Penal. Procesual penal. Calúnia. Crime tipificado no artigo 138 do CP.
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios - TJDFT.
Órgão: 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais
Classe: APJ - Apelação Criminal no Juizado Especial
N. Processo: 2009.07.1.013100-6
Apelante(s): RAPHAEL NUNES BATISTA
Apelado(s): RENATA CRISTINA DA SILVA GOMES
Relator(a) Juiz(a): JOSÉ GUILHERME
EMENTA
PENAL. PROCESUAL PENAL. CALÚNIA. CRIME TIPIFICADO NO ARTIGO 138 DO CP. IMPUTAÇÃO DE CRIME CONTRA O RECORRENTE. SENTENÇA QUE REJEITA A QUEIXA-CRIME, SOB ALEGAÇÃO DE QUE A PROCURAÇÃO NÃO ATENDE AOS REQUISITOS LEGAIS PREVISTOS NO ARTIGO 44 DO CPP. INSTRUMENTO DE MANDATO QUE SE ENCONTRA DE ACORDO COM A FINALIDADE LEGAL, POR CONFERIR CERTEZA DA SITUAÇÃO TIPIFICADA, COM CONCESSÃO DE PODERES ESPECÍFICOS AO CAUSÍDICO PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO PENAL. SENTENÇA CASSADA. RECURSO PROVIDO. PROSSEGUIMENTO DO FEITO NO JUÍZO DE ORIGEM. 1. O crime de calúnia se configura pela manifestação de vontade livre e consciente do agente de imputar falsamente fato tipificado como criminoso à vítima. 2. Nos casos de ação penal pública privada, em que o Estado confere ao particular a possibilidade de pleitear a punição do suposto criminoso por alguma conduta delituosa que lhe causara prejuízo, necessária a procuração, com poderes especiais, para a propositura da ação penal privada, com menção ao fato criminoso, bem como ao nome do querelante. Apesar de a doutrina e a jurisprudência são terem chegado a um consenso a respeito da necessidade, ou não, de uma descrição mais detalhada do fato-crime no instrumento particular, deve-se prevalecer entendimento no sentido de que a simples menção do tipo penal e do nome do querelante são suficientes para suprir a finalidade do legislador constante no artigo 44 do CPP. Tal dispositivo legal almeja conferir certeza quanto ao fato típico descrito na exordial, para fins de responsabilização do mandante - nos casos em que aja de má fé -, ou do mandatário - quando este ultrapassar os poderes que lhe foram concedidos pelo outorgante, mediante o instrumento particular em questão. 3. No caso em comento, da simples análise da f. 6, verifica-se que o querelante cumpriu com a exigência legal, no que se refere ao preenchimento dos requisitos constantes no artigo 44 do CPP para a procuração, vez que mencionou, expressamente, a concessão, ao causídico, de poderes para a propositura de "Ação Penal de Queixa-Crime por calúnia, previsto no artigo 138 do Código Penal". 4. Sentença cassada. Retorno dos autos ao juízo de origem para o prosseguimento do feito.
ACÓRDÃO
Acordam os Senhores Juízes da 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, JOSÉ GUILHERME - Relator, ASIEL HENRIQUE - Vogal, EDI MARIA COUTINHO BIZZI - Vogal, sob a presidência do Juiz JOSÉ GUILHERME, em CONHECER E DAR PROVIMENTO AO RECURSO, SENTENÇA CASSADA, POR UNANIMIDADE, de acordo com a ata do julgamento.
Brasília (DF), 12 de janeiro de 2010.
Juiz JOSÉ GUILHERME
Presidente e Relator
RELATÓRIO
Cuida-se, na espécie vertente, de Recurso Inominado impetrado em sede de Ação Originária, tramitada no juízo natural do Segundo Juizado Especial Criminal e Violência Doméstica Contra a Mulher de Taguatinga - DF, sob o número retro epigrafado, tendo como objeto pedido, por parte do querelante, visando à cassação da sentença que rejeitou a queixa-crime apresentada pelo recorrente, sob o fundamento de que a procuração de f. 6 não atendeu aos requisitos legais do artigo 44 do CPP.
Adoto como Relatório a narrativa constante na queixa-crime, que assim se enuncia:
"No dia 02 de Novembro de 2008, por volta das 18:00 hs, o QUERELANTE estava passeando no Shopping Alameda, juntamente com algumas pessoas, as quais constam no rol de testemunhas abaixo indicadas, quando a QUERELADA lhe imputou a prática do crime descrito no artigo 155 caput do Código Penal.
Quando entrava no banheiro do Alameda Shopping o QUERELANTE foi surpreendido por um segurança, de nome Silvan Barbosa Brito, que o puxou pela camisa. Neste momento, chegou a QUERELADA e começou a imputar-lhe falsamente o furto de um pirulito de sua loja de Crepes. Várias agressões verbais foram feitas pela QUERELADA ao QUERELANTE, como: 'Ladrão', Marginal', 'Safado', etc. Isto ocorreu na presença de várias pessoas que por ali passavam, submetendo o QUERELANTE a um grande vexame e constrangimento (...)".
Ao relatório adotado, acrescento que o recorrente declarou que a recorrida praticou o crime tipificado no artigo 138 do Código Penal, qual seja, a calúnia, alegando que a querelada imputou-lhe, falsamente, fato definido como crime.
Diante dos fatos, o juízo de 1º grau entendeu por bem declarar extinta a punibilidade, sob a alegação de que a procuração acostada aos autos não se encontrava de acordo com os requisitos exigidos em lei, conforme o artigo 44 do CPP.
Inconformado, apela o querelante, requerendo a cassação da sentença e, consequentemente, a concessão, pelo juiz, de prazo de 5 (cinco) dias para promover as respectivas adequações à procuração de f. 6.
Parecer do Ministério Público às f.54-60, opinando pelo conhecimento e improvimento do recurso.
É o relatório.
O Senhor Representante do Ministério Público - Dr. PAULO BATISTA BORGES
O Ministério Público ratificou o parecer de fls. 54/60.
VOTOS
O Senhor Juiz JOSÉ GUILHERME - Presidente e Relator
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Da análise dos autos, tenho que o recurso merece guarida.
O recorrente sustenta que a procuração de f. 6 preenche todos os requisitos legais constantes no artigo 44 do CPP, vez que no referido instrumento consta o nome do querelante e a menção ao fato criminoso - qual seja, crime de calúnia, previsto no artigo 138 do Código Penal
Cumpre esclarecer, ab initio, que a questão não se encontra pacificada na doutrina e na jurisprudência, que ainda se divide quanto à necessidade de uma breve descrição do suposto fato criminoso no mandato com poderes especiais, ou se a simples menção do artigo legal supre as exigências legais.
Com efeito, o Estatuto Processual Penal brasileiro possibilita, nos crimes de ação penal pública privada, que o particular requeira, perante o Judiciário, a punição do indivíduo que o autor entenda que lhe tenha causado algum prejuízo legalmente tipificado, desde que acoste aos autos procuração com poderes especiais (artigo 44, CPP).
As exigências legais previstas no artigo 44 do CPP almejam a possível responsabilização do outorgante, em casos de má-fé, bem como de seu mandatário, quando este ultrapassar os limites dos poderes outorgados na procuração. Nessas circunstâncias, a imposição legal do artigo em questão visa à certeza quanto ao fato típico presente no objeto do mandato outorgado pelo ofendido ao causídico.
Nesse diapasão, entendo que a procuração de f. 6 atende à finalidade do legislador relativa ao artigo 44 do Código de Processo Penal, vez que delimita os poderes especiais do advogado para "propor Ação Penal de Queixa-Crime por calúnia, previsto no artigo 138 do Código Penal (...)" (f. 6). Dessa maneira, por estar o instrumento particular em harmonia com a descrição fática apresentada na exordial, concluo que a procuração atendeu perfeitamente à finalidade da lei, de forma a conceder a certeza quanto ao fato-crime, corroborado por toda a descrição constante na queixa-crime.
Sobre o tema, confira-se:
"DIREITO PROCESSUAL PENAL. QUEIXA-CRIME. PROCURAÇÃO. DESNECESSIDADE DE DESCRIÇÃO DO FATO, BASTANDO A MENÇÃO AO ARTIGO DE LEI INDICATIVO DO FATO CRIMINOSO. EXEGESE DO ART. 44 DO CPP. 1. Consoante entendimento predominante na jurisprudência, não é necessário que a procuração outorgada pelo querelante ao seu advogado descreva pormenorizadamente o fato criminoso, bastando, ao atendimento da exigência contida no Art. 44, do CPP, a indicação do dispositivo legal correspondente ao fato. 2. Recurso conhecido e provido". (20080110338504APJ, Relator ROMULO DE ARAUJO MENDES, SEGUNDA TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS DO DF, DJ 15/05/2009 p. 110)
"DIREITO PROCESSUAL PENAL. QUEIXA-CRIME. PROCURAÇÃO. DESNECESSIDADE DE DESCRIÇÃO DO FATO, BASTANDO A MENÇÃO AO ARTIGO DE LEI INDICATIVO DO FATO CRIMINOSO. EXEGESE DO ART. 44 DO CPP. 1. Consoante entendimento predominante na jurisprudência, é desnecessário que a procuração outorgada pelo querelante ao seu advogado descreva pormenorizadamente o fato criminoso, bastando, ao atendimento da exigência contida no art. 44 do CPP, a indicação do artigo de lei correspondente ao fato. 2. Recurso conhecido e provido. Sentença cassada. Unânime". (20060110634182APJ, Relator LUCIMEIRE MARIA DA SILVA, SEGUNDA TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS DO DF, DJ 28/03/2007 p. 105)
"LEI N. 9.099/95. AÇÃO PENAL PRIVADA. CUSTAS INICIAIS. RECOLHIMENTO. DESNECESSIDADE. PROCESSO PENAL. PROCURAÇÃO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. QUEIXA-CRIME. DECADÊNCIA. INEXISTÊNCIA. CONTRAVENÇÃO PENAL. ART. 42, III, DA LCP. DECISÃO. FALTA DE JUSTA CAUSA. INEXISTÊNCIA DE RECURSO. PRECLUSÃO TEMPORAL. RECURSO PROVIDO. 1. O acesso aos Juizados Especiais em primeira instância independe do recolhimento prévio das custas processuais, nos termos do art. 54 da Lei n. 9.099/95. 2. Satisfaz o requisito exigido pelo art. 44 do Código de Processo Penal, aplicável subsidiariamente ao rito previsto nos Juizados Especiais Criminais, a procuração com poderes especiais que descreve o fato delituoso imputado ao querelado. 3. Verificada a regularidade do instrumento procuratório outorgado pelo querelante ao seu patrono, descabe a declaração da extinção da punibilidade em face da decadência. 4. Declarada extinta a ação penal privada por falta justa causa quanto à contravenção penal imputada ao querelado, em face do fechamento, pelas autoridades administrativas competentes, do estabelecimento comercial responsável pela importunação imputada pelo querelante, e não tendo este apelado dessa decisão, opera-se a preclusão temporal quanto à contravenção penal. 5. Inexistente qualquer razão para a extinção da ação penal privada, merece acolhimento o recurso interposto para que tenha prosseguimento a ação quanto ao crime de injúria tão somente. CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA CASSADA. UNÂNIME". (20070110089139APJ, Relator ALFEU MACHADO, SEGUNDA TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS DO DF, DJ 14/05/2008 p. 182)
Ante o exposto, CONHEÇO do recurso e DOU-LHE PROVIMENTO, para cassar a sentença e determinar o prosseguimento do feito no juízo de origem.
Sem custas e sem honorários.
É como voto.
O Senhor Juiz ASIEL HENRIQUE - Vogal
Com o Relator.
A Senhora Juíza EDI MARIA COUTINHO BIZZI - Vogal
Com a Turma.
DECISÃO
Conhecido. Dado provimento ao recurso. Sentença cassada. Unânime.
DJ-e: 05/02/2010
JURID - Procesual penal. Calúnia. Crime tipificado no art. 138 do CP [18/02/10] - Jurisprudência
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