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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

JURID - Agravo de instrumento. Execução de sentença. Pessoa jurídica [24/02/10] - Jurisprudência


Agravo de instrumento. Execução de sentença. Pessoa jurídica. Confusão patrimonial.


Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC.

Agravo de Instrumento n. 2009.064192-0, de Blumenau

Relator: Des. Fernando Carioni

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. PESSOA JURÍDICA. CONFUSÃO PATRIMONIAL. OBSTÁCULO AO RESSARCIMENTO DOS PREJUÍZOS ENFRENTADOS PELO CONSUMIDOR. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. POSSIBILIDADE. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. INOCORRÊNCIA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Viável a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica se comprovada a confusão patrimonial decorrente do abuso da personalidade jurídica, a gerar obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados ao consumidor.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 2009.064192-0, da comarca de Blumenau (4ª Vara Cível), em que é agravante Bruno Lindner Barbieri, e agravada Whiskeria África Ltda.:

ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, dar parcial provimento ao recurso. Custas legais.

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por Bruno Lindner Barbieri contra a decisão do Juiz de Direito da 4ª Vara Cível da comarca de Blumenau, Dr. Emmanuel Schenkel do Amaral e Silva, que, nos autos da Execução de Sentença n. 008.00.003597-9/002, indeferiu o pedido de desconsideração da personalidade jurídica da Whiskeria África Ltda.

Sustenta que iniciou a fase de cumprimento da sentença em 9-3-2009, objetivando o recebimento do montante da condenação no importe, atualizado, de R$ 154.204,37 (cento e cinquenta e quatro mil, duzentos e quatro reais e trinta e sete centavos); todavia, até o momento o juízo não se encontra garantido por penhora válida.

Esclarece que foi infrutífera a tentativa de bloqueio de valores em conta corrente pelo sistema Bacen-Jud, bem como a tentativa de localização de bens imóveis passíveis de penhora.

Informa que o imóvel sede da agravada pertence ao sócio Honorato Salvati, havendo a confusão patrimonial entre os bens da empresa e os pertencentes aos sócios.

Destaca que na data da interposição da ação indenizatória, figuravam como sócios da agravada Honorato Salvati e Claudio Farina, e que desde aquela época a empresa exercia suas atividades no imóvel matriculado sob o n. 35462 no 2º Ofício de Registro de Imóveis da comarca de Balneário Camboriú/SC.

Salienta que após solicitação do contrato social atualizado, verificou-se que Honorato Salvati administrou a agravada até a data da alteração, tendo em vista que representa os interesses de seu filho.

Menciona que na tentativa de se esquivar das responsabilidades Honorato Salvati, por diversos atos alterou os contratos sociais da empresa.

Afirma que é lícito ao juiz determinar a desconsideração da personalidade jurídica da empresa quando houver confusão patrimonial.

Entende que deve ser aplicada a pena pela litigância de má-fé e por ato atentatório a dignidade da justiça, pois a agravada não expôs os fatos conforme a realidade.

Ressalta, por fim, que a alegação da agravada de estar passando por dificuldades não corresponde com a realidade, uma vez que se encontra em plena atividade, tendo em vista que promove eventos frequentemente e no dia 27-6-2009 realizou a tradicional "festa da fantasia", demonstrando assim estar em pleno exercício.

Foi indeferido o pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal.

Intimada, a agravada apresentou contrarrazões.

VOTO

Insurge-se o agravante contra a decisão interlocutória que indeferiu o pedido para que seja decretada a desconsideração da personalidade jurídica da empresa agravada, ao argumento de que esta não possui nenhum bem imóvel passível de penhora e que há confusão patrimonial entre os bens da empresa e os pertencentes aos seus sócios.

Dispõe o artigo 50 do Código Civil que "em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica".

O Código de Defesa do Consumidor, também aplicável ao caso comento, já que existente uma relação de consumo entre as partes, determina em seu artigo 28 que "o Juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração", enfatizando no § 5º que "também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores".

Desse modo, a doutrina da desconsideração da personalidade jurídica, teoria criada nos tribunais norte-americanos, visa a relativizar a regra de que o patrimônio da empresa é distinto do de seus sócios, de modo que estes passam a responder diretamente com seus bens particulares toda vez que houver abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial; ou, ainda, quando diante de uma relação de consumo, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social, falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração e sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízo causados aos consumidores.

A respeito, Maria Helena Diniz acentua que "a pessoa jurídica é uma realidade autônoma, capaz de direitos e obrigações, independentemente de seus membros, pois efetua negócios sem qualquer ligação com a vontade deles; além disso, se a pessoa jurídica não se confunde com as pessoas naturais que a compõem, se o patrimônio da sociedade não se identifica com o dos sócios, fácil será lesar credores, mediante abuso de direito, caracterizado por desvio de finalidade, tendo-se em vista que os bens particulares dos sócios não podem ser executados antes dos bens sociais, havendo dívida da sociedade. Por isso o Código Civil pretende que, quando a pessoa jurídica se desviar dos fins determinantes de sua constituição, ou quando houver confusão patrimonial, em razão de abuso da personalidade jurídica, o órgão judicante, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, esteja autorizado a desconsiderar, episodicamente, a personalidade jurídica, para coibir fraudes de sócios que dela se valeram como escudo sem importar essa medida numa dissolução da pessoa jurídica. Com isso subsiste o princípio da autonomia subjetiva da pessoa coletiva, distinta da pessoa de seus sócios; tal distinção, no entanto, é afastada, provisoriamente, para um dado caso concreto, estendendo a responsabilidade negocial aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica" (Novo código civil comentado. coordenador Ricardo Fiuza. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 65).

Acerca do tema, ensina Rizzatto Nunes:

A capacidade imaginativa do ser humano, muitas vezes utilizada para praticar o bem, de outras é gasta na operação de todo tipo de fraude e enganação.

Com a criação da ficção da pessoa jurídica separaram-se rigidamente as pessoas dos sócios da personalidade jurídica da pessoa jurídica. O direito formal, como devia sê-lo no caso, sempre deixou patente a hirta separação existente, inclusive no que respeitava à assunção de responsabilidades, a formação do patrimônio etc.

Acontece que o indivíduo, que não é inocente, passou a usar sua capacidade de criação para acobertar sob o manto formal da pessoa jurídica toda sorte de práticas abusivas e ilícitas.

O direito não podia ficar à margem desse processo, observando a clara manipulação praticada pelos detentores do poder nas pessoas jurídicas, que as estavam utilizando de maneira desviada.

Por isso, aos poucos passou a aceitar que, em casos especiais, a figura da pessoa jurídica fosse desconsiderada para que se pudesse alcançar a pessoa do sócio e seu patrimônio (Comentários ao código de defesa do consumidor. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 377).

E, ainda, assinala João Batista de Almeida que "a teoria, originária dos Estados Unidos, denominada 'disregard of legal entity', tem por objetivo o desvendamento da pessoa jurídica, permitindo ingressar nela para alcançar a responsabilidade do sócio por suas obrigações particulares, nos casos de desvio de finalidade, fraude à lei ou abuso de direito, que tornam injustificável a manutenção da ficção legal de autonomia de que gozam as pessoas jurídicas em relação a seus componentes" (Manual de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 76).

Na hipótese em comento, a confusão patrimonial, bem como a falta de numerário em conta corrente para satisfazer o crédito do agravante, autoriza a decretação da desconsideração da personalidade jurídica.

Com efeito, os elementos carreados aos autos demonstram suficientemente a ocorrência de confusão patrimonial na hipótese. A uma, pelo fato de o estabelecimento comercial da executada estar situado em imóvel de propriedade do ex-sócio Honorato Salvati (fls. 147-148), inexistindo, em contrapartida, contrato de locação ou qualquer outro enlace que esclareça os termos desse aluguel, principalmente no período em que esse integrava o quadro societário da empresa. A duas pela ausência de conta bancária em nome da agravada (fls. 105-109; 164-165), muito embora seja certo que, como qualquer outra empresa, realize diversas movimentações financeiras. Aliás, essa estranha situação deixa bastante claro que os rendimentos auferidos pela executada não passaram (e não passam) a integrar o seu patrimônio, que, por sua vez, consiste apenas em bens móveis que mal cobrem metade da dívida em questão (fls. 94-96), logo, ínfimo diante do faturamento de uma empresa de entretenimento desse porte. Assim, a conclusão é de que esse faturamento é manejado pelos sócios de modo informal, manobra que acaba por mascarar a verdadeira renda dessa atividade, estando, por isso, perfeitamente caracterizada a confusão patrimonial.

Além disso, extrai-se dos autos que à época da interposição da ação indenizatória figuravam como sócios da empresa agravada Honorato Salvati e Claudio Farina (fls. 44-45). Por outra lado, verifica-se que Honorato Salvati figurou como sócio até 15-1-2003 (fls. 178-181), contudo, até 12-7-2007, Honorato Salvati esteve na administração da sociedade como representante de seu filho, Lucas Nato Canola Salvati, sócio da empresa agravada, conforme se extrai das diversas alterações do contrato social da Whiskeria África anexados ao presente reclamo (fls. 171-195).

Rechaça-se, ademais, a alegação da agravada de que possui patrimônio para saldar a dívida, amparada na premissa de que está em plena atividade (fl. 129; 132-135; 144-146; 201-202), inclusive com programação de eventos já divulgada na mídia. Isso porque, conquanto plausível o argumentp de que atualmente possua rendimentos, certo é que qualquer medida constritiva não teria utilidade no mundo dos fatos. Explica-se: descartada a penhora on-line via Bacen-Jud, tentada que foi por pelo menos duas vezes nesses autos (fls. 110; 166), e inexistente bens imóveis em nome da executada (fls. 197-198), restaria apenas para a satisfação do crédito os bens móveis mencionados e a possibilidade de constrição de percentual do numerário obtido com a bilheteria. No entanto, há notícia nos autos de que existem vários pontos de venda dos ingressos, artifício que, aliado a completa ausência de documentação acerca da renda da empresa, torna praticamente impossível a averiguação dos valores efetivamente percebidos em cada evento, restando ineficaz a medida à satisfação do crédito.

Diante desse quadro, delineada a contendo a confusão patrimonial, bem como as manobras dos sócios tendentes a obstaculizar a satisfação do crédito, a desconsideração da personalidade jurídica é medida que se impõe, a fim de que responsabilidade também recaia sobre os seus atuais sócios e sobre aqueles que figuravam como sócios na data da propositura da ação indenizatória, Honorato Salvati e Cláudio Farina.

Em caso similar ao dos autos, assim se manifestou esta Câmara:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. RELAÇÃO DE CONSUMO. OBSTÁCULOS À SATISFAÇÃO DO CRÉDITO EXEQUENDO. POSSIBILIDADE. TEORIA MENOR DA DESCONSIDERAÇÃO. ART. 28, § 5º, DO CDC. REQUISITOS PREENCHIDOS. DECISÃO REFORMADA. RECURSO PROVIDO.

"A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores." (STJ. Resp n. 279.273/SP, Relª. Minª. NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, j. em 4.12.2003).

Autoriza a desconsideração da personalidade jurídica a inexistência de bens registrados em nome da fornecedora e de numerário suficiente em suas contas bancárias para responder pelos prejuízos causados aos consumidores, sobretudo quando os sócios daquela, de outro lado, ostentam visível (e constante) alteração de patrimônio e existem indícios de fraude (Ag n. 2008.080727-1, de Criciúma, rel. Des. Subst. Henry Petry Junior, j. em 20-10-2009).

Por derradeiro, não merece acolhida o pedido formulado pelo agravante no sentido de condenar a agravada nas penas de litigância de má-fé.

Cediço que, para a configuração do instituto em comento, exige-se a presença dos pressupostos constantes nos incisos do artigo 17 do Código de Processo Civil.

Esclarecem os autores Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery:

É a parte ou interveniente que, no processo, age de forma maldosa, com dolo ou culpa, causando dano processual à parte contrária. É o improbus litigator, que se utiliza de procedimentos escusos com o objetivo de vencer ou que, sabendo ser difícil ou impossível vencer, prolonga deliberadamente o andamento do processo procrastinando o feito. As condutas aqui previstas, definidas positivamente, são exemplos do descumprimento do dever de probidade estampado no CPC 14 (Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 7. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 371).

A observância da ética no desenvolvimento processual é a regra, já que um dos princípios que norteiam o Processo Civil é o da lealdade. Deve-se, portanto, evitar o manuseio de demandas infundadas, protelatórias ou escusas; entretanto, não se pode restringir o direito à ampla defesa.

Tem-se desta Corte:

CONDENAÇÃO EM LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ - INOCORRÊNCIA - PRESUNÇÃO DE BOA-FÉ DA LITIGANTE - SENTENÇA REFORMADA NESTE TÓPICO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

- Em regra, presume-se todo litigante de boa-fé; a exceção, ou seja, a má-fé, deve ser provada ou resultar devidamente estampada na forma de sua atuação.

- No caso sub judice, não há comprovação do elemento subjetivo (dolo) a configurar qualquer das hipóteses previstas nos incisos I a VII do art. 17 do Código Processual Civil, pela simples razão da concessionária ter arguido em contestação a preliminar de ilegitimidade ativa, sob o fundamento de inexistência de qualquer relação contratual entre as partes (Ap. Cív. n. 2008.060181-3, de Ituporanga, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, j. 4-2-2009).

Para a configuração da lide temerária do artigo 17 do Código de Processo Civil, é necessária a presença concomitante dos elementos objetivo e subjetivo: o primeiro deles insere-se no dano processual e requer a comprovação do prejuízo efetivo causado à parte contrária com a conduta injurídica do litigante de má-fé; o segundo consubstancia-se no dolo ou culpa grave da parte maliciosa, cuja prova deve ser produzida nos autos, não podendo ser aquilatada com base na presunção (Ap. Cív. n. 2007.045995-0, da Capital, rel. Des. Luiz Carlos Freyesleben, j. 2-2-2009).

Há frisar que tal punição é medida extrema e que apenas se justifica ante a prova inequívoca da má-fé, o que, todavia, não se verifica na presente situação, na medida em que o só fato de ter noticiado o encerramento das suas atividades, muito embora posteriormente tenha se constatado que estava em seu pleno exercício, não indica, à míngua de outros elementos, deslealdade processual ou má-fé da empresa agravada.

DECISÃO

Nos termos do voto do Relator, dá-se parcial provimento ao recurso para decretar a desconsideração da personalidade jurídica da empresa Whiskeria África Ltda.

Participaram do julgamento, realizado no dia 26 de janeiro de 2010, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Marcus Tulio Sartorato e Maria do Rocio Luz Santa Ritta.

Florianópolis, 2 de fevereiro de 2010.

Fernando Carioni
PRESIDENTE E RELATOR

Publicado em 22/02/10




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