficar segura de que não poderia mais ser questionada esta propriedade que conseguiu fosse adquirida pelo falecido para ela só por ter sido sua amante!" (fl. 641).

Para que se tenha a exata percepção do viés que se deu à lide, em ambos os graus de jurisdição, seguem trechos da sentença e do acórdão impugnado:

Sentença: (fl. 405):

"Do contexto probatório dos autos, extrai-se que a Requerente, efetivamente manteve com A. do A. T. relacionamento em torno de vinte e seis anos, mas, não obstante, o último jamais esteve separado de fato de sua esposa.

É de se salientar que, conforme orientação jurisprudencial predominante, constatado, a toda evidência, um relacionamento duradouro, como na espécie, tem o concubino direito de pleitear indenização por serviços prestados.

E foi exatamente dentro deste contexto a formulação do pedido, como conseqüência do reconhecimento da sociedade de fato mantida por mais de 25 (vinte e cinco) anos entre o 'de cujus' e a Sra. M. A.

Nem se diga que a ausência de coabitação sob o mesmo teto impede o reconhecimento do direito à indenização em referência eis que, para tanto, basta a comprovação de uma convivência duradoura, havendo a Companheira ajudado na educação da filha e, mais ainda, nos afazeres domésticos.

'In casu', restou amplamente provado que a Autora, além de realizar os trabalhos domésticos em prol do falecido, teria, também, lhe prestado toda a espécie de trabalho, contribuindo, assim, para a mantença daquele; inclusive compartilhando o mesmo teto e o satisfazendo sexualmente.

A Jurisprudência admite que a mulher pleiteie dos herdeiros do companheiro, pagamento a título de salários, desde que provada a prestação de serviços no lar, ainda que a relação concubinária tenha sido concomitante com o estado de casado de um dos concubinos."

Acórdão (fls. 537, 538 e 541):

"(...)

No mérito, o segundo recorrente insiste na inexistência da prestação de serviços, inclusive trazendo argumentos estranhos ao objeto da lide, quando menciona q ausência de sociedade de fato. Como alternativa, pugna pela compensação de valores relativos a bens que teriam sido doados à primeira recorrente, a redução do valor arbitrado para a metade do salário mínimo e a diminuição dos honorários advocatícios. A primeira apelante pretende a majoração do mencionado valor da indenização para quatro salários mínimos mensais.

(...)

A primeira apelante prestou depoimento pessoal às ff. 286/287. Informou que o falecido A., em vida, dormia na casa dela três vezes por semana e, na sexta-feira, o casal ia para a fazenda dele. Asseverou que cozinhava para ele e, ainda, prestava serviços no imóvel rural, inclusive cuidando de animais.

A representante do segundo recorrente, viúva do falecido, prestou depoimento pessoal às ff. 288/290. Afirmou que desconfiava da existência do relacionamento extraconjugal, mas A. só dormia fora de casa quando ia para a fazenda, o que ocorria uma ou duas vezes por semana. Confessou que o relacionamento de A. com a primeira apelante, M. A., passou a ser conhecido de todos e que a referida M. A. trabalhava para ele como diarista.

As testemunhas que depuseram (ff. 291/307) nada esclareceram quanto à prestação de serviços. Estes os fatos.

(...)

Ora, se a própria representante do devedor admite que a primeira apelante era diarista, sem esclarecer quantos dias trabalhava por semana, e considerando que a diarista recebe valor superior ao salário mínimo, o que é fato notório, entendo que a remuneração mensal correta é em valor equivalente a três salários mínimos."

Não há como se afastar, da leitura atenta das peças decisórias, a conclusão da clara ocorrência de concubinato, ainda que o TJ/MG tenha tentado vestir outra roupagem na relação mantida entre o falecido e M. A., afirmando ter esta prestado serviços como "diarista", durante os mais de 20 anos da união amorosa, da qual inclusive resultou o nascimento de uma filha.

Fixadas as bases fáticas, insuscetíveis de reexame nesta via, tem-se, em rápido bosquejo pela jurisprudência do STJ, entendimento no sentido de que cabível "indenizar os serviços domésticos prestados pela concubina ao companheiro durante o período da relação, direito que não é esvaziado pela circunstância de ser o concubino casado, se possível, como no caso, identificar a existência de dupla vida em comum, com a esposa e a companheira, por período superior a trinta anos" (REsp 303.604/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJe de 23/6/2003).

Em sentido diametralmente oposto, todavia, extrai-se orientação jurisprudencial também desta Corte, de que na hipótese de tratar-se de "concubinato adulterino", como na época era denominado pela doutrina e jurisprudência o atual concubinato em que presente o impedimento para casar, inviável a pretensão da concubina de ser indenizada. Este precedente - REsp 5.202/CE, 4ª Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de 29/4/1991 -, bem serviu ao Espólio para formar o acervo dos julgados alçados a paradigma.

Cumpre destacar, a respeito da jurisprudência que por certo período vigorou, inicialmente formada pelo STF e depois seguida no âmbito do STJ, de que os efeitos patrimoniais gerados pela convivência afetiva entre o homem e a mulher - não impedidos de casar - geravam indenização pela prestação de serviços domésticos, que foi ela um mecanismo utilizado com o fim único de evitar o enriquecimento injustificado quando as relações de afeto - nas hipóteses em que descartado o casamento - não geravam qualquer direito, porque não previstos em lei.

Referido entendimento, no entanto, encontra-se, totalmente superado, porquanto ao ser alçada a união estável à categoria de entidade familiar - equiparada ao casamento -, foram tais vínculos subtraídos da órbita obrigacional e integrados, definitivamente, ao Direito de Família. A partir daí, não mais há de se cogitar, sob a alegação de serviços domésticos prestados, a busca da tutela jurisdicional, revelando-se indevida discriminação a concessão do benefício pleiteado à concubina, pois o término do casamento não confere direito à referida indenização.

Assim, se com o fim do casamento não há possibilidade de se pleitear indenização por serviços domésticos prestados, tampouco quando se finda a união estável, muito menos com o cessar do concubinato haverá qualquer viabilidade de se postular tal direito, sob pena de se cometer grave discriminação frente ao casamento, que tem primazia constitucional de tratamento.

Ora, se o cônjuge no casamento nem o companheiro na união estável fazem jus à indenização, muito menos o concubino pode ser contemplado com tal direito, pois teria mais do que se casado fosse.

Dessa forma, a concessão da indenização à concubina situaria o concubinato em posição jurídica mais vantajosa que o próprio casamento, o que é incompatível com as diretrizes constitucionais do art. 226 da CF/88 e com o Direito de Família, tal como concebido.

Entendimento em sentido diverso, privilegiaria, abstraindo-se da questão em tese e voltando à hipótese em julgamento, a concubina, em detrimento da própria viúva do falecido e de todos os 11 filhos - incluída aí a filha da concubina - cujos quinhões seriam consideravelmente reduzidos.

Aliás, o pedido deduzido por M. A. em muito se assemelha a uma tentativa de se buscar, de uma forma canhestra, direito sucessório, sabidamente a ela não estendido.

Reconhecer-se-ia uma dupla meação. Uma devida à viúva, reconhecida e devidamente amparada em lei. Outra, criada em Tribunais, como um "monstro" jurisprudencial, a assombrar os casamentos existentes e fazer avançar as uniões concubinárias, albergando-as e estimulando-as, ainda que a ideia inicial do legislador tenha sido no sentido de não permear o instituto do concubinato de efeitos marcadamente patrimoniais.

E nessa toada, vem a lume a questão do tão propalado enriquecimento sem causa a justificar a pretensão indenizatória. É por todos sabido que em tais relacionamentos, geralmente é a concubina que tem a proteção material do concubino, auferindo, deste, vantagens econômicas, o que bem se depreende da leitura dos autos, na hipótese em julgamento. Nenhuma vantagem econômica ou patrimonial foi apontada em relação ao falecido, na acepção de ter ele sido beneficiado materialmente pelo esforço da concubina. Ao contrário, a alusão que se faz, em grande parte no processo - inclusive no acórdão impugnado - diz respeito a favores que a concubina recebeu, amealhou e conservou ao longo e para além da relação concubinária, com ênfase ao imóvel residencial e comercial de que é proprietária.

A relação de cumplicidade, consistente na troca afetiva e na mútua assistência havida entre os concubinos, ao longo do concubinato, em que auferem proveito de forma recíproca, cada qual a seu modo, seja por meio de auxílio moral, seja por meio de auxílio material, não admite que após o rompimento da relação, ou ainda, com a morte de um deles, a outra parte cogite pleitear indenização por serviços domésticos prestados, o que certamente - e aí sim - caracterizaria locupletação ilícita.

Considere-se, por fim, que não se pode mensurar o afeto, a intensidade do próprio sentimento, o desprendimento e a solidariedade na dedicação mútua que se visualiza entre casais. O amor não tem preço. Não há valor econômico em uma relação afetiva. Acaso houver necessidade de dimensionar-se a questão em termos econômicos, poder-se-á incorrer na conivência e até mesmo estímulo àquela conduta reprovável em que uma das partes serve-se sexualmente da outra e, portanto, recompensa-a com favores.

Dessa forma, não há viabilidade de se debater acerca dos efeitos patrimoniais do concubinato quando em choque com os do casamento pré e coexistente, porque definido aquele, expressamente, no art. 1.727 do CC/02, como relação não eventual entre o homem e a mulher, impedidos de casar. A disposição legal tem o único objetivo de colocar a salvo o casamento, instituto que deve ter primazia, ao lado da união estável, para fins de tutela do Direito. A esse respeito já se manifestou a jurisprudência do STJ, de cujos julgados destaca-se o REsp 631.465/DF, de minha relatoria, DJe de 23/8/2004.

Em conclusão, o pedido formulado pela recorrida na inicial deve ser julgado improcedente, cassando-se, por consequência, o acórdão recorrido, por evidente confronto com a interpretação dada à questão neste julgamento, porquanto não há como ser conferido o direito indenizatório à concubina por serviços domésticos prestados em relação concubinária simultânea a casamento válido.

Forte em tais razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial do Espólio de A. do A. T. para julgar improcedente o pedido formulado por M. A. R.

Por conseguinte, julgo prejudicadas as demais questões trazidas a debate, inclusive aquelas deduzidas no recurso especial interposto por M. A. R., que neste ato é JULGADO PREJUDICADO.

Condeno, por fim, M. A. R. ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes que fixo no valor de R$ 4.000,00, cuja exigibilidade, porém, segue suspensa, enquanto perdurarem os efeitos da concessão do benefício da justiça gratuita.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2006/0103592-4 REsp 872659 / MG

Número Origem: 10223980165045

PAUTA: 19/03/2009 JULGADO: 19/03/2009

SEGREDO DE JUSTIÇA

Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro SIDNEI BENETI

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. FRANCISCO DIAS TEIXEIRA

Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: M A R

ADVOGADO: GERALDO DIAS MOURA OLIVEIRA E OUTRO(S)

RECORRIDO: A DO A T - ESPÓLIO

REPR. POR: D C T - INVENTARIANTE

ADVOGADO: JULIANA GONTIJO E OUTRO(S)

ASSUNTO: Civil - Família - Concubinato - Indenização

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Após o voto da Sra. Ministra Relatora, dando provimento ao recurso especial, pediu vista o Sr. Ministro Massami Uyeda. Aguardam os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS) e Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ/BA).

Brasília, 19 de março de 2009

MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
Secretária

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2006/0103592-4 REsp 872659 / MG

Número Origem: 10223980165045

PAUTA: 25/08/2009 JULGADO: 25/08/2009

SEGREDO DE JUSTIÇA

Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro SIDNEI BENETI

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JUAREZ ESTEVAM XAVIER TAVARES

Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: M A R

ADVOGADO: GERALDO DIAS MOURA OLIVEIRA E OUTRO(S)

RECORRIDO: A DO A T - ESPÓLIO

REPR. POR: D C T - INVENTARIANTE

ADVOGADO: JULIANA GONTIJO E OUTRO(S)

ASSUNTO: Civil - Família - Concubinato - Indenização

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Massami Uyeda, a Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso do espólio e julgou prejudicado o recurso de M. A. R., nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS) e Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ/BA) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília, 25 de agosto de 2009

MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
Secretária

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA:

Ao relatório da eminente Ministra-Relatora, elaborado com grande esmero, acrescenta-se que o feito foi levado a julgamento pela egrégia Terceira Turma, ocasião em que, após a prolação do voto da ilustre Ministra-Relatora, dando provimento ao recurso especial do espólio de A. do AT., para julgar improcedente o pedido formulado por M.A.R., e julgando prejudicado e recurso especial de M.A.R., esta Relatoria pediu vista para melhor análise dos autos.

É o relatório.

Apreciando a controvérsia trazida a esta Corte, acompanha-se o voto da respeitável Relatora.

O busílis da quaestio aqui agitada consiste em saber se a ora recorrente M.A.R., que manteve concubinato com A. do A.T. por aproximadamente 23 (vinte e três) anos - relação da qual inclusive resultou o nascimento de uma filha -, concomitantemente ao casamento do de cujus com D.C.T., faz jus a indenização por alegados serviços prestados durante o período do relacionamento extra-conjugal vivido entre ambos.

Na realidade, não se olvida que a existência de julgados da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça admitindo o pagamento de indenização por serviços prestados pela concubina ao companheiro durante o período da relação, independentemente de o concubino ser ou não casado, desde que presentes, ao menos, uma das seguintes situações: a) seja possível identificar a existência de dupla vida em comum, com a esposa e a companheira, por considerável período de tempo (ut REsp n. 303.604/SP, Quarta Turma, relator Ministro Aldir Passarinho Júnior, DJ de 23.6.2003; e REsp n. 229.033/SP, relator Ministro César Asfor Rocha, DJ de 19.6.2000); b) inexistindo acréscimo patrimonial e, por conseguinte, quaisquer bens a serem partilhados, fique comprovado que o convivente se dedicou exclusivamente aos afazeres domésticos (ut REsp n. 274.263/RJ, relator Ministro Barros Monteiro, DJ de 13.10.2003; e REsp 323.909/RS, Quarta Turma, relator Ministro Hélio Quaglia Barbosa, DJ de 04.6.2007); ou c) na hipótese de caracterização efetiva de sociedade de fato, com contribuição direta ou indireta da companheira, seja mediante de entrega de bens ou dinheiro, ou mesmo a colaboração na administração do lar, gerenciando serviços domésticos (ut REsp 239.234/SP, Quarta Turma, relator Ministro Jorge Scartezzini, DJ de 28.2.2005).

Contudo, é importante deixar assente a diferença de tratamento no ordenamento jurídico brasileiro entre o concubinato - definido pelo art. 1727 do Código Civil como "relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar" e o casamento, que, segundo o art. 1511 do Código Civil, "estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges".

Bem de ver, outrossim, que a própria Constituição Federal de 1988, em seu art. 226 e parágrafos, define a família como base da sociedade, que tem especial proteção do Estado (art. 226, caput), sendo reconhecidos como entidade familiar o casamento (§ § 1º e 2º), a união estável (§ 3º) e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (§ 4º).

Dessa forma, não se concebe que a concubina - que sequer foi reconhecida juridicamente como integrante da entidade familiar e que, portanto, não tem qualquer direito sucessório - pleiteie indenização por eventuais serviços prestados durante o período do relacionamento extra-conjugal, porquanto, em tal hipótese, estar-se-ia atribuindo ao concubinato tratamento jurídico tão ou mais benéfico do que o próprio casamento, cujo término não confere a qualquer dos cônjuges direito à indenização por serviços prestados durante a constância da sociedade conjugal.

Na espécie, atribuir à recorrente M.A.R. o direito à reparação patrimonial por serviços de "diarista" prestados ao de cujus durante a existência do concubinato chancelaria que, em determinadas hipóteses, o patrimônio do cônjuge infiel fosse totalmente revertido para a concubina (enquanto credora de indenização), sem qualquer remanescente para o cônjuge sobrevivente (enquanto herdeiro legítimo do consorte infiel).

Ademais, ainda que se admitisse a plausibilidade do direito invocado, não há, nos autos, a demonstração, por parte da recorrente M.A.R., de que ela teria efetivamente contribuído para a formação de um patrimônio comum ou mesmo trazido qualquer vantagem patrimonial ao falecido, mas, pelo contrário, restou evidenciado que foi a recorrente M.A.R. beneficiada economicamente da relação mantida com o de cujus, recebendo, inclusive, daquele, a propriedade de um imóvel residencial e comercial, com valor atual estipulado em R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais), o qual é utilizado em parte para a sua moradia, e em parte para locação a terceiros.

Assim sendo, sob qualquer prisma que se analise a questão, deve ser julgada improcedente a ação de indenização ajuizada pela recorrente M.A.R.

Acompanha-se, pois, o voto da eminente Ministra Relatora.

É o voto.

MINISTRO MASSAMI UYEDA

VOTO

O SR. MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS): Senhor Presidente, acompanho integralmente o voto da eminente Ministra Relatora, dando provimento ao recurso especial do espólio.

Apenas gostaria de trazer, em adendo, um excerto do Rio Grande do Sul, da nossa jurisprudência, nessa linha, que diz o seguinte:

"Não se pode vislumbrar, em uma relação afetiva, sentimental, entre um homem ou uma mulher, uma afeição econômica, monetária, no tocante aos cuidados e dedicação que um destina ao outro, os quais não podem ser considerados serviços prestados, porque de serviços não se trata, mas sim de troca de afeto."

Ministro VASCO DELLA GIUSTINA

(Desembargador Convocado do TJ/RS)

Documento: 866698

Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 19/10/2009




JURID - Direito civil. Família. Recurso especial. Concubinato. [20/10/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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