Ação Civil Pública. Pensão de mercê. Preliminar de prescrição.
Tribunal de Justiça do Mato Grosso - TJMT.
QUARTA CÂMARA CÍVEL
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 100629/2009 - CLASSE CNJ - 202 - COMARCA DE VÁRZEA GRANDE
AGRAVANTE: ANA MARIA DA CONCEIÇÃO MIRANDA
AGRAVADA: MINISTÉRIO PÚBLICO
Número do Protocolo: 100629/2009
Data de Julgamento: 26-01-2010
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - PENSÃO DE MERCÊ - PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO - QUESTÃO NÃO APRECIADA PELA INSTÂNCIA DE PRIMEIRO GRAU - SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA - NÃO CONHECIMENTO - ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ART. 273 DO CPC - INTERRUPÇÃO DO PAGAMENTO DO BENEFÍCIO - POSSIBILIDADE - DECISÃO MANTIDA - RECURSO IMPROVIDO.
I - É defeso à instância superior julgar preliminar suscitada, se a questão ainda não foi apreciada pelo juízo de primeiro grau, sob pena de supressão de instância.
II - Presentes os requisitos ao deferimento do pedido (art. 273, do CPC), a antecipação da tutela deve ser mantida.
R E L A T Ó R I O
EXMO. SR. DES. JOSÉ SILVÉRIO GOMES
Egrégia Câmara:
Trata-se de recurso de Agravo de Instrumento interposto contra decisão de fls. 26/27-TJ, proferida nos autos da Ação Civil Pública, por conta da qual deferiu tutela antecipada, determinando ao Município de Várzea Grande que proceda a interrupção do pagamento das "pensões de mercês", dentre elas, a estabelecida em nome da Agravante.
Nas razões recursais, assevera a Recorrente estar com 87 anos de idade, e com várias patologias graves, tais como: insuficiência cardíaca, osteofitose e deficiência óssea. Sustenta que a suspensão abrupta da referida pensão, poderá lhe trazer graves prejuízos, porquanto estará impossibilitada de adquirir a medicação para seus problemas físicos.
Aduz, ainda, que o direito à interposição da Ação Civil Pública intentada pelo Agravado, foi alcançado pela prescrição quinquenal, eis que a lei editada que instituiu a pensão, é do ano de 1994 e a ação distribuída em 2009.
Por fim, requer o provimento do recurso para que seja determinada a suspensão da Ação Civil Pública, em face da prescrição, ou quando não, seja cassada a decisão objurgada com o consequente restabelecimento da pensão em litígio.
O postulado efeito suspensivo foi deferido às fls. 82/83-TJ.
O Agravado apresentou contraminuta ao presente recurso às fls. 99/106-TJ, pugnando pelo seu improvimento.
O MM. Juiz a quo prestou informações às fls. 96/97-TJ, dando as razões do seu convencimento.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça às fls. 110/117-TJ, manifestou-se pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
P A R E C E R (ORAL)
O SR. DR. ASTÚRIO FERREIRA DA SILVA FILHO
Ratifico o parecer escrito.
V O T O (PRELIMINAR - DA PRESCRIÇÃO)
EXMO. SR. DES. JOSÉ SILVÉRIO GOMES (RELATOR)
Egrégia Câmara:
Como visto do relatório, trata-se de recurso de Agravo de Instrumento interposto contra decisão proferida nos autos da Ação Civil Pública, que deferiu tutela antecipada, determinando ao Município de Várzea Grande que proceda a interrupção do pagamento das "pensões de mercê", dentre elas, a estabelecida em nome da Agravante.
Entrementes, antes de adentrar na análise meritória, julgaremos a matéria preliminar acerca da prescrição para a propositura da Ação Civil Pública.
Da prescrição:
Em que pese os argumentos expendidos pela Agravante às fls. 07/09-TJ, no sentido de que a prescrição pode ser levantada em qualquer momento processual e instância, razão não lhe assiste, pois tal preliminar em si não merece ser acolhida, pelo simples fato de que não se admite a supressão de instância, como se verifica no presente caso.
Nesse sentido, entendimento deste Eg.Tribunal:
"RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO - COBRANÇA - SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL - REMUNERAÇÃO EM ATRASO - LIMINAR INDEFERIDA - PRELIMINAR - PRESCRIÇÃO - SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA - MÉRITO - POSSIBILIDADE DE ANTECIPAÇÃO DA TUTELA EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA - BLOQUEIO DOS VALORES DEVIDOS - PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - RECURSO PROVIDO. Configura supressão de instância a análise de preliminar que ainda não foi apreciada pelo juízo singular. (...)". (RAI: 36668/2008 -Rel. Des. Evandro Stábile - DJ em 07-7-08) (grifos nossos)
"ISSQN - ADVOGADOS ASSOCIADOS - PRESTAÇÃO DE SERVIÇO - SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA - MANDADO DE SEGURANÇA - LIMINAR CONCEDIDA - REQUISITOS PREENCHIDOS - PRELIMINAR NÃO CONHECIDA - AGRAVO IMPROVIDO. Não se conhece de preliminares argüidas no agravo de instrumento que não foram objeto de análise no juízo monocrático, sob pena de supressão de instância. Preenchidos os requisitos essenciais para o deferimento de liminar em Mandado de Segurança e não advindo motivo relevante e contrário para a sua revogação, deve prevalecer até julgamento final." (RAI n° 42.978/2003 - Relator: Dr. Carlos Alberto Alves da Rocha - DJ em 30-6-04) (grifos nossos)
Clarividente, portanto, que o questionamento quanto à prescrição deve ser inicialmente apreciado e julgado em Juízo de primeiro grau e, ulteriormente, havendo qualquer recurso, ser analisado em instância superior, sob pena, como já dito, de supressão de instância.
Ante ao exposto, NÃO SE CONHECE a preliminar levantada.
É como voto.
V O T O (MÉRITO)
EXMO. SR. DES. JOSÉ SILVÉRIO GOMES (RELATOR)
Egrégia Câmara:
A insurgência da Agravante consubstancia nas assertivas de estar ela com 87 anos de idade, e com várias patologias graves, e que a suspensão abrupta da referida pensão, poderá lhe trazer graves prejuízos, porquanto estará impossibilitada de adquirir a medicação para seus problemas físicos.
Sem razão a Agravante, porquanto o benefício instituído pelo Município de Várzea Grande ofende os princípios basilares da ordem jurídica constitucional.
Assim, correta a decisão singular de fls. 26/27-TJ, verbis:
"Os elementos até aqui coletados permitem concluir pela verossimilhança das alegações da inicial, no sentido de que as leis que beneficiam alguns ex-funcionários, não foram observados os preceitos constitucionais, sendo necessário a interrupção dos pagamentos não só pela quebra dos princípios constitucionais, como também pela existência de justificado receio de lesão grave ao erário público.
Assim, entendo preenchidos os requisitos necessários à medida liminar de urgência para a interrupção pagamento das pensões aos Requeridos, uma vez que há indícios de provas suficientes de que os mesmos foram beneficiados, fazendo-se presente a verossimilhança das alegações bem como o fundado receio de dano de difícil reparação."
Nesse sentido esse Egrégio Tribunal de Justiça já decidiu:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA OBJETIVANDO A CESSAÇÃO DO PAGAMENTO DE PENSÃO DE MERCÊ - CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA - PRETENSÃO DE SE CONCEDER EFEITO SUSPENSIVO À DECISÃO AGRAVADA QUE SUSPENDEU O PAGAMENTO DA REFERIDA PENSÃO - PROVA INEQUIVOCA DAS ALEGAÇÕES E POSSIBILIDADE DE DANO IRREPARÁVEL AOS COFRES PÚBLICOS A EMBASAR A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA - AUSÊNCIA DE ELEMENTOS A JUSTIFICAR A SUSPENSÃO DA MEDIDA JUDICIAL AGRAVADA - RECURSO IMPROVIDO. Estando presentes os requisitos da tutela antecipada que embasaram a decisão agravada e não havendo elementos necessários dentre os quais periculum in mora e ou fumus boni juris para concessão de efeito suspensivo à decisão judicial deve ela ser mantida." (Rai nº 83964/2007- Rel. Desa. Maria Helena Gargaglione Povoas - DJ em 16-7-08)
"REEXAME NECESSÁRIO DE SENTENÇA COM RECURSO DE APELAÇÃO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - PENSÃO DE MERCÊ - IMPOSSIBILIDADE DO PAGAMENTO - OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA MORALIDADE E IMPESSOALIDADE - SENTENÇA MANTIDA EM REEXAME- RECURSO IMPROVIDO. Estabelecer pensão de mercê, cujo ônus é suportado pelo erário e sem nenhuma contribuição anterior, representa clara lesão à moralidade e impessoalidade administrativas." (Rai nº 66604/2009 - Rel. Des. José Tadeu Cury - DJ em 26-10-09)
Além disso, como bem ponderou a douta Procuradoria Geral de Justiça às fls. 112/113-TJ:
"... não há que se falar em incorporação do benefício ao patrimônio da Agravante, eis que a inconstitucionalidade, por macular a norma legal, impede que dela emane qualquer direito.
(...)
Insta salientar, que o zeloso Promotor de Justiça, ainda teve a cautela de não incluir pedido de devolução dos valores já recebidos, justamente em observância aos princípios da proporcionalidade e dignidade da pessoa humana, considerando a situação de pobreza dos beneficiários.
Portanto, a instituição dessas pensões, por melhor e mais louvável que tenha sido a sua intenção assistencial em prol dos beneficiários necessitados, fere os princípios previstos no art. 37 da Carta Magna, valendo destacar o da legalidade, da isonomia, ou impessoalidade e da moralidade, tendo em vista que apenas alguns são eleitos para recebimento do benefício, em detrimento de inúmeras pessoas que também necessitam de auxílio por parte do poder público."
Destarte, a necessidade financeira da Agravante aliada aos seus problemas de saúde por si só não tem o condão de perpetuar a "pensão de mercê", visto que o referido benefício tal como instituído favorece interesse particular e não interesse público, em total afronta aos princípios constitucionais da Administração Pública (art. 37 da CF).
Por outro lado, como consignado pelo Ministério Público na contraminuta à fl. 104: "... nada impede que a agravante requeira junto ao INSS algum benefício LEGALMENTE previstos a todos os que necessitam de auxílio social, como por exemplo, aposentadoria, ou em se tratando da hipótese de não ter ela contribuído para a Previdência Social, o benefício de prestação continuada, previsto pela Lei Orgânica da Assistência Social (Lei nº 8742/93, art. 20) e que é prestado a quem dele precisar, desde que preenchidos os requisitos legais, independente de contribuição."
Evidente, portanto, o inequívoco fundamento alegado na Ação Civil Pública originária, no que concerne ao pagamento de pensão sem justa causa pelo Município de Várzea Grande. De igual sorte, restou caracterizada na hipótese, a possibilidade de dano irreparável aos cofres públicos.
Nesse contexto, prevalece o entendimento do MM. Juiz singular de que no caso vertente as razões expostas pelo Autor, ora agravado, expressam a necessária presença dos requisitos do artigo 273 do CPC, autorizando, pois, a concessão da antecipação da tutela.
Ante ao exposto, NEGA-SE PROVIMENTO ao vertente recurso para manter a r. decisão singular por seus próprios e bem fundamentados termos.
É como voto.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DES. JOSÉ SILVÉRIO GOMES, por meio da Câmara Julgadora, composta pelo DES. JOSÉ SILVÉRIO GOMES (Relator), DES. MÁRCIO VIDAL (1º Vogal) e DES. GUIOMAR TEODORO BORGES (2º Vogal convocado), proferiu a seguinte decisão: PRELIMINAR AFASTADA. NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. DECISÃO UNÂNIME.
Cuiabá, 26 de janeiro de 2010.
DESEMBARGADOR JOSÉ SILVÉRIO GOMES - PRESIDENTE DA QUARTA CÂMARA CÍVEL E RELATOR
PROCURADOR DE JUSTIÇA
Publicado em 29/01/10
JURID - Pensão de mercê. Preliminar de prescrição. [01/02/10] - Jurisprudência
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