Jurisprudência Tributária
Tributário. Apreensão de mercadoria estrangeira adquirida no mercado interno. Retenção. Impossibilidade. Súmula 323, STF.
Tribunal Regional Federal - TRF 3ª Região.
REEXAME NECESSÁRIO CÍVEL Nº 1999.03.99.063452-2/SP
RELATOR: Desembargador Federal ROBERTO HADDAD
PARTE AUTORA: NEWTON ALVES DA SILVA
ADVOGADO: JOAO SIMAO NETO
PARTE RÉ: Uniao Federal (FAZENDA NACIONAL)
ADVOGADO: MIRIAM APARECIDA P DA SILVA E LÍGIA SCAFF VIANNA
REMETENTE: JUIZO FEDERAL DA 1 VARA DE MARILIA Sec Jud SP
No. ORIG.: 98.10.08211-8 1 Vr MARILIA/SP
EMENTA
TRIBUTÁRIO. APREENSÃO DE MERCADORIA ESTRANGEIRA ADQUIRIDA NO MERCADO INTERNO. RETENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 323, STF.
1. As circunstâncias nas quais se procedeu evidenciam a ilegalidade da apreensão da mercadoria estrangeira, no caso uma filmadora de propriedade do impetrante, em razão de não constar na nota fiscal apresentada, o número série do aparelho.
2. Milita a favor do impetrante a presunção de boa-fé, tendo em vista a aquisição de mercadoria importada, mediante nota fiscal emitida por firma regularmente estabelecida, cabendo ao Fisco a prova em contrário.
3. Ilegalidade da retenção da mercadoria, tendo em vista a possibilidade de discussão acerca do enquadramento, bem como da fixação do tributo a ser pago, sem a necessidade de tal medida.
4. A teor da Súmula 323 do E. STF, "é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos".
5. Remessa oficial improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
São Paulo, 12 de novembro de 2009.
Roberto Haddad
Desembargador Federal Relator
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Desembargador Federal Roberto Haddad (Relator): -
Trata-se de remessa oficial em face da r. sentença proferida nos autos do mandado de segurança, em que se objetivou a restituição da filmadora e da fita apreendidas pelo agente fiscal, por não constar na nota fiscal apresentada a identificação completa da filmadora. Foi dado à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais). Ação ajuizada em 29.12.1998.
Em decisão às fls. 18/20, foi deferida a liminar para o fim de determinar a imediata restituição da filmadora Panasonic modelo RJ27, n.º de série F7WA21769, ao impetrante.
O MM. Juiz, por sentença às fls. 35/39, concedeu a segurança, confirmando a liminar para determinar a restituição da filmadora mencionada. Determinou custas na forma da lei. Não houve condenação nos honorários, nos termos da Súmula 105 do E.STJ. Foi determinado o reexame necessário.
Sem recursos voluntários, processado por força da remessa oficial, subiram os autos a esta instância e, após distribuição, vieram-me conclusos.
O Ministério Público Federal, em seu parecer de fls. 49/50, da lavra da Dra. Edna Augusta Correia Carneiro, manifestou-se pela confirmação da sentença.
Dispensada a revisão, nos termos do artigo 33, inciso VIII do Regimento Interno deste Tribunal.
VOTO
O Exmo. Sr. Desembargador Federal Roberto Haddad (Relator).
Consta do termo de apreensão acostado aos autos à fl. 07, que a apreensão da mercadoria estrangeira, no caso uma filmadora de propriedade do impetrante, ocorreu em razão de não constar na nota fiscal apresentada, o número série do aparelho, conforme determinado pelo art. 316, IV, alínea B, do Decreto n.º 2.637/98.
As circunstâncias nas quais se procedeu à apreensão evidenciam a ilegalidade da medida, tendo em vista ter o impetrante apresentado a nota fiscal relativa à mercadoria, emitida em 26.12.1997.
O impetrante teria adquirido a filmadora na empresa Casas Bahia Comercial Ltda, conforme a nota fiscal de série 013035, que teria apresentado à autoridade fiscal por ocasião da abordagem que resultou em agressões, conforme o registro no Boletim de ocorrências.
Dessa forma, milita a favor do impetrante a presunção de boa-fé, tendo em vista a aquisição de mercadoria importada, mediante nota fiscal emitida por firma regularmente estabelecida, cabendo ao Fisco a prova em contrário.
Nesse sentido, trago à colação:
"TRIBUTÁRIO. LEGITIMIDADE DO DELEGADO DA RECEITA FEDERAL. NEGATIVA DE LIBERAÇÃO DAS MERCADORIAS APREENDIDAS. INQUÉRITO POLICIAL. AQUISIÇÃO DE MERCADORIA ESTRANGEIRA NO MERCADO INTERNO COM DOCUMENTAÇÃO, COMPROBATÓRIA. APREENSÃO. ILEGALIDADE. ADQUIRENTE DE BOA FÉ.
1. A negativa de restituição de mercadorias, em posse do delegado da Receita Federal, o legitima a figurar no pólo passivo do mandado de segurança, mormente quando houve apresentação de documentação comprobatória da regular aquisição das mercadorias.
2. A aquisição no mercado interno de mercadoria estrangeira, com expedição de nota fiscal por empresa legalmente estabelecida, enseja presunção de boa fé. Inaplicável a pena de perdimento, pois o comprador de mercadoria exposta à venda em loja sujeita à fiscalização, não é obrigado a investigar, antes, se a mesma teve introdução regular no pais.
3. O CTN-66 não alberga a responsabilidade objetiva, impondo-se seja interpretado o ART-136 em harmonia com o ART-112, INC-3, pois, em regra, a responsabilidade por infração dolosa interpreta-se de maneira mais favorável ao acusado, vedando-se a interpretação extensiva ou analógica.
4. O ART-134 do CTN-66, que cuida da responsabilidade solidária, não inclui o adquirente. Alcança as pessoas nele taxativamente enumeradas e não se aplica em matéria de penalidades, salvo as de caráter moratório.
5. Apelação e remessa oficial improvidas."
(TRF 4a. Região, AMS n.º 9604234390/RS, Primeira Turma, j. 16.12.1997, DJ 18.02.1998, p. 485, Rel. Des. Fed. Fabio Rosa).
As questões relativas a regularidade da importação e dos valores pagos devem ser discutidos em autos próprios, subsistindo ao Fisco a possibilidade de, por instrumentos legais próprios, exigir eventuais tributos devidos, bem como para aplicar as devidas sanções.
No tocante à possibilidade de retenção de mercadorias, a teor da Súmula 323 do E. STF, "é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos. "
Nesse passo, merecem a proteção os direitos fundamentais do impetrante: o direito ao livre exercício da profissão; o direito de propriedade; o direito à liberdade de iniciativa ( todos estes implantados na Constituição, no caput do art. 5º e nos incs. XIII e XXII.
Nessa esteira, trago à colação:
"A apreensão de mercadoria por constatar irregularidade só se justifica pelo tempo necessário à lavratura do auto de infração, ou quando se trate de mercadorias oriundas de contrabando, a fim de assegurar a prova material da infração."
(TJMT, REO nº 5806/2002, 3ª Câmara Cível do Cuiabá, Rel. Des. José Ferreira Leite, j. 28.08.2002, v.u.).
"TRIBUTÁRIO. DESEMBARAÇO ADUANEIRO.LIBERAÇÃO DE MERCADORIA
- O Pretório Excelso admitiu não ser lícita a retenção de mercadorias como forma de coação para cobrança de tributos, ao editar a Súmula no. 323: "é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos."
(TRF 4ª Região, AMS 200270000710373/PR, 1ª Turma, DJU 06.08.2003, p. 123, Rel. Des. Fed. Luiz Carlos de Castro Lugon)
"TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPORTAÇÃO. IMPOSTO. DIVERGÊNCIA NA CLASSIFICAÇÃO DAS MERCADORIAS. RETENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 69/96, DA SRF. LIMINAR SATISFATIVA. NECESSIDADE DE APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO "WRIT".
1. Embora haja divergência, no que pertine à classificação das mercadorias importadas pela impetrante, com repercussão quanto ao valor do tributo a ser pago, não se justifica que as referidas mercadorias não sejam liberadas, tendo, inclusive, a Instrução Normativa nº 69/96, da Secretaria da Receita Federal, explicitamente, contemplado a possibilidade da dita liberação, mediante a assinatura de Termo de Responsabilidade.
2. Ainda que a liminar deferida tenha tido caráter satisfativo, não importa em perda de objeto, diante da necessidade de que haja a apreciação definitiva do mérito da causa, por ser a aludida medida uma providência temporária por sua própria natureza.
3. Apelação e remessa oficial improvidas."
(TRF 5a. Região, AMS 200181000211692/CE, Primeira Turma, 07.10.2004, DJ 10.11.2004, pg. 1072, Rel. Des. Fed. Élio Wanderley de Siqueira Filho, v. u.).
"TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. EQUÍVOCO NA CLASSIFICAÇÃO TARIFÁRIA. LIBERAÇÃO DE MERCADORIA IMPORTADA. EXIGÊNCIA DE RECOLHIMENTO DE MULTA.
- A jurisprudência deste Tribunal firmou o entendimento de que a liberação de mercadoria importada não poderá ficar condicionada à exigência do pagamento de suposta multa devida por causa de equívoco no enquadramento do produto quando da conferência aduaneira, por afrontar a Súmula nº 232 do STF.
- Agravo de instrumento provido."
(TRF 5a. Região, AG 2003.05.00026644-1/CE, Quarta Turma, j. 19.10.2004, DJ 08.12.2004, pg. 446, Rel. Des. Fed. Marcelo Navarro, v.u.)
Com efeito, nos termos do artigo 618 do Decreto n. 4.543/02, com a nova redação dada pelo Decreto n. 4765/03, que Regulamenta a Administração das Atividades Aduaneiras, e a Fiscalização, o Controle e a Tributação das Operações de Comércio Exterior, a pena de perdimento somente está autorizada nas hipóteses que configurarem dano ao erário, com a tentativa de introdução clandestina de bens ou mercadorias.
Ademais, o Regulamento Aduaneiro prevê, expressamente, para o caso de eventual divergência entre o preço declarado e o preço de mercado, a aplicação de multa, interpretação esta que se extrai do art. 633 do Decreto n. 4.543/02, in verbis:
Art. 633. Aplicam-se, na ocorrência das hipóteses abaixo tipificadas, por constituírem infrações administrativas ao controle das importações, as seguintes multas ( Decreto-Lei n. 37, de 1966, art. 169 e § 6º, com a redação dada pela Lei n. 6.562, de 18 de setembro de 1978, art. 2º:
I - de cem por cento sobre a diferença entre o preço declarado e o preço efetivamente praticado na importação ou entre o preço declarado e o preço arbitrado (Medida Provisória n. 2.158-35, de 2001, art. 88, parágrafo único).
Nesse contexto, afigurou-se ilegal a retenção da mercadoria, tendo em vista a possibilidade de discussão acerca do enquadramento, bem como da fixação do tributo a ser pago, sem a necessidade de tal medida, bem como em face da aquisição da mercadoria mediante nota fiscal emitida por firma regularmente estabelecida.
Isto posto, nego provimento à remessa oficial.
Roberto Haddad
Desembargador Federal Relator
D.E. Publicado em 9/2/2010
JURID - Tributário. Apreensão de mercadoria estrangeira. Retenção. [12/02/10] - Jurisprudência
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