Posse de arma de fogo. Falta de comprovação da licitude. Atipicidade.
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios - TJDFT.
Órgão 1ª Turma Criminal
Processo N. Recurso em Sentido Estrito 20091210051803RSE
Recorrente(s) MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS
Recorrido(s) NIVALDO LIMA DIAS
Relator Desembargador EDSON ALFREDO SMANIOTTO
Acórdão Nº 404.144
E M E N T A
POSSE DE ARMA DE FOGO - FALTA DE COMPROVAÇÃO DA LICITUDE - ATIPICIDADE.
A conduta de possuir arma de fogo tornou-se atípica, em razão da abolitio criminis trazida com o advento da Lei 11.922/09, que alterou o prazo para regularização ou entrega da arma previsto no art. 30 da Lei 10.826/03, sendo irrelevante a prova de sua origem lícita, pois o Estatuto do Desarmamento conferiu ao possuidor da arma a possibilidade de entrega à Policia Federal.
A C Ó R D Ã O
Acordam os Senhores Desembargadores da 1ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, EDSON ALFREDO SMANIOTTO - Relator, MARIO MACHADO - Vogal, SANDRA DE SANTIS - Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador MARIO MACHADO, em proferir a seguinte decisão: DESPROVER. UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasília (DF), 28 de janeiro de 2010
Certificado nº: 43 BF EC 29 00 04 00 00 0B 83
01/02/2010 - 16:10
Desembargador EDSON ALFREDO SMANIOTTO
Relator
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de recurso em sentido estrito em que o MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS ataca a r. sentença de fls. 91/102, que extinguiu a punibilidade dos fatos atribuídos a NIVALDO LIMA DIAS, com fundamento no art. 2º e no artigo 107, inciso III, ambos do Código Penal, ao argumento de que o crime tipificado no artigo 12 da Lei 10.826/03, foi atingido pela abolitio criminis promovida pela Medida Provisória n. 445 de 2008, convertida na Lei n. 11.922/09.
Nas razões de fls. 110/125, o órgão ministerial pugna pela cassação da sentença e prosseguimento da ação penal. Em síntese, afirma que a arma de fogo adquirida de maneira ilícita jamais poderia ser registrada e, portanto, o fato imputado ao acusado é típico e antijurídico.
Contrarrazões do réu às fls. 127/132, pugnando pelo improvimento do recurso.
A douta Procuradoria de Justiça, em seu parecer de fls. 139/150, opinou pelo conhecimento e provimento do recurso.
É o relatório.
V O T O S
O Senhor Desembargador EDSON ALFREDO SMANIOTTO - Relator
Senhor Presidente,
Conheço do recurso.
Como visto, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS busca a reforma da sentença de fls. 91/102, que reconheceu a extinção da punibilidade dos fatos atribuídos a NIVALDO LIMA DIAS, com fundamento no art. 2º e no artigo 107, inciso III, ambos do Código Penal, ao argumento de que o crime tipificado no artigo 12 da Lei 10.826/03 foi atingido pela abolitio criminis promovida pela Medida Provisória n. 445 de 2008, convertida na Lei n. 11.922/09.
Insurge-se o Ministério Público, alegando em síntese, que a arma de fogo adquirida de maneira ilícita jamais poderia ser registrada e, portanto, o fato imputado ao acusado é típico e antijurídico.
Brevemente relatado, passo a analisar o recurso.
Consta do aditamento à denúncia (fls. 33/35) que:
"Entre data que não se pode precisar até o dia 29 de julho de 2009, no interior da casa 80 da rua 42 da Vila Nova, São Sebastião/DF, o denunciado, com vontade livre e consciente, possuiu e manteve sob sua guarda arma de fogo e munição, sem autorização legal para tanto, em desacordo com as norma legais e regulamentares. O acusado mantinha no interior de sua residência 24 cartuchos não deflagrados, todos de calibre 38, e um revólver calibre 38, marca Taurus, n. 936547, com talas de material sintético assemelhado a madrepérola. O acusado, graças a ação policial, foi flagrado em delito quando mantinha a arma de fogo e a munição descritas no interior de sua residência. Ao agir assim, incorreu no art. 12 da Lei 10.826/03. (...)".
O MM. Juiz julgou improcedente o pedido condenatório, estabelecendo na douta sentença guerreada que:
"(...) Com efeito, até o dia 31/12/2008, dúvida não restava de que a conduta prevista na denúncia oferecida era alcançada pela atipicidade temporária, por força da nova redação dada ao artigo 30 da Lei n. 10.826/03, pela Lei n.º 11.706/2008.
Este juízo, o nosso E.TJDFT, bem como os tribunais superiores pacificaram o referido entendimento. (...)
Esse dispositivo legal sofreu diversas alterações no sentido de dilatar o prazo para registro de arma de fogo, sendo que até 31/12/2008, o entendimento era pacífico, inclusive nos Tribunais Superiores, quanto à atipicidade da conduta. (...)
In casu, a conduta atribuída ao acusado ocorreu entre data que não se pode precisar até o dia 29 de julho de 2009, mas, ainda, assim, está abarcada pela atipicidade temporária.
Nesse passo, com o final da vigência da nova redação dada ao artigo 30 da Lei m.º 10.826/03, pela Lei n.º 11.706/08, realmente a conduta voltou (num primeiro momento) ser considerada típica.
Ocorre que, na Medida Provisória n. 445 de 2008, convertida na Lei n. 11.922/09, o prazo previsto no art. 30 do Estatuto do Desarmamento, para que possuidores e proprietários de arma de fogo de uso permitido e não registradas regularizem a situação, solicitando o registro respectivo, foi novamente ampliado, desta feita até 31 de dezembro 2009.
E justamente uma interpretação sistemática da lei 11.922/09, realizada por este juízo, que se entendeu de forma equivocada que a nova lei de 2009 (diferente do que ocorria até 31/12/2008) deveria remeter à instrução o feito para comprovar se a arma apreendida é de fato registrável.
Contudo, não é essa a interpretação correta e sistemática da nova Lei 11.922/09. como bem descreve a Desa. Marli Mosimann Vargas, na Apelação Criminal 32442-3 do TJSC, "Com a edição da Medida Provisória n. 445 de 2008, convertida na Lei m. 11.922/09, o prazo previsto no art. 30 do Estatuto do Desarmamento, para que possuidores e proprietários de arma de fogo de uso permitido e não registradas regularizem a situação, solicitando o registro respectivo, foi novamente ampliado, desta feita até 31 de dezembro de 2009. esta deve ser a leitura do dispositivo: Art. 30. Os possuidores e proprietários de arma de fogo de uso permitido ainda não registrada deverão solicitar seu registro até o dia 31 de dezembro de 2009, mediante apresentação de documento de identificação pessoal e comprovante de residência fixa, acompanhados de nota fiscal de compra ou comprovação da origem lícita da posse, pelos meios de prova admitidos em direito, ou declaração firmada na qual constem as características da arma e a sua condição de proprietário, ficando este dispensado do pagamento de taxas e do cumprimento das demais exigência constantes dos incisos I a III do caput do art. 4º desta Lei. Diante do exposto, regularizado o registro da arma, a posse desta estará igualmente autorizada (art. 4º, §2º, da Lei n. 10.826/03). Certamente, citada lei, que autoriza determinada conduta - posse de arma de fogo sem registro até 31/12/2009 - não pode, ao mesmo tempo, incriminá-la. Assim, por interpretação lógica e sistemática, conclui-se não haver crime em tal hipótese."
(...) Ora, atendendo ao princípio da presunção da inocência, bem como considerando que a nova lei permite que qualquer cidadão comprove até 31/12/2009 a licitude de eventual arma que possua em sua residência, não há como se permitir processamento penal de eventual ilicitude, sobre posse de arma em residência antes da data prevista em lei (31/12/2009).
Repito, o registro poderá ser feito, comprovado por todos os meios legais, a licitude da arma e a Lei concedeu prazo até 31/12/2009 para que o cidadão efetue tal registro, não podendo o direito penal punir por conduta anterior à esta data. Como bem destaca a douta defesa em seu pedido, trata-se e esfera administrativa, que impede afirmação em contrário pelo Juízo, nesta forma e momento processual. (...)." (fls. 92/101).
Com acerto se posicionou o MM. Juiz.
A jurisprudência vem reconhecendo, diante das determinações da Lei 10.826/03, a atipicidade da conduta de posse quando ainda pendente prazo para registro e entrega da arma de fogo ou munição, que era previsto no art 30 e 32 do Estatuto do Desarmamento, em 180 dias a contar da publicação da Lei.
Depois de diversas alterações legislativas, o prazo foi novamente alterado pela Lei 11.922/2009, que o prorrogou até 31 de dezembro de 2009 ("Art. 20. Ficam prorrogados para 31 de dezembro de 2009 os prazos de que tratam o § 3o do art. 5o e o art. 30, ambos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003.").
Se o fato foi cometido em meados de julho de 2009 fica abrangido pela atipicidade da conduta prevista neste Diploma Legal.
Insta salientar que somente para o porte de arma de fogo e de munição que se faz necessária a autorização de uso da arma de fogo, sendo que para a posse de arma de fogo, mister unicamente o registro da arma, o qual a lei em comento concedeu prazo, tornando-se neste interregno atípica a conduta de posse de arma de fogo.
Realmente, outorgada aos cidadãos a possibilidade de se desfazerem de suas armas, somente após esse prazo é que se poderia penalizar alguém pela posse de arma de fogo de fabricação nacional, de uso permitido.
Confira Jurisprudência atual do STJ:
"HABEAS CORPUS. ROUBOS CIRCUNSTANCIADOS EM CONTINUIDADE DELITIVA E POSSE DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO RASPADA. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. DELITOS AUTÔNOMOS. POSSE DA ARMA. PERÍODO DA VACATIO LEGIS. ATIPICIDADE TEMPORÁRIA DA CONDUTA. FLAGRANTE ILEGALIDADE. PARECER DO MPF PELA CONCESSÃO DA ORDEM. ORDEM DENEGADA. HC CONCEDIDO, DE OFÍCIO, TÃO-SÓ E APENAS PARA ABSOLVER O PACIENTE TÃO-SÓ DA IMPUTAÇÃO REFERENTE AO CRIME DE POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO, MANTIDO, NO MAIS, O ACÓRDÃO CONDENATÓRIO.(...)2. Constata-se, todavia, que a prisão do paciente ocorreu durante o período conferido pelo art. 30 da Lei 10.826/03 para que os possuidores ou proprietários de armas de fogo sem registro regularizassem a situação ou as entregassem à Polícia Federal.Nesses casos, firmou-se o entendimento nesta Corte de que a conduta de possuir arma de fogo, pela qual foi o paciente condenado, tornou-se atípica, sendo irrelevante cuidar-se de arma de uso restrito ou com numeração raspada, pois o Estatuto do Desarmamento conferiu ao possuidor da arma a possibilidade de sua regularização ou de entrega à Polícia Federal.3. Parecer do MPF pela concessão da ordem, para reconhecimento do princípio da consunção.4. Ordem denegada. HC concedido, de ofício, tão-só e apenas para absolver o paciente da imputação referente ao crime de posse ilegal de arma de fogo, mantido, no mais, o acórdão condenatório.(HC 91.182/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 03/02/2009, DJe 09/03/2009)"
"CRIMINAL. HC. RECEPTAÇÃO. POSSE DE ARMAS DE FOGO E DE MUNIÇÕES. FLAGRANTE LAVRADO NA VIGÊNCIA DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO. POSSIBILIDADE DE REGULARIZAÇÃO DA POSSE OU DE ENTREGA DAS ARMAS. VACATIO LEGIS INDIRETA E ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ORDEM CONCEDIDA. I. A Lei n.º 10.826/03, ao estabelecer o prazo de 180 dias para que os possuidores e proprietários de armas de fogo sem registro regularizassem a situação ou as entregassem à Polícia Federal, criou uma situação peculiar, pois, durante esse período, a conduta de possuir arma de fogo deixou de ser considerada típica. II É prescindível o fato de se tratar de arma com a numeração raspada e, portanto, insuscetível de regularização, pois isto não afasta a incidência da vacatio legis indireta, se o Estatuto do Desarmamento confere ao possuidor da arma não só a possibilidade de sua regularização, mas também, a de simplesmente entregá-la à Polícia Federal. III. Tanto o art. 12, quanto o art. 16, ambos da Lei n.º 10.826/2003, pela simples posse, ficam desprovidos de eficácia durante o período de 180 dias. Precedentes. IV. Deve ser trancada parte da ação penal instaurada contra o paciente, quanto aos delitos tipificados no art. 12 e art. 16, ambos da Lei n.º 10.826/03, por atipicidade da conduta, mantendo-se, no entanto, a imputação relativa à receptação. V. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator. (HC 42.374/PR, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 16/06/2005, DJ 01/07/2005 p. 586)"
Nem se há que dizer que o prazo somente foi concedido para entrega de armas de origem lícita, na medida em que o legislador tão-somente quer a prova da origem lícita da arma e das munições para o devido registro e não para a entrega do bem.
Neste sentido, assinalou o Des. Mário Machado:
"OS ARTIGOS 30 E 32 DA LEI 10.826/2003 FACULTAM AOS POSSUIDORES E PROPRIETÁRIOS DE ARMAS DE FOGO NÃO REGISTRADAS, NO PRAZO DE 180 DIAS APÓS A PUBLICAÇÃO DO ESTATUTO DO DES ARMAMENTO, SOLICITAREM SEU REGISTRO, APÓS COMPROVAREM A ORIGEM LÍCITA DO BEM, OU ENTREGÁ-LAS À POLÍCIA FEDERAL, COM RECEBIMENTO DE INDENIZAÇÃO RESPECTIVA. O MENCIONADO PRAZO, QUE COMEÇOU A FLUIR COM O DECRETO Nº 5.123, DE 1º DE JULHO DE 2004, FOI PRORROGADO ATÉ 23/06/2005 PELA LEI Nº 11.118/2005, ESTABELECENDO-SE VACATIO LEGIS INDIRETA DESCRIMINALIZANTE DA CONDUTA DE POSSUIR IRREGULARMENTE ARMA EM RESIDÊNCIA OU LOCAL DE TRABALHO."(1) - grifo nosso.
Portanto, o prazo legal a que faz alusão à lei temporária excludente de tipicidade se aplica ao caso em espécie, devendo a r. sentença ser mantida.
Com estas considerações, nego provimento ao recurso.
É como voto.
O Senhor Desembargador MARIO MACHADO - Vogal
Com o Relator.
A Senhora Desembargadora SANDRA DE SANTIS - Vogal
Com o Relator.
D E C I S Ã O
DESPROVER. UNÂNIME.
DJ-e: 11/02/2010
JURID - Posse de arma de fogo. Falta de comprovação da licitude. [19/02/10] - Jurisprudência
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