Empresa que não cumpre Estatuto do Idoso poderá ser punida.
PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL
14ª VARA CÍVEL FEDERAL DE SÃO PAULO
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
PROCESSO Nº 2009.61.00.017914-4
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉUS: VIAÇÃO NOVO HORIZONTE LTDA; AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT
Vistos, em decisão.
Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em face de Viação Novo Horizonte Ltda e Agenda Nacional De Transportes Terrestres - ANTT visando a condenação das rés ao cumprimento do disposto no artigo 40 da Lei n° 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), que determina a reserva de 2 vagas gratuitas e desconto de 50% nas demais, no sistema de transporte coletivo interestadual, aos idosos com idade acima de 60 anos e renda igual ou inferior a 2 salários mínimos.
Para tanto, aduz a parte-autora que foi instaurado na Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão o Procedimento Administrativo n° 1.34.01.003505/2007-67 visando apurar o descumprimento por parte da co-ré Viação Novo Horizonte Ltda do disposto no artigo 40 da Lei n° 10.741/2003, que determina a reserva de 2 vagas gratuitas e desconto de 50% nas demais, no sistema de transporte coletivo interestadual, aos idosos com idade acima de 60 anos e renda igual ou inferior a 2 salários mínimos. Com base nas informações prestadas pela ANTT no sentido de que a referida empresa foi autuada 429 vezes por descumprimento ao Estatuto do Idoso, e nos demais elementos colhidos no curso do referido procedimento administrativo, que apontam para o efetivo descumprimento do mencionado dispositivo legal, pleiteia o Ministério Público Federal a concessão de tutela antecipada que determine a empresa Viação Novo Horizonte Ltda, o cumprimento, no prazo de 60 dias, do art. 40 da Lei n° 10.741/2003, e a ANTT que fiscalize e puna a empresa ré de forma eficiente, com a cominação de multa diária, em caso de descumprimento, no valor de R$ 1.000,00 para cada idoso desatendido, a cada um dos requeridos.
Intimada nos termos do artigo 2°, da Lei n° 8.437/1992, a Agenda Nacional de Transportes Terrestres - ANTT manifestou-se as fls. 189/207 arguindo ilegitimidade passiva, bem como falta de interesse de agir.
É o breve relatório. DECIDO.
De plano, rejeito a preliminar de ilegitimidade de parte e falta de interesse de agir em relação a Agenda Nacional de Transportes Terrestres. À vista do disposto no artigo 24, VIII da Lei nº 10.233/2001, compete à ANTT, em sua esfera de atuação, fiscalizar a prestação dos serviços e a manutenção dos bens arrendados, cumprindo e fazendo cumprir as cláusulas e condições avençadas nas outorgas e aplicando penalidades pelo seu descumprimento. Já o artigo 26, VII, do mesmo diploma legal inclui entre as atribuições conferidas a ANTT, a de fiscalizar o cumprimento das condições de outorga de autorização e das cláusulas contratuais de permissão para prestação de serviços relativos ao transporte rodoviário. Assim, tratando-se de ação civil pública que visa compelir empresa permissionária de serviços de transporte rodoviário interestadual ao cumprimento de dispositivo legal, cuja fiscalização, de responsabilidade da ANTT, tem sua eficácia questionada, de rigor a manutenção da autarquia no pólo passivo da ação, justificando-se, igualmente, interesse de agir, entendido como necessidade/utilidade da via judicial como forma de se obter a declaração jurisdicional do direito aplicável ao caso concreto sob litígio.
Indo adiante, vejo presentes os elementos que autorizam a concessão da tutela pleiteada. O instituto da Antecipação de Tutela, previsto genericamente no artigo 273 do Código de Processo Civil, requer a presença de certos requisitos para o seu deferimento, uma vez que por ele antecipa-se o provimento a ser prestado somente após todo o desenvolvimento processual, e consequentemente, após todo o contraditório e a ampla defesa, quando, então, ao Juízo já é possível estabelecer cognição plena da causa, e não somente a perfunctória cognição realizável em sede de tutela antecipada.
Nesta esteira tem-se que, deverá haver a prova inequívoca dos fatos alegados, levando o Juízo à verossimilhança das alegações da parte, diante do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou, alternativamente, a protelação de defesa por parte do ré, bem como estar caracterizada a possibilidade de reversão da medida.
No presente caso entendo presentes tais requisitos. Fundamento.
Observo, de início, que a proteção ao idoso, cuja garantia decorre dos Princípios que fundamentam o Estado Democrático de Direito, em especial os da Cidadania e da Dignidade da Pessoa Humana (artigo 1°, II e III, da Constituição Federal), recebeu especial atenção do Constituinte de 1988, que dispôs, no artigo 230 do Texto Constitucional que "a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida."
Visando a efetivação dos preceitos constitucionais acerca do tema, foi editada a Lei n° 10.741/2002 - Estatuto do Idoso, que assegura as pessoas com idade igual ou superior a 60 anos todos os direitos fundamentais inerentes a pessoa humana, bem como todas as oportunidades e facilidades para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
Dentre a extensa gama de direitos tutelados pela Lei n° 10.741/2002, está o que estabelece para o sistema de transporte coletivo interestadual, a reserva de 2 vagas gratuitas por veículo, para idosos com renda igual ou inferior a 2 salários-mínimos, e o desconto de 50%, no mínimo, no valor das passagens, para os idosos que excederem as vagas gratuitas, desde que compreendidos na mesma faixa de renda mencionada (artigo 40, I e II da referida lei).
A regulamentação desse benefício deu-se, inicialmente, por força do Decreto n° 5.130, de 7 de julho de 2004, que apesar do detalhamento com que tratou da matéria, foi omisso no que se refere a sua fonte de custeio, sendo a questão finalmente sanada com o advento do Decreto n° 5.934, de 18 de outubro de 2006, que revogou o Decreto n° 5.130/2004 e estabeleceu mecanismos e critérios a serem adotados na aplicação do disposto no art. 40 da Lei nº 10.741/2003.
Por fim, a Resolução ANTT nº 1.692, de 24 de outubro de 2006, tratou dos procedimentos a serem observados no exercício do direito previsto no artigo 40 da Lei n° 10.741/2003.
Assim, com a regulamentação do benefício em comento, é certo que as empresas prestadoras de serviços de transporte rodoviário interestadual de passageiros tem o dever de reservar aos idosos com renda igual ou inferior a dois salários-mínimos, duas vagas gratuitas em cada veículo do serviço convencional de transporte rodoviário interestadual de passageiros, devendo o idoso, para fazer uso do benefício, solicitar um único "Bilhete de Viagem do Idoso", nos pontos de venda próprios da permissionária, com antecedência de, pelo menos, três horas em relação ao horário de partida do ponto inicial da Linha do serviço de transporte, devendo apresentar-se para o embarque até trinta minutos antes do horário de início da viagem. Findo o prazo mencionado sem que tenha havido procura pelos assentos reservados, os respectivos bilhetes poderão ser comercializados, embora devam permanecer disponíveis para o uso do benefício da gratuidade até que sejam efetivamente vendidos.
Além das duas vagas gratuitas, as empresas prestadoras do serviço deverão conceder aos idosos com renda igual ou inferior a dois salários-mínimos o desconto mínimo de cinquenta por cento do valor da passagem para os demais assentos do veículo. Nesse caso o idoso deverá adquirir o bilhete de passagem com, no máximo, seis horas de antecedência para as viagens de até 500km, e doze horas de antecedência para as viagens acima de 500km.
Por força do disposto nos artigos 22 e 26, da Lei n° 10.233/2001, coube a ANTT a fiscalização acerca do cumprimento do artigo 40, da Lei n° 10.741/2003, pelas empresas prestadoras de serviço.
No caso dos autos, o Ministério Público Federal noticia que for instaurado, na Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, o Procedimento Administrativo nº 1.34.01.003505/2007-67 visando apurar o descumprimento do disposto no artigo 40 da Lei n° 10.741/2003 por parte da Viação Novo Horizonte Ltda. No curso do procedimento em questão foi solicitado à empresa-ré que apresentasse cópia dos bilhetes de passagem gratuita ou com desconto de 50% emitidos nos últimos três meses (fls. 31/32). Diante da inércia verificada, oficiou-se ao Coordenador Geral da ANTT em São Paulo a fim de solicitar que a autarquia procedesse a fiscalização nos Terminais Rodoviários do Tietê e da Barra Funda, no período de trinta dias, do cumprimento do disposto no art. 40, da Lei n°. 10.741/2003, por parte da Viação Novo Horizonte Ltda (fls. 64/65). Em resposta, a ANTT encaminhou relatório concluindo que a empresa-ré não atende a determinação legal, quer em relação a gratuidade, quer no tocante ao desconto da compra das passagens, noticiando ainda que a empresa foi penalizada com a lavratura de 887 autos de infração no ano de 2007, dos quais 422 só no âmbito da Unidade Regional de São Paulo, além de 501 outros autos de infração lavrados em 2008 apenas no período compreendido entre 01.01.2008 e 15.08.2008, dos quais 212 em São Paulo (fls. 87). No mesmo sentido o ofício de fls. 165/167 expedido pela ANTT informa que no período de 01.01.2007 a 05.06.2009, a Viação Novo Horizonte Ltda foi autuada 429 vezes somente no que tange a disponibilização dos assentos gratuitos a idosos.
Tais números parecem-me suficientes para justificar a concessão da tutela pleiteada, mesmo porque a empresa-ré sequer prestou-se a impugná-los, não obstante tenha sido reiteradamente intimada para tanto no curso do Procedimento Administrativo n° 1.34.01.003505/2007-67. A violação imotivada aos direitos tutelados pelo Estatuto de Idoso, cuja garantia decorre dos Princípios que fundamentam o Estado Democrático de Direito, em especial os da Cidadania e da Dignidade da Pessoa Humana, não pode ser tolerada. Sequer há que se cogitar que o descumprimento deriva de eventual prejuízo financeiro ao qual a prestadora do serviço estaria sujeita. Isso porque existem mecanismos de garantia do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos firmados com as concessionárias ou permissionárias, a exemplo do disposto no artigo 9°, parágrafo único do Decreto n°. 5.934, de 18 de outubro de 2006.
Nesse sentido, note-se o que restou decidido pelo E. STJ, no RESP 1054390, Primeira Turma, DJE de 10.12.2009, Rela Min. Denise Arruda, v.u.: "ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL AÇÃO ORDINÁRIA. TRANSPORTE INTERESTADUAL DE PASSAGEIROS. ESTATUTO DO IDOSO. PLENA EFETIVIDADE DA NORMA QUE PREVÊ GRATUIDADE. 1. A Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) prevê a reserva de duas vagas gratuitas, por veículo, para idosos com renda igual ou inferior a dois salários mínimos, no sistema de transporte coletivo interestadual, bem como desconto de cinquenta por cento (50%), no mínimo, no valor das passagens, para os idosos que excederem as vagas gratuitas, com renda igual ou inferior a dois salários mínimos. 2. Com o ajuizamento da presente ação, a parte autora pretende desobrigar-se de conceder o referido benefício, enquanto não houver a necessária regulamentação da matéria e a criação da respectiva fonte de custeio, de modo a preservar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão. 3. Com o objetivo de regulamentar o benefício em questão, foi editado, inicialmente, o Decreto 5.130/2004, que, embora tenha conferido amplo tratamento à matéria, foi omisso quanto a criação da mencionada fonte de custeio. 4. Mais recentemente, no entanto, foi editado o Decreto 5.934/2006, que estabelece mecanismos e critérios a serem adotados na aplicação do disposto no art. 40 da Lei 10.741/2003, passando a prever, em seu art. 9°, que, "disponibilizado o benefício tarifário, a ANTT, a ANTAQ e o concessionário ou permissionário adotarão as providências cabíveis para o atendimento ao disposto no caput do art. 35 da Lei n° 9.074, de 7 de julho de 1995". Dispôs, ainda, em seu parágrafo único, que "a concessionária ou permissionária deverá apresentar a documentação necessária para a comprovação do impacto do beneficio no equilíbrio econômico-financeiro do contrato, observados os termos da legislação aplicável". 5. No intuito de conferir efetividade a norma em comento, a ANTT expediu a Resolução 1.692/2006, dispondo que "a ANTT, em Resolução específica, estabelecerá a revisão da planilha tarifária para recomposição do equilíbrio econômico-financeiro, em observância ao disposto no caput do art. 35 da Lei n° 9.074, de 7 de julho de 1995, referente as duas vagas de que trata o caput do art. 2° desta Resolução, caso o beneficio concedido aos idosos resulte comprovadamente em desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos". 6. Verifica-se, desse modo, que a legislação atual, a qual deve ser levada em consideração por força do disposto no art. 462 do CPC, prevê mecanismos adequados para a recomposição de prejuízos eventualmente suportados pelas concessionárias prestadoras do serviço de transporte interestadual de passageiro, dependendo somente da efetiva comprovação do impacto econômico-financeiro negativo em decorrência dos descontos concedidos. 7. Essa parece ser a solução mais adequada ao caso, pois como bem ressaltado no acórdão recorrido, "os veículos que executam o transporte interestadual trafegam, normalmente com substancial ociosidade de vagas, sendo certo que, diante dessa situação, o transporte gratuito de dois idosos e a concessão de descontos aos demais não traria prejuízos tão graves às concessionárias a ponto de representar risco ao equilíbrio econômico-financeiro dos seus contratos de concessão". 8. Registra-se, por oportuno, que o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a matéria em questão nos autos da Suspensão de Segurança 3.052/DF, já se manifestou, por intermédio de decisão proferida pelo eminente Ministro Gilmar Mendes, que "suposto prejuízo ou desequilíbrio de custos na equação da prestação dos serviços concedidos pode ser eventualmente superado, a partir da atuação da própria Administração, ou desta em conjunto com as prestadoras do serviço". 9. A questão envolvendo a necessidade da criação de uma fonte de custeio para a instituição ou majoração de benefício ou serviço da seguridade social, nos termos do que dispõe o § 5° do art. 195 da Constituição Federal, não pode ser analisada em sede de recurso especial, por envolver matéria de natureza constitucional. 10. Recurso especial desprovido".
Acerca da responsabilidade atribuída a ANTT para a fiscalização das empresas prestadoras de serviços de transporte rodoviário interestadual de passageiros empresa ré, especialmente no que concerne ao cumprimento do artigo 40 da Lei n° 10.741/2003, entendo que se de um lado o volume de autuações demonstra que a autarquia está atenta para a questão, de outro indica que tal procedimento não tem alcançado a eficiência esperada na medida em que não é suficiente para compelir à empresa-ré a cumprir suas obrigações legais, não obstante a notícia da existência do Termo de Ajuste de Conduta, cujo teor há que ser verificado no momento oportuno.
Ante ao exposto, DEFIRO A TUTELA ANTECIPADA para determinar o cumprimento por parte da empresa-ré Viação Novo Horizonte Ltda, no prazo de 60 dias, do disposto no artigo 40, I e II, da Lei n° 10.741/2003, devendo, para tanto, disponibilizar 2 (duas) vagas gratuitas, por veículo, para idosos com renda igual ou inferior a 2 (dois) salários mínimos, concedendo ainda desconto de 50% de desconto, no mínimo, no valor das passagens para os idosos na mesma situação que excederem as vagas gratuitas, em todas as linhas de transporte coletivo interestadual, devendo ainda manter em todos os pontos de venda de passagem informativos visíveis sobre o benefício conferido pelo dispositivo legal em tela, observadas as disposições contidas no Decreto n° 5.934/2006 e na Resolução ANTT n° 1.692/2006, sob pena de, não o fazendo, incidir em multa no valor de R$ 1.000,00 para cada idoso desatendido, cabendo à Agência Nacional de Transportes Terrestres a fiscalização do cumprimento desta decisão nos termos do artigo 24, VIII, da Lei nº 10.233/2001.
Cite-se. Intime-se.
São Paulo
CLAUDIA RINALDI FERNANDES
Juíza Federal Substituta
JURID - Empresa poderá ser punida. [22/02/10] - Jurisprudência
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