Desapropriação. Homologação de acordo extrajudicial.
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte - TJRN.
Julgamento: 19/01/2010 Órgao Julgador: 2ª Câmara Cível Classe: Apelação Cível
Apelação Cível n° 2009.006862-1
Origem: 1ª Vara Cível da Comarca de Pau dos Ferros/RN
Apelante: Estado do Rio Grande do Norte
Procurador: Doraciano Freire do Nascimento
Apelado: Paulo Diógenes Júnior
Relator: Desembargador Cláudio Santos
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. DESAPROPRIAÇÃO. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO (ART. 267, IV, CPC). IMPOSSIBILIDADE. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. JULGAMENTO PAUTADO NA PERMISSIBILIDADE DO ART. 515, § 3º, CPC. PACTO CELEBRADO ENTRE O ESTADO DO RN E PARTICULAR. DESAPROPRIAÇÃO DE IMÓVEL RURAL PARA FINS DE UTILIDADE PÚBLICA. CONSTRUÇÃO DE SISTEMA ADUTOR. MANIFESTO INTERESSE DA COLETIVIDADE. NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO. SENTENÇA QUE CONSTITUI TÍTULO HÁBIL À TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE DO BEM EXPROPRIADO PERANTE O CARTÓRIO IMOBILIÁRIO COMPETENTE. LEGITIMIDADE, LEGALIDADE E EFICÁCIA DA AVENÇA. APLICAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 167, I, ITEM 34, DA LEI 6.015/73, 29, DO DECRETO-LEI Nº 3.365/41, E 2º, CAPUT, DA INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 34 DO INCRA. PRECEDENTES DESTA CORTE. APELO CONHECIDO E PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima identificadas, acordam os Desembargadores que compõem a 2ª Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, em Turma, por maioria de votos, em dissonância com o parecer da 15ª Procuradoria de Justiça, conhecer do recurso e lhe dar provimento, tudo nos termos do voto do Relator, que integra o julgado. Vencido o Des. Osvaldo Cruz.
RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Cível interposta pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, por seu procurador, em face de sentença prolatada pela MM. Juíza de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Pau dos Ferros, que extinguiu, sem resolução de mérito, por ausência de interesse de agir ( CPC, art. 267, VI), o processo por meio do qual o ente público objetivava a homologação de acordo extrajudicial celebrado com PAULO DIÓGENES JÚNIOR, ora Apelado.
O objeto de tal avença seria o pagamento de indenização em decorrência de ato expropriatório sobre imóvel cuja posse pertencia ao ora Recorrido.
Nas razões recursais, o Estado do RN sustentou, em síntese, existir interesse processual, considerando a " (...) força cogente que - indubitavelmente emanaria da decisão judicial que haveria de ser prolatada - chancelando o prévio acordo extrajudicial expropriatório", além do efeito erga omnes a ser atribuído ao pacto. (fl. 72)
Acrescentou que seria irrelevante a existência de litígio como condição para justificar a presença do Poder Judiciário na ação expropriatória, salientando que o acordo não teria plena eficácia se formalizado apenas extrajudicialmente.
Indicou os dispositivos contidos na legislação de regência, os quais respaldariam o seu pleito recursal e, ao final, postulou o provimento do recurso, a fim de que fosse desconstituída a sentença, e ordenado o prosseguimento do feito, ultimando-se com a homologação do acordo expropriatório.
Instada a emitir pronunciamento, a 15ª Procuradoria de Justiça, manifestou-se pelo conhecimento e improvimento da Apelação (fls. 90/96).
É o relatório.
VOTO
Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.
Conforme relatado, visa a Apelação Cível desconstituir sentença que extinguiu, sem resolução de mérito, por ausência de interesse de agir, o processo por meio do qual o ente público Recorrente objetivava a homologação de acordo extrajudicial celebrado com o Apelado.
A avença já citada (fls. 05/08) tinha por escopo o pagamento de indenização no importe de R$ 5.872,00 (cinco mil, oitocentos e setenta e dois reais), pelo Estado do RN, ao Sr. Paulo Diógenes Júnior (Recorrido), em decorrência de ato expropriatório sobre imóvel cuja posse lhe pertencia, qual seja, Fazenda Rancho Quilombo, localizada no Município de Rafael Fernandes/RN (conforme levantamento cadastral acostado à fl. 14 - Procedimento Administrativo nº 29175/2009).
Pois bem. Compulsando os autos, verifica-se que os argumentos esposados no recurso merecem prosperar.
Em suas razões, o ente público enfatizou a necessidade de que fosse homologado o acordo extrajudicial, pois, somente dessa forma (por meio de ordem judicial), estaria autorizada a transferência da propriedade do imóvel expropriado junto ao Cartório Imobiliário competente, dada a força cogente que (naturalmente) emanaria da sentença, título hábil para tal finalidade.
Nesse passo, pontificou que a homologação pretendida tornava-se ainda mais relevante se considerado/sopesado fosse o interesse público de que estaria revestida a avença expropriatória, visto que a sua eficácia não se restringia apenas aos signatários, mas a toda uma coletividade, beneficiando mais de 200 mil pessoas na Região Oeste.
Isso porque, de maneira geral, a desapropriação pretendida pelo Estado do RN abrangeu áreas de terra localizadas nos Municípios de Alexandria, Frutuoso Gomes, Itaú, José da Penha, Luís Gomes, Major Sales, Marcelino Vieira, Paraná, Rafael Fernandes, Riacho da Cruz e Tenente Ananias, para fins de construção do Sistema Adutor Alto-Oeste. O intuito de tal ato administrativo seria a criação de um sistema integrado de abastecimento de água potável, com capacidade de atendimento às famílias das comunidades ao longo do seu traçado pelo período de 30 (trinta) anos.
Na hipótese vertente, o acordo celebrado entre o Estado do Rio Grande do Norte e o Sr. Paulo Diógenes Júnior restringiu-se, tão-somente, ao imóvel situado no Município de Rafael Fernandes (Fazenda Rancho Quilombo), de modo que, muito embora a transação tenha se concretizado de forma amigável/extrajudicial, é certo que a sua legalidade e legitimidade reclama a homologação judicial.
Desse modo, vejo que a elucidação da presente contenda contempla a aplicação do artigo 167, I, item 34, da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73), o qual dispõe que:
"Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos.
I - o registro:
(...)
34) da desapropriação amigável e das sentenças que, em processo de desapropriação, fixarem o valor da indenização; "
No mesmo sentido, o art. 29 do Decreto-Lei nº 3.365/41 - o qual dispõe sobre desapropriações por utilidade pública, bem assim o art. 2º, caput, da Instrução Normativa do INCRA de nº 34, prescrevem, respectivamente, que:
"Art. 29 -Efetuando o pagamento ou a consignação, expedir-se-á, em favor do expropriante, mandado de imissão de posse valendo a sentença como título hábil para a transcrição no Registro de Imóveis." (grifos acrescidos)
"Art. 2° - A transação judicial ou acordo envolvendo imóvel rural somente produzirá efeito após a indispensável manifestação do Ministério Público Federal e a homologação judicial pelo Juízo competente." (grifos acrescidos)
Da leitura de tais dispositivos legais, é fácil compreender que, para fins de transferência de domínio sobre imóvel expropriado, a desapropriação instaurada na esfera administrativa não se exaure apenas com a celebração do acordo extrajudicial entre o ente público (expropriante) e o particular (expropriado), sendo necessária a homologação de tal instrumento.
Tanto é assim que a própria legislação que rege as desapropriações por utilidade pública confere à sentença homologatória a qualidade de título hábil para a efetiva transcrição perante o Cartório Imobiliário. É através da interveniência/ingerência do Poder Judiciário que a desapropriação se aperfeiçoa, se legitima e passa, então, a produzir os seus efeitos jurídicos, enquanto ato administrativo que é (forma originária de aquisição), e possibilita, também, que seja efetuado o depósito judicial do valor indenizatório estipulado no pacto objeto de homologação.
Destarte, é incontestável que a indispensabilidade que permeia a referida homologação judicial justifica-se pela igual necessidade que tem o Estado do Rio Grande do Norte de obter, em seu favor, a transferência da propriedade sobre o bem imóvel expropriado, a fim de que este possa ingressar, em definitivo, e revestido de todas as garantias legais, no patrimônio afetado pelo ato expropriatório.
A propósito, este Tribunal de Justiça já albergou este entendimento, como se vê dos seguintes julgados, verbis:
"EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. UTILIDADE PÚBLICA. PRETENSÃO DE HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL PELO JUDICIÁRIO. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE LEGAL. POSSIBILIDADE. SENTENÇA REFORMADA. APELO CONHECIDO E PROVIDO." (AC| 2009.009031-2 - 1ª Câmara Cível - Relator: Des. Vivaldo Pinheiro - Data: 06.10.2009).
"EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. UTILIDADE PÚBLICA. PRETENSÃO DE HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL PELO JUDICIÁRIO. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE LEGAL. POSSIBILIDADE. SENTENÇA REFORMADA. APELO CONHECIDO E PROVIDO." (AC 2009.009027-1 - 1ª Câmara Cível - Relator: Juiz Ibanez Monteiro (convocado) - Data: 06.10.2009).
No mesmo sentido: Agravo de Instrumento nº 2009.014198-7, Relator Desembargador Cristóvam Praxedes, DJe 14.01.2010.
Dessa maneira, conclui-se que não agiu acertadamente a MM. Juíza a quo ao extinguir o processo, sem resolução do mérito (art. 267,VI, do CPC), pois há que se admitir, na espécie, a existência de interesse processual, de sorte que deve ser anulada a sentença, aplicando-se ao caso as disposições do art. 515, § 3º, do CPC, com a homologação judicial do acordo.
Por todo o exposto, em dissonância com o parecer da 15ª Procuradoria de Justiça, conheço do recurso e lhe dou provimento para anular a sentença, e prosseguindo no julgamento do feito, na permissibilidade do artigo 515, § 3º, do CPC, homologar o termo de acordo extrajudicial celebrado entre as partes, na forma livremente pactuada às fls. 05/08, para que surta os seus jurídicos e legais efeitos.
É como voto.
Natal, 19 de janeiro de 2010.
DESEMBARGADOR OSVALDO CRUZ
Presidente / Vencido
DESEMBARGADOR CLÁUDIO SANTOS
Relator
Dra. MYRIAN COELI GONDIM D´OLIVEIRA SOLINO
20ª Procuradora de Justiça
JURID - Desapropriação. Homologação de acordo extrajudicial. [01/02/10] - Jurisprudência
Nenhum comentário:
Postar um comentário