Intervalo intrajornada. Redução pela via negocial. Invalidade.
Tribunal Regional do Trabalho - TRT 3ª Região.
Processo : 00175-2009-030-03-00-9 RO
Data de Publicação : 02/12/2009
Órgão Julgador : Decima Turma
Juiz Relator : Des. Marcio Flavio Salem Vidigal
Juiz Revisor : Juiza Convocada Wilmeia da Costa Benevides
RECORRENTE: WILLYS WILLIAN BUENO DE SENA
RECORRIDOS: (1) TRANSIMÃO - TRANSPORTADORA SIMÃO LTDA.
(2) VIAÇÃO PEDROSA LTDA.
EMENTA: INTERVALO INTRAJORNADA. REDUÇÃO PELA VIA NEGOCIAL. INVALIDADE. CONDICIONANTES IMPOSTAS PELO NOVEL INCISO II DA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 342 DO COL. TST. Via de regra, celebrada a negociação, tem ela força de lei entre as partes e ao empregado, individualmente considerado, não é dado rebelar-se contra o que foi acordado através da autocomposição de interesses. Aliás, a Constituição Federal de 1988 prestigia a negociação coletiva, incentivando a autocomposição de interesses que se faz através das respectivas representações das categorias profissionais e econômicas. Noutro giro, essa principiologia tem que ser ressalvada quando se trata do intervalo para refeição e descanso, porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT, e art. 7º, XXII, da CF/88), infenso à negociação coletiva. Nesse sentido é a OJ 342/TST. Entretanto, tratando-se de empregados motoristas e cobradores atuantes no transporte público coletivo, foi inserida, recentemente, exceção à regra da irredutibilidade do intervalo, ao se acrescentar o inciso "II" ao texto da retro citada Orientação Jurisprudencial, conforme aprovado por unanimidade na sessão do Pleno do TST, do dia 16.11.2009. Há que se atentar, todavia, para as condições impostas no verbete para que se considere válida negociação coletiva redutora de intervalo intrajornada: a redução da jornada para, no mínimo, sete horas diárias ou quarenta e duas semanais, não prorrogada, mantendo-se a mesma remuneração, e concedendo-se intervalos para descanso menores e fracionários ao final de cada viagem, não descontados da jornada.
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso ordinário, em que figura como recorrente WILLYS WILLIAN BUENO DE SENA, e como recorridos TRANSIMÃO - TRANSPORTADORA SIMÃO LTDA. e VIAÇÃO PEDROSA LTDA.
RELATÓRIO
A MMª Juíza Kátia Fleury Costa Carvalho, na titularidade da 2ª Vara do Trabalho de Contagem, pela r. sentença de fls. 210/218, pronunciou a prescrição do direito de ação em relação aos eventuais direitos não satisfeitos do período contratual anterior a 05/02/2004 e, no mérito, julgou procedentes em parte os pedidos formulados pelo reclamante, condenando as reclamadas, solidariamente, ao pagamento das parcelas elencadas no dispositivo de fl. 218.
Recurso ordinário interposto pelo reclamante, às fls. 219/222, no qual o recorrente pretende a reforma da r. sentença, no que tange à determinação de que as horas extras sejam apuradas com base nos espelhos de ponto, e relativamente ao indeferimento das horas extras pela ausência de gozo dos intervalos, e dos domingos e feriados trabalhados.
A primeira reclamada, Transportadora Transimão Ltda., apresentou contra-razões às fls. 225/239.
Procuração à fl. 16, pelo reclamante.
Dispensada a manifestação prévia por escrito do Ministério Público do Trabalho, nos termos do artigo 82 do Regimento Interno.
Tudo visto e examinado.
É o relatório.
VOTO
JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
Próprio e tempestivo, preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade, conhece-se do recurso ordinário interposto pelo reclamante.
JUÍZO DE MÉRITO
ESPELHOS DE PONTO - VALIDADE
O reclamante não se conforma com a determinação constante da r. sentença, no sentido de que os espelhos de ponto colacionados com a defesa (fls. 50/68) sejam considerados como parâmetro para apuração das horas extras deferidas.
Sem razão.
As reclamadas comprovaram que houve incêndio no estabelecimento da ex-empregadora (fls. 41), que acarretou o desaparecimento dos cartões de ponto cuja autenticidade, aliás, foi reconhecida pelo próprio autor, em seu depoimento pessoal de fl. 207.
Assim é que, tendo o obreiro admitido que a empregadora chegou a adotar registro de jornada fidedigno, e tendo esta aduanado aos autos os espelhos de fls. 50/68, cabia ao autor afastar, de modo cabal, a força probante de tais documentos, ônus do qual não se desincumbiu.
Em primeiro lugar, deve-se frisar que os registros impugnados não contemplam a repudiada marcação britânica de horários. Ademais, a prova testemunhal restou cindida quanto aos efetivos horários de trabalho do reclamante, o que equivale a dizer que ele não obteve sucesso em comprovar que cumpria horários diversos dos consignados às fls. 50/68. A par de tudo isso, verificam-se, nos multicitados registros, marcações de horário de chegada ao serviço que são até mesmo anteriores ao que constou da fala da testemunha do reclamante (fl. 207).
Em face de todo o exposto, não se vislumbra razão, lógica ou jurídica, para se reformar a r. sentença, neste particular.
Provimento que se nega.
INTERVALO INTRAJORNADA
O reclamante pretende a reforma da decisão de primeira instância, quanto ao indeferimento das horas extras postuladas pela alegada ausência de gozo regular dos intervalos intrajornada.
A d. Magistrada a quo embasou sua decisão na "peculiaridade da função exercida pelos motoristas de ônibus de transporte urbano", bem como na "atual jurisprudência do TST, que tem se inclinado no sentido de admitir a flexibilização do intervalo intrajornada nesses casos" (fl. 214).
Ao exame.
Controvérsia não existe quanto ao fato de que o reclamante de fato não usufruía do repouso intervalar pelo tempo mínimo previsto no art. 71, caput, da CLT. A prova testemunhal produzida às fls. 207/208 evidencia isso também. Frise-se, ainda, a existência de CCTs que autorizam o desfrute do intervalo por tempo inferior à previsão celetista (fls. 89 e seguintes).
Pois bem.
Via de regra, celebrada a negociação, tem ela força de lei entre as partes e ao empregado, individualmente considerado, não é dado rebelar-se contra o que foi acordado através da autocomposição de interesses. Aliás, a Constituição Federal de 1988 prestigia a negociação coletiva, incentivando a autocomposição de interesses que se faz através das respectivas representações das categorias profissionais e econômicas, exercidas pelos sindicatos, em pé de igualdade.
Noutro giro, essa principiologia tem que ser ressalvada quando se trata do intervalo para refeição e descanso, porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT, e art. 7º, XXII, da CF/88), infenso à negociação coletiva. Essa associação da redução do intervalo intrajornada à matéria pertinente à saúde, higiene e segurança do trabalho, atrai a aplicação do disposto no inciso XXII, do artigo 7º, da Constituição, em que foi considerado direito dos trabalhadores urbanos e rurais a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Nesse sentido é a OJ 342/TST:
"[...] é inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7º, XXII, da CF/88), infenso à negociação coletiva".
Portanto, data venia do entendimento esposado na origem, não se pode atribuir validade a negociação coletiva que implica em redução ou supressão do tempo intervalar, e não se cogita de excepcionar o caso sub judice daquele entendimento acima transcrito.
E nem se alegue a recentíssima alteração procedida pelo Col. TST no teor da Orientação Jurisprudencial acima referida, que passou a contar com o inciso II, assim redigido:
"II - Ante a natureza do serviço e em virtude das condições especiais de trabalho a que são submetidos estritamente os condutores e cobradores de veículos rodoviários, empregados de empresas de transporte público coletivo urbano, é válida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a redução do intervalo, desde que garantida a redução da jornada para, no mínimo, sete horas diárias ou quarenta e duas semanais, não prorrogada, mantida a mesma remuneração e concedidos intervalos para descanso menores e fracionários ao final de cada viagem, não descontados da jornada.".
É que, muito embora o verbete, em sua nova redação, excepcione exatamente a categoria de empregados à qual pertence o reclamante, certo é que as reclamadas não observaram as condicionantes impostas para a validade da norma coletiva redutora do intervalo, quais sejam, a redução da jornada para, no mínimo, sete horas diárias ou quarenta e duas semanais, e a ausência de prorrogação dessa jornada, ou seja, a ausência de imposição do labor extraordinário ao empregado.
Com efeito, pelo que se constata da r. sentença (fls. 212/213 e 214/215), foi comprovado que o reclamante prestou sobrelabor, tanto em virtude de extrapolação da jornada regularmentar, além do limite referido no inciso II da OJ 342/TST, quanto em decorrência de obrigatoriedade de chegadas antecipadas ao horário normal, o que afasta, em última análise, a autorização para a redução do intervalo, nos termos do inciso II da OJ 342, acima transcrito.
Via de consequência, dá-se provimento ao recurso do reclamante, neste particular, para condenar as rés ao pagamento de uma hora extra diária em todos os dias trabalhados, pela inobservância ao disposto no art. 71, caput da CLT. Os dias trabalhados devem ser objeto de apuração nos registros de fls. 50/68.
Não há que se falar, ainda, em pagamento apenas do adicional de horas extras, porque o comando legal do § 4º do art. 71 consolidado determina o pagamento do tempo acrescido do adicional. Acrescente-se que em se tratando do intervalo intrajornada não tem lugar, ainda, a aplicação da Súmula 85/TST, porque o tempo para refeição e descanso não pode se sujeitar a regime de compensação de jornada.
Este Tribunal firmou o entendimento de que o intervalo intrajornada concedido a menor deve ser remunerado de forma integral, na forma do entendimento sedimentado pela Súmula 27, in verbis:
"INTERVALO INTRAJORNADA PARA REPOUSO E ALIMENTAÇÃO - CONCESSÃO PARCIAL - PAGAMENTO DO PERÍODO INTEGRAL. A concessão parcial do intervalo intrajornada mínimo gera para o empregado o direito ao pagamento, como extraordinário, da integralidade do período destinado ao repouso e alimentação, nos termos do parágrafo 4º do artigo 71 da CLT e da Orientação Jurisprudencial nº 307 da SBDI-I/TST."
Desta forma, em face do intervalo não cumprido na sua integralidade, é devido o pagamento, como extra, de uma hora diária, conforme já referido acima.
Por fim, a concessão irregular do intervalo intrajornada significa que o empregado está trabalhando quando não deveria estar. Portanto, são devidas as horas extras, que integram o salário para todos os fins. Não há falar em caráter indenizatório do pagamento advindo do desrespeito ao tempo intervalar. Nesse sentido, aliás, a OJ-SDI1-354 do TST. Portanto, condenam-se as reclamadas ao pagamento também dos reflexos das horas extras aqui deferidas, nos repousos semanais remunerados e, com estes, nas férias acrescidas do terço constitucional, nas gratificações natalinas, no aviso prévio e no FGTS + 40%, tudo conforme se apurar. Quanto ao divisor e adicionais aplicáveis, devem ser observadas as diretrizes já traçadas na r. sentença (fl. 213).
Dá-se provimento.
DOMINGOS E FERIADOS TRABALHADOS
O reclamante manifesta irresignação contra o indeferimento de seu pedido de pagamento dos domingos trabalhados, em dobro, e da limitação da condenação, quanto aos feriados, à dobra, visto que a julgadora primeva considerou que houve quitação de forma simples (fls. 215/216).
Analisa-se.
Em que pesem os termos da decisão de primeiro grau, o exame dos espelhos de ponto de fls. 50/68 revela que as reclamadas não observaram corretamente a concessão de folgas compensatórias pelo trabalho aos domingos, deixando, ainda, de promover a escorreita quitação pelo labor nesses dias.
É o que se constata, v.g., do período de 22.10.2007 a 14.11.2007 (fl. 66), quando o autor laborou ininterruptamente, ativando-se em três domingos consecutivos, sem qualquer concessão de folga compensatória, nem tampouco pagamento correspondente a tais dias, em dobro (cf. demonstrativos salariais de fls. 85/86).
Assim sendo, dá-se provimento ao recurso, também neste particular, para condenar as rés ao pagamento dos domingos laborados e não compensados, em dobro (Súmula 146 do TST), tudo conforme se apurar nos espelhos de ponto de fls. 50/68, deduzindo-se eventual quitação a idêntico título, sob pena de enriquecimento ilícito do reclamante e, dado o caráter cogente, com os reflexos corolários em férias acrescidas do terço constitucional, nas gratificações natalinas, no aviso prévio e no FGTS + 40%.
Lado outro, quanto aos feriados razão não assiste ao reclamante, uma vez que apesar de se encontrarem registros de trabalho nesses dias, as fichas financeiras revelam a quitação devida, conforme bem fundamentado na decisão de origem que não está, pois, a merecer reparos, no aspecto.
Provimento parcial, pois.
CONCLUSÃO
Conhece-se do recurso interposto pelo reclamante e, no mérito, dá-se-lhe provimento parcial para: a) condenar as reclamadas ao pagamento, como extra, de uma hora diária, pela concessão irregular do intervalo intrajornada, em todos os dias trabalhados, conforme se apurar com base nos espelhos de ponto, e com reflexos nos repousos semanais remunerados e, com estes, nas férias acrescidas do terço constitucional, nas gratificações natalinas, no aviso prévio e no FGTS + 40%, tudo conforme se apurar, sendo que, quanto ao divisor e adicionais aplicáveis, devem ser observadas as diretrizes já traçadas na r. sentença (fl. 213), e b) condenar as rés ao pagamento dos domingos laborados e não compensados, em dobro (Súmula 146 do TST), tudo conforme se apurar nos espelhos de ponto de fls. 50/68, deduzindo-se eventual quitação a idêntico título, sob pena de enriquecimento ilícito do reclamante e, dado o caráter cogente, com os reflexos corolários em férias acrescidas do terço constitucional, nas gratificações natalinas, no aviso prévio e no FGTS + 40%.
Majora-se o valor da condenação, nesta instância, em R$5.000,00 (cinco mil reais), com custas complementares, pelas reclamadas, fixadas em R$100,00 (cem reais).
MOTIVOS PELOS QUAIS,
O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, em Sessão Ordinária da 10ª Turma, hoje realizada, julgou o presente feito e, à unanimidade, conheceu do recurso do reclamante; no mérito, sem divergência, deu-lhe provimento parcial para: a) condenar as reclamadas ao pagamento, como extra, de uma hora diária, pela concessão irregular do intervalo intrajornada, em todos os dias trabalhados, conforme se apurar com base nos espelhos de ponto e com reflexos nos repousos semanais remunerados e, com estes, nas férias acrescidas do terço constitucional, nas gratificações natalinas, no aviso prévio e no FGTS + 40%, tudo conforme se apurar, sendo que, quanto ao divisor e adicionais aplicáveis, devem ser observadas as diretrizes já traçadas na r. sentença (fl. 213), e b) condenar as rés ao pagamento dos domingos laborados e não compensados, em dobro (Súmula 146 do TST), tudo conforme se apurar nos espelhos de ponto de fls. 50/68, deduzindo-se eventual quitação a idêntico título, sob pena de enriquecimento ilícito do reclamante e, dado o caráter cogente, com os reflexos corolários em férias acrescidas do terço constitucional, nas gratificações natalinas, no aviso prévio e no FGTS + 40%. Majorado o valor da condenação, nesta instância, em R$5.000,00 (cinco mil reais), com custas complementares, pelas reclamadas, fixadas em R$100,00 (cem reais).
Belo Horizonte, 25 de novembro de 2009.
MÁRCIO FLÁVIO SALEM VIDIGAL
RELATOR
JURID - Intervalo intrajornada. Redução pela via negocial. [24/02/10] - Jurisprudência
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