Reclamação. Crimes de estupro. Sentença condenatória. Extinção da punibilidade.
Superior Tribunal de Justiça - STJ.
RECLAMAÇÃO Nº 1.608 - GO (2004/0063329-0)
RELATOR: MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA
RECLAMANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RECLAMADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS
INTERES.: BOADYR VELOSO
ADVOGADO: ALEX A NEDER
EMENTA
PROCESSO PENAL. RECLAMAÇÃO. CRIMES DE ESTUPRO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. ART. 107, VIII, DO CP. CASAMENTO DAS VÍTIMAS COM TERCEIROS. AUSÊNCIA DE RECURSO DA ACUSAÇÃO. ALEGADO DESCUMPRIMENTO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. NÃO-OCORRÊNCIA. PEDIDO IMPROCEDENTE.
1. A reclamação tem por finalidade preservar a competência do Superior Tribunal de Justiça ou garantir a autoridade de suas decisões, sempre que haja indevida usurpação por parte de outros órgãos de sua competência constitucional, nos termos do art. 105, I, f, da Constituição Federal.
2. Não tendo os julgados apontados como afrontados adentrado no mérito da questão e não se tratando da matéria em discussão na reclamação, não há como reconhecer a procedência do pedido.
3. Cabe ao órgão ministerial, caso julgue necessário, recorrer das decisões que declara extinta a punibilidade do agente, quando é intimado pessoalmente do acórdão, utilizando-se do recurso apropriado.
4. Reclamação improcedente.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, julgar improcedente a reclamação, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votaram com o Relator a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura e os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Og Fernandes, Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP), Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ/CE), Nilson Naves e Felix Fischer.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Jorge Mussi.
Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Laurita Vaz.
Brasília (DF), 14 de dezembro de 2009(Data do Julgamento).
MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA
Relator
RELATÓRIO
MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA:
Trata-se de reclamação ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, sob o argumento de que o Tribunal de Justiça do Estado do Goiás teria afrontado decisões proferidas nos HCs 7.945/GO e 30.094/GO e no REsp 440.707/GO, julgados pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme as seguintes ementas:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. REPRESENTAÇÃO E RETRATAÇÃO.
I - Em sede de habeas corpus, mormente quando as vítimas e os seus pais são pessoas humildes, a retratação só pode ser considerada válida se evidenciada a autenticidade e a ausência de conflito de interesses (Precedentes do STJ e do Pretório Excelso).
II - No caso, as representações foram feitas in personna e, no entanto, as retratações - apenas uma confirmada de forma pouco esclarecida - se realizaram através de uma única petição. A pretensão insculpida no writ deve, pois, ser analisada ao final do feito.
Writ indeferido.
(HC 7.945/GO, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJ 14/2/00)
PENAL PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 213 E 218, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. CASAMENTO DA VÍTIMA COM TERCEIRO. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. DILAÇÃO PROBATÓRIA.
Não estando a inicial acompanhada de todas as certidões de casamento, em que se possibilitaria a análise de incidência do disposto no art. 107, VIII do Código Penal, inviável se torna a apreciação do mandamus, o qual, em face à sua natureza, exige seja a prova pré-constituída, além de não se configurar via possível a qualquer dilação probatória.
Habeas corpus não conhecido.
(HC 30.094/GO, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJ 15/12/03)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIMES C/ OS COSTUMES. RETRATAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO. DISSÍDIO PRETORIANO. FUNDAMENTAÇÃO PARA A CONDENAÇÃO.
I - A validade concreta da retratação, exigindo, para a verificação de sua autenticidade, o reexame do material cognitivo, é matéria que escapa ao exame permitido no recurso especial (Súmula nº 07-STJ).
II - O dissídio pretoriano exige cotejo entre decisum atacado e paradigma arrolado, devendo este último alcançar as peculiaridades relevantes tratadas naquele (arts. 255 do RISTJ e 541 do CPC c/c o art. 3º do CPP).
III - Matéria constitucional, na alegação de violação, é privativa do Pretório Excelso, sendo objeto próprio do recurso extraordinário e não do recurso especial.
Recurso não conhecido.
(REsp 440.707/GO, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJ 15/9/03)
Sustenta, em essência, que este Superior Tribunal reconheceu a invalidade das retratações das representações. Afirma que o art. 107, VIII, do Código Penal era inconstitucional e que, possivelmente, os casamentos apresentam vícios que ocasionariam a sua nulidade (fls. 2/14).
Requer, por esse motivo, seja acolhida a reclamação para que se determine a cassação da decisão proferida no HC 22.358-0 pelo Tribunal a quo, bem como a suspensão dos efeitos do acórdão.
Inicialmente, os autos foram distribuídos ao eminente Min. Jorge Scartezzini, que na ocasião solicitou informações, e, posteriormente, foram a mim atribuídos.
É o relatório.
VOTO
MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA (Relator):
Insurge-se o reclamante contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Goiás, que declarou a extinção da punibilidade do agente, devido ao casamento das vítimas de estupro com terceiros, conforme art. 107, VIII, do Código Penal, descumprindo, portanto, a decisão emanada deste Superior Tribunal.
A reclamação tem por finalidade preservar a competência do Superior Tribunal de Justiça ou garantir a autoridade de suas decisões, sempre que haja indevida usurpação por parte de outros órgãos de sua competência constitucional, nos termos do art. 105, I, f, da Constituição Federal.
No caso em exame, apesar de lamentável a situação, não verifico ter havido o alegado descumprimento de decisão desta Corte.
Para o deslinde da questão, necessário observar as eventuais decisões descumpridas, as quais seguem:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. REPRESENTAÇÃO E RETRATAÇÃO.
I - Em sede de habeas corpus, mormente quando as vítimas e os seus pais são pessoas humildes, a retratação só pode ser considerada válida se evidenciada a autenticidade e a ausência de conflito de interesses (Precedentes do STJ e do Pretório Excelso).
II - No caso, as representações foram feitas in personna e, no entanto, as retratações - apenas uma confirmada de forma pouco esclarecida - se realizaram através de uma única petição. A pretensão insculpida no writ deve, pois, ser analisada ao final do feito.
Writ indeferido.
(HC 7.945/GO, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJ 14/2/00)
PENAL PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 213 E 218, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. CASAMENTO DA VÍTIMA COM TERCEIRO. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. DILAÇÃO PROBATÓRIA.
Não estando a inicial acompanhada de todas as certidões de casamento, em que se possibilitaria a análise de incidência do disposto no art. 107, VIII do Código Penal, inviável se torna a apreciação do mandamus, o qual, em face à sua natureza, exige seja a prova pré-constituída, além de não se configurar via possível a qualquer dilação probatória.
Habeas corpus não conhecido.
(HC 30.094/GO, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJ 15/12/03)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIMES C/ OS COSTUMES. RETRATAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO. DISSÍDIO PRETORIANO. FUNDAMENTAÇÃO PARA A CONDENAÇÃO.
I - A validade concreta da retratação, exigindo, para a verificação de sua autenticidade, o reexame do material cognitivo, é matéria que escapa ao exame permitido no recurso especial (Súmula nº 07-STJ).
II - O dissídio pretoriano exige cotejo entre decisum atacado e paradigma arrolado, devendo este último alcançar as peculiaridades relevantes tratadas naquele (arts. 255 do RISTJ e 541 do CPC c/c o art. 3º do CPP).
III - Matéria constitucional, na alegação de violação, é privativa do Pretório Excelso, sendo objeto próprio do recurso extraordinário e não do recurso especial.
Recurso não conhecido.
(REsp 440.707/GO, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJ 15/9/03)
Inicialmente, destaca-se que, dos julgados que pretensamente teriam sido afrontados, o HC 30.094/GO e o REsp 440.707/GO sequer foram conhecidos, o que demonstra que o mérito das questões não foi apreciado por esta Corte, afastando, desse modo, o alegado descumprimento. Confira-se trecho do voto do HC 30.094/GO:
Consta na exordial acusatória (fls. 39/44), bem como na r. sentença condenatória (fls. 128/134) que o paciente praticou atos libidinosos e manteve conjunção carnal com sete vítimas, todas menores de 14 (catorze) anos à época do fato.
Ocorre que das mencionadas vítimas, consta certidão de casamento de apenas uma (fl. 185).
Ora, para possível incidência do art. 107, VIII do Estatuto Repressivo, objetiva a extinção da punibilidade, somente se tornaria possível em havendo prova inequívoca do casamento de todas as vítimas, estando sua comprovação adstrita a certidão de casamento, conforme dispõem os artigos 1.543 do Código Civil: "o casamento celebrado no Brasil prova-se pela certidão do registro" e 155 do CPP. O próprio concubinato, ad argumentandum, para tanto, se fosse admitido, teria que estar demonstrado, nesta via, acima de qualquer polêmica possível.
Dessa forma, é inviável a apreciação da súplica, visto se encontrar desacompanhada dos documentos capazes de demonstrar a pretensão aduzida, qual seja a extinção da punibilidade, em razão do casamento de cada uma das vítimas com terceiras pessoas.
O remédio heróico, previsto no texto constitucional, do habeas corpus deve vir instruído com todas as provas pré-constituídas das sustentações feitas já que não se admite dilação probatória. (negritos no original)
Destaca-se do voto do REsp 440.707/GO o seguinte trecho:
A discussão levantada no recurso exige, aí, o vedado reexame do material cognitivo (Súmula nº 07-STJ). E não é só. O pretendido dissídio pretoriano não se realizou nos moldes dos arts. 255 do RISTJ e 541 do CPC c/c o art. 3º do CPP. Primeiro, não se fez o cotejo analítico entre a decisão guerreada e o paradigma colacionado. Segundo, nenhum dos vv. paradigmas arrolados, pelas transcrições realizadas, apresenta as peculiaridades tratadas no caso em tela.
Portanto, não conheço do recurso. (negritos no original)
Do voto do HC 7.945/GO que tratava das representações e retratações realizadas pelas vítimas, colhe-se o seguinte excerto:
As representações foram ofertadas, in personna, por representantes das menores apontadas como vítimas.
As retratações, por sua vez, foram realizadas por uma procuração. Só uma retratação foi confirmada em juízo. Ora, a autenticidade - pelo menos, em sede de habeas corpus - devia ter sido verificada com a tomada de declarações. Afinal, as referidas representantes são pessoas humildes e a ausência, ad argumentandum, de eventuais vícios, até mesmo a falsa noção da realidade ou, então, das conseqüências do ato da retratação, teriam que estar demonstradas. (Sobre a quaestio da autenticidade, nos limites do habeas corpus: a) RHC 4.320/SP, 6ª Turma-STJ, relator Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, DJU de 04/09/95, p. 27.865; b) HC 77.017/RS, 2ª Turma-STF, relator Ministro Maurício Corrêa, DJU de 11/09/98). E, sobre a colisão de interesses entre ofendidos e pais, tem-se: a) RHC 6.637/SP, 6ª Turma-STJ, relator Ministro William Patterson, DJU de 20/04/98, p. 103; b) HC 76.311/SP, 1ª Turma-STF, relator Minsitro Octávio Gallotti, DJU de 07/08/98. Consequentemente, a validade, no plano de writ, da retratação exige uma clareza inquestionável em torno da manifestação da vontade e da ausência de colisão de interesses. Por terem sido apresentadas de forma indireta e apenas com uma, pouco esclarecedora, confirmação, é que a pretensão insculpida na inicial desmerece, aqui, acolhida. (negritos no original)
Ressalta-se que, quando os julgados apontados como afrontados não tenham adentrado no mérito da questão e não se tratando da matéria em discussão na reclamação, inviável o reconhecimento da procedência do pedido.
Observa-se que, no caso, nos possíveis julgados descumpridos não houve apreciação quanto à validade dos casamentos das vítimas com terceiros ou qualquer manifestação quanto a esta situação superveniente.
Desse modo, não obstante ser uma delicada situação para as vítimas e sem deixar de reprovar a conduta praticada pelo agente, nos limites da reclamação proposta, não há nenhum descumprimento a decisão emanada deste Superior Tribunal, razão por que se deve reconhecer a improcedência do pedido.
Ademais, cabe ao órgão ministerial, caso julgue necessário, recorrer das decisões que declara extinta a punibilidade do agente, quando é intimado pessoalmente do acórdão, utilizando-se do recurso apropriado.
Com efeito, segundo consta dos autos, à fl. 247, há certidão da Secretaria da 2ª Câmara Criminal afirmando ter sido a Procuradora de Justiça intimada pessoalmente, em 4/3/04, do acórdão que declarou a extinção da punibilidade em relação aos crimes de estupro perpetrados pelo agente, transitado em julgado em 9/3/04 (fl. 250).
Dessa forma, ao contrário do alegado pelo reclamante, não se verifica nenhum desrespeito à autoridade dos acórdãos emanados do Superior Tribunal de Justiça.
Ante o exposto, julgo improcedente a reclamação.
É como voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA SEÇÃO
Número Registro: 2004/0063329-0 Rcl 1608 / GO
MATÉRIA CRIMINAL
Números Origem: 200200576632 200301541829 200400127851 223580
PAUTA: 09/12/2009 JULGADO: 14/12/2009
Relator
Exmo. Sr. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA
Presidenta da Sessão
Exma. Sra. Ministra LAURITA VAZ
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. BRASILINO PEREIRA DOS SANTOS
Secretária
Bela. VANILDE S. M. TRIGO DE LOUREIRO
AUTUAÇÃO
RECLAMANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RECLAMADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS
INTERES.: BOADYR VELOSO
ADVOGADO: ALEX A NEDER
ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes contra os Costumes - Estupro
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Seção, por unanimidade, julgou improcedente a reclamação, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Votaram com o Relator a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura e os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Og Fernandes, Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP), Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ/CE), Nilson Naves e Felix Fischer.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Jorge Mussi.
Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Laurita Vaz.
Brasília, 14 de dezembro de 2009
VANILDE S. M. TRIGO DE LOUREIRO
Secretária
Documento: 935300
Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 01/02/2010
JURID - Reclamação. Crimes de estupro. Sentença condenatória. [02/02/10] - Jurisprudência
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