Violação à honra objetiva e subjetiva do empregado. Indenização. Cabimento.
Tribunal Regional do Trabalho - TRT 5ª Região.
4.ª TURMA
A conclusão deste acórdão foi publicada no Diário Oficial da Justiça do Trabalho, edição de 18 / 02 /2010
RECURSO ORDINÁRIO N.º 00065-2009-132-05-00-7 RO
Recorrentes: EDILENE TOMAZ PEREIRA VIANA e BOMPREÇO BAHIA SUPERMERCADOS LTDA.
Recorridos: OS MESMOS
Relatora: Desembargadora GRAÇA BONESS
DANO MORAL. DIVULGAÇÃO INDEVIDA DO NOME DO EMPREGADO EM PROCEDIMENTO DE INVESTIGAÇÃO PELA PRÁTICA DE CRIME. VIOLAÇÃO À HONRA OBJETIVA E SUBJETIVA DO EMPREGADO. INDENIZAÇÃO. CABIMENTO. É devida a indenização por dano moral quando ficar provada a ofensa à honra ou dignidade do empregado. Procedimento investigatório efetuado pelo empregador sem o devido sigilo representa ofensa à honra objetiva da funcionária, sob a qual recaiu acusação de conduta ilícita que, ao final, sequer foi comprovada.
BOMPREÇO BAHIA SUPERMERCADOS LTDA. e EDILENE TOMAZ PEREIRA VIANA, nos autos da reclamação trabalhista em que litigam entre si, interpõem RECURSO ORDINÁRIO contra a sentença de fls. 155/166, sendo que a autora recorre na forma adesiva. Razões recursais acostadas às fls. 168/189 e 206/212, respectivamente. Contra-razões apresentadas às fls. 200/205 e 217/219. Preenchidos os pressupostos de admissibilidade. Visto do(a) Exmo(a). Desembargador(a) Revisor(a).
É O RELATÓRIO.
VOTO
Em face da similaridade das matérias, o exame dos recursos interpostos será feito conjuntamente.
DO DANO MORAL. PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO EFETUADO PELA EMPRESA. VAZAMENTO DE INFORMAÇÕES.
Investe o Reclamado contra a decisão de base que deferiu o pedido de pagamento de indenização por danos morais alegados, resultante de divulgação de nomes de funcionários, incluindo-se a Autora, em procedimento investigatório da prática de crime nas instalações da empresa.
Sustenta ser indevida tal indenização, pugnando pela sua exclusão da condenação ou, quando menos, seja reduzido o valor arbitrado, sob o argumento de que a parte autora não logrou comprovar a existência do fato alegado, nem a conduta dolosa ou culposa do empregador, que agiu dentro dos limites de seu poder diretivo.
Por sua vez, busca, a Reclamante, a majoração do valor fixado a título de danos morais.
Nenhum dos argumentos apresentados, contudo, merece prosperar.
Pois bem. A autora afirma em sua inicial que, em outubro de 2007, surgiu um "boato" na empresa de que alguns funcionários estariam "desviando mercadorias, cancelando as compras após as vendas e omitindo registro de venda de mercadorias nos checkouts".
Sustenta que a notícia se espalhou após o vazamento de um documento chamado de "Relatório de Denúncia de Desvio de Conduta", juntado às fls. 17/18 dos autos.
Instada a se manifestar em juízo, o Reclamado não fez qualquer alusão ao mencionado documento, negando, de maneira genérica apenas, a existência de qualquer procedimento de investigação ou vazamento de informações.
O fato é que o referido documento encontra-se timbrado com o nome do Reclamado e do Departamento de Loss Prevention, datado de 19/06/2007, cujo teor refere-se à investigação do que chama de desvio de conduta de alguns funcionários, que supostamente teria ocorrido na filial da empresa em Camaçari, onde trabalhava a Autora.
Da análise do aludido documento vê-se claramente o nome da Autora, no item "c" do relatório e, logo em seguida, a conduta ilícita a ela imputada, qual seja: "cancelamentos indevidos pós venda o que permitiria o Op PDV se apossar do dinheiro que cobriria o valor cancelado;" (fl. 17).
Como se vê, o fato denunciado no aludido documento era bastante grave e a sua divulgação, sem a devida comprovação, demonstra, no mínimo, uma atitude irresponsável do setor de segurança do Reclamado.
Registre-se que a prova oral corroborou a tese da Autora. Veja-se, a propósito, o que foi afirmado pelo preposto do Demandado, em seu depoimento, à fl. 146/147:
"Loss Prevention é um setor da Reclamada que cuida da segurança interna, mas precisamente prevenção de perdas; nunca teve acesso ao documento de fls. 17/18, embora tenha tomado conhecimento da existência do mesmo (...), quando tomou conhecimento desse que lhe foi comunicado pela Reclamante, imediatamente procurou a o gerente geral para tomar providência (...) a empresa não expediu nenhum documento inocentando a Reclamante, até porque nada ficou apurado quanto ao suposto ilícito (...)"
(grifos nossos)
Por sua vez, a testemunha patronal, que inclusive, exercia a função de fiscal de caixa, reconheceu a existência do procedimento investigatório, o vazamento das informações e também que nada ficou provado em relação à Autora . Vejamos:
"(...) houve um documento com a relação de nomes de vários empregados, dentre os quais o da Reclamante, pessoas que deveriam ser investigadas em virtude de denúncia no sentido de eu esses associados estariam cometendo ilícito com o cancelamento de cupons no caixa, para que um grupo de pessoas se beneficiasse com o valor das compras, sob a proteção de um fiscal de caixa; a depoente teve acesso ao documento que se encontra à fl. 17/18; o documento foi emitido pelo Sr. Ailton Siqueira Cardoso, líder do Loss Prevention, setor responsável pela segurança interna da loja; quem fez a divulgação do documento foi o associado Windson, o referido associado imprimiu uma cópia do documento para cada um dos empregados cujo nome estava ali mencionado; o empregado Windson trabalhava no setor Loss Prevention; Windson era subordinado de Ailton Siqueira Cardoso; (...) foi feita investigação sobre a denúncia e algumas das pessoas investigadas foram despedidas sem justa causa (...) a conduta da Reclamante também foi investigada (...) a gerência não emitiu um comunicado desmentindo o fato denunciado, limitando-se a prestar esclarecimentos quando alguém buscava informações nesse sentido; nada ficou apurado acerca de qualquer envolvimento da Reclamante com os cancelamentos indevidos." (fls. 149/150). (grifos nossos)
Como se vê, o próprio Reclamado admite existir na empresa um setor específico para fiscalizar os funcionários e que, apesar de saber da circulação de documento emitido pelo aludido setor, imputando a prática de crime a alguns de seus funcionários, os prepostos do Reclamado não adotaram qualquer medida para elucidar o ocorrido ou, quando menos, para evitar a divulgação da notícia (ainda que esta fosse inverídica).
A conduta de investigar empregados, com o intuito de evitar as chamadas "perdas" encontra-se inserida no poder diretivo do empregador, todavia, este deverá ser exercido em observância às garantias aos direitos individuais constitucionalmente instituídos, com especial respeito ao direito à honra e à dignidade dos empregados contratados.
Não há dúvidas de que um procedimento investigatório efetuado sem o devido sigilo representa flagrante ofensa à honra, à reputação, à imagem-atributo daqueles funcionários sob os quais recaiu acusação da prática de crime que, ao final, sequer foi comprovada, no caso da Autora.
Indubitável, assim, que a vítima, no caso a Recorrida, sofreu grave lesão em um bem jurídico contido em sua personalidade, ou seja, à sua reputação (honra objetiva) e à sua auto-estima (honra subjetiva).
Por sua vez, a culpa do Reclamado também resta patente in casu, ao permitir o vazamento de informações sobre tão grave denúncia, até porque, mesmo depois de tomar conhecimento por seus prepostos não adotou qualquer providência para evitar os danos sofridos pela Autora, com a divulgação indevida de seu nome.
Configurado também está o nexo causal, tendo em vista a demonstração de que os danos experimentados pela Autora decorreram diretamente da conduta negligente/imprudente dos prepostos do Reclamado. Logo, correta a condenação em indenização por dano moral, uma vez presentes as hipóteses previstas nos artigos 186, 187 e 927, todos do atual Código Civil.
No que toca ao valor da indenização fixado na sentença guerreada, no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), seu arbitramento ocorreu em absoluta observância aos ditames legais, levando-se em conta o princípio da razoabilidade, a gravidade da conduta e as condições econômico-financeiras da vítima e do agente causador do dano, e, mais ainda, atendendo à finalidade repressivo-pedagógica da reparação.
Não merece qualquer reparo a decisão de base, portanto.
DA MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.
Insurge-se, ainda, o Demandado, contra o julgador primário que, considerando que houve alteração da verdade dos fatos narrados na defesa, aplicou multa de 10% sobre o valor da causa, a título de indenização, com base no art. 17, II do CPC c/c o art. 18, §2º do mesmo Diploma Legal, entendendo configurada a litigância de má-fé.
Procede a irresignação, neste aspecto. In casu, não restou demonstrado o intuito desleal dos termos da contestação apresentada em juízo. O Demandado apenas deixou de se pronunciar acerca de alguns fatos elencados na inicial, o que acarreta, tão somente, as conseqüências processuais próprias, como a confissão presumida, por exemplo.
Por outro lado, inexistiu comprovação do efetivo prejuízo causado à parte adversa, de modo a justificar a indenização prevista no §2º, do art. 18 do CPC.
Reformo a sentença de base para excluir da condenação a multa de 10% fixada na sentença.
DA MULTA DO ARTIGO 475-J DO CPC.
Busca, ainda, o Demandado, extirpar da condenação a multa em epígrafe sob a alegação de inaplicabilidade da mesma ao processo do trabalho.
Com razão.
Isso porque são dois os requisitos para a aplicação da norma processual comum ao processo do trabalho: ausência de disposição na CLT e compatibilidade com os princípios do processo do trabalho.
A regra disposta no artigo 475-J do CPC, referente às conseqüências do não-pagamento espontâneo do valor fixado na condenação judicial, possui disciplina própria no âmbito do processo do trabalho (art. 883 da CLT), pelo que não há que se falar em aplicação da norma supletiva.
Neste sentido, inclusive, recente decisão do C. TST:
RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. ARTIGO 475-J DO CPC. A aplicação de norma processual de caráter supletivo só é possível no Processo do Trabalho quando duas condições simultâneas se apresentam: a) há omissão na CLT quanto à matéria em questão; e b) há compatibilidade entre a norma aplicada e os princípios do Direito do Trabalho. A matéria regida pelo artigo 475-J do CPC está expressamente disciplinada pelo art. 883 da CLT. Decisão regional que aplica norma supletiva em detrimento de norma própria à legislação processual trabalhista incorre em ofensa ao devido processo legal. Configura-se, então, violação do art. 5º, LIV. Da Constituição da República. TST. RR - 214/2007-026-13-40. Ministro Relator EMMANOEL PEREIRA. DJ - 30/05/2008.
Logo, reforma-se a sentença de base para extirpar da condenação a multa do artigo 475-J do CPC.
À vista do exposto, DOU PROVIMENTO PARCIAL ao recurso patronal para extirpar da condenação a multa de 10% por litigância de má-fé e a multa do artigo 475-J do CPC e NEGO PROVIMENTO ao recurso adesivo da Reclamante.
Acordam os Desembargadores da 4ª. TURMA do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, por MAIORIA, DAR PROVIMENTO PARCIAL ao recurso do RECLAMADO para extirpar da condenação a multa de 10% por litigância de má-fé e a multa do artigo 475-J do CPC ; vencido, em parte, o Exmo. Desembargador ALCINO FELIZOLA, que não excluia da condenação a multa de 10% por litigância de má-fé. Ainda, por MAIORIA, NEGAR PROVIMENTO ao recurso adesivo da RECLAMANTE; vencido o Exmo. Desembargador ALCINO FELIZOLA, que dava provimento ao recurso para fixar o dano moral em R$50.000,00
Salvador, 26 de Janeiro de 2010
MARIA DAS GRAÇAS OLIVA BONESS
Desembargadora Relatora
JURID - Violação à honra objetiva e subjetiva do empregado. [19/02/10] - Jurisprudência
Nenhum comentário:
Postar um comentário