Habeas corpus. Homicídio. Imparcialidade do júri. Condição pessoal do pai da vítima.
Superior Tribunal de Justiça - STJ.
HABEAS CORPUS Nº 150.095 - RJ (2009/0197639-7)
RELATOR: MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA
IMPETRANTE: MARCELO DA SILVA FREIRE
IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PACIENTE: HILÁRIO ANTÔNIO GOMES MUNIZ
EMENTA
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. IMPARCIALIDADE DO JÚRI. CONDIÇÃO PESSOAL DO PAI DA VÍTIMA. CRIME NOTICIADO NA IMPRENSA. SEGURANÇA PESSOAL DO ACUSADO. AUSÊNCIA DE EVIDÊNCIAS CONCRETAS. DESAFORAMENTO. MEDIDA EXCEPCIONAL. ORDEM DENEGADA.
1. "O réu deve ser julgado, como regra, no local onde, em tese, se consumou o delito a ele imputado, sendo que o desaforamento é medida excepcionalíssima, somente permitida quando comprovada a existência de interesse da ordem pública, de dúvida sobre a imparcialidade do júri, ou, ainda, sobre a segurança pessoal do acusado" (HC 83.966/RJ).
2. O pleito de desaforamento deve ser deferido quando motivado objetiva e concretamente, fundado em fatos concretos.
3. Não houve a demonstração inequívoca de que o fato de o pai da vítima ser fazendeiro e comerciante pudesse infirmar de forma categórica a imparcialidade dos possíveis jurados, baseando-se a alegação em mera suposição de que a condição pessoal/profissional do genitor seria capaz de ferir o pressuposto da imparcialidade.
4. A despeito de constar dos autos cópia da notícia sobre o delito, veiculada na imprensa, não há nada que comprove que o crime tenha gerado grande repercussão na comunidade local, levando-a à grave comoção, apto a excepcionar o princípio do juiz natural.
5. Não há nenhuma prova de que o réu esteja sofrendo ameaça a sua incolumidade física, sendo certo que o fato de ter sido preso em outra cidade um casal que estaria incumbido de matá-lo não implica, por si só, que a sua segurança na comarca de origem esteja em risco.
6. Ordem denegada.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, denegar a ordem. Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Felix Fischer.
Brasília (DF), 15 de dezembro de 2009(Data do Julgamento).
MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA
Relator
RELATÓRIO
MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA:
Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de HILÁRIO ANTÔNIO GOMES MUNIZ, pronunciado como incurso no art. 121, § 2º, IV, do Código Penal, contra acórdão proferido pela Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que indeferiu o pedido de Desaforamento Criminal 2009.057.00006, requerido pela defesa, nos termos da seguinte ementa (fl. 56):
Júri. Homicídio qualificado. Desaforamento.
O Desaforamento é medida excepcional de mudança de competência territorial do julgamento a ser efetivado pelo Júri, sendo indispensável a existência de elementos idôneos que evidenciem parcialidade dos Jurados ou a presença de circunstâncias fáticas e jurídicas que prejudiquem o julgamento, sem o que não há amparo ao seu acolhimento, com in casu ocorre, porquanto mero temor do réu, quanto à eventual risco de seu assassinato, por pessoas presas em outra Comarca, não é suficiente à sua concessão.
Pedido improcedente.
Argumenta o impetrante, de início, que o fato imputado ao paciente obteve grande divulgação pela imprensa local, revelando, assim, a necessidade do desaforamento, a fim de preservar a ordem pública.
Sustenta, ademais, que "a vítima do processo é filha de pessoa de reconhecida influência na pequena cidade de São Francisco de Itabapoana-RJ (Fazendeiro e Proprietário de Farmácia)" e que "a segurança do acusado se encontra sobremaneira abalada, haja vista a recente descoberta e prisão de um casal que estaria disposto a por fim a sua vida" (fl. 3).
Requer, por tais motivos, a reforma do acórdão para que seja desaforado o julgamento da Ação Penal 2006.070.000519-6, que tramita no Juízo da Vara Única da Comarca de São Francisco de Itabapoana/RJ.
Por decisão de fl. 64, indeferi o pedido liminar, ocasião em que dispensei o pedido de informações por estar o feito devidamente instruído.
O Ministério Público Federal, por meio do parecer exarado pelo Subprocurador-Geral da República CARLOS EDUARDO DE OLIVEIRA VASCONCELOS, opinou pela concessão da ordem (fls. 67/70).
Vale ressaltar que a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em 26/9/06, por unanimidade de votos, concedeu a ordem no HC 63.957/RJ, revogando a prisão preventiva decretada contra o paciente.
É o relatório.
VOTO
MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA (Relator):
Conforme relatado, pretende-se a reforma do acórdão para que seja deferido o pleito de desaforamento ante a existência de perigo à segurança pessoal do réu e de dúvida sobre a imparcialidade dos jurados.
O impetrante argumenta, inicialmente, que a vítima é filha de pessoa de grande influência na cidade, pois seu genitor é fazendeiro e comerciante, e que o fato criminoso obteve repercussão na imprensa local. Além disso, alega que a segurança do réu se encontra em risco, uma vez que se apurou a existência de "um casal que estaria disposto a por fim na vida" do acusado (fl. 3).
Ao julgar o pedido de desaforamento, concluiu o Tribunal de origem, com acerto, in verbis (fls. 57/58):
Com relação ao pleito, a ínclita Autoridade Judiciária informou que a notícia veiculada à época dos fatos, dava conta de que a família da vítima "... é muito conhecida em São Francisco de Itabapoana, pois os seus pais têm uma farmácia na frente da casa onde ocorreu o assassinato ..." (fl. 40), ressaltando a existência de denúncia em face dos nacionais Ocionio da Silva Couto e Fernanda Gomes de Oliveira, no Juízo da Vara Única da Comarca de Italva/Cardoso Moreira, pois foram presos portando armas de fogo em situação irregular, além de uma fotografia do ora Requerente, as quais supostamente iriam entregar a um indivíduo chamado "Wagner", que seria encarregado de eliminar o réu (cópia da denúncia as fls. 10/11).
Com efeito o desaforamento é medida excepcional de mudança de competência territorial do julgamento pelo Júri, sendo indispensável a existência de idôneos elementos que evidenciem parcialidade dos Jurados, o que não ocorre na espécie, tendo bem salientado a nobre Procuradora de Justiça, em seu derradeiro parecer que: "... não há indicação de fato concreto, aferido no curso do processo, e tampouco a demonstração efetiva de circunstâncias fáticas e jurídicas ensejadoras do acatamento do pleito ... meras suspeitas, presunções ou simples conjecturas não autorizam a medida ..." (fl. 43).
Ora, o simples temor do ora Requerente de ver-se processado o Juízo competente, sem o respaldo de qualquer evidência que o ampare, não é suficiente ao acolhimento do desaforamento. Além disso, as pessoas que supostamente estariam envolvidas em pretensa tentativa de seu assassinato estão respondendo a processo por terem sido presas com arma e uma fotografia sua, o que certamente mitigou eventual risco que pudesse correr, diga-se, fato que ocorreu em outra Comarca.
De fato, "O desaforamento é medida excepcionalíssima, somente permitida quando comprovada a existência de interesse da ordem pública, de dúvida sobre a imparcialidade do júri, ou, ainda, sobre a segurança pessoal do acusado" (HC 83.966/RJ, Rel. Min. JANE SILVA, Desembargadora convocada do TJMG, Quinta Turma, DJ 5/11/07). Assim, impõe-se o deferimento do pleito quando motivado objetiva e concretamente em fatos concretos.
Na hipótese dos autos, todavia, não houve a demonstração inequívoca de que o fato de o pai da vítima ser fazendeiro e comerciante pudesse infirmar de forma categórica a imparcialidade dos possíveis jurados. A alegação baseia-se na simples suposição de que a condição pessoal/profissional do genitor da vítima seria capaz de ferir o pressuposto da imparcialidade.
Ademais, a despeito de constar dos autos cópia da notícia sobre o delito, veiculada na imprensa (fl. 13), não há nada que comprove que o crime tenha gerado grande repercussão na comunidade local, levando-a à grave comoção, apto a excepcionar o princípio do juiz natural.
Sobre o ponto, já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
RECURSO ESPECIAL. JÚRI. DESAFORAMENTO. IMPARCIALIDADE DOS JURADOS.
NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO COM DADOS CONCRETOS.
À luz do disposto no art. 70 do CPP, todo acusado, em regra, deve ser julgado no lugar em que supostamente cometeu o delito que lhe foi imputado.
Por se tratar de medida excepcional, o desaforamento somente deve ser admitido quando demonstrada, com dados objetivos, a ocorrência de qualquer das hipóteses previstas no art. 424 do CPP.
Meras suposições ou ilações abstratas sobre a influência ou prestígio político da família do réu ou do seu defensor, sem qualquer menção a fatos concretos, não bastam, por si sós, para justificar o deslocamento do processo por abalada a imparcialidade dos juízes de fato.
Recurso conhecido e provido para cassar o acórdão impugnado e restabelecer a competência do Tribunal do Júri da Comarca de Abre Campo-MG para o julgamento do recorrente.
(REsp 239.079/MG, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Quinta Turma, DJ de 4/9/00)
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. PRONÚNCIA. PEDIDO DE DESAFORAMENTO. DESNECESSIDADE DA MEDIDA. INFLUÊNCIA POLÍTICA DA VÍTIMA. MOTIVO INSUFICIENTE. RISCO À INTEGRIDADE FÍSICA DO RÉU. FALTA DE COMPROVAÇÃO CONCRETA. ORDEM DENEGADA.
1. Não há constrangimento ilegal a ser reconhecido se o aresto impugnado mostra-se devidamente fundamentado. A suposta influência política da vítima, por si só, não basta para justificar a presunção de que a convicção dos jurados possa estar comprometida. Ademais, não há comprovação concreta de que a integridade física do réu está em risco, sendo insuficiente para tal fim a menção a um registro policial de ameaça ocorrido há mais de três anos.
2. Habeas corpus denegado.
(HC 115.190/PR, Rel. Min. PAULO GALLOTTI, SEXTA TURMA, DJe 4/5/09)
No mesmo sentido, não há nenhuma prova de que o réu esteja sofrendo ameaça a sua incolumidade física, sendo certo que o fato de ter sido preso em outra cidade um casal que estaria incumbido de matá-lo não implica, por si só, que a sua segurança na comarca de origem esteja em risco.
Ora, sendo o desaforamento medida excepcionalíssima, é indispensável a comprovação da existência de interesse da ordem pública, de dúvida sobre a imparcialidade do júri, ou, ainda, sobre a segurança pessoal do acusado, o que não ocorreu na hipótese dos autos.
Ante o exposto, denego a ordem.
É o voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUINTA TURMA
Número Registro: 2009/0197639-7 HC 150095 / RJ
MATÉRIA CRIMINAL
Números Origem: 20060700005196 200905700006
EM MESA JULGADO: 15/12/2009
Relator
Exmo. Sr. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. ALCIDES MARTINS
Secretário
Bel. LAURO ROCHA REIS
AUTUAÇÃO
IMPETRANTE: MARCELO DA SILVA FREIRE
IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PACIENTE: HILÁRIO ANTÔNIO GOMES MUNIZ
ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes contra a vida - Homicídio Qualificado
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Turma, por unanimidade, denegou a ordem."
Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Felix Fischer.
Brasília, 15 de dezembro de 2009
LAURO ROCHA REIS
Secretário
Documento: 937143
Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 01/02/2010
JURID - Habeas corpus. Homicídio. Imparcialidade do júri. [19/02/10] - Jurisprudência
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