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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

JURID - Negada redução de pena [25/02/10] - Jurisprudência


Negada redução de pena a condenado por estupro e atentado violento ao pudor
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Vistos.

Trata-se de pedido feito pelo procurador do apenado xxxx (fls. 1426/1427), atualmente em situação de livramento condicional, com o escopo de redução da sua pena referente a condenações por crimes de estupro e ao atentado violento ao pudor, tendo em vista as modificações levadas a efeito pela lei nº 12.015/2009 nos artigos 213 e 214 do Código Penal.

Argumentou que, por não ostentar antecedentes criminais, deveria tão somente cumprir a pena mínima de 06 (seis) anos prevista no atual delito de estupro, ao contrário dos 12 (doze) anos a que foi condenado em razão do cúmulo material reconhecido na ocasião. Frisou que as modificações legislativas benéficas devem retroagir em seu benefício.

O Ministério Público referiu que o estabelecimento de nova pena somente seria possível em sede de revisão criminal, segundo ele o caminho adequado para o conhecimento do pleito do acusado.

Relatei.

Decido.

Não assiste razão ao apenado.

Inicialmente, esclareço que, ao contrário do mencionado pelo Ministério Público em sua promoção, não é a revisão criminal o meio adequado para a análise do pedido do apenado.

Dispõe a Lei de Execuções Penais (lei 7.210/84), em seu artigo 66, inciso I, competir ao juiz da execução aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquer modo favoreça o condenado.

Não incumbe, portanto, ao Tribunal de Justiça a análise do pedido em pauta, porquanto reside ele na busca de potencial diminuição de pena em razão de suposta alteração legislativa benéfica, tarefa claramente destinada, pelo legislador, ao juízo da VEC.

Para elucidar a questão, colaciono julgado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que, em pleito semelhante, traduziu entendimento idêntico ao ora tecido:

EMENTA: REVISÃO CRIMINAL. ESTUPRO. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. RETRATAÇÃO. JUSTIFICAÇÃO JUDICIAL. PROVA INSUFICIENTE. RETROATIVIDADE. LEX MITIOR. INVIABILIDADE. 1. A simples retratação da ofendida, em audiência de justificação judicial, não é suficiente para a desconstituição da condenação criminal de seu padrasto, por atentado violento ao pudor. Necessário, outrossim, avaliar as razões dessa nova postura, cotejando-a com as provas carreadas aos autos e às máximas da experiência. 2. Preliminar ministerial rejeitada. A revisão criminal não é a via adequada para a aplicação de lei nova mais benéfica ao condenado. Eventual apreciação acerca da Lei 12.015/2009, (lex mitior) incumbe ao juízo da execução criminal, nos termos do artigo 66, inciso I, da Lei de Execuções Penais e da Súmula 611 do STF. Rejeitaram a preliminar argüida pelo MP envolvendo tese de aplicação imediata da Lei 12.015/2009 e julgaram improcedente a revisão criminal. Unânime. (Revisão Criminal Nº 70031696107, Terceiro Grupo de Câmaras Criminais, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mario Rocha Lopes Filho, Julgado em 16/10/2009)

Além disso, dispõe a súmula 611 do Supremo Tribunal Federal que "transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação da lei mais benigna".

Assim, sob qualquer ângulo, está equivocado o alvitre encampado pelo I. Promotor de Justiça.

Após essas considerações preliminares, saliento que não há de ser feita qualquer alteração na pena fixada pela prática do estupro e do atentado violento ao pudor, os quais, antes do advento da lei 12.015, de 07 de agosto de 2009, estavam redigidos, no campo legislativo, da seguinte forma:

Art. 213 - Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça:

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

Art. 214 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal.

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

Como se vê, cometia o crime de estupro aquele que sujeitava mulher, mediante violência ou grave ameaça, à conjunção carnal, ou seja, à prática consistente na introdução do pênis na vagina, ao passo que qualquer outro ato libidinoso diverso desse, como coito anal e sexo oral, ensejaria a tipificação do atentado violento ao pudor.

Foi nesse contexto legislativo que o requerente restou definitivamente condenado por atentado violento ao pudor e estupro, em concurso material, pois ele não apenas forçou a vítima a ter consigo a conjunção carnal, mas também obrigou-a a praticar atos libidinosos diversos, revelados no processo de conhecimento já julgado outrora.

As decisões prolatadas no caso em pauta bem elucidam o debate acerca do concurso de crimes sexuais, sob a égide da antiga legislação.

A sentença de fls. 26/40, com efeito, revela que inicialmente foi o réu condenado apenas pela prática do crime de estupro, sendo absolvido no tocante ao atentado violento ao pudor, por entender o juiz que os atos antecedentes à penetração vaginal figuravam como "praelundia coiti".

Esse mesmo entendimento foi adotado pelo desembargador Alfredo Foerster, ao julgar recurso interposto pela defesa e pelo Ministério Público, nos autos da apelação criminal nº 70006296107 (fls. 171/188).

Não obstante, no mesmo acórdão, os desembargadores Ivan Leomar Bruxel e Luis Carlos Ávila de Carvalho Leite, referiram que a hipótese tratava-se de concurso formal entre os crimes de atentado violento ao pudor e estupro, porque o apenado, mediante uma ação, deu causa a duplo resultado.

Com a interposição de recurso especial pelo Ministério Público, entendeu o Superior Tribunal de Justiça (fls. 344/357) não ser caso de concurso formal, mas sim de concurso material entre os delitos de estupro e atentado violento ao pudor. Eis a ementa correspondente a referida decisão:

EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. CRIMES PRATICADOS CONTRA A MESMA VÍTIMA. CONCURSO MATERIAL, CRIMES HDIONDOS. PROGRESSÃO DE REGIME.

I - Se, além da conjunção carnal, é praticado outro ato libidinoso que não se ajusta aos classificados de praelundia coiti, é de se reconhecer o concurso material entre os delitos de estupro e de atentado violento ao pudor. A continuidade delitiva exige crimes da mesma espécie e homogeneidade de execução.

(...)

Recurso provido. (Recurso Especial nº 673.545/RS, Ministro Felix Fischer, julgado em 18/11/2004 e publicado em 13/12/2004) (grifou-se).

A análise da situação não deixa dúvidas de que eram intensas as discussões acerca das modalidades de concurso de crimes a serem adotadas no tocante aos delitos sexuais em exame.

Embora os crimes de estupro e atentado violento ao pudor fossem do mesmo gênero, não eram da mesma espécie.

Diante disso, mesmo existindo doutrina e jurisprudência minoritárias se posicionando pela viabilidade do reconhecimento da continuidade delitiva e do concurso formal de crimes entre eles, essas, de fato, não se mostravam as soluções mais acertadas segundo o entendimento dos Tribunais Superiores.

Para elucidar, refere-se que a não admissão de crime continuado em relação aos tipos penais dos artigos 213 e 214 do Código Penal era trazida, de forma clara, nos julgados do Supremo Tribunal Federal:

EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIMES DE ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR, PRATICADOS DE FORMA INDEPENDENTE. MESMA VÍTIMA. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE CONTINUIDADE DELITIVA. IMPOSSIBILIDADE. OCORRÊNCIA DE CONCURSO MATERIAL. PRECEDENTES. 1. O pensamento majoritário do Supremo Tribunal Federal recusa o reconhecimento da continuidade delitiva se os crimes de estupro e atentado violento ao pudor são praticados de forma autônoma, ainda que se trate de uma única vítima. 2. No caso, o atentado violento ao pudor não foi praticado como "prelúdio do coito" ou como meio para a consumação do crime de estupro. Ato libidinoso diverso da conjunção carnal, ocorrido de modo independente do crime de estupro. Precedentes. 3. Habeas corpus indeferido. (HC 100314 / RS ; Relato: Min. CARLOS BRITTO; Julgamento: 22/09/2009; Primeira Turma). (grifou-se)

EMENTA: HABEAS CORPUS. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. CRIME CONTINUADO. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. A análise do crime continuado envolve o reexame de fatos e provas, o que, em princípio, é inviável na estreita via do habeas corpus. Precedentes (HC 91.895, rel. min. Menezes Direito, DJe-147 de 08.08.2008; e HC 92.758, rel. min. Eros Grau, DJ de 03.12.2007). Ademais, segundo julgados do Supremo Tribunal Federal (HC 94.714, rel. min. Carmem Lúcia, julgado em 28.10.2008; e HC 89.770, rel. min. Eros Grau, DJ de 06.11.2006, p. 51), não há espaço, no caso, para o afastamento do concurso material e o reconhecimento da continuidade delitiva entre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor. Ordem denegada. (HC 94504/RS; Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA; Julgamento: 23/06/2009; Segunda Turma).

Entretanto, com a edição da Lei nº 12.015/09(1), os posicionamentos que antes pareciam consolidados voltaram a ser trazidos à balha de forma ainda mais intensa, visto que os crimes de estupro e atentado violento ao pudor passaram a integrar uma única figura típica, qual seja a do artigo 213 do Código Penal, cuja redação abaixo se transcreve:

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar e permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

§ 1º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou maior de 14 (catorze) anos:

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.

§ 2º - Se da conduta resulta morte:

Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Antes da modificação legislativa, só poderia ser sujeito ativo do estupro o homem - salvo, evidentemente, as hipóteses de participação - e, consequentemente, como vítima figurava a mulher. O mesmo não ocorria quando o crime era o de atentado violento ao pudor, uma vez que homens e mulheres poderiam figurar tanto na condição de vítima do crime como na qualidade de sujeitos ativos do delito.

Na tentativa de buscar uma homogeneidade entre os membros da sociedade brasileira, estabelece a Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 5º, caput e inciso I, que todos são iguais perante a lei, sem distinções de qualquer natureza.

Visando a aniquilar diferenciações de índole sexual e seguir o ideal de isonomia previsto na Constituição Federal, optou o legislador infraconstitucional por unir, em um mesmo tipo penal, as condutas antes englobadas nos artigo 213 e 214 do Código Penal, adotando-se o nomen iuris de estupro.

Este o objetivo da mudança legislativa, como adiante melhor se examinará.

Um adendo: parece necessário compreender-se que o legislador não atua livre de qualquer peia ao desincumbir-se de sua tarefa consistente na edição de leis. Há de atuar sob os parâmetros constitucionais e há de atender à integridade em sua deliberação, no sentido de manter a coerência e o respeito com a tradição, e, justamente ao Poder Judiciário é que cabe corrigir os rumos de potenciais desvios legislativos(2).

Tecendo uma crítica ao legislador, que trazia, no Código Penal, as infrações penais de natureza sexual como delitos contra os costumes, Nucci referia a necessidade de que se desse ênfase à dignidade da pessoa humana, afastando-se a redutora compreensão de que figura feminina é unicamente objeto do desejo masculino:

O que o legislador deve policiar, à luz da Constituição Federal de 1988, é a dignidade da pessoa humana, e não os hábitos sexuais que porventura os membros da sociedade resolvam adotar, livremente, sem qualquer constrangimento e sem ofender direito alheio, ainda que, para alguns, sejam imorais ou inadequados. Foi se o tempo em que a mulher era vista como um símbolo ambulante de castidade e recato, no fundo autêntico objeto sexual do homem. (...) O Código Penal está a merecer, nesse contexto, reforma urgente, compreendendo-se a realidade do mundo moderno, sem que isso represente atentado à moralidade ou à ética, mesmo porque tais conceitos são mutáveis e acompanham a evolução social. Na atualidade, é difícil negar que há liberação saudável da sexualidade e não pode o legislador ficar cego ao mundo real. Merece, portanto, aplauso o Anteprojeto de Lei, publicado pela portaria 232, de 24 de março de 1998, do Ministério da Justiça (...) que, de início alterou o título para "Dos crimes contra a Dignidade sexual"(3).

Tendo em vista argumentos como o acima exposto é que se elaborou a justificativa constante no projeto de lei nº 6.744/06, de autoria do Deputado Robson Tuma, que, posteriormente, ensejou a referida modificação no Código Penal.

Quero deixar claro com essa análise da história legislativa que em nenhum momento se cogitou de buscar-se, pela unificação de condutas antes tratadas em dois artigos, num só, de redução de pena ou minoração de consequências penais já estabelecidas.

O objetivo, insista-se, era e foi o de efetuar uma equiparação de gênero, num sentido direcionado ao atendimento do princípio da igualdade e, ademais, retirar de tal espécie de delitos a compreensão de que se violavam os costumes, para assentar-se que é a dignidade sexual das pessoas o alvo de vilipêndio diante de tais práticas.

Cito a justificativa do projeto de lei :

Em análise direta, tanto a conjunção carnal quanto qualquer outro ato libidinoso, estariam tipificados no crime de estupro. Ambas as práticas configuram atentados à liberdade sexual e, dessa forma, não há mais que se restringir o conceito do tipo apenas à mulher.

Realmente, o entendimento trazido pelo original Código Penal de 1940 apresenta-se aquém da realidade social adotada na atualidade. Àquela época, poucos eram atentados que tinham homens como sujeitos passivos. Desta forma, naquele tempo, essa hipótese não carecia de tamanha proteção.

Contrariamente, hoje o dolus malus pode ser verificado em pessoas de ambos os sexos, seja homem ou mulher. Nesse sentido, vale mencionar a recente alteração trazida nos artigos 215 e 216 do Código Penal pela edição da lei 11.106.2005.

Em estudo comparativo, vale observar o seguinte:

- Os crimes dos artigos 213 e 214 do Código Penal têm a mesma pena. Ambos são considerados crimes hediondos, tanto em que sua forma simples como nas formas qualificadas. Alguns estudiosos entendem ser excessiva a pena nos casos de simples contato corporal lascivo e da contemplação lasciva, mas deve-se observar que, nestes casos, pune-se o constrangimento levado à vítima, com base, intrinsecamente, nos efeitos que podem causar ao sujeito passivo.

- Ademais, tais crimes possuem praticamente o mesmo objeto, como já dito, não há mais a necessidade da interpretação restritiva quanto á liberdade sexual da mulher no estupro. Vale lembrar que semelhante alteração foi feita no artigo 216 do Código Penal, pela Lei 11.106/2005, para retirar o termo "mulher" e inserir a palavra "alguém", com ampliação da sujeição passiva.

Nos casos práticos, para perfeita qualificação e ampliação da pena, compete ao magistrado efetuar análise precisa a respeito da existência de concurso entre os dois crimes, com a possível majoração da pena, o que efetivamente vem ocorrendo.

Conforme refere Costa "houve o que chamamos de fagocitose jurídica do artigo 213 com 214. (...) o legislador considerou o estupro de maior abrangência do que o atentado violento ao pudor, adequando a lei brasileira a prelecionados internacionais".(4)

Em que pese no ordenamento jurídico brasileiro tal junção tenha ocorrido apenas com a edição da Lei nº 12.015/09, embora a respectiva proposta estivesse em tramitação no Congresso Nacional desde setembro de 2004, o Código Penal Espanhol, já no ano de 1995, considerava as condutas correspondentes aos antigos crime de estupro e ao atentado violento ao pudor um único tipo penal.

Na Espanha, a lei nº 28704 modificou dispositivos correspondentes aos delitos perpetrados em face da liberdade sexual das pessoas, assim encontrando-se redigidos os artigos do Código Penal Espanhol:

TÍTULO VIII. Delitos contra la libertad sexual

CAPITULO I. DE LAS AGRESIONES SEXUALES

Artículo 178.- El que atentar contra la libertad sexual de otra persona, con violencia o intimidación, será castigado como culpable de agresión sexual con la pena de prisión de uno a cuatro años.

Artículo 179.- Cuando la agresión sexual consista en acceso carnal, introducción de objetos o penetración bucal o anal, la pena será de prisión de seis a doce años.

Artículo 180.- Las anteriores conductas serán castigadas con las penas de prisión de cuatro a diez años para las agresiones del artículo 178, y de doce a quince años para las del artículo 179, cuando concurra cualquiera de las siguientes circunstancias:

1.ª Cuando la violencia o intimidación ejercidas revistan un carácter particularmente degradante o vejatorio.

2.ª Cuando los hechos se cometan por tres o más personas actuando en grupo.

3.ª Cuando la víctima sea una persona especialmente vulnerable, por razón de su edad, enfermedad o situación.

4.ª Cuando el delito se cometa, prevaliéndose de su relación de parentesco, por ascendiente, descendiente o hermano, por naturaleza, por adopción o afines de la víctima.

5.ª Cuando el autor haga uso de medios especialmente peligrosos susceptibles de producir la muerte o cualquiera de las lesiones previstas en los artículos 149 y 150, sin perjuicio de la pena que pudiera corresponder por la muerte o lesiones causadas.

Si concurriesen dos o más de las anteriores circunstancias, las penas previstas en este artículo se impondrán en su mitad superior.

Essa tendência já havia sido incorporada, por exemplo, no Código Penal Argentino(5), no Código Penal Português(6) e na lei penal italiana.

Consoante trecho do artigo "La violenza sessuale diventa reato contro la persona", publicado na imprensa italiana em 15 de fevereiro de 1996, verifica-se que, lá como cá, o escopo aludia a equiparar homens e mulheres como potenciais autores e vítimas de um mesmo delito, já não mais contra os costumes e, sim, contra a liberdade sexual dos indivíduos :

La legge n. 66, "Norme contro la violenza sessuale", introduce la nuova figura del reato contro la persona di "violenza sessuale". Il punto centrale della nuova disciplina è rappresentato proprio dal mutamento dell'oggettività giuridica dei delitti in materia di libertà sessuale che, rispetto al codice Rocco, assumono la dignità di reati contro la "persona" e non più di reati contro la moralità pubblica e il buon costume. Non si tratta di una pura e semplice modifica verbale; al contrario si è in presenza di una nuova connotazione ricca di risvolti sul piano giuridico, poiché si sancisce che la libera volontà dell'individuo, quella che viene a mancare quando si subisce una violenza, è l'elemento più importante, risultando così secondario il principio violato della pubblica moralità, del pubblico interesse o addirittura dell'interesse dello Stato: porre al centro l'individuo rappresenta un principio basilare dello stato liberale.

Un aspetto altrettanto innovativo della legge riguarda la scelta del legislatore di eliminare la distinzione tra congiunzione carnale e atti di libidine, unificando la condotta delittuosa della violenza sessuale che è data da atti sessuali non ulteriormente determinati, posti in essere con violenza o minaccia oppure mediante abuso di autorità. Tale formulazione, nelle intenzioni dei compilatori, avrebbe il preciso scopo di evitare che la persona offesa continui ad essere sottoposta a domande che si risolvono in una penosa umiliazione per la vittima e che in passato risultavano necessarie per il giudice, al fine di stabilire, in base al racconto della violenza subita, la fattispecie applicabile. (7)

Voltando ao pedido apresentado pelo apenado, há que se dizer que as discussões postas em exame, em relação aos crimes sexuais no ordenamento jurídico brasileiro, são: a junção das condutas que antes integravam tipos penais diferentes inviabiliza o reconhecimento do concurso material de crimes? O agente responde por um único delito ou sujeita-se às regras de eventual concurso configurado? Se for o caso de concurso de crimes, qual a espécie que se verificará?

Sem uma resposta cabal a tais indagações, incogitável tratar-se de novatio legis in mellius(8).

Tais questionamentos serão debatidos e amadurecidos pela doutrina e é deveras precoce o ensejo para dizer qual será o posicionamento definitivo adotado pelos Tribunais quanto ao tema. Não obstante, pretendo deixar clara a minha posição neste ponto, já assentando ter por inaceitável o entendimento, comumente verificado, de que um lapso legislativo teria encetado a problemática de que se trata; ora, assim pensar-se corresponde, efetivamente, a olvidar o papel do Poder Judiciário, de atuar no controle constitucional do arcabouço emanado do parlamento.

Optou, com efeito, o legislador, por unificar os tipos penais de estupro e atentado violento ao pudor no artigo 213 do Código Penal, sem ensejar, no entanto, abolitio criminis, pois, a rigor, nenhuma conduta deixou de ser considerada criminosa.

Nisto pode-se dizer já estar havendo um certo consenso jurisprudencial:

EMENTA: HABEAS CORPUS PROCESSO PENAL ARTIGO 241 DO CÓDIGO PENAL ABOLITIO CRIMINIS INOCORRÊNCIA PROGRESSÃO PARA O REGIME ABERTO INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA - ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESTA EXTENSÃO, DENEGADA. 1. A Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, alterou a descrição de alguns crimes sexuais previstos no Código Penal, criando, modificando e extinguindo condutas anteriormente previstas na vetusta legislação. 2. A conduta de constranger alguém a praticar ou permitir que com ela se pratique ato libidinoso diverso de conjunção carnal continua incriminada e, portanto, não se pode cogitar da abolitio criminis, na medida em que a conduta ganhou apenas e tão somente, nova denominação jurídica. (Habeas Corpus, Acórdão 11434, 5ª Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, processo nº 0640452-8, relator Lauro Augusto Fabrício de Melo, julgado em 21/01/2010 e publicado no DJ 317).

EMENTA: APELAÇÃO CRIME. ESTUPROS E ATENTADOS VIOLENTOS AO PUDOR. PROVAS SEGURAS SOBRE A MATERIALIDADE E A AUTORIA DE CADA UM DOS CRIMES. DEPOIMENTOS SUBSTANCIAIS DAS VÍTIMAS. (...) ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. FUSÃO DOS DOIS TIPOS PENAIS EM UM SÓ, NA DICÇÃO DA LEI Nº 12.015/2009. Ao mesmo tempo em que sobreveio a revogação do art. 214 do C.P.B., todas as figuras elementares do preceito primário do crime de atentado violento ao pudor foram transpostas e conglomeradas, normativamente, no novo preceito multidisciplinar do art. 213 do Código Penal Brasileiro. Neste contexto normativo, a revogação do art. 214 do C.P.B. não importa em qualquer espécie de abolitio criminis, mas na absorção das suas elementares pelo novo preceito do art. 213 do C.P.B., daí resultando a constituição de um tipo penal único, no qual reunidas todas as condutas que, antes, constituiam crimes autônomos, distintos e inconfundíveis entre si. (...). APELO MINISTERIAL IMPROVIDO. APELO DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDO. POR MAIORIA. (Apelação Crime Nº 70030812390, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Aymoré Roque Pottes de Mello, Julgado em 12/11/2009).

Observa-se que a Lei nº 12.015/09 englobou, no artigo 213 do C. Penal, duas figuras penais (estupro e atentado violento ao pudor) que estavam dispostas nos artigos 213 e 214 do referido diploma penal.

O delito de atentado violento ao pudor não foi objeto de abolitio criminis pela Lei nº 12.015.09. Ele continua existindo, tendo a referida lei, unicamente, transferido-o para o artigo 213 do C. Penal, o qual passou a disciplinar duas figuras típicas diversas, ou seja, estupro e atentado violento ao pudor.

A Lei nº 12.015/09, portanto, não descriminalizou o atentado violento ao pudor. Logo, não há como decretar extinta a punibilidade do paciente, quanto à violação do artigo 214 do C. Penal, pela ocorrência de abolitio criminis. (trecho de acórdão prolatado pela 2º Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no habeas corpus nº 990092804499, relator Almeida Braga) (9).

Da mesma forma, as mesmas ações típicas continuaram submetidas à mesma reprimenda penal, no patamar variável de 06 (seis) a 10 (dez) anos de reclusão. Não bastasse isso, não se vislumbrou qualquer alteração significativa dos conceitos legais de conjunção carnal e ato libidinoso ou mesmo mudanças na forma de atuação do agente.

Galdino Siqueira, na clássica na obra Direito Penal Brazileiro, editada em 1921, na vigência do Código Penal de 1890, comentando o artigo 3º do referido diploma legal, referia que sem a diminuição de pena não haveria espaço para reconhecer-se novatio legis in melius:

Art. 3º A lei penal não tem effeito retroactivo, todavia o facto anterior será regido pela lei nova:

a) si não fôr considerado passível de pena;

b) si fôr punido com pena menos rigorosa.

Paragrapho único. Em ambos os casos, embora tenha havido condemnação, se fará applicação da nova lei, a requerimento da parte ou do ministerio publico, por simples despacho do juiz ou tribunal que proferio a ultima sentença. (...)

Em relação ao tempo, em geral, a efficacia da lei penal começa no momento em que se torna obrigatoria e cessa com a sua revogação total (abrogação) ou parcial (derogação), segundo deixa de vigorar no todo ou em parte de suas disposições, podendo a revogação ser expressa ou tácita, conforme resulta da declaração formal, em uma nova lei, de que ficam sem effeito, no todo ou em parte, certas leis anteriores, ou da incompatibilidade existente entre as disposições de uma nova lei e as outras leis anteriores. (...) Tem effeito retroactivo, quando é favorável ao inculpado (...)

O segundo caso de retroactividade da lei penal, pelo nosso codigo, tem logar quando o facto anterior fôr punido com pena muito rigorosa. Por esta forma o codigo restringe a applicação retroactiva da lei nova a este e ao anterior caso, deixando de attendel-a, quando sob qualquer outro ponto de vista ella fôr mais favoravel ao accusado (...).(10)

Nelson Hungria, comentando o instituto sob a égide do atual Código penal, todavia antes da reforma de 1984, sustentava que uma lei nova se apresenta mais favorável que a lei anterior, para efeito de retroatividade, não apenas quando elimina a incriminação de um fato, mas também quando, de qualquer modo, beneficia o réu. Apontava, porém, as seguintes hipóteses:

a) a pena cominada atualmente ao crime é mais branda, quanto à sua natureza, que a da lei anterior;

b) a pena atual, embora da mesma natureza, é menos rigorosa quanto ao modo de execução;

c) o quantum da pena in abstracto é reduzido ou, mantido êsse quantum, o critério de sua medida in concreto é menos rídigo que o da lei anterior;

d) são reconhecidas circunstâncias que influem favoràvelmete na gradação ou medida da pena (atenuantes, causas de especial diminuição de pena ou condições de menor punibilidade), alheias à lei anterior, ou suprime agravantes ou majorantes (qualificativas, causas de especial aumento de pena ou condições de maior punibilidade);

e) institui benefícios (no sentido da eliminação, suspensão ab initio ou interrupção da execução da pena) desconhecidos da lei pretérita, ou facilita sua obtenção;

f) cria causas extintivas de punibilidade ou torna mais fácil o seu advento;

g) estabelece condições de processuabilidade que a lei anterior não exigia;

h) acresce as causas de irresponsabilidade penal, de isenção de pena, de exclusão de crime ou de culpabilidade;

i) exclui ou atenua penas acessórias;

j) suprime a concessibilidade de extradição. (11)

Veja-se que nenhuma das hipóteses apontadas pelo clássico autor se confundem com a reunião, num mesmo tipo, de condutas que, antes, se estabeleciam em artigos diferentes.

Um possível incremento no entendimento anteriormente já existente, de que entre estupro e atentado violento ao pudor, se poderia cogitar de crimes continuados ou de infração única, não traduz, em sim, tenha havido uma lei penal mais favorável.

Tanto assim que, como será apontado, há, ainda agora, evidentemente em meu sentir, divergências sobre se, com a atual dicção do artigo 213 do Código Penal, em havendo duplicidade de condutas, sucederá o concurso material, o crime continuado ou a unidade delitiva.

Isto de a controvérsia jurisprudencial outrora estabelecida parecer pender para um dos lados, antes tido como minoritário, não enseja a aceitação de que a nova lei penal é mais benéfica; houve, isto sim, um potencial reforço de uma das correntes dissidentes, que, todavia, para mim, ainda é a equivocada, data venia, em conta do filtro constitucional que se há de impor, sobre a atividade legislativa.

Avancemos: o doutrinador espanhol Reinhart Maurach salienta que "para la pesquisa de la ley menos severa rigen los principios ya enunciados: se entiende por ley más favorable aquella que deje al autor en el caso concreto, desde un punto de vista jurídico-material, em mejor situación (...); también aquí deben respetarse todas las disposiciones del derecho penal material que determinan la responsabilidad y medida de la pena"(12).

Sabe-se que a ocorrência de novatio legis in mellius deve ser aferida tendo-se em vista a análise da situação concreta.

Diante das condutas perpetradas pelo requerente, não é o advento de lei mais benéfica que vislumbro, uma vez que não configuradas quaisquer das hipóteses supra elencadas.

A partir da análise da exposição de motivos do referido diploma legal, depreende-se que, com a mudança no artigo 213 do Código Penal, objetivou o legislador punir com mais gravidade os crimes sexuais e não o contrário.

O parecer da relatora, deputada Maria do Rosário, pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, à emenda substitutiva global de plenário nº 1, ao projeto de lei nº 4850 de 2005, elucida que a união dos tipos penais de estupro e atentado violento ao pudor se deu tão somente para que a norma deixasse de abranger apenas mulheres :

(...) Estamos, portanto, modificando este primeiro artigo, trabalhando um novo conceito do crime de estupro e dando-lhe maior precisão, uma vez que passamos a considerar crime de estupro a circunstância vivenciada não apenas pelas mulheres e meninas, mas também pelos homens e meninos.

Por sugestão do Deputado Coruja, mantivemos o crime de atentado violento ao pudor como aquelas práticas diferentes do estupro em linhas gerais, mas também configuram atos libidinosos sob grave ameaça, constrangimento ou violência.

Em linhas gerais, mantemos as mesmas penas".

Ora, até mesmo o leigo deduz que em nenhum momento o objetivo do legislador foi criar, no atual artigo 213, um crime de ação múltipla abrangedor das condutas correspondentes ao atentado violento ao pudor e ao estupro, tanto que é feita menção, no parecer, que "aS penaS" continuam as mesmas.

O discurso da deputada Rita Camata, feito na sessão 198.3.53.O, realizada em 11/08/2009, claramente dá a entender ter sido finalidade legislativa, quando da edição da Lei nº 12.015/09, endurecer o tratamento legislativo no que diz respeito aos crimes de natureza sexual:

Essa é mais uma conquista da sociedade brasileira e tem como origem um dos projetos de lei apresentados pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investigou as situações de violência e redes de exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil. A matéria iniciou sua tramitação no Congresso em setembro de 2004, logo após o final dos trabalhos da CPMI, que em seu relatório final entendeu que o padrão de repressão aos crimes sexuais era insuficiente, seja por estigmas sociais, seja por valores preconceituosos atribuídos às pessoas e finalidades da proteção que o Estado pretendia dar.

Felizmente, o Congresso, em ambas as Casas, concluiu a discussão e a votação da matéria, reivindicada há décadas por entidades que atuam na defesa da população a ser atendida pela lei, por considerarem que a norma penal, além de desatualizada quanto a termos e enfoques, não atendia a situações reais de violação da liberdade sexual do indivíduo e do desenvolvimento de sua sexualidade, principalmente quando tais crimes são dirigidos contra crianças e adolescentes, num flagrante desrespeito à Constituição, que no § 4º do seu art. 227 determina que "a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente".

Vale a pena destacar a alteração promovida pela Lei nº 12.015, de 2009, quanto à nomenclatura do capítulo do Código Penal que se intitulava Crimes Contra os Costumes, o qual não se dispunha a proteger a liberdade ou dignidade sexual da pessoa e muito menos o desenvolvimento benfazejo da sexualidade, mas hábitos, moralismos e avaliações da sociedade sobre esses hábitos. Segundo a avaliação da CPMI, na ciência penal nomes e títulos são fundamentais numa norma jurídica, pois "delineiam o bem jurídico a ser tutelado". A nova lei atualiza essa concepção ao alterar o foco da norma, que deixa de ser a proteção aos costumes e passa a ser a proteção à dignidade e liberdade sexual de cada cidadão. Tal mudança era imprescindível para que a Justiça e a sociedade incorporem definitivamente o direito fundamental de toda pessoa à liberdade e ao desenvolvimento sexual como condição para manutenção da sua integridade. (...)

São inúmeras e positivas as mudanças promovidas pela nova norma (...) a nova norma representa muito mais do que simples aumento de penas, traz inovações e conquistas muito maiores para a população. (...) O Código penal não pode continuar tratando os crimes sexuais como crimes contra os costumes, porque o Código é de 1940. Não são os costumes que são aviltados no estupro, o que é aviltado é o ser humano. O que é aviltado é a mulher, o homem, a criança. (...) Temos que ter cuidado com a forma como isso é escrito no Código Penal, mas não é possível mais absolver criminosos! Por isso, é preciso que essas mudanças sejam feitas (grifou-se) (discurso extraído do site www.camara.gov.br).

Isso evidencia que não há que se falar em novatio legis in melius atribuída à junção dos tipos penais trazida pela lei nº 12.015/09, embora pareça, reconheço, que o legislador não fez uso de técnica mais apurada na redação do dispositivo correspondente ao diploma legal em análise, gerando, assim, insegurança jurídica e necessidade de que o Poder Judiciário atue de forma ativa para reparar os equívocos legislativos evidenciados.

A ementa infra transcrita demonstra que a 4ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem se manifestado não só pela inocorrência de abolitio criminis, mas também pelo não reconhecimento de novatio legis in melius em casos como o dos autos:

EMENTA: Habeas corpus - Paciente condenado como incurso no artigo 214 c.c. Artigos 224, alínea "a" e 226, inciso II, todos do Código Penal. Sentença condenatória - Anulação - Revogação do artigo 214, do Código Penal - Atipicidade da conduta - Inadmissibilidade - Constrangimento ilegal - Inocorrência - Com o advento da Lei nº 12.015, de 07 de agosto de 2009, as condutas descritas no aludido dispositivo legal (artigo 214, do CP) foram transportadas e passaram a integrar o tipo penal previsto no artigo 213, do Código Penal - Conduta típica contra a nova figura do vulnerável - Inocorrência das hipóteses de abolitio criminis ou novatio legis in melius - sentença mantida - Condenação de rigor. Ordem denegada (Voto nº 17318, habeas corpus nº 99009285251-5, relator Salles Abreu).

O Procurador de Justiça Lênio Streck menciona a necessidade de que os atos legislativos respeitem o princípio da proporcionalidade, bem referindo que uma inconstitucionalidade pode derivar da proteção insuficiente de um direito fundamental, no caso, a liberdade sexual:

Trata-se de entender, assim, que a proporcionalidade possui uma dupla face: de proteção positiva e de proteção de omissões estatais. Ou seja, a inconstitucionalidade pode ser decorrente de excesso do Estado, caso em que determinado ato é desarrazoado, resultando desproporcional o resultado do sopesamento (Abwägung) entre fins e meios; de outro, a inconstitucionalidade pode advir de proteção insuficiente de um direito fundamental (nas suas diversas dimensões), como ocorre quando o Estado abre mão do uso de determinadas sanções penais ou administrativas para proteger determinados bens jurídicos. Este duplo viés do princípio da proporcionalidade decorre da necessária vinculação de todos os atos estatais à materialidade da Constituição, e que tem como conseqüência a sensível diminuição da discricionariedade (liberdade de conformação) do legislador. (Constituição e Bem Jurídico: A ação penal nos crimes de estupro e atentado violento ao pudor - o sentido hermenêutico-constitucional do art. 225 do Código Penal- disponível no site www.leniostreck.com.br.

A proteção da dignidade sexual das pessoas, especialmente das mulheres e crianças, que, de forma mais comum e cruel, são vítimas desta espécie de crimes, não pode ser diminuída, ficar em segundo plano, ainda mais após o histórico de lutas e discriminações percorrido na busca por sua efetiva consagração, sendo a tarefa de resguardar esses direitos atribuída aos membros do Poder Judiciário, que não podem fechar os olhos diante dessa questão.

A noção de proporcionalidade - que, atualmente, pode-se dizer que se constituiu numa espécie de álibi teórico a permitir a expressão do decisionismo -, refina-se, adensa-se, sem cair numa espécie de figura retórica por meio da qual toda e qualquer decisão judicial encontra justificativa, quando se a concebe, também, sob o enfoque da proibição de insuficiência.

Por isso que, na dicção de Ingo Sarlet, não se esgotará a proporcionalidade na categoria de proibição de excesso, já que abrange "um dever de proteção por parte do Estado, inclusive quanto a agressões de direitos fundamentais provenientes de terceiros" (2005, p. 107).

Em tal contexto, ainda, parece inequívoca a assertiva no sentido de que tanto a proibição de excesso como a proibição de insuficiência vinculam os órgãos estatais, guardando ampla relação com a liberdade de conformação do legislador penal.

Como diz Freitas (1997, p. 56) : " o Estado não deve agir com demasia, tampouco de modo insuficiente na consecução de seus objetivos. Exageros para mais ou para menos configuram irretorquíveis violações ao princípio ".

É certo que um redimensionamento da hierarquia dos bens jurídicos se impõe no nível do direito positivo, porquanto não mais parece admissível, por exemplo, que a pena cominada a um homicídio culposo seja inferior à do furto, entre outros casos deveras patológicos que aparecem em nosso Código Penal. Não se pode deixar de concordar que certas infrações devem ser descriminalizadas, mormente aquelas que não afetam bens jurídicos que se afigurem como expressão inequívoca de direitos fundamentais. Dentre essas, poderiam ser enumeradas, aleatoriamente, o porte de substância entorpecente para uso próprio, as contravenções penais - em sua totalidade - e os crimes contra a honra - esses porque a seara cível dá conta, sem dúvida, de, por meio de reparação pecuniária, resguardar os interesses do ofendido e, de certo modo, sancionar o ofensor.

Esse o ponto : a legislação penal e, sobretudo, as decisões penais, devem observar os ditames constitucionais, também nesta perspectiva, que se pode chamar de garantismo positivo, o qual aponta para a preocupação do sistema jurídico com o fato de o Estado não proteger suficientemente dado direito fundamental(13).

O valor que se atribui aos direitos fundamentais e o nível de importância que ostentam, para a realização mesma de uma existência apta a revelar-se plena, justificam a proteção penal e, mais que isso, em nosso discurso constitucional, impõem a proteção penal.

Portanto, como explicita Lênio Streck , há uma via de mão dupla na proteção dos direitos humanos-fundamentais:

de um lado o Estado deve protegê-los contra os excessos praticados pelo "Leviatã" (como alguns penalistas liberais-iluministas preferem ainda chamar o Estado nesta quadra da história); mas, de outro, o Estado deve também protegê-los contra as omissões (proteção deficiente), o que significa dizer que há casos em que o Estado não pode abrir mão da proteção através do direito penal para a proteção do direito fundamental.

O sistema penal, assim, está condicionado por preceitos constitucionais que o colocam, como instância mais radical de controle, no limite possível entre evitar sua banalização, ou seja, a sua utilização como mecanismo de tutela de bens de pouca valia ou em vista de agressões de pouca expressão, e evitar sua omissão - porque há situações em que o acionamento do Direito Penal se mostrará imprescindível, sob pena de resultar carente de tutela dado direito fundamental, como quando, por exemplo, se abre mão das sanções penais para proteger determinados bens jurídicos.

Em suma, além de ser vedado ao legislador proceder na ampliação dos espaços de proibição a níveis que se revelem írritos, na perspectiva de assegurar direitos fundamentais, é-lhe, também, proibido dedicar proteção insuficiente, ou nenhuma, a esses mesmos direitos.

Conforme assenta Díez-Picazo (2003, p. 403). "a veces la protección de ciertos derechos fundamentales - y, más en general, de determinados valores constitucionalmente relevantes - sólo puede ser efectiva si se hace por vía penal"(14).

Luíz Roberto Barroso enfrenta a questão da proibição da insuficiência no âmbito do direito penal, deixando claro o dever de proteção do Estado em relação aos bens jurídicos constitucionalmente tutelados, como a integridade física e mental das pessoas:

(...) o direito penal atua como expressão do dever de proteção do Estado aos bens jurídicos constitucionalmente relevantes, como a vida, a dignidade, a integridade das pessoas e a propriedade. A tipificação de delitos e a atribuição de penas também são mecanismos de proteção a direitos fundamentais. Sob essa perspectiva, o Estado pode violar a Constituição por não resguardar adequadamente determinados bens, valores ou direitos, conferindo a eles proteção deficiente, seja pela não-tipificação de determinada conduta, seja pela pouca severidade da pena prevista. Nesse caso, a violação do princípio da razoabilidade-proporcionalidade ocorrerá na modalidade da vedação da insuficiência.(15)

Em qualquer perspectiva por que se pretenda enfocar a liberdade sexual das pessoas, encontrar-se-á inequívoca expressão de um direito fundamental alusivo à integridade física e psíquica, e à própria liberdade de se auto-determinar. Não parece descabido supor que talvez se constitua numa das mais repugnantes condutas a de quem se apossa sexualmente de outrem, ameaçando ou usando de violência e, a partir daí, consubstancia a prática de relação sexual de variada ordem. Submeter alguém à concupiscência desprovida de qualquer limite, com agressões ou prenúncio de um mal, é, deveras, o tipo de conduta de que jamais se poderá alhear o Direito Penal e a imposição de pena; é o tipo de conduta que requer sanção; é o tipo de violação a um direito que não se pode reprimir com brandura.

O controle difuso de constitucionalidade há de ser exercido pela totalidade dos integrantes do Poder Judiciário, observado apenas o artigo 97 da Constituição Federal, quando suceder nos Tribunais.

Esse há de ser exercido a partir de diversos mecanismos, modernamente aceitos por nossa jurisprudência, entre os quais está a interpretação conforme a Constituição.

A conceituação trazida por Tavares quanto a tal forma de controlar a constitucionalidade das normas, que tem na Constituição Federal o parâmetro para o encontro do sentido e validade do ordenamento jurídico, merece ser transcrita:

O tema da "interpretação conforme à Constituição" enquadra-se no estudo das técnicas de decisão operadas pela jurisdição constitucional. Não se tata propriamente de uma forma de interpretação da Constituição, mas sim das leis. Assim, quando uma norma infraconstitucional contar com mais de uma interpretação possível, uma (no mínimo) pela constitucionalidade e outra ou outras pela inconstitucionalidade, múltipla interpretação dentro dos limites permitidos ao intérprete, este deverá sempre preferir a interpretação que consagra, ao final, a constitucionalidade. E isso é assim porque as leis são consideradas expressão da vontade popular, e, pois, se possível, devem ser preservadas pelo Judiciário. (16)

Especificamente quanto à interpretação de uma norma conforme a Constituição, Luis Roberto Barroso explicita a necessidade que se busque e encontre um sentido possível para a norma jurídica, o qual, por vezes, não é o que se apresenta com a simples leitura do texto legal(17).

Para Tavares, a aplicação da lei passa, necessariamente, pela atividade do intérprete, não podendo ser atribuída apenas ao Poder Legislativo a relevante tarefa de criar o direito:

Toda aplicação da lei pressupõe um ato interpretativo, e a interpretação constitui um ato de criação do agente. O significado da lei não se extrai dela, mas antes é construído pelo intérprete, dentro, dentre outros, dos limites do texto legal. Portanto, é falsa a idéia de que só o Legislativo cria o Direito. Já via longo a época em que se pretendia reduzir o magistrado a mero autômato, como no modelo proposto por Montesquieu, no qual os magistrados de uma nação não são mais que a boca que pronuncia as palavras da lei, seres inanimados.(18)

Nessa análise, é imperioso distinguir que a vigência corresponde a aspectos apenas formais das normas; a validade, de sua vez, diz com os seus significados e conteúdos materiais. De modo que, quando a norma não atender às condições substanciais, não será válida, ainda que esteja vigente, isto é, pertença ao ordenamento jurídico examinado (FERRAJOLI, 2002, p. 290).

Daí se infere o enriquecimento da atividade judicial, porquanto, além de apurar se dado fato posto a julgamento se enquadra em determinada norma, deverá, ademais, verificar se essa norma é dotada de validez, no sentido acima mencionado, ou seja, se é válida em comparação com os ditames constitucionais.

As consequências do não-atendimento, pelo legislador, ao conjunto de ordens emanadas da Constituição Federal trazem nova problemática, concernentes ao controle de constitucionalidade.

Em recente artigo publicado em seu sítio jurídico, o Procurador de Justiça Lenio Streck manifestou seu posicionamento acerca da diminuição de pena prevista no artigo 33, parágrafo 4º, da Lei n. 11.343/06, sob as luzes da proibição de insuficiência. Ainda que o tema seja outro aqui, suas considerações merecem ponderação e, por isso, vão transcritas:

O que deve ser aqui considerado diz respeito à determinação legislativa que veio a aplacar/mitigar a repressão penal do crime de tráfico ilícito de entorpecentes. Não é desarrazoado afirmar que a punição insuficiente para um crime de extrema gravidade e reprovabilidade equivale à impunidade. Ou, em outras palavras, equivale a não aplicação do comando constitucional de criminalizar. Na verdade, o legislador banaliza a punição do tráfico, nesse particular, ao tempo em que a Constituição aponta explicitamente para o outro lado, isto é, para uma atuação eficaz do Estado na repressão do tráfico de entorpecentes.

Dito de outro modo, a Constituição Federal da República do Brasil estabelece diretrizes de política criminal a serem, necessariamente, seguidas quando da edição de leis penais no exercício da atividade legiferante. Com base em tal premissa, o legislador não é dotado de absoluta liberdade na eleição das condutas que serão alvo de incriminação e nem, tampouco, na escolha dos bens jurídicos que serão objeto de proteção penal. Em decorrência, também não pode o Poder Legislativo deliberar sobre a descriminalização de normas protetivas de bens jurídicos com manifesta dignidade constitucional.

Por isso, o legislador ordinário, ao conceder o favor legal de "desconto" da pena com o teto de 2/3, extrapolou sua "competência", a ponto de se poder dizer que tal atitude equivale à desproteção do bem jurídico ofendido pela conduta de quem pratica o crime de tráfico ilícito de entorpecentes. A determinação constitucional é expressa, não sendo possível - a partir do que vem consagrado no artigo 5º, XLIII - interpretar o contrário do que está disposto no texto constitucional. Trata-se de uma questão de fácil resolução hermenêutica. A força normativa da Constituição não pode ser esvaziada por qualquer lei ordinária. Por isso, há que se levar a sério o texto constitucional.

Veja-se que não há similitude no Código Penal. Crimes graves como o roubo nem de longe permitem diminuição de pena no teto de 2/3. Na verdade, o teto de 2/3 de desconto da pena transforma o crime de tráfico ilícito de entorpecentes em crime equiparável ao furto qualificado, para citar apenas este. A propósito, cumpre lembrar que o ordenamento jurídico considera como de menor potencial ofensivo crimes cujas penas máximas não ultrapassam 02 anos de reclusão.

(...)

Nosso sistema alusivo ao controle de constitucionalidade permite que, na atuação pela via difusa, atue o magistrado, justificando a não aplicação de uma lei que sustente inconstitucional ou ainda que lhe dê, à lei, uma interpretação que a faça consentânea com a Constituição. Mas com a Constituição compreendida também como conjunto normativo que, ao encetar a proteção dos direitos fundamentais, requer a atuação penal do Estado, nos casos em que isso se mostrar irrenunciável.

Não é o caso aqui de expor as formas pelas quais se pode exerce tal controle, mas parece que a interpretação do atual artigo 213 do Código Penal, de forma a inviabilizar o concurso de crimes no tocante às condutas outrora correspondentes ao estupro e ao atentado violento ao pudor, está em muito distante dos objetivos delineados pela Constituição Federal. Em outras palavras, sustento que as modificações levadas a efeito pela lei 12.015/99 devem ser interpretadas em conformidade com a Constituição - sustentação do óbvio, diga-se, mas o óbvio há de ser dito.

Como acertadamente refere Barroso, "o intérprete constitucional deve ter compromisso com a efetividade da Constituição: entre interpretações alternativas e plausíveis, deverá prestigiar aquela que permita a atuação da vontade constitucional (...)".(19) Segundo ele,

O papel do Judiciário e, especialmente, das cortes constitucionais e supremos tribunais deve ser resguardar o processo democrático e promover os valores constitucionais, superando o déficit de legitimidade dos demais Poderes, quando seja o caso (...) Daí resulta a aplicabilidade direta e imediata da Constituição a diversas situações, a inconstitucionalidade das normas incompatíveis com a Lei Fundamental e, sobretudo, a interpretação das normas infraconstitucionais conforme a Constituição, circunstância que lhe irá conformar o sentido e alcance. (20)

Tavares, no ponto, é claro ao explicitar que hoje se reconhece ao Poder Judiciário " (...) a tarefa (poder) de controlar os demais poderes do Estado, podendo-se falar, assim, de uma função de controle, inclusive tendo como parâmetro máximo a Constituição".(21)

É fato: não se pode obrigar o juiz "[...] a assistir uma ausência de proteção jurídica (no plano da efetividade ou da eficiência do sistema jurídico) como um espectador que só se encanta ou desencanta com o espetáculo, mas não arreda da platéia [...]"(22), ainda mais quando as autoridades envolvidas na atividade legislativa "[...] vêm agindo amadoristicamente: elaboram leis e as remendam sem jamais ter radiografado o paciente cuja enfermidade tais leis e remendos são oferecidos como medicação [...]"(23).

Para elucidar esse descompasso e o total desconhecimento das implicações práticas originadas da mudança legislativa operada no Código Penal, em relação aos delitos de natureza sexual, transcrevo o que referiu o deputado Miro Teixeira, nos debates antecedentes à aprovação da redação do dispositivo legal:

Concordo, no mérito, com a brilhante exposição da Deputada Maria do Rosário. Temos aqui uma profunda mudança no Código Penal. São muitos artigos e alguns conceitos. Não sei qual é o impacto, por exemplo, de algumas mudanças em processos que estão tramitando, alguns que até já têm sentença.

Será que, de boa-fé, é claro, estamos criando mecanismos que acabam liberando algumas pessoas que estão condenadas? São profundas as mudanças. Quero insistir que há um tipo de projeto que não pode chegar ao plenário, embora nós estejamos diante de um que me parece perfeito. (grifou-se).

Por esses motivos entendo que o direito fundamental à liberdade sexual não será tutelado de forma adequada se acaso prevalecer o entendimento de que é o crime do artigo 213 do Código Penal tipo penal de conteúdo múltiplo e sujeito à modalidade de concurso de crimes diversa do concurso material.

Não estou, de modo algum, propondo que o juiz passe por cima da atividade legislativa e exerça sua função de forma arbitrária, sem estar atrelado à lei, ainda mais considerando que estamos tratando de assunto da seara penal, ligado diretamente à liberdade dos indivíduos. Proponho, isso sim, que o juiz atue no sentido de dar à norma penal a interpretação adequada e que mais atenda ao que estampado pela Constituição da República.

Chamo a atenção para o fato de que na legislação anterior o verbo nuclear dos tipos penais correspondentes ao estupro e ao atentado violento ao pudor era "constranger".

E isso é exatamente o que está descrito no novo tipo penal.

Como refere Silva Júnior, "se os tipo penais eram simples e não alternativos e ainda descreviam a mesma forma de atuação do agente, a reunião ocorreu sob um mesmo tipo simples e o tipo de estupro descrevendo conjunção carnal e outro ato libidinoso não passou a ser de conduta múltipla porque a ação nuclear continua a mesma ("constranger"). Vale dizer, não houve mudança legislativa benéfica (reformatio in mellius) determinando a absorção de outro ato libidinoso pela conjunção carnal violenta"(24).

Assim, diz-se que lei 12.015/09 não inovou em nada quanto à forma de atuação do agente. É o atual crime de estupro delito de ação única ou simples, sendo perfeitamente possível a reiteração de lesão ao bem jurídico protegido.

Bittencourt elucida no ponto que "crime de ação única é aquele que contém somente uma modalidade de conduta, expressa no verbo núcleo do tipo (matar, subtrair). Crime de ação múltipla ou de conteúdo variado é aquele que contém várias modalidades de condutas e, ainda que seja praticada mais de uma, haverá somente um único crime".(25)

A dupla lesão ao bem jurídico dignidade sexual(26) é adequadamente verificada no caso estudado, em que um ato libidinoso ocorreu de modo destacado da conjunção carnal. Não há dúvida de que em relação ao requerente não se pode falar em unidade, mas sim em pluralidade de ações típicas e de desígnios.

No intuito de demonstrar que não estou sozinho nas posições aqui sustentadas, transcrevo trecho de julgado da 5ª Câmara do Tribunal de Justiça paulista, prolatado nos autos da apelação nº 990.08.052458-5, cujo relator foi o desembargador Juvenal Duarte:

Cumpre consignar, de outro lado, que diante da superveniência da Lei nº 12.015/09, em vigor desde o dia 10.08.2009, que alterou o Título VI da Parte Especial do Código Penal, as condutas perpetradas pelo apelante se amoldam agora à figura típica do artigo 213 (...)

Vale ressaltar, ainda, que a reforma legislativa agrupou delitos já existentes em apenas um dispositivo legal (213, caput, CP), não havendo se falar em abolitio criminis que suscitasse o reconhecimento da hipótese de crime único, pois o estupro mediante conjunção carnal só absorve os atos libidinosos tidos como preparatórios daquela, não o ato sexual autônomo e independente, como, por exemplo, o coito anal e o sexo oral.

Nessa linha, de acordo com a lição de VICENTE GRECCO FILHO a respeito da nova legislação, o tipo do art. 213 é daqueles em que a alternatividade ou cumulatividade são igualmente possíveis e que precisam ser analisadas à luz dos princípios da especialidade, subsidiariedade e da consunção, incluindo-se neste o da progressão. Vemos, nas diversas violações do tipo, um delito único se uma conduta absorve a outra ou se é fase de execução da seguinte, igualmente violada. Se não for possível ver nas ações ou atos sucessivos ou simultâneos nexo causal, teremos, então delitos autônomos (Artigo denominado: Uma interpretação de Duvidosa Dignidade, in sitio eletrônico desta C. Corte, encaminhado pela E. Presidência da Seção Criminal).

In casu, reconhecido acertadamente pelo e. Magistrado o concurso material de crimes, porquanto a mesma madrugada, mas em horários diversos, a vítima foi constrangida e submetida à conjunção carnal e à prática de sexo anal, cujas ações, embora no mesmo contexto, foram executadas de modo independente entre si e separadas por certo lapso de tempo, decorrentes, evidentemente, de desígnios autônomos, tem-se que não há de se cogitar na espécie de crime único nem de continuidade delitiva.

Destarte, ficam mantidas as penas impostas, aliás, fixadas no piso e por sim cumuladas, com fulcro no artigo 69 do Código Penal.

Decisão espanhola recente demonstra que, também naquele país, em que um só tipo congloba as condutas de violação carnal e prática violenta de atos libidinosos, cogita-se de pluralidade infrações, quando variadas as condutas, o que, porém, somente não se aplicou no caso, tendo em conta que a acusação optou por atribuir ao imputado um só delito.

Cito trecho e referências do que foi decidido :

y por último, y como dato fundamental, que las agresiones sexuales que tuvo que soportar la perjudicada fueron dos, una por vía bucal y otra por vía vaginal, agresiones que si bien al llevarse a cabo en un mismo contexto intimidatorio y temporal han determinado que se consideren como constitutivas de un solo delito por la acusación, no por ello dejan de constituir dos conductas sexuales diferenciadas que tuvo que soportar la víctima y que obviamente deben merecer un trato penológico distinto y de mayor entidad del que podría proceder si solo hubiera sido una.

(Id Cendoj: 28079370012008100960

Órgano: Audiencia Provincial

Sede: Madrid

Sección: 1

Nº de Recurso: 36/2008

Nº de Resolución: 613/2008

Procedimiento:

Ponente: ARACELI PERDICES LOPEZ

Tipo de Resolución: Sentencia

AUD.PROVINCIAL SECCION N. 1

MADRID

SENTENCIA: 00613/2008

Rollo número 36/2008

Sumario número 20/2008

Juzgado de Instrucción número 36 de Madrid

AUDIENCIA PROVINCIAL DE MADRID

SECCION PRIMERA

MAGISTRADOS

Ilmos. Señores:

Doña Araceli Perdices López
(Presidente)

Don Luís Carlos Pelluz Robles

Doña María Cruz Alvaro López

S E N T E N C I A Nº 613/2008

Noutro caso, também da 5ª Câmara do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, houve decisão que esclarece não ter a lei 12.015/09 trazido modificações benéficas aos acusados pelo crime de atentado violento ao pudor, uma vez que tudo depende da análise da situação concreta, podendo, sim, ser reconhecido o concurso material mesmo após o advento da nova norma penal:

Consta nos autos que o paciente Marconde Ferreira dos Santos foi definitivamente condenado pela prática de dois crimes de atentado violento ao pudor , dois crimes de estupro e um crime de roubo circunstanciado pelo emprego de arma de fogo e pela restrição á liberdade de locomoção da vítima, tudo em concurso material. Pena de 29 anos e 04 meses de reclusão (...)

Reclama aqui o impetrante a aplicação retroativa da Lei nº 12.015/09 que, a seu entender, veda o reconhecimento do concurso material entre os antigos crimes de estupro e de atentado violento ao pudor na medida em que definiu ambos em um único tipo penal, o qual, a seu ver, seria misto alternativo. Por conseqüência, desaparecido o crime de atentado violento ao pudor, o paciente teria praticado, em relação a cada qual de suas vítimas contra a liberdade sexual, um único crime ou, na pior das hipóteses, dois crimes em continuidade delitiva.

Contudo, o indeferimento da questão pela d. Autoridade coatora, através da decisão de fls. 51/52, se mostra correto.

É que, conforme bem salienta a d. Representante do "Parquet" Superior, citando lição do renomado mestre Vicente Greco Filho, em "Uma Interpretação de Duvidosa Dignidade": "A interpretação é absurda, viola o espírito da lei e viola o princípio da juridicidade (...) Os tipos mistos ou conjuntos, de acordo com o ensinamento de Binding, Wertheimer, Mezger, etc., podem ser de duas espécies: alternativos quando a violação de uma ou várias condutas previstas importa sempre no cometimento de um único delito; cumulativos quando há, na verdade, a previsão de mais um delito distinto, de modo que cada violação determina a aplicação de uma pena, dando causa a um concurso de crime (material, formal, crime continuado). (§) Delogu ('Le norme penali congiunte' in Annali, 1936, p. 521, nega a existência de tipos conjuntos alternativos, porque admití-los equivaleria a aceitar que algumas violações devam ficar impunidas, ou seja, que para o legislador é indiferente que um interesse penalmente tutelado seja lesado uma ou mais vezes. Haveria, outrossim, desprezo ao princípio segundo o qual a cada violação deve corresponder a uma sanção (§) Delegou parte do princípio, portanto, de que a conjugação de normas é unicamente fruto de considerações de técnica legislativa, devendo ser consideradas como normas autônomas. Todavia, segundo o mesmo autor, também em relação a normas conjuntas pode ocorrer o fenômeno do concurso aparente de normas, em que os princípios da consunção, subsidiariedade e especialmente o bis in idem e excluem a aplicação de outras hipóteses igualmente adequadas ao caso (§) Massino Punzo (Reato continuato, p. 74) em relação à teoria de Delogu, alerta que, ao se recorrer ao princípio da consunção para explicar a existência de um delito único em normas conjuntas, há implicitamente o reconhecimento de que existem normas conjuntas, há implicitamente o reconhecimento de que existem normas conjuntas alternativas, porque estas existem segundo a doutrina alemã quando um determinado comportamento, que realiza mais de um tipo hipotisado conjuntamente, é punido com uma única sanção, por se tratar de um único delito (§) Não se pode negar que o legislador, ao punir de forma equiparada atos preparatórios ou atos de execução, já previu que a consumação representa a violação, também, das incriminações anteriores, daí ter previsto normas conjuntas alternativas. Mas Delogu tem razão quando vê, nos princípios da solução do concurso aparente de normas, as regras para o crucial probelma da identificação das hipóteses de normas conjuntas alternativas ou cumulativas (§) O problema é agravado em virtude da precariedade da técnica legislativa; muitas vezes um mesmo tipo é, em algumas hipóteses, cumulativo e em outras alternativo e, por exemplo, num parágrafo vamos encontrar, oura uma norma alternativa, ora normas de aplicação independente (§) Assim, a do tipo do art. 213 é daqueles em que a alternatividade ou cumulatividade são igualmente possíveis e que precisam ser analisadas à luz dos princípios da especialidade, subsidiariedade e da consunção, incluindo-se neste o da progressão (§) Vemos, nas diversas violações do tipo, um delito único se uma conduta absorve a outra ou se é fase de execução da seguinte, igualmente violada. Se não for possível ver nas ações ou atos sucessivos ou simultâneos nexo causal, teremos, então, delitos autônomos (§) Por outro lado, pergunta-se: as normas conjuntas admitem o delito continuado? (§) Massimo Punzo (...) resume a solução do problema em três itens, válidos no nosso estudo: 1) a continuação é possível entre tipos conjuntos representando violações da mesma norma, sempre que a realização dos tipos singularmente seja conseqüência de uma ação distinta e não de um ou mais atos da mesma ação, porque neste caso o delito seria único; 2) a continuação não é possível em relação aos tipos conjuntos alternativos porque a realização das figuras em tal caso, dá a vida a um único delito. Entende-se que é possível um delito continuado composto de vários tipos cumulativos alternativos cometidos em execução de um mesmo desígnios criminoso (...); 3) a continuação não é possível entre as figuras de um tipo conjunto cumulativo, porque a realização de cada uma delas representa a violação de um diverso preceito primário, ou seja, de uma disposição de lei diferente (§) Em outras palavras, se houver repetição de condutas em circunstâncias de tempo e lugar semelhantes, poderá configurar-se o delito continuado, mas não haverá delito continuado entre figuras consideradas cumulativas".

Ora, como há disse, no caso dos autos o paciente praticou sexo oral, anal e coito vagínico com a vítima Maria Aparecida e sexo oral e vagínico com Vanessa Aparecida.

Assim, "sua conduta não pode ser tratada de modo semelhante ao do que se limita a praticar uma única dessas condutas que, desenganadoramente não se desdobram na mesma linha, mas sim, são comportamentos completamente autônomos; não externam um único nexo causal; não se animam por uma unicidade de desígnios mas, sim, violentam no mais profundo âmago a liberdade sexual do ser humano, a cada investida individualmente considerada".

E foi bem reconhecido o concurso material entre as infrações sexuais, pois o postulante obrigou as vítimas à praática de sexo oral, anal e vagínico, atos e ações independentes entre si, decorrentes de desígnios autônomos, não havendo que se falar em continuidade delitiva.

Dessa maneira, não comporta o reparo proposto no presente "writ" para o reconhecimento da ocorrência de crime único, tendo em conta a recente mudança legislativa em relação aos crimes contra os costumes (Lei nº 12.015, de 07 de agosto de 2009), considerada a incorporação do tipo previsto no artigo 214 ao artigo 213 do CP. (...)

(...) com a reforma legislativa, neste caso concreto, os fatos descritos na denúncia, antes tipificados no suprimido artigo 214 do Código Penal - conduta nele prevista (artigo 7º da Lei 12.015/2009), não deixaram de ser crimes, foram apenas incorporados ao artigo 213 do mesmo Diploma Legal ou absorvidos por este ripo legal, só mudaram de endereço, fenômeno a que, nas palavras de Luiz Flávio Gomes, se dá o nome de continuidade normativo-típica. O que era proibido antes continua proibido pela nova lei (...), não havendo, em princípio, que se cogitar de hipótese de abolitio criminis que implicasse no reconhecimento da existência de crime único praticado pelo apelante, nesse caso conreto.

Nesse caso, o apelante foi condenado, por ter, num mesmo dia e horário, constrangido as vítimas à sexo oral, vagínico e anal.

Bem reconhecido, pois, o concurso material entre as infrações, conforme a normatização vigente à época dos fatos e também à luz do advento da Lei nº 12.015 de 07 de agosto de 2009, que embora tenha passado a considerar o atentado violento ao pudor como modalidade de estupro, revogando o artigo 214 do Código Penal, constituíram, na espécie, atos e ações independentes entre si, decorrentes de desígnios autônomos.

E a entrada em vigor da mencionada Lei nº 12.015 de 07 de agosto de 2009, repita-se, em nada beneficia o requerente, ante a hipótese do caso concreto, pois a nova redação do artigo 213 do Código Penal, contempla mais de uma conduta determinante da incidência penal (conjunção carnal e outro ato libidinoso), podendo ser denominado "tipo misto ou conjunto" (...)

Tratando-se, ainda o artigo 213 do Código Penal de "tipo misto cumulativo", pois cada conduta corresponde a um delito distinto, e não "tipo misto alternativo", quando a realização de uma ou mais condutas descritas implica sempre no cometimento de infração única, não há, na primeira hipótese (que é a retratada nos autos), campo para o reconhecimento de crime único, senão do concurso material, pois impossível vislumbrar nexo causal nas diversas violações de lei (ações ou atos sucessivos ou simultâneos), à luz dos princípios da especialidade, subsidiariedade e da consunção, incluindo-se neste o da progressão.

(...) se num mesmo contexto houve mais de uma vez conjunção carnal pode estar caracterizado o crime continuado entre essas condutas; se além da conjunção carnal houve outro ato libidinoso, como coito anal, penetração de objetos, etc, cada um desses caracteriza crime diferente cuja pena pode ser cumulativamente aplicada ao cloco formado pelas conjunções carnais. A situação em face do atual artigo 213 é a mesma do que a vigência dos antigos 213 e 214, ou seja, a cumulação de crimes e penas se afere da mesma maneira, se entre eles há, ou não, relação de causalidade ou consequencialidade. Não é porque os tipos que agora estão fundidos formalmente em um único artigo que a situação mudou. O que o estupro mediante conjunção carnal absorve é o ato libidinoso em progressão àquela e não o ato libidinoso autônomo e independente dela.

Isto posto, conhece-se da presente impetração e denega-se a ordem. (5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Habeas corpus nº 990093055244).

Os julgados acima transcritos dão conta de que o tema ora examinado ainda pende de pacificação jurisprudencial, não sendo incontroverso o argumento de que a modificação trazida pela lei 12.015/09, no artigo 213 do Código Penal, implicou na criação de um único tipo penal e na consequente possibilidade de que apenas uma pena seja aplicada à espécie. Repito : a controvérsia que havia, ainda haverá, no que expungido o alvitre de que se tem, na espécie, uma nova lei mais benéfica.

Cito o texto doutrinário que foi apontado numa das decisões referidas, do Professor da Universidade de São Paulo, Vicente Greco Filho. In verbis :

Uma interpretação de duvidosa dignidade

(sobre a nova lei dos crimes contra a dignidade sexual)

Vicente Greco Filho

Professor titular da Faculdade de Direito de São Paulo

Texto extraído do Jus Navigandi http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13530

A Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, alterou o Título VI da Parte Especial do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal e outros dispositivos, substituindo a antiga denominação de "Crimes contra os costumes" para "Crimes contra a dignidade sexual".

Como toda lei nova, suscitará interpretações inusitadas inclusive para o legislador, porque, como dizia o saudoso Ewelson Soares Pinto, "a Lei é como o samba do malandro, veste uma camisa listrada e sai por aí", libertando-se da vontade do legislador. O que deve ser buscado é a vontade da lei, na sua realidade e seu contexto mediante a aplicação de métodos técnicos, mas antes - ou mais que tudo - mediante o respeito à sua razão de ser no mundo jurídico.

Neste momento nacional, de violência de todas as formas, de preocupação de respeito à dignidade da pessoa humana, de combate à pedofilia e violência sexual em especial, a reforma empreendida pela lei somente pode ser interpretada com esses componentes.

Ameaça-se, contudo, uma interpretação que os nega e prestigia a violência sexual, a dignidade da criança e da mulher especialmente e, mais que tudo, afronta o bom senso e o princípio do respeito à proporcionalidade e preventividade do Direito Penal.

Entre as modificações da lei, houve alteração do art. 213, com incorporação do antigo 214 (atentado violento ao pudor), desaparecendo a referência à mulher como sujeito passivo. Ficou assim redigido:

"TÍTULO VI

DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL

CAPÍTULO I

DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL

Estupro

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

............................................"

Como se vê, o antigo atentado violento ao pudor passou a ser modalidade do estupro. E a razão foi simples: apesar da equiparação da pena, deixar claro que há práticas de atos libidinosos de igual ou maior gravidade que a conjunção carnal e que a vítima pode não ser mulher.

A interpretação que se está querendo entrujar é a de que, tendo sido revogado o art. 214, deixou de existir o crime de atentado violento ao pudor; a lei é mais branda e, portanto, retroage para beneficiar os condenados por atentado violento ao pudor em concurso com o estupro, para que se entenda que o crime é único, de estupro, ainda que mais de uma agressão sexual à mesma vítima tenha sido praticada em momentos diferentes e sob diversas formas. O estupro na forma de conjunção carnal absorveria as demais condutas.

A situação fática poderia ser, exemplificativamente, a seguinte: "A" mantém "B" (no caso mulher) em cativeiro e a submete, mediante violência ou grave ameaça e a própria condição do sequestro, a conjunção carnal, coito anal, penetração de objetos e outras práticas.

Segunda a tese sugerida, haveria somente uma incidência do art. 213, vigente e retroativo porque mais benéfico.

A interpretação é absurda, viola o espírito da lei e viola o princípio da juridicidade.

Dissemos em outra oportunidade [01], quanto aos crimes de ação múltipla, que, segundo a doutrina alemã, que primeiro estudou a matéria, os dispositivos que hipotisam mais de uma conduta são chamados de Mischgesetze (leis misturadas ou mistas), aos quais correspondem os Mischtatbestande (tipos misturados ou mistos).

Delogu e Santoro, para denominá-los, usam a expressão "normas penais conjuntas", que a nosso ver exprime melhor a idéia da reunião, num mesmo artigo, de mais de uma conduta que determinaria a incidência penal.

Os tipos, mistos ou conjuntos, de acordo com o ensinamento de Binding, Wertheimer, Mezger etc., podem ser de duas espécies: alternativos, quando a violação de uma ou várias condutas previstas importa sempre no cometimento de um único delito; cumulativos, quando há, na verdade, a previsão de mais de um delito distinto, de modo que cada violação determina a aplicação de uma pena, dando causa a um concurso de crime (material, formal, crime continuado).

Delogu (Le norme penali congiunte, in Annali, 1936, p. 521) nega a existência de tipos conjuntos alternativos, porque admiti-los equivaleria a aceitar que algumas violações devam ficar impunidas, ou seja, que para o legislador é indiferente que um interesse penalmente tutelado seja lesado uma ou mais vezes. Haveria, outrossim, desprezo ao princípio segundo o qual a cada violação deve corresponder uma sanção.

Delogu parte do princípio, portanto, de que a conjugação de normas é unicamente fruto de considerações de técnica legislativa, devendo ser consideradas como normas autônomas. Todavia, segundo o mesmo autor, também em relação a normas conjuntas pode ocorrer o fenômeno do concurso aparente de normas, em que os princípios da consunção, subsidiariedade e especialidade impedem o bis in idem e excluem a aplicação de outras hipóteses igualmente adequadas ao caso.

Massimo Punzo (Reato continuato, p. 74), em relação à teoria de Delogu, alerta que, ao se recorrer ao princípio da consunção para explicar a existência de um delito único em normas conjuntas, há implicitamente o reconhecimento de que existem normas conjuntas alternativas, porque estas existem segundo a doutrina alemã quando um determinado comportamento, que realiza mais de um tipo hipotisado conjuntamente, é punido com uma única sanção, por se tratar de um único delito.

Não se pode negar que o legislador, ao punir de forma equiparada atos preparatórios ou atos de execução, já previu que a consumação representa a violação, também, das incriminações anteriores, daí ter previsto normas conjuntas alternativas. Mas Delogu tem razão quando vê, nos princípios da solução do concurso aparente de normas, as regras para o crucial problema da identificação das hipóteses de normas conjuntas alternativas ou cumulativas.

O problema é agravado em virtude da precariedade da técnica legislativa; muitas vezes um mesmo tipo é, em algumas hipóteses, cumulativo e em outras alternativo e, por exemplo, num parágrafo vamos encontrar, ora uma norma alternativa porque poderia ser contida no caput em outra incriminação, ora normas de aplicação independente.

Assim, o tipo do art. 213 é daqueles em que a alternatividade ou cumulatividade são igualmente possíveis e que precisam ser analisadas à luz dos princípios da especialidade, subsidiariedade e da consunção, incluindo-se neste o da progressão.

Vemos, nas diversas violações do tipo, um delito único se uma conduta absorve a outra ou se é fase de execução da seguinte, igualmente violada. Se não for possível ver nas ações ou atos sucessivos ou simultâneos nexo causal, teremos, então, delitos autônomos.

Por outro lado, pergunta-se: as normas conjuntas admitem o delito continuado?

Massimo Punzo (op. cit., p. 83) resume a solução do problema em três itens, válidos para o nosso estudo:

1) a continuação é possível entre tipos conjuntos representando violações da mesma norma, sempre que a realização dos tipos singularmente seja conseqüência de uma ação distinta e não de um ou mais atos da mesma ação, porque neste caso o delito seria único;

2) a continuação não é possível em relação aos tipos conjuntos alternativos, porque a realização das figuras, em tal caso, dá vida a um único delito. Entende-se que é possível um delito continuado composto de vários tipos cumulativos alternativos cometidos em execução de um mesmo desígnio criminoso (note-se que no Direito brasileiro a unidade de desígnio não é requisito do crime continuado, bastando a homogeneidade das circunstâncias de tempo, lugar, modo de execução e outras);

3) a continuação não é possível entre as figuras de um tipo conjunto cumulativo, porque a realização de cada uma delas representa a violação de um diverso preceito primário, ou seja, de uma disposição de lei diferente.

Em outras palavras, se houver repetição de condutas em circunstâncias de tempo e lugar semelhantes, poderá configurar-se o delito continuado, mas não haverá delito continuado entre figuras consideradas cumulativas.

Aplicando-se esses conceitos ao exemplo trazido como paradigma em face do atual art. 213 a interpretação, data venia, única correta é a seguinte.

*Se, durante o cativeiro, houve mais de uma vez a conjunção carnal pode estar caracterizado o crime continuado entre essas condutas; se, além da conjunção carnal, houve outro ato libidinoso, como os citados, coito anal, penetração de objetos etc., cada um desses caracteriza crime diferente cuja pena será cumulativamente aplicada ao bloco formado pelas conjunções carnais. A situação em face do atual art. 213 é a mesma do que na vigências dos antigos 213 e 214, ou seja, a cumulação de crimes e penas se afere da mesma maneira, se entre eles há, ou não, relação de causalidade ou consequencialidade. Não é porque os tipos agora estão fundidos formalmente em um único artigo que a situação mudou. O que o estupro mediante conjunção carnal absorve é o ato libidinoso em progressão àquela e não o ato libidinoso autônomo e independente dela, como no exemplo referido.

Não houve, pois, abolitio criminis, ou a instituição de crime único quando as condutas são diversas. Em outras palavras, nada mudou para beneficiar o condenado cuja situação de fato levou à condenação pelo art. 213 e art. 214 cumulativamente; agora, seria condenado também cumulativamente à primeira parte do art. 213 e à segunda parte do mesmo artigo.

Por todos esses argumentos e em respeito ao espírito da lei e à dignidade da pessoa humana, essa é a única interpretação possível, eis que, inclusive, respeita a proporcionalidade. Não teria cabimento aplicar-se a pena de um único estupro isolado se o fato implicou na prática de mais de um e de mais de uma de suas modalidades, a conjunção carnal e outros atos libidinosos autônomos. (27)

Consigno ter reconhecido a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o habeas corpus nº 144870, em 09/02/2010, que as condutas de estupro e atentado violento ao pudor, realizadas contra uma mesma vítima, nas mesmas circunstâncias, figuram como crime único(28).

O relator, ministro Og Fernandes destacou que "a questão, tenho eu, foi sensivelmente abalada com a nova redação dada à Lei Penal no título referente aos hoje denominados "Crimes contra a Dignidade Sexual". Tenho que o embate antes existente perdeu sentido. Digo isso porque agora não há mais crimes de espécies diferentes. Mais que isso. Agora é crime único". Entendeu, portanto, que a lei 12.015/2009, por ser mais favorável, deveria ser aplicada retroativamente ao condenado que praticou conjunção carnal e coito anal dentro do mesmo contexto, com a mesma vítima.

Entretanto, data venia, e por todos os motivos acima apresentados, especialmente a necessidade de que se confiram às modificações trazidas pela lei nº 12.015/09 uma interpretação em conformidade com os ditames constitucionais, destaco não ser esta a solução mais adequada ao problema.

Aqui, a solução jurídica encontrada, com o advento da nova lei, é o reconhecimento de dois crimes de estupro pelo apenado: um atribuído aos atos libidinosos diversos à conjunção carnal; outro à introdução do pênis do acusado, de forma forçada, na vagina da vítima. Logo, continua sendo caso de concurso material mesmo depois da mudança legislativa operada, porquanto faltou a unidade de desígnios nas condutas do apenado, ocasionando a pluralidade de tipicidade.

Destaco que a ausência de unidade de desígnios na conduta do apenado inclusive já foi reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça ao analisar o recurso especial interposto pelo Ministério Público (fls. 344/357).

O Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul manifesta-se pela impossibilidade de admissão do crime continuado quando não cumprido o requisito subjetivo, ou seja, na hipótese de estar ausente a unidade de desígnios:

EMENTA: SENTENÇA. NULIDADE. Não há necessidade de a sentença registrar todos os elementos de prova produzidos pela defesa e rebatê-los ou aceitá-los, um a um. Se a fundamentação rechaça todas as teses defensivas, o ato sentencial está perfeito (...). Condenação mantida. CRIME CONTINUADO. RECONHECIMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA. O reconhecimento da continuidade delitiva é admissível entre os crimes da mesma espécie quando presentes os requisitos objetivos (mesmas condições de tempo, espaço e modus operandi) e subjetivo (unidade de desígnios). Apelo provido, em parte. (Apelação Crime Nº 70029495421, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Constantino Lisbôa de Azevedo, Julgado em 26/11/2009) (grifou-se)

EMENTA: AGRAVO EM EXECUÇÃO. UNIFICAÇÃO DE PENAS. CONTINUIDADE DELITIVA. REQUISITOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS. A jurisprudência dominante do E. STF e STJ, bem como desta Corte, exige, à configuração da continuidade delitiva, a implementação dos requisitos objetivos do art. 71 do CP (mesmas circunstâncias de tempo, lugar e modos de execução) e subjetivos (unidade de desígnios), sob pena de, olvidado este último, premiar-se, com o instituto, o criminoso habitual, que faz dos delitos um meio de vida. (...). AGRAVO EM EXECUÇÃO IMPROVIDO, POR MAIORIA. (Agravo Nº 70030035182, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fabianne Breton Baisch, Julgado em 15/07/2009)

Da mesma forma, é a unidade de desígnios requisito para que se configure o crime continuado no entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS. CRIMES DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR PRATICADOS CONTRA VÍTIMAS DIFERENTES, DE MANEIRA AUTÔNOMA E ISOLADA. AUSÊNCIA DE UNIDADE DE DESÍGNIOS. RECONHECIMENTO DE CONTINUIDADE DELITIVA. IMPOSSIBILIDADE. HIPÓTESE QUE SE ASSEMELHA À HABITUALIDADE CRIMINOSA.1. Para a caracterização da continuidade delitiva, faz-se imprescindível a comprovação da unidade de desígnios do agente, não se satisfazendo somente com a convergência dos requisitos objetivos (crimes de mesma espécie e mesmas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes). 2. No caso, embora entre uma e outra infração tenha se passado apenas 1 (um) dia, não estão presentes os requisitos caracterizadores da continuidade delitiva. 3. Com efeito, os delitos foram praticados contra vítimas diferentes, em locais diversos, de maneira autônoma e isolada. Agiu o paciente com modus operandi que não guarda semelhança e não houve a comprovação de qualquer liame a vincular um empreitada criminosa à outra. Assim, não há falar em unidade de desígnios, o que afasta a incidência da figura do crime continuado. A hipótese, mais se assemelha à habitualidade criminosa. 4. De mais a mais, a estreita via do habeas corpus não é o instrumento adequado para a verificação da existência de crime continuado, quando necessário exame detalhado das provas sobre as circunstâncias de tempo, lugar, modo de execução dos crimes cometidos, bem como a análise de requisitos subjetivos. 5. Ordem denegada. (STJ, Habeas corpus 129844/SC, Relator Ministro OG Fernandes, Sexta Turma, julgado em 01/12/2009, publicado em 18/12/2009).

RECURSO ESPECIAL. PENAL. ESTUPRO EM SUA FORMA SIMPLES. CRIME HEDIONDO. 1. Não há mais dúvidas acerca da hediondez do delito de estupro, capitulado no caput do art. 213 do Estatuto Repressivo, consoante orientação pacificada no Pretório Excelso e nesta Corte Superior. PLURALIDADE DE CRIMES DE ESTUPRO CONTRA VÍTIMAS DIFERENTES. NÃO CONFIGURAÇÃO DA CONTINUIDADE DELITIVA. PROVIMENTO DA IRRESIGNAÇÃO. 1. Para a caracterização da continuidade delitiva, é necessário o preenchimento de requisitos de ordem objetiva e subjetiva. 2. Cometidos vários crimes de estupro contra vítimas diferentes, sem unidade de desígnios por parte do réu e em momentos e circunstâncias diferentes, não há que se falar em delito continuado. 3. Recurso conhecido e provido para reconhecer a hediondez do delito capitulado no caput do art. 213 do Código Penal, bem como afastar a continuidade delitiva, restando fixada a pena privativa de liberdade, em razão do concurso material, em 15 (quinze) anos e 2(dois) meses de reclusão, mantidos os demais consectários da condenação. (STJ, Resp 1102415/RS, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 18/08/2009 e publicado em 13/10/2009). (grifou-se). 1. Para a configuração da continuidade delitiva, além do preenchimento, verificado na hipótese, dos requisitos objetivos enunciados pelo art. 71 do CPB - crimes de mesma espécie, cometidos em iguais condições de tempo, lugar e maneira de execução - há de estar presente um liame subjetivo, uma unidade de desígnios nos delitos perpetrados. 4. Ordem denegada. (Habeas Corpus 84299/RJ, Relator Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 05/05/2009 e publicado em 08/06/2009) (grifou-se).

Consequentemente, mesmo que as condutas correspondentes aos antigos tipos penais de estupro e atentado violento ao pudor atualmente estejam em um mesmo tipo penal, como não há unidade de desígnios entre as ações do apenado, não configurado o requisito subjetivo para o reconhecimento do crime continuado, não se pode cogitar de aplicação de nova lei que se suponha mais benéfica.

Aliás, em seu Manual de Direito Penal Italiano, Dolcini e Marinucci citam decisão da Corte Constitucional Italiana, que, com todo acerto, assentou que a compreensão da novatio legis não se há de fazer olvidando-se a Constituição :

"il nuovo aprezzamento del disvalore del fatto può giustificare l´estensione a ritroso del trattamento più favorevole...solo a condizione che quella nuova valutazzione non contrasti essa stessa com in precetti della Costituzione " ( Corte Cost. 23, nov. 2006 ).

Ou seja: " una volta dichiarata costituzionalmente illegitima, la norma penal più favorevole sarà perciò inaplicabile ai fati pregressi " ( Manuale di Diritto Penale, 3ª ed., 2009, p. 88 ).

Reitero: não foi o escopo legislativo, mas, ainda que o fosse, o de reduzir tão drasticamente a sanção dos autores de crimes sexuais, ainda que fosse isso o que se extraísse induvidosamente da lei, e não é o caso, ainda assim, neste quadro a necessidade inequívoca de tutela penal da dignidade sexual das pessoas far-se-ia óbice a uma tal mudança legislativa; tanto mais no quadro dado, em que é possível, é razoável, seguir-se a interpretação conforme a Constituição, como o fez o doutrinador citado, como revelado no aresto transcrito, como aqui se pretende estabelecer.

Considerando que o atual tipo penal do artigo 213 do Código Penal é delito de ação simples; que não visou o legislador a diminuição de penas no tocante às condutas praticadas pelo apenado; a necessidade de que os direitos fundamentais sejam resguardados também pelo Direito Penal e que a interpretação conforme à Constituição, do novo artigo 213 do Código Penal, não permite assentar-se a unidade delitiva, afastando-se, destarte, a suposição de nova lei penal mais benéfica, enfim, por tudo o que ficou aqui consignado, indefiro o pedido de fls. 1426/1427.

Intimem-se.

Diligências legais.

Carazinho, 19 de fevereiro de 2010.

Orlando Faccini Neto,
Juiz de Direito.



Notas:

1 - Diploma legal que alterou de forma significativa a disciplina dos crimes sexuais no Código Penal, especialmente porque acresceu, modificou e extinguiu tipos penais incriminadores. [Voltar]

2 - Como é cediço, a Suprema Corte Americana, desde 1803, em Marbury vs. Madison, assentou a possibilidade de os atos legislativos serem sindicados a partir da atividade judicial. Embora as variadas discussões acerca da importantíssima decisão, cabe transcrever o histórico de Renquist ( 2001, p. 32-3 ), relevante por se tratar de juiz que ocupou o cargo de Chief Justice no interregno de 1986 a 2005, in verbis: " The Court decided without much hesitation that the Constitution, wich had been ratified by assemblies representing all of the people which was simply one branch of the federal government exercising powers delegated to it by the people throught the Constitution. (…) The proposition for which the cases stands in United States constitutional law - that a federal court has the authority under the Constitution to declare an act of Congress unconstitutional - was not seriously challenged by contemporary observers, and has remained the linchpin of our constitutional law ever since Marbury vs. Madison was handed down" ( em livre tradução : " A Corte decidiu sem muita hesitação que a Constituição, que havia sido ratificada por assembleias representando todas as pessoas dos Estados Unidos, deveria ter de prevalecer acima de um ato do Congresso, que era simplesmente um dos ramos do governo federal exercitando poderes delegados a ele pela população através da Constituição. (…)A proposição para os casos sustentados nos Estados Unidos sob a lei constitucional - que uma corte federal tinha autoridade abaixo da Constituição para declarar um ato do Congresso inconstitucional - não foi um sério desafio para os observadores contemporâneos, e permaneceu como peça vital de nossa lei constitucional desde que Marbury v. Madison foi estabelecido"). [Voltar]

3 - NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 5. ed. 2005. p. 779/780. [Voltar]

4 - Elder Lisboa Ferreira da Costa, Crimes contra a dignidade sexual. Alterações legislativas. In: "http://www.tj.pa.gov.br/juizes/ELDER_LISBOA_FERREIRA_DA_COSTA/Livro_de_Crimes_Sexuais.pdf". [Voltar]

5 - Art. 119 do Código Penal Argentino: " Será reprimido con reclusión o prisión de seis meses a cuatro años el que abusare sexualmente de persona de uno u otro sexo cuando, ésta fuera menor de trece años o cuando mediare violencia, amenaza, abuso coactivo o intimidatorio de una relación de dependencia, de autoridad, o de poder, o aprovechándose de que la víctima por cualquier causa no haya podido consentir libremente la acción. La pena será de cuatro a diez años de reclusión o prisión cuando el abuso por su duración o circunstancias de su realización, hubiere configurado un sometimiento sexual gravemente ultrajante para la víctima. La pena será de seis a quince años de reclusión o prisión cuando mediando las circunstancias del primer párrafo hubiere acceso carnal por cualquier vía. En los supuestos de los dos párrafos anteriores, la pena será de ocho a veinte años de reclusión o prisión si: a) Resultare un grave daño en la salud física o mental de la víctima; b) El hecho fuere cometido por ascendiente, descendiente, afín en línea recta, hermano, tutor, curador, ministro de algún culto reconocido o no, encargado de la educación o de la guarda; c) El autor tuviere conocimiento de ser portador de una enfermedad de transmisión sexual grave, y hubiere existido peligro de contagio; d) El hecho fuere cometido por dos o más personas, o con armas; e) El hecho fuere cometido por personal perteneciente a las fuerzas policiales o de seguridad, en ocasión de sus funciones; f) El hecho fuere cometido contra un menor de dieciocho años, aprovechando la situación de convivencia preexistente con el mismo. En el supuesto del primer párrafo, la pena será de tres a diez años de reclusión o prisión si concurren las circunstancias de los incisos a), b), d), e) o f). [Voltar]

6 - Art. 163 do Código penal Português: "1 - Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, s ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, acto sexual de relevo, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos. 2 - Quem, abusando de autoridade resultante de uma relação de dependência hierárquica, económica ou de trabalho, constranger outra pessoa, por meio de ordem ou ameaça não compreendida no número anterior, a sofrer ou praticar acto sexual de relevo, consigo ou com outrem, é punido com pena de prisão de até 2 anos.". [Voltar]

7 - http://www.tesionline.it/news/cronologia.jsp?evid=2913. [Voltar]

8 - O tema da novatio legis in mellius não recebe o mesmo tratamento na legislação comparada. Apenas para exemplificar, o Código Penal Italiano, em seu artigo 2º, alude que " se la legge del tempo in cui fu comesso il reato e le posteriori sono diverse, si applica quella le cui disposizioni sono più favorevoli al reo, salvo che sia atata pronunciata sentenza irrevocabile ". Como alude Fernando Mantovani, em seu Diritto Penale, a manutenção da segurança jurídica prepondera sobre os potenciais benefícios advindos ao condenado, com a nova legislação. Certo, porém, que modificação legislativa de 2006, na Itália, assentou que se a lei posterior estabelecer apenas a pena pecuniária, para um crime antes punido com privação de liberdade, aí, e só aí, será aplicada independentemente de já ter havido decisão passada em julgado. [Voltar]

9 - Chamo a atenção para o fato de que a decisão é clara no sentido de que a lei nº 12.015.2009 não criou delito único no que tange às condutas correspondentes ao estupro e ao atentado violento ao pudor. [Voltar]

10 - SOQUEIRA, Galdino. Direito penal Brazileiro. Rio de Janeiro. Editor Jacintho Ribeiro dos Santos. 1921. p. 56 e 60. [Voltar]

11 - HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro. Revista Forense.1955. p. 109. [Voltar]

12 - MAURACH, Reinhart. Derecho penal. Parte general. Teoría general del derecho penal y estructura del hecho punible. Ediorial Astrea. 1994. p. 201. [Voltar]

13 - A possibilidade de, nos crimes de sonegação fiscal, mediante o adimplemento do débito, a qualquer tempo, extinguir-se a punibilidade, é exemplo eloquente de proteção deficiente; o mesmo sucede no que toca à eliminação de laudo criminológico e pareceres técnicos, quando da busca de benefícios na execução penal, como a progressão de regime e o livramento condicional. Pela inconstitucionalidade, no ponto, da lei 10792/03, manifestou-se Streck, no Parecer em Agravo em Execução 70008229775. No mesmo sentido : cf. FACCINI NETO, Orlando. Corolários da lei 10792/03 no panorama da execução penal. Revista da Ajuris, n. 97, p. 255-265, 2005. Com relação à inconstitucionalidade da causa de redução de pena estabelecida pelo parágrafo 4º, do artigo 33 da Lei 11343/06, alusiva ao tráfico de drogas, também Streck, em parecer elaborado nos autos da apelação 70.031.542.939, em 19.08.2009. Enfim, há outros exemplos que se poderia citar, mas surpreende como as decisões judiciais, em geral, olvidam a análise constitucional das leis penais que se afiguram incidentes num caso concreto. Essa ausência de filtragem constitucional das leis penais, decorrente de uma compreensão positivista, de que o direito é um modelo de regras, sem atenção ao dirigismo constitucional inequívoco, é entrave inegável à produção de respostas corretas em Direito Penal. Insista-se nisto : o julgamento de um caso não prescinde, não olvida, a jurisdição constitucional, no sentido de que a análise judicial deve comprometer-se com o que a Constituição estabelece. [Voltar]

14 - Nos autos do RE 418376, em voto vista, o Ministro Gilmar Mendes deu as balizas do princípio - cuidava-se de caso em que se buscava extinguir a punibilidade de agente condenado por atentado violento ao pudor, praticado contra uma menina de oito anos, de quem abusou por quatro anos e que, aos doze, engravidou, iniciando, com o seu agressor, uma união "estável"; o relator, Ministro Marco Aurélio, votou pela extinção de punibilidade do agente. Cito trecho do voto divergente do Ministro Gilmar: "Quanto à proibição de proteção deficiente, a doutrina vem apontando para uma espécie de garantismo positivo, ao contrário do garantismo negativo (que se consubstancia na proteção contra os excessos do Estado) já consagrado pelo princípio da proporcionalidade. A proibição de proteção deficiente adquire importância na aplicação dos direitos fundamentais de proteção, ou seja, na perspectiva do dever de proteção, que se consubstancia naqueles casos em que o Estado não pode abrir mão da proteção do direito penal para garantir a proteção de um direito fundamental. Nesse sentido, ensina o Professor Lênio Streck: "Trata-se de entender, assim, que a proporcionalidade possui uma dupla face: de proteção positiva e de proteção de omissões estatais. Ou seja, a inconstitucionalidade pode ser decorrente de excesso do Estado, caso em que determinado ato é desarrazoado, resultando desproporcional o resultado do sopesamento (Abwägung) entre fins e meios; de outro, a inconstitucionalidade pode advir de proteção insuficiente de um direito fundamental-social, como ocorre quando o Estado abre mão do uso de determinadas sanções penais ou administrativas para proteger determinados bens jurídicos. Este duplo viés do princípio da proporcionalidade decorre da necessária vinculação de todos os atos estatais à materialidade da Constituição, e que tem como conseqüência a sensível diminuição da discricionariedade (liberdade de conformação) do legislador." (Streck, Lênio Luiz. A dupla face do princípio da proporcionalidade: da proibição de excesso (Übermassverbot) à proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) ou de como não há blindagem contra normas penais inconstitucionais. Revista da Ajuris, Ano XXXII, nº 97, marco/2005, p.180)". [Voltar]

15 - BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009 . p. 381. [Voltar]

16 - TAVARES, André Ramos Tavares. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 85. [Voltar]

17 - BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p, 291. [Voltar]

18 - TAVARES, André Ramos Tavares. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 362. [Voltar]

19 - BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009 . p. 305. [Voltar]

20 - BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 390/391. [Voltar]

21 - TAVARES, André Ramos Tavares. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1032. [Voltar]

22 - PEREIRA FILHO, Benedito. Tutela Antecipada: Concessão de ofício?. Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 95, ano XXXI, p. 37-56, set. 2004. p. 49. [Voltar]

23 - ARAGÃO, E. D. Moniz de. O processo civil no limiar de um novo século. Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 79, ano XXVI, p. 281-300, set. 2000. p. 283. [Voltar]

24 - SILVA JÚNIOR, Edison Miguel da. Concurso material de estupros na Lei nº 12.015/09. Jus Navigandi, Teresinha, ano 13, n. 2295, 13 out. 2009. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13658. Acesso em: 08 fev 2010. [Voltar]

25 - Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, volume 1: parte geral. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 215. [Voltar]

26 - Aproveita-se o ensejo para evidenciar o bom senso do legislador na adoção da terminologia "Crimes contra a dignidade sexual" por meio da lei 12.015/09, pois se mostra em muito mais adequada à realidade social e aos verdadeiros fins das normas penais em estudo. [Voltar]

27 - GRECO FILHO, Vicente. Uma interpretação de duvidosa dignidade (sobre a nova lei dos crimes contra a dignidade sexual). Jus Navigandi,n. 2270, 18 set. 2009. Disponível em: . Acesso em: 19 fev. 2010. [Voltar]

28 - Notícia extraída do site http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp. [Voltar]



JURID - Negada redução de pena [25/02/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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