Recurso ordinário em ação rescisória. Prescrição. Interrupção. Erro de fato.
Tribunal Superior do Trabalho - TST.
PROC. Nº TST-ROAR-707/2005-000-12-00.3
A C Ó R D Ã O
SESDI-2
GMRLP/rv/cl
RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. ERRO DE FATO. A ação rescisória, assim como não se presta a apreciar a justiça ou injustiça da decisão, a renovação ou complementação da prova, de igual forma não se presta a examinar a boa ou má interpretação dos fatos e provas apresentados. Portanto, a simples alegação do autor de que o órgão julgador não observou que houve a interrupção da prescrição pois a matéria dos dois processos foi a mesma, qual seja, a incidência da gratificação de função de confiança, não tem o condão, por óbvio, de indicar a ocorrência da hipótese de rescindibilidade prevista no inciso IX do artigo 485 do Código de Processo Civil, para o que necessário seria que não tivesse havido controvérsia e tampouco pronunciamento judicial sobre o fato (§2º do mesmo dispositivo legal).
VIOLAÇÃO DO ARTIGO 219 DO CPC. Forçoso concluir pela aplicabilidade do óbice contido na Súmula/TST nº 83, item I, quando a questão versada nos autos não tinha interpretação sedimentada na época em que foi proferido o v. acórdão rescindendo. Nesse passo, não se vislumbra ofensa ao artigo 219 do CPC. Recurso ordinário em ação rescisória não provido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário em Ação Rescisória nº TST-ROAR-707/2005-000-12-00.3, em que é Recorrente FRANCISCO ARTHUR ALVES BAPTISTA e Recorrida ELETROSUL - CENTRAIS ELÉTRICAS S.A.
O Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, pelo v. acórdão de fls. 310/321, julgou improcedente a ação rescisória, aplicando o óbice contido na Súmula nº 343 do STF para afastar a alegação de afronta do artigo 219 do CPC; e, por não vislumbrar a ocorrência de erro de fato na hipótese em que houve controvérsia e pronunciamento judicial quanto ao fato ora alegado.
Inconformado, interpõe o autor recurso ordinário, pelas razões de fls. 323/334, reiterando suas alegações iniciais no sentido de que o r. decisum rescindendo foi proferido com erro de fato, na medida em que não observou que houve a interrupção da prescrição, pois a matéria dos dois processos foi a mesma, qual seja, a incidência da gratificação de função de confiança, bem como violou o disposto no artigo 219 do CPC, porquanto deixou de reconhecer, no caso, a interrupção da prescrição.
O apelo foi admitido às fls. 336, tendo recebido contra-razões às fls. 338/344.
A douta Procuradoria-Geral do Trabalho, às fls. 349/350, opinou pelo conhecimento e não provimento do recurso ordinário.
É o relatório.
V O T O
CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Em suas razões de recurso ordinário, requer o autor seja sanada contradição/obscuridade constante no v. acórdão recorrido que fez constar em sua ementa que a tese discutida nos presentes autos se relaciona a inquérito administrativo interno do Banco que culminou na manutenção da justa causa aplicada, quando, na realidade, a pretensão é de desconstituição de decisão que declarou a prescrição total do direito de ação do ora autor.
Ocorre que existe no ordenamento jurídico remédio processual próprio para o saneamento de contradição/obscuridade na decisão, qual seja, embargos de declaração, até porque somente o Juízo que a prolatou pode vir a sanar tais vícios.
Não obstante tal fato e considerando que, na realidade, o que ocorreu foi um mero erro material quando da prolação da ementa de fls. 310, recebo a presente postulação para, de ofício, corrigir erro material no julgado recorrido para fazer constar no texto da referida ementa, no lugar onde está escrito "questão atinente ao inquérito administrativo interno do Banco que culminou na manutenção da justa causa aplicada", o seguinte trecho: "questão atinente a interrupção da prescrição".
I - CONHECIMENTO
Os pressupostos extrínsecos de admissibilidade do presente recurso ordinário, tais como representação (fls. 12), tempestividade (fls. 322/323) e preparo (fls. 335), foram devidamente satisfeitos, pelo que dele conheço.
II - MÉRITO
II.1 - PRESCRIÇÃO - INTERRUPÇÃO - ERRO DE FATO E VIOLAÇÃO LEGAL
O v. acórdão rescindendo foi vazado nos seguintes termos:
"O autor propôs reclamatória trabalhista em 05-9-94, pleiteando o reconhecimento da integração da gratificação de função nos salários, com o pagamento das verbas vencidas e vincendas.
No curso da referida ação, o autor aderiu ao plano de demissão incentivada, sendo que a gratificação supramencionada não integrou o cálculo das verbas rescisórias. Agora, nesta ação, pleiteia a integração da função gratificada nas verbas recebidas quando da rescisão contratual havida em 31-8-95 e o pagamento respectivo.
Em decisão consubstanciada no acórdão-3ª T-nº11913/96, o direito pleiteado pelo reclamante restou reconhecido. O recurso de revista interposto daquele julgado teve seu seguimento negado em despacho publicado em 07.04.97 (fl. 31), bem como o agravo de instrumento interposto teve negado seu provimento, conforme certidão à fl. 32. Não consta dos autos a certidão do trânsito em julgado da decisão. No entanto, consultando a INTERNET verifico no relatório do processo (AIRR 369134/1997.3) que foi certificado em 14.09.98 que não houve interposição de recurso.
No entanto, a tese recursal merece guarida. É que a interrupção da prescrição somente se dá em caso de ações com o mesmo objeto, o que não ocorre in casu, pois na ação anterior o demandante postulou a integração da gratificação na sua remuneração e, nesta, a complementação de verbas rescisórias.
Na verdade, impunha-se ao empregado reclamar da ELETROSUL a integração das verbas pleiteadas em outra ação nas verbas rescisórias, independentemente do trânsito em julgado naquele feito, por aplicação das disposições constantes do art. 265, IV, letra 'a', do CPC.
Não o tendo feito no prazo de dois anos da extinção do contrato de trabalho, ocorreu a prescrição total, nos termos do art. 7º, XXIX, da Lei maior.
Mesmo considerando o argumento de que para ver a gratificação de função incorporada aos valores de demissão incentivada havia a necessidade de por primeiro obter o reconhecimento do direito, o destino continua sendo a ocorrência da prescrição total. É que, se considerado como marco inicial da prescrição o trânsito em julgado da decisão de segundo grau, como dito alhures, consubstanciada no acórdão nº 11913/96, que reconheceu o direito à integração da gratificação de função nos salários que ocorreu em 14.09.98, o termo final para a manifestação do reclamante se deu em 14.09.2000. No entanto, a ação ora em exame foi ajuizada em 8-1-2001, quando já prescrito o direito de ação.
Em face do exposto, acolho a preliminar de prescrição argüida pela recorrente para declarar a prescrição extintiva do direito de ação, nos termos do art. 269, IV, do CPC" (fls. 152/153).
O autor ajuizou a presente ação rescisória, com fulcro nos incisos V e IX, do artigo 485 do CPC, objetivando a desconstituição da v. decisão supratranscrita.
O Egrégio TRT da 12ª Região julgou improcedente a ação rescisória, aplicando o óbice contido na Súmula nº 343 do STF para afastar a alegação de afronta do artigo 219 do CPC; e, por não vislumbrar a ocorrência de erro de fato na hipótese em que houve controvérsia e pronunciamento judicial quanto ao fato ora alegado.
Contra essa decisão, o autor interpôs o presente recurso ordinário, reiterando suas alegações iniciais no sentido de que o v. decisum rescindendo foi proferido com erro de fato, na medida em que não observou, que houve a interrupção da prescrição pois a matéria dos dois processos foi a mesma, qual seja, a incidência da gratificação de função de confiança bem como violou o disposto no artigo 219 do CPC, porquanto deixou de reconhecer, no caso, a interrupção da prescrição. Acrescentou, ainda, a sua fundamentação que "quando ajuizou sua ação, o Autor o fez com base em um entendimento vigente há 13 anos, que estava em vigor à época, e perfeitamente compatível com o texto legal" (fls. 329). O entendimento referido é o texto original da Súmula nº 268 do TST, que estaria compatível com o disposto no artigo 219 do CPC.
Não merece, entretanto, amparo a pretensão do autor, senão vejamos:
Não é base para a admissibilidade da via excepcional da rescisória a errônea interpretação dada pelo juiz a fatos e provas cuja existência não negou.
Como leciona Barbosa Moreira "o pensamento da lei é o de que só se justifica a abertura da via para a rescisão quando seja razoável presumir que, se houvesse atentado na prova, o juiz não teria julgado no sentido em que julgou. Não, porém, quando haja ele julgado em tal ou qual sentido, por ter apreciado mal a prova em que atentou".
Ou seja, a ação rescisória, assim como não se presta a apreciar a justiça ou injustiça da decisão, a renovação ou complementação da prova, de igual forma não se presta a examinar a boa ou má interpretação dos fatos e provas apresentados.
Portanto, a simples alegação do autor de que o órgão julgador não observou, que houve a interrupção da prescrição pois a matéria dos dois processos foi a mesma, qual seja, a incidência da gratificação de função de confiança, não tem o condão, por óbvio, de indicar a ocorrência da hipótese de rescindibilidade prevista no inciso IX do artigo 485 do Código de Processo Civil, para o que necessário seria que não tivesse havido controvérsia e tampouco pronunciamento judicial sobre o fato (§2º do mesmo dispositivo legal), o que, como visto, ocorreu no presente caso, em que a v. decisão rescindenda deixou expressamente consignado que "a interrupção da prescrição somente se dá em caso de ações com o mesmo objeto, o que não ocorre in casu, pois na ação anterior o demandante postulou a integração da gratificação na sua remuneração e, nesta, a complementação de verbas rescisórias" (fls. 152).
Por outro lado, não se vislumbra a apontada violação literal do artigo 219 do CPC. Senão vejamos:
Aduz o autor ser inegável, no caso, a incidência do artigo 219 do CPC, na medida em que referido dispositivo legal não faz qualquer restrição quanto à identidade de pedidos, ao dispor que: "A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição". Alega que "a sentença do processo 601/94 transitou em julgado em 05/10/2000 e o processo cujo Acórdão requer-se a rescisão foi iniciado em 08/01/2201, ou seja, com o lapso temporal de aproximadamente 3 (três) meses" (fls. 328). Afirma que, ao contrário do que entendeu o v. acórdão rescindendo, a causa de pedir da ação a qual se requer a rescisão do acórdão é a mesma da ação nº 601/94, qual seja, a incorporação da gratificação de função exercida pelo recorrente. Sustenta, por fim, que "quando ajuizou sua ação, o Autor o fez com base em um entendimento vigente há 13 anos, que estava em vigor à época, e perfeitamente compatível com o texto legal" (fls. 329). O entendimento referido é o texto original da Súmula nº 268 do TST, que estaria compatível com o disposto no artigo 219 do CPC. Nestes termos, alega que teria direito adquirido processual de ver examinada a questão ora trazida à controvérsia com a interpretação que lhe dava à época esta Colenda Corte Superior.
A controvérsia, analisada à luz do artigo 219 do CPC, assim como bem entendeu a v. decisão recorrida, esbarra no óbice do Verbete Sumular nº 83 deste Colendo TST e nº 343 do Egrégio STF, segundo os quais não cabe ação rescisória, por violação literal de lei, quando a decisão rescindenda estiver baseada em texto legal de interpretação controvertida nos Tribunais.
De fato, no âmbito dessa Corte foi inserida a Súmula nº 268 do TST, em março de 1988, que dispunha que a ação trabalhista, ainda que arquivada, interrompia a prescrição.
Ocorre que, ainda assim, permaneceu mantida a controvérsia nos Tribunais sobre a questão: se o mero ajuizamento de ação trabalhista interrompia a prescrição ou se interrompia somente em relação aos pedidos idênticos.
Tanto isto é verdade que esta Colenda Corte, diante da controvérsia ainda existente sobre a matéria, editou uma nova redação para o texto da referida Súmula, em novembro de 2003, no sentido de que:
"Súmula nº 268/TST. A ação trabalhista, ainda que arquivada, interrompe a prescrição somente em relação aos pedidos idênticos" (grifo nosso).
Neste contexto, não obstante o texto original da Súmula nº 268 do TST, tem-se que a matéria ora trazida à discussão na presente ação rescisória continuou (até novembro de 2003) de interpretação controvertida nos Tribunais, haja vista as diversas decisões contrárias à referida Súmula, que culminaram, inclusive, com a nova redação que lhe foi dada, afigurando-se então, com base nas Súmulas nºs 83 do TST e 343 do STF, incabível o pedido de rescisão com base em afronta do artigo 219 do CPC.
Note-se, ademais, que, no presente caso, a v. decisão rescindenda foi proferida antes da edição da nova redação dada a Súmula nº 268 do TST, o que reforça a tese de que, quando da prolação do v. acórdão rescindendo a matéria era, efetivamente, controvertida nos Tribunais.
Neste sentido, o item II da Súmula nº 83 do TST, de seguinte teor:
"O marco divisor quanto a ser, ou não, controvertida, nos Tribunais, a interpretação dos dispositivos legais citados na ação rescisória é a data da inclusão, na Orientação Jurisprudencial do TST, da matéria discutida".
Logo, considerando que a questão versada nos autos não tinha interpretação sedimentada na época em que foi proferido o v. acórdão rescindendo, forçoso concluir pela aplicabilidade do óbice contido na Súmula/TST nº 83, item I, para afastar a apontada afronta do artigo 219 do CPC.
Quanto a alegação do autor que teria direito adquirido processual de ver examinada a presente controvérsia de acordo com a interpretação que lhe dava à época esta Colenda Corte Superior, tem-se que:
Maria Helena Diniz, ao comentar a LICC, afirma textualmente que "será preciso lembrar que o problema da irretroatividade é irrelevante na seara jurisprudencial e consuetudinária. Isto é assim porque o Judiciário resolve as questões de direito intertemporal caso por caso, fundado as vezes sobre o interesse geral, a ordem pública, as exigências fático-axiológicas do sistema jurídico etc".
E ainda para corroborar esse entendimento, esclarece que, mesmo no campo das leis, estas serão retroativas se interpretativas, por serem consideradas vigentes desde a promulgação da lei interpretada.
Portanto, como regra, a alteração da jurisprudência, ainda que sumulada que interpreta norma ainda que de natureza processual, não está sujeita a discussão referente à sua irretroatividade, e como conseqüência a existência de direito adquirido processual da parte.
Assim tem decidido esta Egrégia Corte Superior, em casos como o que ora se examina, bem como em outros, como na hipótese, por exemplo, da Súmula nº 310 do TST, que tratava dos limites da substituição processual e todos os requisitos da petição inicial.
O seu cancelamento, de modo algum, fez nascer para os então reclamados, direito adquirido processual de ver todos aqueles pressupostos processuais preenchidos. Uma vez cancelada a referida Súmula, abriu-se em toda a sua amplitude a rediscussão da matéria.
Em conclusão: por se tratar de matéria controvertida e, ainda, não alcançada pela existência de direito adquirido processual, aplica-se ao caso, como bem entendeu o v. acórdão recorrido, a orientação das Súmulas nºs 83 do TST e 343 do STF.
Oportuno deixar ainda consignado prejudicado o exame do recurso ordinário no que tange à alegação de afronta dos artigos 5º, inciso XXXVI e 7º, inciso IV, da Constituição Federal e 457 da CLT, referentes à questão de mérito alegada nos autos da reclamação trabalhista, em face da manutenção da v. decisão recorrida que julgou improcedente a ação rescisória que pretendia a desconstituição da v. decisão regional que declarou a prescrição total do direito de ação do ora autor.
Com esses fundamentos, nego provimento ao recurso ordinário em ação rescisória para manter incólume o teor da v. decisão recorrida.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, negar provimento ao recurso ordinário em ação rescisória.
Brasília, 15 de dezembro de 2009.
RENATO DE LACERDA PAIVA
Ministro Relator
PUBLICAÇÃO: DEJT - 05/02/2010
JURID - Prescrição. Interrupção. Erro de fato. [19/02/10] - Jurisprudência
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